quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15789: Os nossos seres, saberes e lazeres (142): O ventre de Tomar (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
Era dia ensolarado, o versátil comércio aberto toda a tarde, estávamos a uma semana do Carnaval, decidi andar pelas lojas de artesãos, carpintaria e alguns outros.
A grande surpresa, como mais adiante se enfatizará, foi almoçar num tasquinho, observei de relance uns senhores que conversavam numa mesa ao lado, saíram eles e saí eu, umas dezenas de metros à frente entrei numa carpintaria e lá estava o mesmo senhor que vira ao almoço de fato-macaco. Rimo-nos da surpresa e recebi uma lição de como se restauram móveis. Mas o mais importante era a cordialidade do meu anfitrião, comunicava a sua arte com verve, via-se que tinha paixão pelo modo como usa as mãos.

Um abraço do
Mário


O ventre de Tomar (6)

Beja Santos


Comecei o dia de andarilho, palmilhando uns quilómetros até chegar a uma quinta entre Cem Soldos e Algarvias, freguesia da Madalena. Eu conhecia esta imagem de um livro de memórias de autoria do embaixador António Pinto da França sobre a Guiné-Bissau. Ver este ambiente de trabalho deixa saudade, gostaria de ter conhecido tão afável pessoa, houve quem o apelidasse de antropólogo amador, quando li este livro de memórias sobre a Guiné-Bissau passei a estimá-lo muito, na escrita deste diplomata não há um rancor, um azedume, tudo fazia para compreender o que, em África, não se encaixa na nossa maneira ordeira de medir o tempo, o sentido da eficiência, o valor da memória. Aqui me detive e rezei por ele, ele não precisa, quem precisa sou eu.



No antigo RI 15, como é de todos sabido, funciona o Museu dos Fósforos e um belíssimo ateliê de artesãs que lavram cerâmica. Precisara de ir entregar uma caixa de fósforos que adquirira na Feira da Ladra, aproveitei para espreitar as novidades que saem dessas mãos laboriosas. Captei estas duas imagens e vale a pena justificar-me. O azulejo com o guerreiro monge em oração é uma ternura, e não resisti àquele sol radioso que parece estar a iluminar o magote de santos e santas.


Estamos agora no interior de uma livraria papelaria, anuncia-se o entrudo, nunca escondi que me rendo facilmente aos coloridos vistosos, as revistas ao fundo dão o ritmo de que há cores que não se chocam, mesmo que possamos supor que esta imagem possa ser tomada como uma partida de Carnaval. Asseguro que não é.


É bem agradável encontrarmos uma loja onde se vendem belas réplicas das cerâmicas que outrora foram desenhadas por aquele que eu considero o maior artista português do século XIX, Rafael Bordalo Pinheiro. Gosto de várias coisas: as cores quentes da parede, um vulto para lá do vidro, a projeção do ângulo, não sei se é o nosso olhar que vai até ao fundo se é esse fundo que caminha para nós. Parecem considerações patetas mas não são, os fotógrafos amadores muitas vezes embevecem-se com estas minudências, e não escondo que gosto muito do que aqui fica.




Farejo tudo quanto é papel e não resisto a entrar, a perguntar, a trocar impressões com quem sabe da poda. Este espaço tem a seu favor uma atmosfera de antiquário, o papel espalha-se de tal modo que apetece pôr a mão em cada livro que encontramos, e há cadeiras para nos sentarmos, folhearmos o dito papel e depois tomar uma decisão criteriosa. Um bom livreiro é sempre bom comunicador, aqui há bons modos genuínos. Havia no passado um jingle radiofónico que terminava: “O cliente sai sempre bem-disposto”. No caso em apreço, o cliente ou o perguntador sai sempre com vontade de voltar.


Havemos de voltar a esta carpintaria. Imagine o leitor que almocei numa tasquinha da cidade, quem nos servia era um parisiense de gema. Comi polvo à lagareiro, numa outra mesa havia um senhor que trocava umas frases com outro conviva. Não é que, ao recomeçar as minhas lides, entrei numa rua ali perto da igreja de S. João Batista e dou com este cliente a afagar a madeira? Sorrimos um para o outro e fiz-lhe perguntas sobre a reparação deste tampo de mesa, no tom mais natural do mundo explicou-me a sequência de operações, ouvi-o atentamente. O que gosto da imagem, e logo a aparto de outras que guardarei para melhor oportunidade é que nela há qualquer coisa que representa o momento da verdade, quando o artífice se entrega à lide e refaz a beleza do móvel deformado. Terá sido por acaso que Jesus passou a infância entre momentos de verdade como este?

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15760: Os nossos seres, saberes e lazeres (141): O ventre de Tomar (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15788: Blogpoesia (439): "Universo", por José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381

1. Em mensagem do dia 15 de Fevereiro de 2016 o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos este poema para, segundo ele,  pôr a malta a pensar.


