terça-feira, 26 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16018: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (1): Heróis de uma guerra que nunca existiu e que por isso, não vão ficar para a história: o Paranhos, o Pimentel, o Peniche, o Pinto e eu (Luís Graça)



Caldas da Rainha > RI 5 > Juramento de bandeira > 1968


Foto: © Abílio Duarte (2016). Todos os direitos reservados. [Edição. L.G.]



1. No dia 23 de abril de 2016, o nosso blogue fez 12 anos. Publicámos o nosso poste nº 1 em 23/4/2004. E depois desse mais de 16 mil. A efeméride não pode passar despercebida.


12 (doze!) anos é idade maior na Net (que nasceu no início dos anos 90 do século passado): com menos disso, já muitos blogues morreram.

12 (doze!) anos é "manga de tempo", dava para fazer 6 (seis!) comissões na Guiné, desde o princípio ao fim da guerra (1961/74).

12 (doze!) anos é cerca de um sétimo da esperança de vida (média) aos 65 anos, em 2012, de alguém, como eu, que tenha nascido em 1947.

Camaradas (e amigos/as):

12 (doze!) anos é "manga de tempo"!... Por isso, o 12º aniversário do nosso blogue merece ser comemorado, por muito cansados que estejamos da guerra, da vida e... do blogue!...

Traduzida em números, a atividade do nosso blogue representa:

(i) 16 mil postes;

(ii) 714 membros inscritos (formalmente na nossa Tabanca Grande, dos quais infelizmente 44 já morreram), oriundos dos mais diversos sítios onde vivem camaradas nossos (e também alguns amigos), da Austrália à América, da Suécia ao Brasil, de Paris ao Mindelo, de Viana do Castelo a Bissau, de Lisboa a Macau;

(iii) 700 álbuns, 59  mil imagens (, incluindo mais de 300 vídeos):

(iv) 63 mil comentários;

(v) 7,8 milhões de visualizaçõs de páginas;

(vi) 11 encontros nacionais, anuais, da Tabanca Grande, desde 2007, com cerca de dois mil inscritos;

(vii) e,  sobretudo,  muitas memórias e muitos afetos partilhados entre todos nós...


O blogue nasceu em 23/4/2004. E por essa altura eu escrevi, à laia de justificação para passar a dedicar o meu blogue pessoal (Blogue-Fora-Nada) unicamente à Guiné, à experiência (partilhada) da guerra na Guiné (primeiro circunscrita aos anos de 1969/71 e depois alargada, muito rapidamente, ao período de 1963/74):

"Trinta anos e tal anos depois. Para que não digam, os (por)tugas mais novos, que a Guiné nunca existiu. Que a guerra da Guiné nunca existiu. Ou que nunca ouviram falar da guerra colonial (em África). Uma guerra que marcou, se não um povo inteiro, pelo menos toda uma geração. A minha geração.

"Desenterro estes escritos, guardados no sótão da casa e sobretudo no sótão da memória, em homenagem a todos os que derramaram o seu sangue na Guiné, entre meados de 1969 e o 1º trimestre de 1971. Ou que deram o melhor da sua vida, a sua juventude, a sua generosidade, os seus sonhos, as suas ilusões. Pela Pátria, dizia-se então. Ou por nada, o que é pior.

"Há trinta e tal anos... Em homenagem aos que combateram, de um lado e de outro, nos três teatros de operações (Angola, Moçambique e Guiné). Em particular aos meus camaradas, portugueses e guineenses, da Companhia de Caçadores nº 12 (CCAÇ 12). Que se bateram com dignidade, bravura, galhardia e honra (mas também com ética!) na Zona Leste, Setor L1, da Guiné. (...)

"Há trinta e tal anos... Em homenagem também aos que fizeram o 25 de abril de 1974. Foi no meu tempo, na Guiné, entre os milicianos, que o moral das tropas começou a deteriorar-se. Inexoravelmente. E a contaminar os oficiais e os sargentos do quadro, já poucos, velhos e cansados. Por exemplo, em 26 de novembro de 1970, a escassos três meses da minha rendição individual e do meu regresso a casa, mandei impunemente à merda toda a hierarquia militar do aquartelamento de Bambadinca, do tenente-coronel aos majores e capitães, depois de termos sofrido um dos nossos piores reveses militares, a CCAÇ 12 e a CART 2714 [Companhia de Artilharia aquartelada no Xime], no decurso da Operação Abencerragem Candente: seis mortos e nove feridos...

"Tudo aconteceu por grave erro que na altura imputámos ao major, segundo comandante do BART 2917, um militarão de artilharia [, antigo professor da Academia Militar,] que não gozava da simpatia dos alferes e furriéis milicianos. Abreviando razões, o comandante da força, que integrava a fatídica Operação Abencerragem Candente (...), obrigara-nos a repetir o percurso de véspera (25 de novembro de 1970), a caminho da Ponta do Inglês (Região do Xime, na confluência dos Rios Geba e Corubal)... Contra as mais elementares regras de segurança militar! É que na Guiné bichos e homens sabiam que nunca se pisava duas vezes o mesmo trilho e nunca se bebia duas vezes a água do mesmo rio...

"Ainda recordo, com nitidez, as palavras que dirigi, depois do regresso a Bambadinca, na parada, alto e em bom som, frente às instalações do comando do BART  2917, utilizando a mesma linguagem de caserna com que me fizeram soldado à força (...): 'Assassinos, criminosos de guerra, limpo o cu às folhas do RDM [ Regulamento de Disciplina Militar]'...

"Podiam ter-me mandado prender por insubordinação, por grave infracção ao RDM, por crime de lesa-pátria... Não o fizeram, não tiveram coragem de o fazer: pediram apenas ao médico (miliciano) que me desse um Valium 10; o meu capitão, por seu turno, achava que eu andava muito cansado... Diagnóstico: distúrbio emocional, muito frequente na época entre as NT (nossas tropas).

"E no final da comissão fiz-lhes a história dos seus gloriosos feitos em combate. Deram-me um louvor, averbado na minha caderneta militar, pela qualidade e seriedade do meu trabalho ... jornalístico. Dei-lhes a volta e fiz a crónica da guerra, baseado em toda a informação classificada a que tive acesso, para além das minhas próprias memórias, já que também fui um operacional com intensa actividade (...).

"O acesso aos arquivos da CCAÇ 12/CCAÇ 2590 contou, naturalmente, com a cumplicidade de um dos sargentos do quadro. Um alentejano, de origem proletária, que meteu o chico (leia-se: seguiu a vida da tropa), e que me alcunhou carinhosamente de soviético ou camarada Sov, ao que julgo saber por eu ser do contra (...).

"Dezenas de exemplares da história da CCAÇ 12, tirados a stencil, acabaram por ser distribuídos pelos tugas da companhia ( e em particular pelos meus camaradas milicianos), chegando assim à Metropóle, mau grado as instruções do capitão que, aflito e em vésperas de ser promovido a major, a mandara classificar como documento reservado. Onde quer estejas, meu caro Sargento P[iça], vivo ou morto, eu ainda tenho uma dívida de gratidão para contigo! E do meu capitão, então com 37 anos, uma comissão na Índia e três em África, eu só posso dizer que era um bom homem e um bom portuga. "(...)


Camaradas e amigos/as: dou o pontapé de saída, com um texto que fui repescar ao meu já muito rapado baú... Cada um de vocês pode também contribuir, com textos, fotos e outros documentos inéditos (ou reformulados), para animar a Tabanca Grande e festejar os 12 (doze!) anos do nosso blogue. O administrador  deste condomínio (que não é fechado!) agradece!... LG



2. Heróis de um guerra que nunca existiu e que, por isso, não vão ficar para a história: o Paranhos, o Pimentel, o Peniche, o Pinto e eu


por Luís Graça (*)





– E no fim quem levou a taça foi o capitão!... Pelo menos, sabemos que chegou a general de duas estrelas, disse-me o Pinto...Paz à sua alma, no caso de já ter morrido! – ouviu-se a voz do Paranhos, à segunda rodada de espumante da Bairrada, com que acompanhávamos o leitão, num restaurante de beira de estrada, ali para os lados da Mealhada, na antiga estrada nacional nº 1.
– Em boa verdade, pouco se soube dele, depois do 25 de abril... Não deu nas vistas, por boas ou más razões. Acho que estava num batalhão, no leste de Angola, na altura do 25 de abril, Ouvi dizer que era coronel, na guarda fiscal ou coisa parecida… Sim, e deve ter chegado a brigadeiro! – opinou o nosso vaguemestre, o Pinto que, depois da tropa, foi dos que continuou a estudar e era agora dono de uma pequena empresa de contabilidade em Coimbra, e um dos organizadores do encontro.
– Deu-me uma porrada, nunca fui à bola com ele! – desculpou-se o Paranhos… Hoje deve estar cheio de graveto…
– Mas, era a vida dele, a carreira dele! – atalhou o ex-alferes Pimentel, transmontano, advogado e autarca, que nada tinha perdido do seu espírito de reverência em relação a todas as hierarquias deste mundo.
– E depois nós éramos milicianos, estávamo-nos nas tintas para as divisas e os galões! – atalhei eu, tentando, sem jeito, deitar água na fervura.
– E, nós, soldados do contingente geral!... Carne para canhão, porra!– ripostou o Paranhos.
– Estávamos todos metidos no mesmo barco, essa é que essa! – opinou o Pimentel. – E demos o melhor à Pátria, quando a Pátria nos chamou para cumprir o nosso dever.
– Mas mesmo assim havia diferenças, carago! No meio daquela merda toda – desculpem lá a expressão! – vocês até eram uns fidalgos: tinham patacão, graveto; tinham messe, bar, bebidas estrangeiras; iam matar a malvada a Bafatá; comiam umas garinas, brancas ou verdianas,  de vez em quando, em Bissau; vinham de férias, na TAP, à Metrópole…

