Guiné-Bissau > Bissau > c. 1995/1997 > Eu e a minha mãe, Cadi Candé (c. 1927-2017) ... Aqui com c. 70 anos. A foto foi tirada depois do primeiro regresso do Chermo Baldé, de Lisboa, onde frequentou, um mestrado no ISCTE (1993/95)
Guiné > Região de Bafatá > Fajonquito > 1973 > A mãe Cadi Candé (c. 1927-2017), acompanhada da minha irmãzinha, nos trabalhos da bolanha. Aqui com c. 46 anos
Fotos (e legendas): © Cherno Baldé (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Pela página do Facebook do Cherno Baldé soubemos da triste notícia, a morte da sua querida mãe, Cadi Candé, com cerca de 90 anos de idade:
17/210/2017
Tudo acaba.
No dia 13 de Outubro faleceu em Bissau a minha querida mãezinha, Cadi Candé (que a sua alma repouse em paz), e no dia seguinte foi enterrada na vila de Fajonquito, onde viveu a maior parte da sua vida.
A todos que nos acompanharam nessa dor, quero manifestar os nossos sentimentos de gratidão. Tudo acaba, mas a vida continua.
2. Seu neto, Braima K. Nhamadjo (, "meu sobrinho, filho da minha irmã que está numa das fotos com a nossa mae na bolanha de Fajonquito, actualmente docente na Universidade Lusófona de Bissau#.), também escreveu na sua págima do Facebook:
17/10/2017
Tudo acaba.
Andar com fé é saber que cada dia é um recomeço. É saber que temos asas invisíveis e fazer pedido para as estrelas, voltando os olhos para o céu. Andar com fé é manter a mão estendida para dar e receber. Andar com fé é usar a força e a coragem que habitam dentro de nós, quando tudo parece acabado. Tudo finda, menos o amor, pois este sempre viverá. O amor a minha falecida avo é eterno...RIP MAMA CADI
17/210/2017
Tudo acaba.
No dia 13 de Outubro faleceu em Bissau a minha querida mãezinha, Cadi Candé (que a sua alma repouse em paz), e no dia seguinte foi enterrada na vila de Fajonquito, onde viveu a maior parte da sua vida.
A todos que nos acompanharam nessa dor, quero manifestar os nossos sentimentos de gratidão. Tudo acaba, mas a vida continua.
2. Seu neto, Braima K. Nhamadjo (, "meu sobrinho, filho da minha irmã que está numa das fotos com a nossa mae na bolanha de Fajonquito, actualmente docente na Universidade Lusófona de Bissau#.), também escreveu na sua págima do Facebook:
17/10/2017
Tudo acaba.
Andar com fé é saber que cada dia é um recomeço. É saber que temos asas invisíveis e fazer pedido para as estrelas, voltando os olhos para o céu. Andar com fé é manter a mão estendida para dar e receber. Andar com fé é usar a força e a coragem que habitam dentro de nós, quando tudo parece acabado. Tudo finda, menos o amor, pois este sempre viverá. O amor a minha falecida avo é eterno...RIP MAMA CADI
3. Excertos do Cherno Baldé, com memórias da sua mãe (*)
(i) Amiga Felismina (**),
Obrigado por este bonito quadro da vida portuguesa dos anos 60, pleno de doçura e de reconhecimento que me encantou sobremaneira. (...)
A descrição que fazes da tua mãe, salvaguardada a diferença do contexto, claro, corresponderia na perfeição a minha mãezinha, um pouquinho só mais alta (um metro e sessenta) talvez, inteligente e incansável no trabalho.
Ela assumia a sua condição de mulher africana, extremamente dócil e obediente, mas ao mesmo tempo, sabia mostrar os limites da tolerância, quando era necessário.
Uma vez, estalou na família uma discussão sobre se eu devia ou não continuar na escola portuguesa. A minha mãe não vacilou nem um palmo e disse na cara do meu pai:
- O meu filho vai continuar na escola.