UNIVERSO

Universo,
Em longo momento gerado.
O Cosmos.
Planetas, estrelas, o Sol doirado.
Vida.
Água, plantas, coisas tão belas!
Animais.
O Homem...
Conjunto de ínfimas parcelas.
Universo.
Criado,
E a cada momento recriado,
Sem que nada mais seja acrescentado.
Nada mais.
Milhões de anos em movimento,
Contínuo.
Permanente vida a nascer,
E assim será eternamente,
Sem nada se perder.
Universo.
Desafio ao conhecimento.
Conjunto de átomos,
Por forças invisíveis, ligados –
Integram-se,
Desintegram-se,
Reintegram-se,
E animados, gerando novo Ser.
Força viva.
Vida que faz viver,
Energia que tudo faz girar
À sua volta, sem nada parar.
Segredos em livro aberto, escondidos,
Que os mais Sábios dos Sábios
Procuram decifrar,
Apaixonadamente envolvidos.
Estudam o que vê toda a gente,
A realidade evidente,
E também o que não se vê,
Mas faz parte da realidade existente.

Universo,
Razão do SER,
Ouso perguntar-te –
Eu, quem sou?
Conjunto de átomos – sei-o bem.
Mas onde estavam no ato de amor
Que os congregou,
E deram vida, a mim também? –
Num pigmeu africano?
Num animal pré-histórico?
Num Pele-Vermelha americano, talvez!

Universo,
No teu eterno andarilhar,
Tu és um perene hino de louvor
Ao divino Criador
Que do nada tudo fez,
Ao seu bel-prazer,
Num excelente ato de amor.

José Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15776: Blogpoesia (438): "Banho de Chuveiro" e "O Terror das Artrites" (Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728)

Guiné 63/74 - P15787: Parabéns a você (1038): António Cunha, ex-1.º Cabo da CCAÇ 763 (Lassas) (Guiné, 1965/66) e Manuel Henrique Q. Pinh0, ex-Marinheiro Radiotelegrafista das LDMs 301 e 107 (Guiné, 1971/73)


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Nota do editor

Último poste da série de 23 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15783: Parabéns a você (1036): José Carlos Pimentel, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2401 (Guiné, 1968/70) e José Maria Claro, ex-Soldado Radiotelegrafista (DFA) da CCAÇ 2464 (Guiné, 1969)

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15786: Memória dos lugares (335): As "viagens" a Madina do Boé e a Béli (Abel Santos, ex-Soldado da CART 1742)




1. Em mensagem do dia 9 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) fala-nos das assustadoras colunas de reabastecimento a Madina do Boé e Béli.




As "viagens" a Madina do Boé e Béli

As colunas de reabastecimento para Madina do Boé e Béli revestiam-se de muita precaução e requeriam uma preparação por parte dos militares que eram escalados para tal missão, que só se atinge ao fim de algum tempo de estadia no teatro operacional.

Mais um dia de azáfama no quartel onde a CART 1742 estava sediada (Nova Lamego) com os preparativos para mais uma viagem até Madina e Béli, para o reabastecimento do pessoal lá instalado que aguardava a nossa chegada ansiosamente.

Mas antes da ida para Madina a Companhia já se tinha deslocado a Bambadinca para carregar os bens essenciais para os transportar e entregar aos camaradas aquartelados nos confins do mundo. Era uma viagem penosa e perigosa, pois requeria a máxima atenção e concentração, que por vezes era feita a corta mato fugindo da picada, o que nos garantia outra segurança.

A caminho de Madina

Dois grupos de combate, dos quais fiz parte, preparados e armados com o que de melhor existia na época, bazuca, morteiro 60, metralhadora MG42, além da nossa amiga e companheira de todas as ocasiões, a G3. Éramos apoiados por uma auto metralhadora Daimler, connosco viajava também o pronto-socorro que no regresso acabou por ser necessário, mas este elemento ficou no aquartelamento do Ché Che por ser demasiado pesado para a jangada que nos transporta para o lado de lá e vice-versa.

Partimos manhã cedo de Nova Lamego rumo ao objectivo, passando por Piche e Canjadude até atingirmos o Ché Che, sem nada de anormal ter acontecido. A travessia do rio Corubal foi feita com o máximo cuidado e segurança, a instalação do pessoal na outra margem ficou pronta por volta das 4 horas da tarde, não sem que antes a aviação fizesse a limpeza da zona bombardeando a área e mantendo a vigilância até ao escurecer, só então retirando-se para a base.

O Rio Corubal no Che Che

Travessia do Rio Corubal

Depois de uma noite passada em alerta permanente, partimos manhã cedo entrando numa zona cujo terreno árido mais parecia uma queimada, mas agora com o apoio dos nossos camaradas da Força Aérea pilotando os Fiat e os T-6, que com a sua presença retiravam ao IN qualquer veleidade de atacarem a coluna ou emboscar e, ao mesmo tempo, mostrando a sua destreza aos comandos das aeronaves. Estou recordando agora um episódio protagonizado pelo piloto Honório, que ao sobrevoar a coluna picou o T-6 rumo ao solo na lateral, passando pelo intervalo de duas viaturas, o que causou na malta júbilo pelo espetáculo proporcionado por esse cavaleiro dos ares, que ainda o recordo com saudade.