E lá continuou o reguila, o "corrécio", do Paranhos a vociferar contra os privilegiados dos tugas de 1ª classe que na guerra tinham messe, com direito a comer de garfo e faca e toalha branca na mesa:
– Olha que nem toalhas de plástico tínhamos na merda do refeitório!... Nós, os tugas, de 2º classe... Se é que podíamos chamar àquilo um refeitório, chamávamos-lhe a "manjedoura"...
– Exageras, ó Paranhos! – emendou o Pinto. Até nem se comia mal, pelo menos eu esforcei-me...
– Qual quê!?... E depois alguns dos milicianos que eu conheci,  na tropa e na Guiné,   se calhar até nem queriam outra vida se não fosse terem de andar com a puta da canhota no mato!.. Não falo dos chicos, nem vou citar nomes, muito menos quero referir-me à malta da nossa companhia que deu o litro e meio, que foram uns heróis... Mais: alguns milicianos que eu conheci (e vocês também), nunca tinham ganho um tostão na puta da vida, a não ser a mesada do velho...
– Calma aí e para o baile, ó Paranhos! Estás a ser injusto, ao meter tudo no mesmo saco ! – interrompeu, de chofre, o ex-vaguemestre Pinto – Havia milicianos e milicianos como havia chicos e chicos. Eu não posso queixar-me, que não fui operacional, mas houve vaguemestres que morreram em combate.
– E, se calhar, até cangalheiros, corneteiros e barbeiros,  dentro do arame farpado! – ironizou o Paranhos.
– Muitos de nós, furriéis e alferes, já trabalhávamos – comentei eu, ajudando a cortar o fio à meada do discurso torrencial (e potencialmente perigoso) do Paranhos, a quem a segunda garrafa de espumante, barato,  começava a abrir as goelas da desinibição e da "inconveniência"... Todos sabíamos que, no passado,  ele "tinha mau vinho"...
– Cá o Zé Soldado como eu já era chefe de família e há muito que fossava no duro, antes de ir parar com os quatros costados à Guiné. É bom que não se esqueçam disto, carago!... Quanto ao resto, reconheço que éramos todos iguais, tugas e nharros, alferes, furriéis, cabos e soldados, que elas no mato não traziam código postal, não distinguiam nem preto nem branco, de primeira ou de segunda...
– Ou nos ataques ao quartel, que lá também se morria, dizes bem... –  acrescentou o Pinto, conciliador.


Vinte anos depois do nosso regresso...


O Paranhos, o nosso cabo Paranhos!... Era com emoção, com alguma emoção, mal contida e disfarçada, que eu voltava a abraçá-lo, ali num restaurante da Mealhada, em 1991, vinte anos depois do nosso regresso, no verão de 1971!... O Paranhos, com o seu inimitável sotaque tripeiro e a franqueza que era timbre da boa gente do Norte!...

Passámos, muito naturalmente, a tratarmo-nos por tu... Tínhamo-nos tornado amigos (ou, talvez melhor, confidentes e cúmplices um do outro, camaradas, no sentido etimológico do termo, já que na tropa não havia nem colegas nem amigos, mas apenas gente que partilhava o mesmo chão, a mesma caserna, o mesmo bivaque, a mesma tenda, o mesmo abrigo,  o mesmo beliche, a mesma cama, o mesmo buraco, a mesma viatura e às vezes o mesmo leito de morte!) nessa longa noite em que viajáramos juntos, de comboio, do Campo Militar de Santa Margarida até ao cais de embarque, em Lisboa, no Cais da Rocha Conde de Óbidos.

Entre dois tragos de bagaço de vinho verde tinto, rasca, o Paranhos fora-me contando a sua vida, os seus sonhos, os seus projetos, a mim, seu confidente de circunstância, vizinho de lugar e companheiro de infortúnio, lucidamente deprimido, à medida que o comboio da CP, requisitado pela tropa, galgava as terras banhadas pelo Tejo, pela calada da noite, envergonhadamente, só com as luzes de presença nos carruagens apinhadas de militares e de bagagens. Ao fundo, um acordeão, desafinado e melancólico, ainda nos punha mais deprimidos, a escassas horas de embarcarmos no velho Uíge da carreira colonial.

Do seu longo e pastoso monólogo, retirei algunas notas que assentei no meu diário (ou que guardei na minha memória): para lá do Douro, ficava uma infância pobre, uma adolescência truculenta, uma filha de mãe solteira, um futuro incerto de operário do têxtil ou da ferrugem, já não me recordo bem. Filho de pequenos rendeiros pobres, de Entre Douro e Minho, cedo pegara na trouxa para apanhar o comboio da Linha do Douro e assentar arraiais numa ilha na freguesia de Paranhos, no Porto, razão de ser da alcunha que lhe deram na tropa.
– Em busca de melhores dias, já que em casa o caldo, a broa e o verde tinto mal chegavam para dez bocas.
– Fome... mesmo, a sério ?! – insinuei eu, timidamente.
– Não, meu furriel, você não sabe o que é isso: uma sardinha para três em dia de festa; um bocado de toucinho quando se matava o porco lá pelo Natal; um caldo de água quente, pencas (ou couves, como vocês chamam em Lisboa) e pão de milho esfarelado para aconchegar o estômago; batatas com batatas, quando as havia, castanhas cozidas no tempo delas… Mas um homem habitua-se a tudo... Fome, fome, não. Digamos que passei necessidades... Eu e os meus irmãos e sobretudo os meus pais, para não falar dos pais dos meus pais que já não cheguei a conhecer…
– Tal como dizia o povo, "esta vida não chega a netos, nem a filhos com barba"...– interrompi eu.

E, no Porto, na sua Paranhos, ainda popular e rústica, onde havia grandes quintas até aos anos sessenta e tal, onde se cultivava pencas e milho, numa apinhada “ilha”, em que se juntara gente fugida da miséria dos campos,  de Cinfães, Baião e Marco de Canaveses, faria entretanto a sua "universidade da vida": marçano, barbeiro, trolha, biscateiro, futebolista, empregado de café, chulo de puta fina – “azeiteiro, como se diz na minha terra”… até descobrir o duro caminho que o levaria aos portões da fábrica, ali para os lados de Massarelos, se bem percebi.
– Ainda tive uma cautela premiada aos 18 anos, que me deu uns contos de réis... Mas tão depressa vieram, como se foram... Sempre tive alguma sorte ao jogo e basto azar nos amores... Mas quanto aos “cães grandes", deixe-me que lhe diga:  aprendi a tirar-lhes o boné e a cuspir-lhes na sombra desde o dia em que, descalço, mas já com pelo na venta, e os tomates inchados, acompanhava o meu velhote na visita anual à Casa do Fidalgo, pelo São Miguel, para acertar a renda: dois terços do vinho, metade do milho, a melhor fruta para a senhora, a viúva de um juiz salazarista que tinha tantas quintas na zona quantos os dedos nas mãos…

Falava do seu velho pai, "pai e patrão" (sic), com ternura contida e com o respeito comovido que lhe mereciam os queridos mortos de que a História não fala. Tinha falecido no princípio do ano de 1969, de cancro no estômago, segundo creio,  nas vésperas da ordem da sua mobilização para a Guiné. Portanto, a dor ainda "estava em ferida" e o luto por fazer.
– As alegrias passam, meu furriel. Só as desgraças e as injustiças nunca se perdoam e nem se esquecem. As tainadas, as bezanas, tudo isso a gente caga e mija... Veja o senhor meu pai, já falecido. Trabalhou uma vida inteira como uma besta de carga para morrer pobre como Job, sem um cantinho a que chamasse seu, como qualquer cabaneiro ou sem abrigo. Mal sabendo ler e escrever!... Fez tropa nos Açores, no tempo da II Guerra Mundial, andou a mourejar nas minas de ferro de Moncorvo, antes de se casar… Ainda pensou nos camiunhos de ferro,  mas o que valia um homem sem s 4ª classe ?!... Conheceu muitos fidalgos, como ele chamava aos senhorios ou patrões… Sempre o conheci de chapéu na mão, agradecendo a suas senhorias o grandessíssimo favor de continuar na terra por mais um ano, depois do São Miguel… Viveu uma vida emprestada, viveu por favor dos "cães grandes"... É isso que me revolta, carago. E é por isso que me chamam reguila, "corrécio"… Mas eu digo-lhe: há coisas que um homem nunca esquece por muitos tombos que dê na puta da vida, por muitas bezanas que apanhe ou por muitas sacanices que faça, ou por muitos coices que dê e leve… E eu já fiz muita merda, confesso, em quarenta e tal anos de vida que já cá cantam.

A guerra quer nunca existiu

Curiosamente, verificava ali na Mealhada, vinte anos depois de "tudo ter acabado em bem", como dizia o conciliador do Pimentel, que nenhum de nós se desculpava por feito aquela guerra. Para alguns de nós, por ventura para a maior parte de nós, tugas, agora despidos, desfardados, paisanos, passados à peluda, nus de corpo e alma como no dia em que fomos à inspecção, alcunhados de ex-combatentes do ultramar, últimos guerreiros do império, mal amados como todos os veteranos de guerra,   de todas as guerras– "mas vivinhos da costa como o carapau, graças a Deus!" (era o Peniche, o básico, o nosso artista de variedades, com jeito para imitar personagens, e que já então gostava de mascarar-se de mulher) – , tinha sido afinal a primeira e a última grande aventura das nossas vidas cinzentas, um rito de passagem, uma iniciação (entre dolorosa e divertida) à vida adulta. Uma espécie de acidente de percurso. Um pesadelo climatizado. Uma trovoada fantasmagórica numa bela noite de verão tropical. Um abcesso. Um furúnculo. Uma dor de dentes...
– Não fiquei mais homem por ter estado na Guiné! – acrescentou o Paranhos – Mas passei a dar mais valor à camaradagem e à vida, isso sim!
– Eu também! – concordou o Pinto.
– Um parto, meu furrriel, um parto, o nosso segundo parto! – arrematava o Peniche, no meio da galhofa geral.
– É, pá, deixa-te lá de merdas, trata-me por tu, se fazes favor! – atalhei eu, com algum desconforto.