(...) Hoje, com mais de 80 anos de idade (disse-me que por volta de 1936/37, quando o pai voltou de Canhabaque, ela teria aproximadamente 9/10 anos de idade), e como se ela soubesse do futuro, é cega e sou eu e a minha esposa que cuidamos dela. A saúde e a boa disposição começam a faltar mas ainda encontra-se fisicamente bem e de sentido bem lúcido, a sua memoria é prodigiosa. (...)
A descrição que fazes da tua mãe, salvaguardada a diferença do contexto, claro, corresponderia na perfeição a minha mãezinha, um pouquinho só mais alta (um metro e sessenta) talvez, inteligente e incansável no trabalho.
Ela assumia a sua condição de mulher africana, extremamente dócil e obediente, mas ao mesmo tempo, sabia mostrar os limites da tolerância, quando era necessário.
Uma vez, estalou na família uma discussão sobre se eu devia ou não continuar na escola portuguesa. A minha mãe não vacilou nem um palmo e disse na cara do meu pai:
- O meu filho vai continuar na escola.
E aí o meu pai ficou completamente confundido: afinal o filho era dela?... desde quando?
- Desde o momento em que ele ainda vivia na minha barriga de mulher, - respondeu ela, sem pestanejar. - Não é agora, depois de tantos anos de trabalho e de pancadas, é que ele vai abandonar, para ir onde?
A sua decisão prevaleceu diante de todos os Almames e Califas da aldeia.
As características típicas da sociedade africana com que os etnólogos europeus pintaram os africanos, onde o homem é o centro do mundo e decide tudo, não corresponde sempre a realidade destes povos, é tudo muito mais complexo e muito mais difícil de destrinçar e de catalogar.(...)
(iii) (...) Sobre a minha mãe podia dizer muito e não dizer nada, na verdade, ela nunca foi p'ra além daquilo para que tinha sido moldada, isto é, ser uma mulher de casa, camponesa activa, devota e dedicada ao seu marido e à sua família. Cumpriu a sua missão, foi uma autêntica escrava, uma máquina de trabalho, nunca teve tempo para o repouso e muitas vezes comia de pé, a andar, os restos da panela e não sabia o que era o cansaço. Era a última a dormir, quando dormia, e a primeira a por-se de pé, antes das 5 da manhã.
- Desde o momento em que ele ainda vivia na minha barriga de mulher, - respondeu ela, sem pestanejar. - Não é agora, depois de tantos anos de trabalho e de pancadas, é que ele vai abandonar, para ir onde?
A sua decisão prevaleceu diante de todos os Almames e Califas da aldeia.
As características típicas da sociedade africana com que os etnólogos europeus pintaram os africanos, onde o homem é o centro do mundo e decide tudo, não corresponde sempre a realidade destes povos, é tudo muito mais complexo e muito mais difícil de destrinçar e de catalogar.(...)
(iii) (...) Sobre a minha mãe podia dizer muito e não dizer nada, na verdade, ela nunca foi p'ra além daquilo para que tinha sido moldada, isto é, ser uma mulher de casa, camponesa activa, devota e dedicada ao seu marido e à sua família. Cumpriu a sua missão, foi uma autêntica escrava, uma máquina de trabalho, nunca teve tempo para o repouso e muitas vezes comia de pé, a andar, os restos da panela e não sabia o que era o cansaço. Era a última a dormir, quando dormia, e a primeira a por-se de pé, antes das 5 da manhã.
(...) A minha mãe, quando era caso para isso, dizia brincando que, se a cabeça da família era ele, o meu pai, o pescoço era ela e perguntava, rindo:
- Agora, digam-me lá uma coisa, entre estas duas, a cabeça que se encontra em cima, baloiçando, e o pescoço que a suporta, quem é a mais importante?
- Agora, digam-me lá uma coisa, entre estas duas, a cabeça que se encontra em cima, baloiçando, e o pescoço que a suporta, quem é a mais importante?
Mas isto era a brincar e em família.
(...) Hoje, com mais de 80 anos de idade (disse-me que por volta de 1936/37, quando o pai voltou de Canhabaque, ela teria aproximadamente 9/10 anos de idade), e como se ela soubesse do futuro, é cega e sou eu e a minha esposa que cuidamos dela. A saúde e a boa disposição começam a faltar mas ainda encontra-se fisicamente bem e de sentido bem lúcido, a sua memoria é prodigiosa. (...)