Apoio aéreo a uma coluna auto em Madina
Foto: © Manuel Coelho

Entretanto o dia ia avançando e a coluna também, a malta estava ansiosa por chegar ao objectivo, mas um contratempo nos esperava através de um inimigo inesperado, as abelhas, sim abelhas que causaram alguns estragos na caravana, mais propriamente na milícia e nos civis que nos acompanhavam, estes que aproveitavam as colunas para visitarem os familiares. Eu consegui passar através daquele zumbido provocado pelas voadoras, que mais pareciam os Fiat picando sobre a malta apontando os seus rockets prontas a deixarem a sua marca, mas com dizia, passei a zona de morte sem uma picada, pois consegui com ajuda do quiico enterrado na cabeça, cobrindo orelhas, e com o lenço tapando o rosto. Desta vez fomos metralhados de maneira diferente.

Pelo trajecto fomos encontrando os efeitos das anteriores viagens para esta região, viaturas incendiadas e outras minadas, mais parecendo um cemitério de ferro velho, como as fotos documentam.
O cenário que me foi dado observar fez-me pensar quão penoso terá sido para outros camaradas, que como eu tiveram de fazer aquele percurso, sofrendo emboscadas constantes, perdendo homens. Ainda hoje muitos sofrem o trauma de uma guerra que não nos levou a lado algum.

A caminho de Beli

Por fim chegamos ao objectivo e fomos recebidos efusivamente pelos camaradas residentes  que nos obsequiaram com um repasto quentinho (bianda com salsicha), acção que nos tocou profundamente. Para quem andava a ração de combate, foi um manjar dos céus.

Depois foi o merecido descanso, mas antes tivemos uma recepção de boas-vindas por parte do IN, já que era habitual enviar as boas-noites com umas morteiradas, mas desta vez não provocaram mossa.

O dia seguinte foi iniciado com os preparativos para o regresso a casa (Nova Lamego), pelo mesmo itinerário, com os nossos amigos da Força Aérea fazendo companhia à malta, atentos lá do alto a qualquer movimentação que fosse nociva à nossa segurança.
E assim atingimos o aquartelamento do Ché Che, local onde pernoitamos após a travessia do rio Corubal, para no dia seguinte retomar a viagem até ao nosso aquartelamento. Antes porém, aconteceram alguns contra tempos, o que provocou entre a rapaziada um sentimento de revolta pelo acontecido, já que a coluna, entre o Ché Che e Canjadude, acionou duas minas anticarro em locais onde nada o fazia prever, mas vamos aos factos.

Coluna auto em  Madina
Foto: © Manuel Coelho

O primeiro rebentamento foi provocado pelo rodado dianteiro direito de um unimog, não provocando vítimas nem tão-pouco no condutor que não precisou de ser evacuado e, foi aqui que entrou em acção o pronto-socorro que rebocou a viatura minada suspensa pela dianteira, para uns quilómetros mais à frente acontecer o caso mais grave desta expedição a Madina e Béli.

A dado momento aconteceu novo rebentamento, a auto-metralhadora tinha accionado uma mina anti-carro, cujo rodado dianteiro direito quase me atingia. Desta vez foi trágico, porque o camarada condutor faleceu no local. O inexplicável da situação é que a Daimler acidentada seguia logo atrás da viatura rebocada, que sendo a primeira a passar pela mina, não a accionou, gerando um sentimento de revolta e a pergunta do porquê de os restos do unimog não terem ido pelos ares em vez da Daimler? Tinha que se perder um homem?

 Daimler acidentada na estrada Canjadude-Che Che

A guerra é isto mesmo, cruel, assassina, estropia homens que nada tem a ver com ela, mas que são a tal carne que o canhão necessita para júbilo dos Senhores da Guerra.

A CART 1742 mais uma vez contribuiu com o seu sangue, suor e lágrimas para amenizar as agruras que aqueles camaradas passavam naquelas terras de ninguém, e que nos recebiam de braços abertos, o que prova que a solidariedade castrense é das coisas mais lindas que me foi dado apreciar. Ainda hoje comungo esse ideal.

Vivam todos os Combatentes,
Viva Portugal

Nota: A CART 1742 fez mais três colunas a Madina e a Béli.

Abel Santos
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Nota do editor

Poste anterior da série de 17 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15761: Memória dos lugares (334): Fulacunda (Fernando Carolino, ex-alf mil, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74; natural de Alcobaça, a viver em Valado dos Frades, Nazaré)

Guiné 63/74 - P15785: Convívios (727): Encontro do pessoal do Batalhão de Cavalaria 3846 (Companhia Independente), dia 13 de Março de 2016, em Fátima (Delfim Rodrigues)

1. Pede-nos o nosso camarada Delfim Rodrigues (ex-1.º Cabo Auxiliar de Enfermagem da CCAV 3366/BCAV 3846, Suzana e Varela, 1971/73) para divulgar o encontro 2016 da sua Unidade.



ENCONTRO DO PESSOAL DO BATALHÃO DE CAVALARIA 3846 (COMPANHIA INDEPENDENTE), DIA 13 DE MARÇO DE 2016, EM FÁTIMA


Caros camaradas,

Mais uma vez venho pedir para divulgarem o nosso almoço de comemoração do 43º aniversario do nosso regresso.
Agradecido

Caros amigos,

Aproxima-se a nossa data de reencontro habitual e é com grande entusiamo que vimos convidar-vos para mais um almoço de celebração do nosso regresso, no ano em que assinalamos 43 anos.