No fundo, parvo, ingénuo ou idealista, talvez eu esperasse ouvir a confissão pública de alguém que, agora, à distância dos acontecimentos e na atmosfera distendida de um restaurante de beira de estrada, conhecido do nosso antigo vaguemestre, quisesse tomar partido e se levantasse para fazer um discurso puro e duro sobre a traição dos capitães de Abril, do Spínola, do Costa Gomes, do Caetano e de todos os gajos que andaram a gozar connosco aqueles anos todos, obrigando-nos a chafurdar na merda e no sangue. Ou então sobre o trágico equívoco que fora a guerra colonial, ceifando vidas, gastando cabedais, hipotecando o futuro. Mas não, nenhum dos presentes levantara o copo para gritar Viva ou Morra !...Nem nenhum de nós usava a expressão "guerra colonial"... não sei se por pudor, inibição ou tabu. Nem muito menos o Pimentel, que já tinha algum traquejo da política e conhecia as manhas dos cortesãos quando vinham à corte, na capital do reino. Afinal, agora ele era autarca do poder local democrático, e ser autarca em Trás-os-Montes era um posto mais alto do que tenente-coronel na tropa do nosso tempo, na então província portuguesa da Guiné!...

É que todos fazíamos o jogo da cumplicidade, jogo cujas regras tacitamente ninguém estava disposto a violar. Porque o momento era único, era mágico, e todos sabíamos que nunca mais voltaria a repetir-se, apesar das trocas de cartões e de fotos da família, e dos eflúvios do álcool e das promessas de, para o ano, irmos todos, com as nossas "bajudas", comer uma valente feijoada à transmontana e provar a famosa posta mirandesa, para lá do Marão "onde mandam os que lá estão" (assegurava o Pimentel, dos poucos de nós que subira na vida, e que logo se ofereceu para organizar um encontro com todos os mecos da companhia, logo que a malta conseguisse completar a lista dos nomes e moradas).
– Nunca lá pus os butes, e bibo no Porto, carago! – ironizou o Paranhos, tripeiro de gema,  que continuava, a miúde, a trocar os vês pelos bês, sentindo que ainda lhe achavam alguma graça, os gajos do sul, os "mouros".

No fundo, sabíamos que, na vida, há momentos irrepetíveis, pelo que nem os fantasmas, dolorosos, do passado, nem as paixões, ainda mornas, do presente, nem muito menos as inquietações, impercetíveis, do futuro deveriam perturbar este insólito,  fugaz  mas ternurento encontro de meia dúzia de ex-combatentes da Guiné, mesmo quando, já no fim do almoço e depois de uma nova rodada de uísques (de uma Old Parr de 1971 que o vago-mestre trouxera de lembrança, "from Sctoland to the Portuguese Armed Forces"), alguém (, creio que o Peniche ou o Pimentel) tivera o mau gosto (ou o azar) de evocar os mortos da companhia...
– Agora é que foderam tudo! – desabafou o Paranhos, à beira de um  ataque de choro.

Nunca conheci nenhuma alma tão sensível como a dele. Ou melhor: nenhum ator, com lágrima tão fácil como a dele... (…)
________


Nota do autor:

(*) Nenhum destes heróis foi condecorado, muito menos o "corrécio" do Paranhos que, apesar de ter levado uma porrada do sacana do 1º sargento, de cavalaria, ainda em Santa Margarida, agravada pelo capitão, era um dos nossos melhores operacionais, um homem de grande generosidade e bravura. Felizmente que nenhum de nós fora condecorado no 10 de junho, muito menos a título póstumo.... Também nenhum destes heróis existiu. Nem poderiam existir: afinal, perdemos, senão a guerra, ou pelo menos o império. E, em boa verdade, esta guerra nunca existiu... Em todo o caso, qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. 

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16017: Efemérides (221): Tempos passados ou como recuar a 24 de Abril de 1970, data de embarque do BCAÇ 2912 com destino à Guiné (António Tavares, ex-Fur Mil)

1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), datada de 24 de Abril de 2016


TEMPOS PASSADOS

Camarigos,
Na famosa fotografia "The Steerage", de Alfred Stieglitz (1907), vemos os abastados em cima e em baixo os outros.
Ao ver esta imagem imediatamente recuei a 24 de Abril de 1970, data de embarque, no navio T/T Carvalho Araújo, do BCaç 2912 rumo ao Comando Territorial Independente da Guiné. Viagem em que o militar se sentiu passageiro de classes.

The Steerage de Alfred Stieglitz (1907)

Passados 46 anos recordo as primeiras horas daquele dia ímpar.
O dia do começo das aventuras coloniais vivido por centenas de jovens com pouco mais de 21 anos.
O Batalhão partiu de Santa Margarida em comboio. Cerca das seis e trinta chega ao cais marítimo de Alcântara. O comboio entra no Porto de Lisboa e de imediato avistamos o navio que nos transportou até ao cais de Pindjiguiti. O navio, visto do cais, era enorme mas de certeza mais pequeno do que outros que já tinha visto.

 Lisboa - "Carvalho Araújo"

Depois de retiradas as bagagens individuais do comboio transportamo-las para o navio.
Tudo arrumado viemos tomar o pequeno-almoço no cais onde até uma cozinha de campanha nos aguardava para conforto do estômago.
Realizadas as cerimónias oficiais de despedida, no cais marítimo de Alcântara, regressamos ao navio.

Cozinha de Campanha no Cais

Começaram a aumentar os lancinantes gritos e choros dos familiares que tinham ido dizer adeus aos jovens combatentes. Infelizmente para alguns foi o último ADEUS.
Ao meio dia certo o CARVALHO ARAÚJO zarpou e poucas milhas percorridas entrou no Oceano Atlântico, que sulcou durante seis dias. Um Oceano Atlântico diferente daquele que conhecia.

24 de Abril de 1970 - Embarque do BCAÇ 2912

Sala de Jantar do "Carvalho Araújo"

 Camarote de 1.ª Classe do "Carvalho Araújo"

As personagens ao longo dos tempos foram diferentes.

Durante a Guerra Colonial (1961 – 1974) víamos os tropas nesta situação de classes. Antes da data da fotografia, The Steerage, em piores condições os escravos.

Em tempos passados não há melhor protagonista deste marear do que cada um dos combatentes enquanto navegantes. E cada caso era um caso.

Abraço António Tavares
Foz do Douro, Domingo 24 de Abril de 2016
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P16008: Efemérides (220): Cerimónia de comemoração do Dia do Combatente e VII Aniversário do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, dia 30 de Abril, em Matosinhos e Leça do Balio (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P16016: Blogpoesia (444): "Um ritual...", por J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Em mensagem do dia 25 de Abril de 2016, o nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), enviou-nos este de sua autoria:


Um ritual...

Tão simples, nem se dá conta.
Se repete. Este ritual solene.
Que nos abre o mundo.
Permite ver bem.
O céu e o chão.

Umas simples lentes de vidro.
Leves, sem devaneios,
dilatam as formas,
avivam os tons e as sombras,
sem alterar as formas.

Como fica mais belo o mundo.
Cheios de cor e luz.
Ao pé e ao longe.

Benditos óculos,
Companheiros bons
Que nos dão a mão
E nos fazem tão bem...

ouvindo concerto para violino n.º 3 de Mozart
por Hilary Hahn

De novo em Berlim, 25 de Abril de 2016
6h9m

JLMG
Joaquim Luís Mendes Gomes
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15958: Blogpoesia (443): "Quando no céu...", de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 63/74 - P16015: Agenda cultural (476): Lançamento do livro “Ten-General Alípio Tomé Pinto – O Capitão do Quadrado”, de Sarah Adamoupoulos, levado a efeito no passado dia 7 de Abril de 2016, no Palácio da Independência (José Eduardo Oliveira)

1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), com data de 19 de Abril de 2016, dando-nos conta do lançamento do livro biográfico "Ten-General Alípio Tomé Pinto - O Capitão do Quadrado", da autoria de Sarah Adamoupoulos, ocorrido no passado dia 7 de Abril:


Lançamento do livro “Ten-General Alípio Tomé Pinto – O Capitão do Quadrado”

Em Lisboa, o lançamento do livro decorreu no passado dia 7 de Abril no Palácio da Independência, onde estiveram presentes algumas das principais figuras nacionais e internacionais, presenteando o biografado com uma sala absolutamente cheia.


A obra em causa é da autoria de Sarah Adamoupoulos, que também esteve na mesa de honra.
Por motivos profissionais, o General António Ramalho Eanes, que prefaciou o livro, não pôde estar presente. No entanto, o Gen. Alexandre de Sousa Pinto leu na altura o discurso que o antigo Presidente da República tinha preparado e do qual destacamos o seguinte: "Tomé Pinto é, para mim – que o conheço há décadas – não só, como o próprio afirma nesta obra, um Militar por paixão, mas, sobretudo, um militar de sonho e aventura, de vocação, ambição e missão, um dos melhores entre os melhores, e não só na Instituição Militar, mas, também, no Pais (Portugal)"

Na mesma cerimónia, o Gen. Alexandre de Sousa Pinto aproveitou também para proferir algumas palavras sobre o biografado: "O exercício da profissão de militar exige uma vocação; tal como o sacerdote, o militar que não tenha verdadeira vocação será sempre um infeliz e, mais grave, fará infelizes os subordinados que tenham que o aturar."

O “Capitão do Quadrado, que conta hoje uns invejáveis 80 anos, deslocou-se no fim de semana seguinte a Angola, para fazer o lançamento do seu livro, que teve lugar na Fortaleza em Luanda, no passado dia 12 de Abril.