Quero agradecer a todos os editores do Blogue da Tabanca Grande por se interessarem por uma pessoa tão simples como é a minha mãe que espero possa representar, mesmo que de forma simbólica, a mãe africana, em particular, e as mães de todos nós, de forma geral, exemplos de humildade e de abnegação.
4. Poema de Felismina Mealha, de homenagem à sua mãe (*)
Saudade
Há sempre no fundo do meu ser
Uma saudade do passado!
Saudade de uma voz.
De um corpo querido
Que há muito partiu
e nos deixou sós!
Uma voz estridente!
Bem timbrada!
Inteligente!
Forte!
Calma!
Uma voz que me enche a alma
e me acalma…
A voz da minha mãe!..
Felismina Costa
Agualva, 26 de Março de 2006
6. Comentário dos nossos editores:
Cherno, nosso amigo e irmãozinho:
Temos dificuldade em aceitar a morte, mesmo quando somos crentes. E, pior ainda, a morte daquela por quem viemos ao mundo, A "mindjer grandi" Cadi Candé chegou ao km 90 da autoestrada da vida, Africana, guineense, mulher, que conhecei a violência da guerra e os tempos difíceis do pós-independência, o seu caminho foi mais o da "picada" do que o da "autoestrada", a avaliar pela evocação, tão realista e tão terna, que fazes dela.
Afinal, a mãe de cada um de nós, na Guiné, em Portugal, ou na China, será sempre, para nós, a melhor mãe do mundo... E quando ela morre, é muito de nós que também morre com ela. Daí a nossa obrigação de evocarmos a sua memória, de fazer.lhe a devida homenagem e mostrar-lhe a nossa gratidão....
A Candi Candé terá tido grandes alegrias e profundas tristezas, como todas as nossas mães. Uma alegria, grande por certo, foi a de saber que o seu filho querido tinha conseguido fazer o seu percurso escolar, com sucesso, chegando até à universidade, e diplomando-se com um curso superior. Tu e nós todos, os teus amigos, estamos-lhe gratos por ela (e oo teu pai...) te deixar continuar a estudar na escola dos "tugas"... Isso fez toda a diferença, entre vocês, os irmãos...(Julgo que tens um outro irmão, licenciado pela Universidade de Lisboa, farmacêutico.)
Devia ser uma senhora, a tua mãe, com grande inteligência emocional, mesmo sendo analfabeta. Pelos textos que escrevestes, sobre a tua saga familiar, percebe-se que foi uma figura estruturante na tua vida, e na vida dos teus irmãos. Como tu lembras, e muito bem, se o teu pai era a "cabéça", ela era o "pescoço", se não mesmo a "coluna vertebral" da família.
Por outro lado, estás de parabéns, tu e a tua família, e em especial a tua esposa, por cuidares bem da tua mãezinha, nos últimos anos de vida, na tua casa em Bissau, com tanto amor e carinho. São valores, esses, que transmites aos teus filhos e que se estão a perder em todo lado, a começar pela Europa. Os "velhos" hoje são apartados das famílias e institucionalizados, nos famiegrados "lares de idosos", verdadeiros "terminais da morte", e morrem quase sempre sozinhos, sem alguém, querido, que lhes segure a mão e lhes feche os olhos, ajudando-os a fazer a derradeira viagem.
Aceita, Cherno, este pequena homenagem dos teus amigos da Tabanca Grande. Força para ti, para os teus filhos, tua esposa e demais família. (LG/CV/EMR) (***)
___________
Uma saudade do passado!
Saudade de uma voz.
De um corpo querido
Que há muito partiu
e nos deixou sós!
Uma voz estridente!
Bem timbrada!
Inteligente!
Forte!
Calma!
Uma voz que me enche a alma
e me acalma…
A voz da minha mãe!..