Este ano agendámos o dia 13 de Março e porque nos pareceu que o local que temos vindo a escolher é do agrado geral, repetimos a escolha e marcámos o "Pastilha & Filhas" para o nosso almoço convívio.

Relembramos uma vez mais a todos a importância de se juntarem a este encontro e marcar presença num momento tão especial para este grupo e que todos os anos nos deixa memórias tão importantes. Como é já uma prática usual deste grupo, as nossas famílias e entes queridos são também convidados a estarem presentes para que, em conjunto, possamos passar este dia da melhor forma e celebrarmos o nosso presente através de um passado que faz de nós o que somos hoje e construindo laços fortes para um futuro preenchido de convívio e boa companhia.

Esperamos poder contar, como sempre, com o nosso querido Capelão Faustino para a celebração de uma missa onde possamos saudar todos os presentes e recordar todos os ausentes.

Juntem-se a este especial momento de partilha!

Como vamos repetindo ao longo dos anos, este grupo é especial e perdura no tempo apenas com a presença e envolvimento de cada um de vós. Queremos que permaneça, que se repita e que traga a todos nós momentos de amizade, ternura e conforto capazes de nos alimentar pela nossa vida fora e pelas vidas das nossas famílias. É fundamental lembrar este dia para assim lembrarmos a nossa história...para a contarmos aos outros...para partilharmos experiências e enriquecer o futuro.

O encontro inicia-se às 12:00 com a celebração da Missa e o almoço será às 13:00. Mas quanto mais cedo vierem mais tempo terão para gozar da presença de todos.

Desejamos uma boa viagem no dia 13 de Março.
Um forte abraço
Toscano, Xina e Laureano

Menu, Preços e contactos 

Preços: 
Adultos: 23€
Crianças de O a 5 anos: gratuito
Crianças entre os 6 e os 12 anos: pagam 10 €

Entradas-Aperitivos-Bebidas-Sopa

Almoço: 
Bacalhau à Zé do Pipo
Cordeiro à Padeiro

Sobremesa:
Prato misto (gelado, fruta e pudim)

Café e digestivos (aguardente, licores e Whisky)

A confirmação da vossa presença deverá ser feita até dia 6 de Março para:

Alberto Toscano: 912 381 293 - albertotoscano@netcabo.pt
Carlos Conceição (Xina): 919 489 378 - carlosconceicaonovoa@gmail.com
T. Cor. Bernardino Laureano: 966 452 001 – laureano@netmadeiracom
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Nota de M.R.: 

Guiné 63/74 - P15784: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (39): De 1 a 24 de Agosto de 1974

1. Em mensagem do dia 19 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma das suas Memórias, a 39.ª.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

39 - De 1 a 24 de Agosto de 1974 (quinta-feira)

Parti finalmente de Bissau rumo à Metrópole e a casa, para gozar umas férias que, de tão merecidas, se prolongaram até à minha passagem à disponibilidade em 28 de Setembro/74, não mais retornando à Guiné.

Ironia das ironias, ao fim de 18 meses de comissão num território em que cada metro quadrado era, potencialmente, um bom lugar para se morrer, foi a caminho de casa que tive o meu último susto de morte. Sem exagero, vi-a mesmo ao lado. O avião em que seguia fez escala na Ilha do Sal em Cabo Verde, como era frequente. Tenho uma vaga lembrança de que estava uma tarde magnífica e de que nos fizemos à pista com aparente normalidade. Contudo, ao poisar na pista, o Boeing fê-lo batendo apenas com o trem de aterragem do lado direito e eu, à janela desse lado, julguei ver o reactor sob a asa que rasava o chão, chispar na pista. Fiquei sem fôlego. Entretanto, ainda em velocidade vertiginosa, o avião aponta a asa ao céu e vejo (vimos todos com terror) o reactor da asa oposta raspar junto ao chão desse lado. Até perder velocidade e estabilizar já próximo das instalações do aeroporto, foi assim a alternância entre as duas asas, e só aos poucos percebemos, com alívio, que era cada vez maior a distância do reactor ao chão. Com o avião parado quase dava para um homem em pé passar sob o reactor...

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Foi indescritível o país que vim encontrar na minha terra, neste mês de Agosto. Tão indescritível que me vou poupar a revelações do que, quase todos conheceram antes de mim, evitando ainda o risco de ser panfletário ou demasiado optimista quanto ao futuro que se avizinhava. Mas para quem como eu, nasceu e cresceu na mais cinzenta das ditaduras, num país amordaçado até ao sufoco, não posso deixar de revelar a mais doce das liberdades com que me deparei: a liberdade de expressão.

“Sei que estás em festa, pá / Fico contente”

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No final deste mês de Agosto/74, no dia 29, destaque para a ratificação do acordo com o PAIGC sobre a independência da Guiné, feita pelo Presidente da República António de Spínola.