Alípio Tomé Pinto, hoje General na reforma e que anda a plantar árvores em Maçores, no planalto Mirandês, ficou conhecido como o “capitão do quadrado”. Quando chegou à Guiné, no comando da CCAÇ 675, já tinha desnorteado a “senhora morte”. Fora alvejado numa patrulha a São José do Enconge, no coração dos Dembos, em Angola. A bala atravessou o maxilar e alojou-se junto à carótida. Foi-lhe administrada a extrema-unção mas recuperou. A lenda de Tomé Pinto, também conhecido pelo Capitão de Binta, começa com os primeiros trinta dias em que chegou ao aquartelamento e se pôs a patrulhar toda a região, os guerrilheiros cultivavam à volta de Binta, aproveitavam-se do temor da tropa que anteriormente ali estivera.


Há já obras publicadas sobre esta CCAÇ 675, nomeadamente do então Furriel Milº. Enfermeiro José Eduardo Oliveira que escreveu sobre o primeiro ano de atividade desta Companhia. É o caso inédito de um diário com olhar coletivo publicado em tempo praticamente real.

O Capitão do Quadrado voltará a ser ferido em combate e o cronista destes acontecimentos escreverá com imensa ternura, como soperasse a dor coletiva: “Todos queriam pegar na maca para o transportar; um despia o casaco camuflado para lhe aconchegar melhor a cabeça; outro dava-lhe o seu concentrado de frutos da ração de combate; outro ainda quase que o obrigava a beber água do seu cantil”.


Regressará a Binta semanas depois e lança-se na atividade operacional. Abandonará a Companhia para fazer o curso do Estado-Maior do Exército. O seu sucessor desabafará: “Envergonho-me de comandar os homens de Tomé Pinto. No meio deles, sinto-me um soldado, pois eles não precisam de ordens, nem as esperam. Têm tal conhecimento da zona, tal sentido de orientação e tal intuição do perigo que se movem ordeiramente para qualquer lado". Tomé Pinto chegara a Binta a 29 de Junho de 1964 e no relatório de 24 de Dezembro já registavam 51 ações de fogo sobre o seu comando. Alguns dos seus militares dos tempos de Binta estiveram presentes na cerimónia de Lisboa.

No emblema da CCaç. 675 a inscrição que permanece viva diz: “Nunca Cederá”.

No dia 8 do próximo mês de Maio, o “Capitão do Quadrado” e os seus homens de Binta deslocar-se-ão a Évora para comemorar os 50 anos do seu regresso a Portugal.

JERO
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Último poste da série de 20 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15994: Agenda cultural (475): Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes, amanhã, 21, às 16h00, no auditório da biblioteca municipal da Covilhã: Juvenal Amado apresenta o seu livro "A Tropa Via Fazer de Ti um Homem"; confirmada a presença do prof Pereira Coelho, que foi um dos médicos do BCAÇ 3872, em Galomaro, 1971/72

Guiné 63/74 - P16014: Agradecimento: David Guimarães, ex-Fur Mil Art MA da CART 2716, a propósito do seu aniversário ocorrido ontem, dia 24 de Abril

A pedido do nosso camarada David Guimarães, (ex-Fur Mil, At Inf, MA da CART 2716, Xitole, 1970/1972), publicamos o seu postal de agradecimento pelas mensagens de parabéns a ele enviadas a propósito do seu aniversário ocorrido ontem, dia 24 de Abril.


Guiné 63/74 - P16013: Nota de leitura (833: “A descolonização da Guiné-Bissau e o movimento dos capitães”, por Jorge Sales Golias, Edições Colibri, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Abril de 2016:

Queridos amigos,
Já ninguém ignorava que o MFA da Guiné agira singularmente e por conta própria num processo de descolonização com inúmeros melindres. Na Guiné, a contestação dos militares formara núcleo próprio e tinha vida desde 1973. Como escreveu o investigador António Duarte Silva, o MFA local controlava todo o aparelho militar: o Batalhão de Comandos Africanos, o Batalhão de Paraquedistas, a maioria do pilotos, a Companhia de Polícia Militar, o Agrupamento de Transmissões e o Grupo de Artilharia da Guiné.
Em 26 de Abril, em Bissau, tornou-se irreversível o golpe do dia anterior na metrópole. É sobre todo este processo imparável, com compreensíveis ziguezagues, dores e apertos de alma, onde houve relações amistosas entre as tropas portuguesas e o PAIGC, onde se revelou também que o PAIGC estava impreparado e até enviou para Bissau um comissário político com falta de envergadura, tudo isto é contado com impressionante rigor por alguém que viveu todo este processo do princípio ao fim.
De leitura obrigatória.

Um abraço do
Mário


A descolonização na Guiné-Bissau e o movimento dos capitães (2)

Beja Santos

“A Descolonização da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães”, por Jorge Sales Golias, Edições Colibri, 2016, é o relato na primeira pessoa do singular de alguém que acompanhou na primeira fila a criação do MFA da Guiné e todo o processo de descolonização, descrevendo reuniões, relatórios, vicissitudes de vária ordem, negociações com o PAIGC, assembleias do MFA da Guiné, e muito mais. Jorge Sales Golias trabalhou diretamente com Mateus da Silva, primeiro Encarregado do Governo depois da partida do General Bettencourt Rodrigues e com Carlos Fabião.

Estamos em Junho, Spínola que insistira num referendo mudou de posição e começou a falar num Congresso do Povo em que ele apareceria como tutor da independência, fez chegar a Bissau 20 mil cartazes com a sua foto. A vida política deste período é suficientemente turbulenta para haver posições impensáveis enquanto o MFA da Guiné, reunido em Assembleia Geral, em 1 de Julho, aprova uma moção exigindo ao governo português não só o reconhecimento da República da Guiné-Bissau como o reatamento das negociações com o PAIGC. Ao mesmo tempo, começam a chover os ultimatos do PAIGC: logo no dia 1 de Julho um ultimato às tropas aquarteladas em Buruntuma, Fabião desloca-se ao local mas mais não conseguiu do que evacuar o quartel. Segundo Sales Golias, começa-se a observar discrepâncias e desorientações na hierarquia política e militar do PAIGC: no Sul, onde sempre se combateu a sério, negoceia-se com prudência, a retração do dispositivo ir-se-á fazendo sem sobressaltos nem humilhações para ninguém; no Leste, onde o PAIGC teve sempre problemas, houve comportamentos fundamentalistas, caso de Buruntuma e Pirada. Haverá uma eminência parda em todo este processo, o comissário político Juvêncio Gomes, colocado em Bissau, revelará imaturidade, duplicidade e comportamento grosseiro ao longo de todo o processo negocial até à independência de facto, com sérios prejuízos para ambas as partes.

Sales Golias pormenoriza as etapas da retração do dispositivo, a questão melindrosa de todas as tropas africanas e a procura de soluções mais avisadas para as tropas especiais. Ficou largamente escrito que se procurou providenciar segurança para as tropas especiais, inicialmente elas disseram que sim, que queria vir para a metrópole, o PAIGC deu garantias de tranquilidade, com raras exceções os membros das tropas especiais ficaram nos seus chãos. Todo o mês de Julho é uma permanente azáfama: as tensões com partidos como a FLING que procura disputar espaço ao PAIGC; em Lisboa, membros do MFA da Guiné procuram esclarecer os decisores políticos da evolução da situação na Guiné, em que a generalidade das tropas pretende partir o mais breve possível; os desencontros bem visíveis entre os comissários e comandantes militares do PAIGC, quadro que conheceu melhorias com os encontros que se realizaram no Cantanhez em 15, 16 e 18 de Julho; além de peripécias, acidentes e tensões entre as próprias forças portuguesas. Em 9 de Agosto, o MFA da Guiné alerta a Comissão Coordenadora do MFA para a gravidade da situação disciplinar nas unidades militares, era uma corrida contra o tempo em que se falava da retração, do pagamento de pensões, da passagem à disponibilidade e desarmamento do Batalhão de Comandos Africanos, o alívio vem com a notícia da assinatura do Acordo de Argel que reduziu muita da instabilidade existente. Porém sentia-se a insegurança da população branca, da cabo-verdiana e da guineense com laços culturais mais estreitos com Portugal, o PAIGC procurava desdramatizar pretextando que haveria reconciliação nacional e lugar para todos.

Estamos já em Setembro, o Comité Executivo de Luta ratificou o Protocolo de Acordo de Argel, a transferência de poderes acelera-se: o Emissor Regional da Guiné passou a designar-se Rádio Bissau, há uma comissão mista em permanente azáfama a resolver infindáveis problemas enquanto as tropas portuguesas vão abandonando o território. Foi preciso chegar a Outubro para se sentir que os quadros do PAIGC sentiam pressa em abordar questões de grande sensibilidade. A partir da independência: quadros no setor da educação, médicos, modo de pagamento até final de 1974 de vencimentos, comércio prioritário com Portugal, etc. É destes relatos que nos fica a imagem um tanto confrangedora que os quadros do PAIGC revelavam impreparação, desconhecimento e até mesmo insensibilidade para os problemas da administração de um território, foi revelador que deixaram para a última a apresentação de propostas de cooperação. Subjacente a estes ziguezagues estariam certamente duas correntes em conflito: os que pretendiam uma transição pacífica, com mais meses ou até anos de uma presença portuguesa e aqueles que pretendiam empurrar para os barcos e aviões os militares e os funcionários coloniais.

O autor releva o ambiente de grande cordialidade que existiu na generalidade dos encontros. Não deixa, porém, de deplorar procedimentos grosseiros como o de Juvêncio Gomes que já presidente da Câmara Municipal de Bissau e na presença portuguesa mandou apear as estátuas de Teixeira Pinto, Honório Pereira Barreto, Diogo Gomes. Em 14 de Outubro, as autoridades portuguesas ao mais alto nível retiraram-se, a bandeira nacional é arreada nas instalações navais de Bissau e a bandeira é entregue ao Comodoro Vicente Almeida d’Eça.