Felismina Costa
Agualva, 26 de Março de 2006
6. Comentário dos nossos editores:
Cherno, nosso amigo e irmãozinho:
Temos dificuldade em aceitar a morte, mesmo quando somos crentes. E, pior ainda, a morte daquela por quem viemos ao mundo, A "mindjer grandi" Cadi Candé chegou ao km 90 da autoestrada da vida, Africana, guineense, mulher, que conhecei a violência da guerra e os tempos difíceis do pós-independência, o seu caminho foi mais o da "picada" do que o da "autoestrada", a avaliar pela evocação, tão realista e tão terna, que fazes dela.
Afinal, a mãe de cada um de nós, na Guiné, em Portugal, ou na China, será sempre, para nós, a melhor mãe do mundo... E quando ela morre, é muito de nós que também morre com ela. Daí a nossa obrigação de evocarmos a sua memória, de fazer.lhe a devida homenagem e mostrar-lhe a nossa gratidão....
A Candi Candé terá tido grandes alegrias e profundas tristezas, como todas as nossas mães. Uma alegria, grande por certo, foi a de saber que o seu filho querido tinha conseguido fazer o seu percurso escolar, com sucesso, chegando até à universidade, e diplomando-se com um curso superior. Tu e nós todos, os teus amigos, estamos-lhe gratos por ela (e oo teu pai...) te deixar continuar a estudar na escola dos "tugas"... Isso fez toda a diferença, entre vocês, os irmãos...(Julgo que tens um outro irmão, licenciado pela Universidade de Lisboa, farmacêutico.)
Devia ser uma senhora, a tua mãe, com grande inteligência emocional, mesmo sendo analfabeta. Pelos textos que escrevestes, sobre a tua saga familiar, percebe-se que foi uma figura estruturante na tua vida, e na vida dos teus irmãos. Como tu lembras, e muito bem, se o teu pai era a "cabéça", ela era o "pescoço", se não mesmo a "coluna vertebral" da família.
Por outro lado, estás de parabéns, tu e a tua família, e em especial a tua esposa, por cuidares bem da tua mãezinha, nos últimos anos de vida, na tua casa em Bissau, com tanto amor e carinho. São valores, esses, que transmites aos teus filhos e que se estão a perder em todo lado, a começar pela Europa. Os "velhos" hoje são apartados das famílias e institucionalizados, nos famiegrados "lares de idosos", verdadeiros "terminais da morte", e morrem quase sempre sozinhos, sem alguém, querido, que lhes segure a mão e lhes feche os olhos, ajudando-os a fazer a derradeira viagem.
Aceita, Cherno, este pequena homenagem dos teus amigos da Tabanca Grande. Força para ti, para os teus filhos, tua esposa e demais família. (LG/CV/EMR) (***)
___________
Notas do editor:
(*) Vd, 23 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9085: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (31): A minha Mãe Cadi representa a mãe africana em particular e as mães de todos nós em geral (Cherno Baldé)
(**) 17 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9054: In memoriam (96): Dia 17 de Novembro de 1967, data tão distante, ainda hoje lembrada (Felismina Costa)
(***) Último poste da série > 11 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17851: In Memoriam (305): José Martinho da Silva (1944-2013), ex-soldado corneteiro, CCAÇ 818, Xitole e Fá Mandinga, 1965/67... Natural de Ereira, vivia em Caixeira, Montemor-o-Velho, morreu em 25/12/2013... Faria hoje anos: homenagem da sua neta, Tânia Pereira
(*) Vd, 23 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9085: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (31): A minha Mãe Cadi representa a mãe africana em particular e as mães de todos nós em geral (Cherno Baldé)
(**) 17 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9054: In memoriam (96): Dia 17 de Novembro de 1967, data tão distante, ainda hoje lembrada (Felismina Costa)
(***) Último poste da série > 11 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17851: In Memoriam (305): José Martinho da Silva (1944-2013), ex-soldado corneteiro, CCAÇ 818, Xitole e Fá Mandinga, 1965/67... Natural de Ereira, vivia em Caixeira, Montemor-o-Velho, morreu em 25/12/2013... Faria hoje anos: homenagem da sua neta, Tânia Pereira