Ainda no fim de Agosto e depois de ver gorado o meu regresso à Guiné, como dei conta anteriormente, fiquei algum tempo em estado de choque perante o facto consumado: o meu Batalhão tinha regressado à Metrópole durante o meu período de férias. Passado esse período difícil e arrumadas as diligências que se impunham, aos poucos, virou-se o meu pensamento para aqueles que não voltaria a ver e que me haviam suavizado os dias na Guiné. Ainda não eram as saudades a amolecer-me a alma, como ocorreria mais tarde, mas a lembrança penosa de que não me despedira de quem gostava e a dúvida do que terão ficado a pensar de mim. De facto, embora não houvesse motivos, poderia até parecer que me antecipara de forma calculada à saída da tropa de Nhala. De todos os que deixei sem um abraço, camaradas de armas e habitantes da tabanca de Nhala, ficou-me até hoje uma saudade profunda. Que caminhos terão seguido os meus soldados e os demais camaradas? Que será feito dos meus amigos e amigas da tabanca? É de alguns destes últimos que, com nostalgia, aqui deixo uma breve galeria.

Foto 1 – Nhala, 1973: Eu e o Manel, rapazinho inteligente e muito dedicado à tropa, que passava o dia quase todo no aquartelamento. Tinha uma especial consideração por mim e eu ajudava-o no que podia. 

Foto 2 – Nhala, 1973: Jomel, um caso de excepção na ajuda ao furriel enfermeiro, passava todo o seu tempo na enfermaria. Safado, ria-se quando o confrontávamos com a sua condição de muçulmano que comia do nosso rancho, desde as salsichas até ao pé-de-porco. 

Foto 3 – Nhala, 1973: Jarrai, “a bela”. Provocadora e esquiva, não permitia que lhe tocassem. Se tivesse acontecido haver uma Rainha Jinga na Guiné, seria ela.

Foto 4 – Nhala, 1973: Eu e a Rosa, minha primeira lavadeira. Competente mas trituradora de botões de fardamento, como só ela. 

Foto 5 – Nhala, 1974: A minha segunda e definitiva lavadeira, Fátima. Dedicada e delicada só tinha qualidades. E falava português... 

Foto 6 – Nhala, 1973: Mulheres recolhem água na fonte. 

Foto 7 – Nhala, 1973: Eu, na fonte junto de lavadeiras. 

Foto 8 – Nhala, 1974: Eu, na fonte cumprimentando uma bajuda. 

Foto 9 – Nhala, 1974: O Alf Mil Neto da CCAV 8351, na altura com o seu grupo em Nhala a dar apoio às obras na estrada A. Formosa-Buba. Aqui a dialogar com a Rosa, parece-me.

Foto 10 – Nhala, 1974: Mulheres e bajudas recolhem água e lavam o “corpinho”. 

Junto mais duas imagens que muito me tocam pela nostalgia de um tempo que eu vivi mas que passou à história. Digo-o sem falsos patriotismos e sem ambiguidade quanto ao fim desse tempo que, mais cedo ou mais tarde, teria de ocorrer.

Foto 11 – Nhala, 1973 em dia de coluna, com a bandeira lá no alto. 

Foto 12 – Nhala, 1973: Cerimónia do arrear da bandeira que ainda se repetiria por mais um ano, aproximadamente. Como se pode ver, estava um grupo de combate a entrar, que pára em sentido. Mesmo as mulheres que vinham da fonte com água à cabeça paravam nestas ocasiões, tal como os homens e as crianças. 

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Transcrevo a última parte da HU relativa a acontecimentos que já não testemunhei.

História da Unidade do BCAÇ 4513: 

Período de 01AGO a 20AGO74. [Na verdade, vai até ao dia 24]

AGO74/02 – Com uma cerimónia simples, inaugurou-se um novo campo de jogos de futebol de “cinco” no aquartelamento de A. FORMOSA. Este campo passou a chamar-se “Campo 1.º DE MAIO”.

- Comandante deslocou-se a BISSAU a fim de tratar assuntos relacionados com a desactivação da CCAÇ18 e PEL CAÇ NAT.

- Apresentou-se de licença disciplinar o Exmo. Major DIAS MARQUES, 2.º Comandante do Batalhão.

AGO74/03 – Iniciou-se o levantamento de todos os campos de minas do Subsector de A. FORMOSA.

- A secção do 19.º PEL ART sediado em A. FORMOSA regressou a BUBA. O 14.º PEL ART, sediado em CUMBIJÃ, foi deslocado para A. FORMOSA.

- Comandante regressou de BISSAU.

AGO74/05 – Comandante e 2.º Comandante deslocaram-se a COILBUIA e CUMBIJÃ.

AGO74/07 – Foi desocupado o Destacamento de CUMBIJÃ e entregue ao PAIGC. Da cerimónia constou o arrear da Bandeira Nacional e o hastear da Bandeira da Rep. GUINÉ-BISSAU, com honras prestadas por dois GR COMB da CCAV 8350 e um Bigrupo do PAIGC.

Estiveram presentes além do Comandante, 2.º Comandante, Oficiais, Sargentos e Praças do Batalhão, comissários do PAIGC, Comandante do 3.º CE, Autoridades Gentílicas e população.

AGO74/08 – Estiveram presentes em A. FORMOSA, o Exmo. Comandante do COP-5, acompanhado de alguns elementos do PAIGC entre os quais o Comissário JULINHO.

AGO74/09 – Foi desocupado o Destacamento de COLIBUIA e entregue ao PAIGC. Da cerimónia constou o arrear da Bandeira Nacional e o hastear da Bandeira da Rep. GUINÉ-BISSAU, com honras prestadas por dois GR COMB da CCAV 8350 e um Bigrupo do PAIGC.