Que importância devemos atribuir a este relato da descolonização da Guiné: as notas pessoais de um oficial que acompanha as mudanças radicais no teatro de operações e que se apercebe com outros camaradas que se fechou a porta a qualquer negociação, a Guiné-Bissau passa a ser reconhecida a partir de Outubro de 1973 por mais de 80 Estados, os apoios político-militares previsivelmente ir-se-ão agravar, Marcello Caetano determina a Bettencourt Rodrigues que resista até à exaustão dos meios, no ar paira a ameaça da repetição da queda do Estado da Índia, forma-se o MFA-Guiné que irradia para a metrópole e deste recebem influxos; a 26 de Abril é na Guiné que se altera a situação político-militar que o autor descreve com uma grande riqueza de pormenores.

A historiografia da guerra colonial acaba de receber um apreciável documento que se deverá juntar a outros para ser compulsado com toda a documentação existente e depositada em arquivos, caso da Fundação Mário Soares. Como escreve no prefácio Carlos de Matos Gomes: “O processo que o núcleo dos militares do MFA na Guiné conduziu para dotar do caráter de anticolonialista o Portugal que iria emergir do 25 de Abril, essencial para a sua credibilidade, desenrolou-se com grande autonomia e, em boa parte, em contínua rebeldia. Primeiro contra o governo de Marcello Caetano, seguida contra as orientações da Junta de Salvação Nacional, finalmente contra as conceções do General Spínola quanto à descolonização”.

Insiste-se que toda esta autonomia, rebeldia e tensões com os poderes constituídos, a par do melindroso problema das negociações com o PAIGC numa atmosfera em que as nossas tropas já tinham afastado do horizonte a necessidade de combater, recebe neste livro um tratamento rigoroso que os estudos posteriores não poderão ignorar.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P16001: Nota de leitura (832): “A descolonização da Guiné-Bissau e o movimento dos capitães”, por Jorge Sales Golias, Edições Colibri, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16012: Manuscrito(s) (Luís Graça (82): Uma estranha maneira de dizer adeus… (ou quando os soldados partiam para a guerra)

v13  25abr2016

 Uma estranha maneira de dizer adeus… (ou quando os soldados partiam para a guerra)

por Luís Graça



Um estranha maneira de dizer adeus, um estranho povo este
que vem ajoelhar-se, no cais de partida,
não em oração, para aplacar a ira dos deuses, mas vergado,
vergado à toda poderosa razão de Estado.

A tentacular força centrífuga que, de há séculos,
te leva os filhos teus, 
ó Pátria, para fora,
paridos e expulsos do ventre da Mátria, para longe,
bem para longe, muito para lá do mar.

Ordeiros os soldados, como os cordeiros da matança da Páscoa,
anhos, dizem no norte,
alinhados no Cais da Rocha Conde de Óbidos,
como os elétricos amarelos que vão para a Cruz Quebrada,
empilhados, aboletados, requisitados às mães 
para servir a Pátria, o pai-patrão
que lhes cobra o dízimo em sangue, suor e lágrimas.

A mesma atitude, admirável, de patética resignação
perante o arbítrio dos deuses
que tudo pedem e podem, diz o capelão,
cheio de unto e de virtude,
que este é um povo religioso
porque tem o sentido do pathos, leia-se:
da tragédia inelutável.

Coitadas das mães que tais filhos pariram,
dizes tu, entre dentes,
para o teu camarada que vai subindo à tua frente o portaló,
o cadafalso, com um nó na garganta, mal disfarçado,
no meio dos lenços brancos ao vento,
em fundo preto, 
como em Fátima no 13 de maio.

Uma despedida breve com lágrimas salgadas no rosto,
com o Niassa
a última nau das Índias,  
a apitar três vezes,
sob a ponte de Salazar, ainda reluzente,
o velho abutre que alisa as suas penas,
dirás tu, Sophia, pitonisa de Delphos,
quase morto mas não enterrado.
Os últimos golfinhos do Tejo,
a última fragata de vela erguida,
a última caravela,
a última nau do cais da Ribeira,
o último império que ficou por haver,
o último marinheiro em terra,
sinal de tempestade,
o último uísque marado que ficou por beber no Cais do Sodré,
o Cristo Rei em terra que outrora foi de infiéis,
o Terreiro que continua do Paço, não do povo…
Ah! Lisboa, Lisboa, 
e o teu casario, branco, sujo,
um filme a preto e branco, riscado,
um gato preto à janela, sinal de mau agoiro.
Lisboa,  Lisboa, e lá longe a Guiné,
Lisboa, enfim,  as tuas ruínas,
pré-pombalinas,
o poço dos mouros, o poço dos negros,
o lundum, a umbigada
a procissão da Nossa Senhora da Saúde.
mais a Santa Inquisição,
zelando pela pureza da raça e do sangue,
zurzindo corpos e almas,
o Cemitério dos Prazeres, 
numa das tuas colinas,
com os seus altos ciprestes negros,
os mastros dos navios da carreira colonial,
o império por um fio dental,
a vida, curta, que se recapitula, de fio a pavio,
no último comboio que veio do campo militar de Santa Margarida,
pela calada da noite.

Lisboa revista, revisitada, revistada,
devassada, despojada,
em filme de oito milímetros, a preto e branco
ou a preto e negro, 
dizes tu, corrosivo.
Uma só nação, valente mas mortal,
ironiza alguém.
O Niassa colonial na azáfama do seu vai-e-vem,
antes de ir parar à sucata,
inglória a sucata da história que tu perdeste
aos dezoitos anos,
quando deste o nome para as sortes.
Estranha palavra esta, das sortes,
que rima com desnortes e com mortes,
e com os fracos de que não reza a história.

 Ah!, e os jacarandás que choram,
de lágrimas lilases, em pleno mês de maio,
e as santas das nossas mães que ficaram em casa,
a acender a vela à santa das santas,
a tecer o lenço de enxugar lágrimas,
um fado que tu ouviste no Bairro Alto,
e que já não era batido nem dançado nem cantado,
um fado apenas gemido, 
sussurrado.

 Passado o Bugio,
deixado para trás o velho do Restelo,
choradas as mães de xaile preto,
há um briefing às cinco da tarde, anunciam a bordo,
já em velocidade de cruzeiro,
no mar alto que outrora foi português,


Não, não uso a cruz, o crucifixo,
como colete de salvação, senhor capelão,
não vou para a guerra santa combater os infiéis,
alguém há de rezar por mim
para que eu volte são e salvo.
Do regulamento é apenas a chapa de zinco
com o número mecanográfico 13151468
e o picotado ao meio,
para mais facilmente ser cortada em duas partes
que seguirão caminhos distintos,
tudo isto face ao risco, bem real e concreto,
de eu morrer longe, bem longe da minha pátria,
para lá do mar, em terra que não me viu nascer.


E tu, camarada, descansa, que ninguém fica para trás,
se tu  morreres na batalha, alguém tratará da tua mortalha,
cerrará os teus dentes, puxará as persianas das meninas dos teus olhos,
porá um moeda na tua boca para pagares a viagem 
ao barqueiro de Caronte,
e fará o teu espólio e engraxará as tuas botas.

Sim, levarei comigo a pedra-chave que me liga ao além.
uma chapa de zinco, picotada ao meio,
outrora era de xisto ou de grés,
entre o meu antepassado calcolítico, castrejo, romanizado.

Pois, então, camaradas
se eu morrer, 
que me enterrem, de vez,
numa anta do meu país megalítico.



A bordo do T/T – Transporte de Tropas, Niassa,
a caminho da Guiné,
24-29 de maio de 1969.

Luís Graça

Revisto em 24nov2023.
 
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Guiné 63/74 - P16011: Álbum fotográfico do Fernando Andrade Sousa, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) - Parte I: Uma ida ao Mato Cão


Guiné > Zona leste > Setor L1 > CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) > Finete > "Eu à esquerda, na primeira fila, com a mala de primeiros socorros, e a minha G-3 (nunca usei pistola), com malta de da 1ª secção do 2º Gr Comb, da CCAÇ 12. Além do Arménio Monteiro da Fonseca [, que vive no Porto, em Campanhã], a secção era composta por:  (i) soldado arvorado  Alfa Baldé (Ap LGFog 3,7); e ainda os sold Samba Camará, Iéro Jaló,  Cheval Baldé (Ap LGFog 8,9) [, à direita do Arménio), Aruna Baldé (Mun LGFog 8,9) [, à minha esquerda], Mamadú Bari, Sidi Jaló (Ap Dilagrama) (FF) [, dado como tendo sido fuzilado depois da independência], Mussa Seide,  e Amadú Camará, todos fulas ou futa-fulas. Desta vez, também, a secção, o fur mil arm pesa inf Henriques [, o  nosso editor, Luís Graça], de óculos escuros, ao lado do Arménio".


Guiné > Zona leste > Setor L1 > CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) > "Travessia do rio Geba, ao fundo Finete, no regresso de uma patrulhamento ao Mato Cão. Da popa para a proa da piroga, o alf mil at inf Carlão,  o 1º cabo Branco, o 1º cabo aux enf Sousa e, se não me engano, o soldado de transmissões Santos, [António Dias Santos, de alcunha,   'O Bacalhau', que já terá falecido, segundo informação do Humberto Reis]."

Fotos (e legendas): © Fernando Andrade Sousa  (2016). Todos os direitos reservados.


1. Algumas fotos que nos mostrou, em Monte Real, no passado dia 16, o Fernando Andrade Sousa, o último camarada a integrar a Tabanca Grande, com o nº 714.  Foi 1º cabo aux enf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadiinca, entre maio de 1969 e março de 1971).  