Estiveram presentes além do Comandante, 2.º Comandante, Oficiais, Sargentos e Praças do Batalhão, comissários do PAIGC, Comandante do 3.º CE, Autoridades Gentílicas e população.

AGO74/10 – O Exmo. 2.º Comandante deslocou-se a BUBA e NHALA.

AGO74/12 – Por determinação do Comandante Militar deslocou-se para BISSAU, o Comandante deste TEN COR RAMALHEIRA, a fim de assumir novas funções.

Passou a comandar o Batalhão o Major DIAS MARQUES.

- Esteve presente em A. FORMOSA o Exmo. Major VEIGA DA FONSECA, a fim de tratar assuntos relacionados com a desactivação da CCAÇ 18 e PEL CAÇ NAT 55, 68 e 69.

AGO74/13 – Comandante Interino deslocou-se a BUBA, a fim de assistir a embarque de materiais para BISSAU.

AGO74/14 – O OF/OP/INFO deslocou-se a BUBA e NHALA a fim de tratar assuntos relacionados com evacuação de materiais.

AGO74/15 – Comandante Interino deslocou-se a BUBA a fim de assistir a embarque de materiais evacuados do Sector e com destino a BISSAU. - Esteve presente em A. FORMOSA Comandante AZEVEDO COUTINHO da Marinha de Guerra. AGO74/17

- Esteve presente em A. FORMOSA o Cap. FONSECA ALFERES da COM. UN. AFRICANAS a fim de tratar assuntos relacionados com a desactivação das Unidades Africanas do Sector.

AGO74/18 – Com a vinda do Tesoureiro de BISSAU, e em cumprimento da Circular 12/CMD do Comando-Chefe, processou-se à desactivação da CCAÇ18, com entrega de fardamento, armamento, munições e equipamento, recebendo todos os militares todos os seus vencimentos até 31DEZ74. Foram também desactivados nos mesmos moldes o 14.º PEL ART (14) e 2.º PEL BAAA 7040. Todas estas operações decorreram na melhor ordem.

AGO74/19 – Foram desactivados nos moldes da Circular 12/CMD os PEL CAÇ NAT 55, 68 e 69.

- O 1.º PEL/EREC 8840 regressou a BAFATÁ.

- O OF/OPER/INFO deslocou-se a BUBA e NHALA.

AGO74/21 – Foram desocupados e entregues ao PAIGC os Destacamentos da CHAMARRA e PATE EMBALO.

- Comandante Interino deslocou-se a BUBA a fim de assistir à evacuação de materiais para BISSAU.

AGO74/24 – O OF/OPER/INFO deslocou-se a BUBA e NHALA.

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Dado que nada mais consta da História da Unidade do BCAÇ 4513, nem do Resumo dos Factos e Feitos Mais Importantes da mesma Unidade, anoto mais quatro desactivações de aquartelamentos do Sector que aqui importa, transcritos, com a devida vénia, da publicação que fez no nosso Blogue, o Luís Gonçalves Vaz, filho do Cor Cav Henrique Gonçalves Vaz (1922-2001), último Chefe do Estado-Maior do CTIG (1973/74):

MAMPATÁ – 29 de Agosto de 1974;
ALDEIA FORMOSA – 31 de Agosto de 1974;
NHALA – 2 de Setembro de 1974
BUBA – 4 de Setembro de 1974

(continua)
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 Nota do editor

Poste anterior da série de 16 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15755: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (38): De 10 a 31 de Julho de 1974

Guiné 63/74 - P15783: Parabéns a você (1037): José Carlos Pimentel, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2401 (Guiné, 1968/70) e José Maria Claro, ex-Soldado Radiotelegrafista (DFA) da CCAÇ 2464 (Guiné, 1969)


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Nota do editor

Último poste da série de 21 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15774: Parabéns a você (1035): Veríssimo Ferreira, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 1422 (Guiné, 1965/67)

Guiné 63/74 - P15782: O meu coma: o corredor da morte (Mário Gaspar) - Parte I

1. Mensagem, de 21 do corrente,  do Mário Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68): 

Caros Camaradas


Como sempre aceito o desafio (*). O Luís tem razão, são "estilhaços das nossas memórias", e a vida é isto. Ainda há pouco tinha cinco anos. Despedido aos 53. Sentia-me um jovem. Amei toda a vida. Os amigos. Desapareceu o Vítor José Correia Pestana numa armadilha que montara. Quem comandava errou. Suicidou-se na Madeira, lançando-se ao mar de um penhasco. Dizia-lhe sempre que o encontrava:
– Matou o Pestana e o Costa!

E ele não respondia. Agredi-o tantas e tantas vezes. Depois de despedido, de uma vida de dádivas e de amor. De entrega. Eu que lutara por uma causa, saíra vencedor, sou derrotado. A Legislação aprovada foi abandonada por aquilo que já temia em 1996 no Jornal 2 da APOIAR. "A guerra pelos tostões dos subsídios, entre Associações". Veio a "Guerra com medo de se perderem os milhares de euros dos Protocolos entre as Associações e o Ministério da Defesa Nacional. E o Mário Vitorino Gaspar ficou sem os apoios por que lutou. A APOIAR corta e a ADFA… Através da sua Psicóloga Clínica Doutora Teresa Infante disse-me:
– Não o acompanho Psicologicamente por nos conhecermos há muito tempo, e por o Mário ter lutado pela Lei!