Sobre o famigerado Mato Cão recorde-se o seguinte. "O Geba Estreito (a partir do Xime) era traiçoeiro, sujeito às marés, e ao  fenómeno do macaréu (até para lá do Mato Cão)... Metia respeito... A segurança entre o Xime e Bambadinca era um  problema sério. Montávamos segurança às embarcações (, nomeadamente civis), no sítio do  Mato Cão, na margem direita do rio, frente a Nhabijões. No mínimo, era destacado um grupo de combate para fazer segurança próxima, no Mato Cão, sempre que havia embarcações a navegar no Geba Estreito. Para passar para a outra margem, a tropa de Bambadinca tinha que atravessar o rio,  de piroga, seguindo depois para o Mato Cão, atravessando o destacamento e tabanca em autodefesa de Finete". Entre o rio e Finete, havia uma bolanha... E o nosso destacamento mais avançado, no
regulado do Cuor, depois de Finete, era Missirá, guarnecido no nosso tempo pelo Pel Caç Nat 52, do Beja Santos, e depois pelo Pel Caç Nat 63, do Jorge Cabral" (LG) .
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Nota do editor:

domingo, 24 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16010 Recortes de imprensa (80): João Paulo Diniz (,que vai estar mais logo no Jornal da Meia Noite, da SIC Notícias, para relembrar o seu papel no 25 de abril): "As minhas melhores amizades são do tempo da Guiné, quando fui locutor do PFA - Programa das Forças Armadas, em Bissau, em 1970/72" (Excerto de entrevista, DN -Diário de Notícias, 30/8/2015)

1. Excerto, com a devida vénia, de um entrevista dada pelo nosso camarada João Paulo Diniz, ao DN - Diário de Notícias, em 30/8/2015.

João Paulo Diniz, ex-1º cabo, BENG 447, ex-locutor do PFA - Programa das Forças Armadas, Serviço de Radiodifusão e Imprensa, Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica, QG / Com-Chefe, Bissau, 1970/72; profissional da Rádio e da TV, com 50 anos de carreira; Oficial da Ordem da Liberdade em 2013; membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 630, desde 19 de outubro de 2013]


DN - Díario de Notícias > 30 de agosto de 2015 > 

João Paulo Diniz: "Gostava que me deixassem trabalhar"

Entrevista por Paula Freitas Ferreira


Na noite de 24 de abril de 1974, anunciou a chegada da democracia na rádio. Aos 66 anos, e com uma carreira de cinco décadas celebradas amanhã, o jornalista confessa ao DN que gostava de experimentar ser pivô de TV.


P: Comemora amanhã 50 anos de carreira no jornalismo. Ainda se lembra do seu primeiro dia?

Foi na Rádio Peninsular e pela mão de Augusto Poiares. Desde os 13 anos que lhe pedia constantemente que me deixasse fazer um teste na rádio. Tanto insisti que ele acedeu. Dias depois de fazer o teste, o meu pai telefonou-me e disse que tinham gostado do meu registo de voz. O radialista Aurélio Carlos Moreira tinha gostado da minha gravação e convidou-me para apresentar o Pajú, que era um passatempo juvenil. Tinha 16 anos.

P: E passou a viver na rádio...

João Paulo Diniz, radialista do PIFAS (Bissau, 1970/72).
Foto de Garcez Costa
Atirei-me de cabeça. Passava lá os dias. Saía às duas da madrugada e entrava às seis da manhã. Foram tempos muito felizes e fartei-me de aprender. Tapava buracos. Se faltava alguém, porque estava doente, eu substituía-o. Eles chamavam-me: "Miúdo, anda para aqui para a cabine" e lá ia eu, com todo o respeito, observar o que faziam essas pessoas que tinham uma enorme experiência em rádio.



P: Também esteve ao microfone durante a guerra colonial...

Fui mobilizado para a Guiné, onde estive entre 1970 e 1972. Tive muita sorte. Nesse período foram fabricadas as minhas melhores amizades. Como tinha experiência em rádio, convidaram-me para apresentar o Programa das Forças Armadas, que era carinhosamente chamado de PIFAs. Era um programa do género de Good Morning Vietnam. Anos mais tarde, já a Guiné-Bissau era independente, cruzei-me com o Presidente Nino Vieira e disse-lhe que tinha sido militar na Guiné, que apresentava o PIFAs e ele confessou-me que também eles ouviam o programa.

P: Otelo Saraiva de Carvalho escolheu-o para dar o primeiro sinal que esteve na origem da Revolução de Abril de 1974. Como é que tudo aconteceu?

Estava na cabine da rádio [Peninsular] e chamaram-me à porta, porque estava ali alguém para falar comigo. Era o Capitão José Costa Martins. Chamou-me ao carro e disse que as Forças Armadas precisavam que eu desse um sinal na rádio que iria marcar o início de um golpe de estado. Respondi que não o podia fazer. Não o conhecia, até podia ser da PIDE. Ele identificou-se e fez-me esta pergunta: "E se fosse o Otelo a falar consigo?"

P: E falou?

Sim. Eu tinha-o conhecido na Guiné-Bissau. Respondi que até gostava de lhe dar um abraço. Então o Capitão Costa Martins perguntou-me quando é que eu podia encontrar-me com o Otelo. Estávamos a 22 de abril de 1974 e respondi que podia marcar o encontro lá para meados de maio. Olhou muito sério para mim e disse que teria de ser naquele dia, que era muito importante. Percebi que era. Combinámos encontrar-nos nessa noite no Centro Comercial Apolo 70.

P: Como foi esse encontro?

O Otelo explicou-me os objetivos da Revolução: fim da guerra no Ultramar, libertação dos presos políticos, instauração de uma democracia com eleições livres. E foi então que se escolheu a canção que eu teria que anunciar, logo após a transmissão da senha, que era a frase: "Faltam cinco minutos para as 24 horas". A hora foi depois antecipada e marcada para quando faltassem cinco minutos para as onze da noite. Ele queria que eu colocasse no ar uma cantiga do Zeca Afonso, que estava proibido de passar na rádio e eu sugeri a canção E Depois do Adeus, de Paulo de Carvalho. A música tinha ido ao Festival da Canção e não iria despertar desconfianças.

P: Aceitou logo? Não teve medo?

Claro que sim. Perguntei: "E se corre mal?"

P: Otelo respondeu-lhe?

Disse-me isto: "Se correr mal, nós, que somos militares, vamos para a Trafaria [prisão militar] e o João, que é civil, vai para Caxias [cadeia]".


P: Há quem lhe chame herói de Abril. Arriscou a vida. Podia ter corrido mal...

Não sou nenhum herói. Os heróis foram os militares das Forças Armadas. Não arrisquei a minha
vida, arrisquei a minha liberdade. Eles sim, arriscaram as vidas... (...)


2. Mensagem de hoje do Garcez Costa,  reencaminhando um mail do João Paulo Diniz, de ontem, e  que se retranscreve:

De: João Paulo Diniz
Data: 23 de abril de 2016 às 16:15
Assunto: SIC-Notícias

Olá,

Por este meio gostaria de informar as minhas Amigas e Amigos que fui convidado para estar presente no 'Jornal da Meia-Noite' da  SIC-Notícias. E decidi aceitar.

Data - de 24 para 25 de Abril.


O 'Jornal' começa à meia-noite, já nos primeiros instantes de dia 25 e eu aparecerei não sei exactamente a que horas. Se puderem ver, agradeço, e que depois me digam o que acharam...

Kisses & Abraços,
JP

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P16009: Convívios (736): I Encontro dos Combatentes de Lavra - Matosinhos, levado a efeito no passado dia 9 de Abril de 2016 (Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742)



1. Mensagem do nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), dando-nos notícia do I Encontro dos Combatentes de Lavra, levado a efeito no passado dia 9 de Abril de 2016:

Realizou-se no passado dia 09 de Abril 2016 o I Almoço/convívio dos Combatentes de Lavra.
Foi uma jornada de salutar convivência durante a qual se recordaram tempos idos e se trocaram impressões sobre a vida militar passada lá longe.

Os camaradas falecidos não foram esquecidos, pois foi respondido presente a cada nome citado e guardado por fim um minuto de recolhimento por aqueles homens que verteram o seu sangue, suor e lágrimas, perdendo a vida em defesa de uma causa, que hoje sabemos quanto essa guerra foi inútil.

A este I Convívio responderam à chamada 30 camaradas, (embora na foto estejam representados 20) o que superou as expectativas, criando um incentivo ainda mais audaz para realização de futuros encontros.

Para todos os camaradas presentes, e para aqueles que por qualquer motivo não puderam estar connosco, o meu muito obrigado, e bem hajam.

Abel Santos

Da esquerda para a direita: Abel Santos, Rodolfo Mesquita, Presidente da União das Freguesias de Perafita-Lavra e Santa Cruz do Bispo, e António Machado.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Abril de 2016 Guiné 63/74 - P16006: Convívios (735): Em Fátima, dia 10 de maio, CCAÇ 1439 (Enxalé, Missirá e Porto Gole, 1965/67) + Pel Caç Nat 52 e 54 + Pel Mort 81.. Eu vou, diretamente de Nova Iorque (João Crisóstomo)

Guiné 63/74 - P16008: Efemérides (220): Cerimónia de comemoração do Dia do Combatente e VII Aniversário do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, dia 30 de Abril, em Matosinhos e Leça do Balio (Carlos Vinhal)



C O N V I T E

CERIMÓNIA DE COMEMORAÇÃO DO DIA DO COMBATENTE DO CONCELHO 
E DO
VII ANIVERSÁRIO DO NÚCLEO DE MATOSINHOS

A Direção do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes tem a honra de convidar V. Exa., seus familiares e amigos para a cerimónia em epígrafe, que terá lugar no próximo dia 30 de Abril (sábado) com o seguinte programa:

10:10 - Concentração dos participantes junto ao Monumento aos Combatentes do Ultramar na Rua Augusto Gomes, ao lado dos Bombeiros Voluntários de Leixões (gaveto da Rua Augusto Gomes com a Rua Alfredo Cunha).

10:15 - Início da cerimónia militar:
- Toque de Sentido; Deposição da coroa de flores; Toque de Silêncio; Toque de Homenagem aos Mortos; Minuto de Silêncio; Evocação religiosa; Toque de Alvorada; Toque a Descansar;
- Alocuções alusivas ao ato pelo Presidente do Núcleo Tenente Coronel Armando Costa, pelo Vice Presidente da Liga dos Combatentes General Fernando Aguda e pelo Presidente da Câmara Municipal Dr. Guilherme Pinto;
- Grupo Coral do Núcleo canta o Hino da Liga dos Combatentes; - Fim da cerimónia.