Disse-lhe que não era razão… Outra desculpa.

E as doenças… Ataques sucessivos. Alzheimer, que não o é, glaucoma e problemas pulmonares. Prisão de ventre. Inscrever-me para entrar num Lar Militar. Doenças! Como não bastasse, fico cheio de borbulhas que rebentam e ficam as pernas em chaga. Os dentes… Arranco 17 dentes. E depois de operado às cataratas, fico com a tensão baixa. Sou atropelado, para cúmulo por uma ambulância e dentro do Hospital das Forças Armadas. Na noite de 25 de Dezembro caio e vou de ambulância para o Hospital de Santa Maria e transferido para o Hospital Pulido Valente para os Serviços Intensivos. E no Carnaval vou de urgência novamente.

Queixar-me?

Envio para o Blogue o texto sobre o Meu Coma – O Corredor da Morte. Quantos "corredores da morte". Escapei. Com quase 73 anos mais 50% de aumento de experiência da vida são 108, mais que os anos de vida do Manoel de Oliveira.


Cumprimentos

Mário Vitorino Gaspar




2. O meu coma: o corredor da Morte 


por Mário Vitorino Gaspar


Não acredito que haja uma vida pós-morte, 

mas há qualquer inquietação dentro de mim 

ou qualquer crença dentro de mim que também 

recusa admitir que a morte seja o fim de tudo.” 

Professor Agostinho da Silva 



Dia 12 de Março de 2002. Chego a casa. O meu filho Alexandre está sentado defronte da televisão. A minha mulher encontra-se deitada. Eu, cheio de dores. Não se apercebem da minha grande aflição. E, o meu mal-estar prolonga­‑se. Só pretendia que aquilo passasse. Continuava a caminhar da sala para a cozinha e vice-versa. Bebo um gole de água. Despejo um copo. Outro. Olho de vez em quando para a televisão. Cigarro na boca. Continuava sem saber que programa estava a dar. Nem que canal. Aquela coisa de ter mais de 50 canais… O meu filho foi para a casa de banho… E as dores acentuavam­‑se. O peito.

Novamente na cozinha. Acendi um cigarro. Enchi os pulmões de fumo. Penso em acordá-los. Deito aos poucos o fumo do cigarro. Bebo um copo de água. E sai a água pela boca. Várias nascentes brotam do meu interior. Como bicas da fonte. Fico com a camisa molhada. Engasgo­‑me… Que dia é?

Ainda há pouco dissera ao Pinheiro, enquanto fumava:

– Ainda me dá qualquer dia uma “parecida comigo”, temos de estar atentos, esta vida que levamos na APOIAR… É uma guerra dentro de outra guerra. Destrói o que somos. Muitas reuniões, uma vida agitada! O amigo Jorge Santos também leva o mesmo caminho.

O mal­‑estar continuava, e só me lembro de uma igual aflição:

– Quando o nosso “herói” Carlos Lopes ganhou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos.

Parecia estar tonto. Acendi um novo cigarro. Tinham­‑me dado aquele isqueiro uns dias antes. Os braços e pernas trepidando, como a iniciar um sismo. Talvez o significado mais apropriado seja vibração. Novo cigarro. O último copo de água fizera­‑me arrotar. A nada...

Já a caminho de casa acontecera o mesmo. Mas porquê? Já há dias que começara a sentir aqueles sintomas.

Dos pulmões? Tinha uma fibrose pulmonar, provocada pelo pó de diamante. Nos anos 70, tinha sido uma guerra considerarem aquela fibrose como doença profissional.

Do coração? Ainda há bem pouco tempo tinha ido fazer um electrocardiograma com prova de esforço. Fui obrigado a ser ciclista. Um ciclista que pedala sem sair do mesmo local.

Dissera­‑me o cardiologista que o que eu precisava era de fazer uma “sangria”. Sorri e disse­‑lhe:

– Não sou nenhum porco!

Explicava­‑me que tinha mais glóbulos do sangue “x” a mais que o normal e que teria que fazer a dita “sangria”. Fiquei a saber que isso tam­bém não era aquela bebida que fazemos com vinho, gasosa, canela, limão e hortelã.

Seria cirrose? Já que os termos de neurose, psicose, e mais “oses”. 



Aquela merda da Guiné dera cabo de mim!

Mas por que razão não aceitei o convite da Ingrid Margarett Gusta­vsom (sueca com quem me escrevi enquanto estudante, bonita de olhos azuis e loira) e dar o salto para a Suécia? Poderia também ter ido para França?

Não me passava aquela aflição, e num ápice, quando o meu filho saía da casa de banho, e depois de ouvir o autoclismo. Tiro certeiro:

– Alexandre vem com o pai ao Hospital de Santa Maria!

– Mas porquê?

– Não me sinto bem!

– Mas o que é?

– Deve ser ou pulmões ou coração.

Saímos. Chuviscava. Uma chuva miúda. A “chuva molha parvos”. Continuava a sentir­‑me tonto. Arrotava. Fumei mais um cigarro.