11:00 – Convívio VII Aniversário do Núcleo na Sede - Leça do Balio.
- Içar da Bandeira Nacional. - Descerramento de placa comemorativa (com referência à presença do Exmo. General Vice Presidente da Liga e do Exmo. Presidente da Câmara).
- Condecoração de combatentes com a Medalha Comemorativa das Campanhas.
- Entrega de Testemunhos de Apreço aos sócios com mais de quarenta anos de associados.
- Homenagem a um nosso sócio combatente ex- prisioneiro na Guiné Conacri (1968-1970).
- Almoço e animação musical (por inscrição).

A presença de todos é um dever de cidadania.
Não se esqueça, da boina, do emblema e da medalha.

O PRESIDENTE
Armando José Ribeiro da Costa
Tenente Coronel


ALMOÇO – EMENTA 

TÁBUA DE ENTRADAS
- Rissóis, bolinhos, croquetes, panadinhos, presunto e bola de carne.

QUENTES
- Creme de legumes.
- Rojões à moda do Minho com arroz de sarrabulho.

SOBREMESA
- Bolo de aniversário (acompanhado de espumante).
- Fruta laminada.

BEBIDAS
- Vinhos verdes e maduros.
- Sumos e águas.
- Café.
- Digestivo.

MAIS TARDE
- Caldo verde.

ANIMAÇÃO MUSICAL

Solicita-se inscrição até ao dia 28 de Abril (5ª feira) 
O preço por pessoa é de 15,00€.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15971: Efemérides (219): Homenagem aos Combatentes da Guerra do Ultramar, mortos em combate nas 3 frentes (Angola, Moçambique e Guiné), em Cascais, levada a efeito no passado dia 31 de Março (Francisco Henriques da Silva)

Guiné 63/74 - P16007: Brunhoso há 50 anos (7): Uma terra de artes (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

Brunhoso - Com a devida vénia


1. Em mensagem do dia 8 de Março de 2016, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), volta a falar-nos da sua terra natal há 50 anos.


Brunhoso há 50 anos

7 - UMA TERRA DE ARTES

Brunhoso não era somente uma terra rica e auto-suficiente pela variedade e quantidade de produtos agro-pecuários e florestais que produzia mas também pelos serviços que os seus artistas prestavam a essa comunidade agrícola laboriosa e a outras comunidades próximas.
Nesse tempo Brunhoso era conhecida como sendo uma terra de artes. Estas artes de que os povos dessas terras humildes falavam eram as artes mais utilitárias, que se confundem com os ofícios. Para vestir e calçar as pessoas e dar conforto e beleza aos lares havia as artes de alguns homens e de muitas mulheres:
As donas de casa que depois de transformarem num processo moroso que passava por várias fases a lã e o linho, em fio, só com as suas mãos hábeis ou com a ajuda dos teares ou das máquinas de costura, faziam as meias, os meotes, as saias, os saiotes, as blusas, as camisolas, os bordados, as camisas, as cuecas, as ceroulas, os lençóis, os carapins, as toalhas, as colchas, e outras utilidades, com a mesma entrega e a mesma dedicação com que tratavam dos filhos, das hortaliças e das flores nas hortas e do lar.

Senhoras trabalhando a lã
Com a devida vénia ao autor da foto e ao Blogue Aldeia de Castelões

Outras fazendas para roupas, diferentes da lã e do linho, eram vendidas pelos tendeiros de Campo de Víboras que periodicamente passavam pela aldeia com as mulas carregadas com peças de tecidos das mais variadas cores e qualidades.

Havia ainda os sotos em Mogadouro ou os dias de feira para compras semelhantes.

Havia três alfaiates que faziam fatos por medida.
Os homens, mais ainda os rapazes, estreavam geralmente os fatos no dia de Páscoa, costume antigo, talvez para celebrar o renascimento da vida, depois da Quaresma e da chegada da Primavera.

Havia quatro sapateiros que faziam sapatos novos de cabedal com brochas de quatro pancadas na sola do pé ou outras mais finas e arranjavam todo o tipo de sapatos;

Havia dois barbeiros, sendo um deles barbeiro-cirurgião, pois além de fazer as barbas e cortar os cabelos, sabia dar injecções, tratar das feridas, extrair carbúnculos, e tratar outros males de que as pessoas pudessem sofrer;

Havia duas parteiras, que tinham aprendido essa arte com outras mulheres mais velhas. Conheci melhor a senhor Cândida "Passarinho" mulher desenvolta, simpática, faladora, que se fechou muitas vezes no quarto dos meus pais, a sós com a minha mãe e uma amiga dela, para algumas horas depois o meu pai nos dizer, nem triste, nem contente, com o ar mais natural do mundo, que tinha nascido mais um irmão.

Para tratar das ferramentas, todo o tipo de apetrechos e equipamentos necessários à lavoura e ao bem-estar e resguardo de pessoas e animais havia os seguintes artistas:
Ferreiros, pai e filho, para tratar dos sachos, das picaretas, das enxadas, das relhas das charruas, dos arados, para arranjar ou fazer mesmo outras ferramentas e trabalhar o ferro para as mais diversas utilidades. Faziam aros de ferro que aplicavam ainda incandescentes, para se moldarem, nas rodas de madeira dos carros de vacas.
A forja do ferreiro era bem perto da casa dos meus pais, a cerca de 100 metros logo a seguir, separada por um terreiro, estava a antiga escola primária onde aprendi a amar as palavras escritas, a geografia e a história. Gostava de entrar na forja para ver o ferro a ficar incandescente e ver o ferreiro e o ajudante a moldar esse ferro em brasa com as marretas para construir ou arranjar ferramentas.
Para maior prazer meu e dos outros garotos da escola o ferreiro tinha um torno com que fazia piões de madeira que nos vendia por uma coroa, de freixo, de carrasco, de choupo e outras madeiras.

 Forjador
Imagem do Youtube

No terreiro da escola, os rapazes jogávamos ao pião, lembro-me que um dos jogos era lançar os piões sobre os dos outros para os danificar ou inutilizar. Para esse jogo, os piões bons, pela sua dureza, eram os de carrasco que dificilmente se danificavam, já os de choupo por vezes com uma ferroada certeira podiam rachar ao meio.

Noutro espaço desse terreiro as raparigas jogavam a macaca.

Havia carpinteiros de três áreas diferentes:
Os carroceiros ou carreiros que além dos carros de bois, faziam os jugos, os arados, os agrades, os trilhos para os cereais e outros;
Os carpinteiros da construção civil que montavam os soalhos, as vigas e as armações dos telhados;
Havia também dois artistas de carpintaria fina o que significa que além de outros trabalhos também fabricavam móveis, sendo um deles também fabricante de urnas.

Carro de bois
Imagem da internete

Havia duas parelhas de serradores que serravam manualmente as grandes ou pequenas árvores para fazer tábuas para os soalhos das casas, para os carros de bois e para as mais diversas aplicações. Era um trabalho muito duro que exigia muito músculo e muita precisão.

Havia um ferrador para aplicar as ferraduras nas bestas (gado asinino e muar) e nas vacas e bois;
Havia um capador que além de capar os animais também os curava de alguns males;

Havia os tosquiadores de carneiros e ovelhas que pelo mês de Maio faziam a tosquia da lã desses animais, que nesse tempo era muito bem paga pelos comerciantes;

Decorrentes da actividade agrícola havia:
Os segadores, quase todos os trabalhadores válidos que eram exímios na ceifa do trigo e do centeio:
Os gadanheiros que ceifavam a erva dos lameiros para fazer o feno para o gado comer nos estábulos sobretudo no Inverno.
Os limpadores de oliveiras que conheciam a melhor técnica para libertar essas árvores dos ramos em excesso sem as danificar.
No final da década 50 e no início da década de 60 do século passado vieram duas levas de alentejanos cada qual constituída por 6 trabalhadores para fazer a poda dos sobreiros, já que nesse tempo não havia em Brunhoso, nem nas redondezas trabalhadores habilitados para tal. Os da primeira leva, pela lenha extraída na poda com a qual fabricavam carvão vegetal, faziam esse serviço. Os da segunda leva fizeram esse trabalho pela cortiça que retiravam dos ramos cortados que depois vendiam para as fábricas para ser moída para várias aplicações.

Nas minhas andanças de garoto por montes e vales a guardar as vacas ou noutros afazeres, cruzei-me muitos vezes com eles. Eram homens simpáticos, pouco faladores, frugais, caçavam passarinhos com redes perto dos bebedouros deles, pediam aos lavradores conhecidos tomates, alfaces e batatas das hortas. Eram sóbrios, bebiam pouco vinho, o trabalho em cima dos sobreiros também não consentia abusos. Nem melhores ou piores mas diferentes dos meus conterrâneos, aprendi a apreciá-los pelas características enunciadas e por essa nostalgia meditativa que cresce na visão das grandes planícies, tão própria dos alentejanos.
Os tiradores de cortiça, seriam talvez dezoito (ainda hoje existirão no mesmo número) que sabiam tirar a cortiça com muita perícia, para não danificar o casco das árvores para futuras produções. Eram também solicitados para trabalhar noutras terras.

Descortiçamento
Com a devida vénia a Green Cork

Havia os albardeiros que além das albardas, fabricavam os atafais, as belfas para as mulas, meleias para as vacas, e outros artefactos. Os albardeiros além de trabalharem para a aldeia, montados em mulas percorriam todo o Nordeste Transmontano e ainda parte da Beira Transmontana . Ficavam alguns dias em cada aldeia, dependendo do trabalho que houvesse para fazer arranjos ou obras novas e em seguida mudavam-se para outra. Segundo testemunhos que recolhi por vezes chegavam a andar mais de um mês nesses trabalhos de terra em terra. Os albardeiros pertenciam todos, menos um, a uma família numerosa, cujo pai instruiu todos os filhos varões, penso que cinco, nessa arte. Eram homens fortes e grandes trabalhadores que deram fama a Brunhoso e às suas gentes por toda a zona, num raio de mais de 100 quilómetros.
O que não pertencia à família foi também ensinado pelo pai dos outros e era igualmente um bom profissional. Posteriormente, em meados da década de 50, os albardeiros deixaram de calcorrear as aldeias e passaram a fazer as feiras onde vendiam as obras feitas e recebiam também encomendas de outras obras ou de arranjos.

Os pedreiros, que com tanta perícia construíam as paredes dos edifícios da aldeia e os muros de muitos terrenos. Resta acrescentar que todos estes artistas praticavam também a arte milenar da agricultura.

Tudo isto se passa entre a minha meninice e a minha entrada na adolescência. Nesse período de tempo, quando em 1961, regressam dois soldados que tinham cumprido quase três anos na Índia onde estiveram presos quando a União Indiana invadiu esses territórios e foram recebidos com muita comoção e alívio por toda a aldeia, começa a guerra colonial em Angola que rapidamente atinge também a Guiné e Moçambique. Brunhoso tem um excesso populacional como nunca teve pois o Brasil seu destino tradicional de emigração está em crise e há alguns anos que impede a entrada de emigrantes.
Quando se descobre a França como destino de trabalho, embora em condições de partida clandestinas e difíceis é como uma válvula de escape que se abre e que os homens de todas as idades, artes e profissões aproveitam indiferentes aos riscos pois se nesse tempo não havia fome na aldeia, havia muita gente já no limiar da pobreza.

Pelos seus soldados mobilizados para a guerra do Ultramar as pessoas têm as mesmas saudades, que sentem pelos seus familiares emigrados com mais alguns receios que vão aplacando com choros, rezas e promessas. Felizmente não houve mortos ou feridos, nesses três destinos. Com a partida dos melhores trabalhadores do campo e de muitos artistas que lhe davam suporte, a agricultura tradicional irá morrer no espaço de poucos anos. Finalmente essa sociedade tradicional nas suas vivências, nos seus meios de produção, nos seus métodos e nos seus valores entra na era da globalização.
Nos processos de mudança há sempre uma crise e um choque a que nem sempre as pessoas e as sociedades conseguem resistir. No ano de 1960 viviam em Brunhoso 600 habitantes, actualmente vivem 200, e eu penso que por razões políticas regionais esse número está inflacionado.

A globalização, esse fenómeno mundial que o progresso económico e os meios de comunicação criaram, está a acabar com todas as sociedades tradicionais, nem sempre muita justas na distribuição da riqueza, mas infelizmente por ser movida pela ânsia do lucro das grandes empresas industriais e financeiras, que dominam os governos das nações, a globalização está a criar ainda uma maior miséria entre os povos e a destruir os rios, os mares, os solos, as florestas, enfim a ecologia que está na base da saúde mundial.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15860: Brunhoso há 50 anos (6): Uma terra rica e auto-suficiente (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

Guiné 63/74 - P16006: Convívios (735): Em Fátima, dia 10 de maio, CCAÇ 1439 (Enxalé, Missirá e Porto Gole, 1965/67) + Pel Caç Nat 52 e 54 + Pel Mort 81.. Eu vou, diretamente de Nova Iorque (João Crisóstomo)



1. A notícia chegou-nos de Nova Iorque (!), por mail do João Crisóstomo. Ele vem de propósito para estar em Fátima com a malta do seu tempo e da sua companhia, antes de ir passar 5 semanas na Eslovénia, a terra da sua esposa Vilma:

trata-se do convívio da CCAÇ 1439 (Enxalé, Missirá e Porto Gole, 1965/67) + Pel Caç Nat 52 e 54 + Pel Mort 81.

Os nossos amigos Helena (a Lena do Enxalé) e Álvaro Carvalho (Caldas da Rainha) também vão estar. E o Henrique Matos, pois claro, o 1º comandante do Pel Caç Nat 52 (1966/68). E cremos  que também o José António Viegas, ex-fur mil do Pel Caç Nat 54.
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de abril de 2016 >  Guiné 63/74 - P15965: Convívios (734): 10.º Encontro do pessoal da CCS / BART 2719 (Bambadinca, 1970/72) e subunidades adidas, Viseu, 21 de maio de 2016 (Benjamim Durães)

Guiné 63/74 - P16005: (In)citações (87): Breve interpretação sobre a entrega do Ultramar Português (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

1. Texto do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviado ao Blogue em mensagem de 23 de Abril de 2016, subordinado ao título:

Breve interpretação sobre a entrega do Ultramar Português

Camaradas,
O assunto tem sido bastante debatido, embora com mais ou menos profundidade, por vezes até com a exaltação de quem bebeu argumentos das diferentes forças políticas. Já aqui referi que a minha interpretação e sentimento não encaixa nada, antes pelo contrário, nas apressadas justificações de que Portugal exercia a colonização com brutalidade, sem olhar aos interesses dos povos autóctones. Muito evoluía a realidade social ultramarina. Mas também referi que os verdadeiros colonos eram os trusts internacionais; que os antigos governos votaram ao desprezo o progresso daquelas terras e gentes; e que a partir da transição do final da década de 50 para a de 60 do século passado, as duas maiores "províncias" passaram a mostrar invejáveis quadros de desenvolvimento, que em Angola por altura dos anos sessenta atingia os 20% no crescimento económico, e em Moçambique rondava os 10%, enquanto a metrópole exibia com regularidade cerca de 7%, mas em boa parte à custa do mercado de privilégio ultramarino, onde colocava vinho, têxteis, sapatos, azeite, e pouco mais, produtos com que não concorria no mercado internacional, e estavam vedados para qualquer iniciativa na África Portuguesa. Do fluxo de pagamentos pelas matéria-primas exportadas, os cofres do Estado registaram elevadas somas de poupança, que conferiam a Portugal uma situação tão confortável, quanto pagava a guerra e ainda provia à construção de muitos e variados equipamentos (barragens, linhas de transporte de energia, rodovias, caminhos de ferro, pontes e modernização de portos marítimos, hospitais, etc) que dinamizavam ao desenvolvimento equilibrado.

Desde essa altura, com a emergência dos novos ventos da história e de uma frente emancipalista afro-asiática de países que passaram a constituir uma maioria no concerto das nações, maioria inspirada nas teses do socialismo e do comunismo, que os territórios colonizados foram objecto de grossas discussões em fóruns, e de grandes parangonas na comunicação social, sem que alguém ousasse olhar para os autocráticos processos que alcançavam as respectivas independências, e para os cortejos de miséria e indecências que esmagavam as populações e comprometiam as estruturas morais e de desenvolvimento.

É neste pressuposto de confusão entre o equilíbrio das sociedades e a ambição dos jovens líderes autonomistas, que vos quero apresentar alguns parágrafos de uma obra de Amorim de Carvalho, "O Fim Histórico de Portugal", onde ele aborda de forma luminosa o problema da descolonização portuguesa. Depois de afirmar que a existência histórica de Portugal começou com os descobrimentos e manteve-se pela colonização bem caracteristicamente portuguesa, marcada pela autodescolonização de que o Brasil é exemplo, e depois de ter demonstrado também a especialidade dessa colonização, define o que entende por autodescolonização nos seguintes termos: "Quando falei de autodescolonização quis fazer referência a uma tomada de consciência, no colonizador, da sua relação humana com o colonizado. A partir desta tomada de consciência e de uma acção de acordo com ela, a colonização rigorosamente falando deixa de existir... porque os colonos de ontem dão àqueles que eram ontem também os colonizados, o progresso e a civilização, que estes, por si próprios, não foram capazes de realizar no seu próprio território; este território torna-se então comum, de facto e de direito, e uma pátria multirracial"... "A colonização portuguesa foi no seu conjunto histórico - reabilitando-se do que ela pôde ou teve de ser cruel para tornar-se a mais humana de todas - autodescolonizadora no seu próprio processo de relação humana". "Eis o que distingue a independência pela autodescolonização ou aparente descolonização outorgada de um momento para o outro para satisfazer um compromisso ideológico sem fundamento real: o direito dos povos à independência pressupondo uma «consciência nacional» existindo já no povo colonizado".
"Se esta consciência nacional não existir, porque não existe senão uma consciência tribal ou um conjunto de consciências tribais de uma «independência» abandonada aos conflitos entre as diferentes etnias"... "Trata-se de um caso psico-social ou intelecto-moral muito frequente na nossa época, de hipocrisia final diferida porque se concede um direito dos povos à independência que só existe em pura teoria, mas que já se sabe não pode ser eticamente recebida porque o povo colonizado não está preparado para este género de independência" - págs. 88 e 89.

Como sustenta o citado autor, enquanto a descolonização outorgada não passa de hipocrisia e de uma falsa aplicação de um pretenso método democrático, a autodescolonização, através de uma progressiva destribalização dos autóctones, entre os quais se forma uma minoria de elite (enquanto a maioria se encontra ligada às suas tradições, usos e costumes), opera o processo de autodescolonização sob a influência das elites brancas, mestiças e negras, o que permite uma autodeterminação democrática e realista.

Abraços fraternos
JD

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Consultas:
"A Entrega do Ultramar Português e o 4 de Fevereiro de 1961 em Angola", de Álvaro da Silva Tavares;
"A Descolonização da África Portuguesa", de Norrie MacQueen;
"Angola, Anatomia de uma tragédia" e "25 de Abril de 1974 - A Revolução da Perfídia", de General Silva Cardoso.
A primeira das obras citadas está disponível na net.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15777: (In)citações (86): Opinião sobre os Governadores e Comandantes-Chefes das Forças Armadas da Guiné - 3 (Coutinho e Lima, Cor Art Ref)

Guiné 63/74 - P16004: Parabéns a você (1069): David Guimarães, ex-Fur Mil Art MA da CART 2716 (Guiné, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 21 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15996: Parabéns a você (1066): António Branquinho, ex-Fur Mil Inf do Pel Caç Nat 63 (Guiné, 1969/71)