O meu filho chamou a atenção com um: – “Não fume pai”.

Junto do largo do Santo António (cruzamento da Avenida de Roma com a Avenida da Igreja), na Praça de Alvalade. Esperámos por um táxi. Não fumo mais porque o meu filho ficara com os cigarros e o isqueiro. Entrámos para o táxi.

No Hospital de Santa Maria seguro­‑me à mesa do guiché

– Cartão da Segurança Social? E o cartão de utente não tem? De que se queixa?

A senhora que me atendia olhou­‑me, enquanto lhe entregava o cartão pedido. Fiquei desconfiado. Compreendi entretanto a razão de tal olhar: O meu aspecto doentio. Devia ter cara de um indivíduo que estava mesmo mal de saúde.

Olhei para o meu filho, sentindo­‑me cada vez pior. Cresci um pouco. Mais um pouco, ainda mais um pouco tentando afastar as dores:

– Porra! Sou combatente… Continuo a ser! Estive na guerra! – Con­tinuei, acrescentando ainda:

– O meu filho tem epilepsia. Olhem por ele! – Era uma desculpa. 

Enviado para fazer o electrocardiograma pelo médico que me fez a triagem e, enquanto digo à moça que iria fazer o exame “que tivesse calma, que depois lhe contava uma anedota”, ela gritava:

– Urgente, Urgente...

Sou colocado em cima de uma maca, enquanto digo para a técnica:

– Então não lhe posso contar a anedota?

Sou levado pelo maqueiro para a sala da triagem. Olho para o meu filho com algum receio e conforto­‑me em vê­‑lo aparentemente calmo e controlado, pedindo­‑me as alianças, relógio, carteiras, chaves, enquanto a maca vai deslizando pelo corredor até ao elevador que me transporta ao piso 6, à UTIC – Serviços Intensivos.

Quando a maca está quase a parar, depois de ter batido com as nós dos dedos na última parede, como se costuma ver nas séries de televisão e nos filmes, vejo um médico de barba grisalha, mas mais branca que preta e bata também branca. Sai­‑me pela boca:

– Olha quem ele é?!

– Afinal és tu! – Disse o Dr. Nunes Diogo.

– Conhece o Senhor Doutor Diogo? – Perguntou o maqueiro.

– Desde miúdo... – Respondi­‑lhe.

Não só o conhecia a ele – até tinha andado a estudar comigo no Externato Sousa Martins, em Vila Franca de Xira. O pai dele, Dr. Armando Diogo falava muito comigo quando eu era catraio, nunca cheguei a saber muito bem porquê. Como curiosidade este, foi um dos fundadores do Partido Socialista.

O Dr. Nunes Diogo para mim é o Tó Mané. Depois de me analisar disse que teria que fazer um cateterismo cardíaco, e que talvez se resolvesse o problema. Em caso contrário proporia a operação rapidamente. Apeteceu­‑me fumar.

É aqui que fico sem saber onde está a realidade. A partir deste momento, até dia 27 de Março, não sei o que é verdade.

Uma neblina percorre os meus olhos: – Lembro­‑me de me enfiarem depois da anestesia, um cateter na virilha, e vejo um coração (o meu) no visor. Não sei em que dia foi. Quando o cateter insuflava sangue observava uma nuvem, respondendo, julgo que em voz alta: – “estou f...”

– O saco de areia! – Ouvi alguém gritar, apontando para mim. Entro noutro mundo.

Fui operado a 15 de Março de 2002 pelo cirurgião Dr. Alberto Lemos; Ajudantes Doutor Manuel Dantas; Anestesista Doutora Ilda Viana; Perfusionista Doutor. Filipe Pereira e Instrumentista Doutora. Conceição Santos.

Tratou­‑se de uma Operação: BACx4 (1 c/M.ª Int.ª Esq.ª), Cirurgia de Bypass.

Um sonho? As estrelas – simultaneamente uma árvore de Natal, um presépio – uma amálgama de luzes dispersas, mais parecendo uma cidade vista ao longe numa noite escura.

Estava num campo, com muitas árvores. Viam­‑se muitos militares, curiosamente, todos eles velhos. Era uma concentração, talvez até de Associações. Mas estavam mortos, mas vivos nesse mundo onde pernoitava.

– Já escrevi uma carta de amor! – Disse.

– Mas a que escrevi o ano passado está exposta, mas parece que mais ninguém concorre!

Pedi que me trouxessem a minha neta Raquel. Ninguém me fez a vontade.

Está aqui o computador, é um «Plus menos».

Um rapaz apareceu. Não sei de onde… Fez primeiro um serviço de cerâmica antiga, e depois um bolo grande. Tudo num computador. Como se tirasse uma fotocópia. Que foi a nossa delícia! Ele era um artista… Um artista!

Dei ordens para darem ao rapaz algum dinheiro. Fomos até ao rio, que era perto onde um barco a remos nos esperava.

Afinal o rapaz acabou por vir connosco.

Deslocámo­‑nos à Sede da APOIAR – Associação de Apoio aos Ex­‑Com­batentes Vítimas do Stress de Guerra, tendo sido eu um dos fundadores a 18 de Abril de 1994. Só vi a sede por cima, portanto em corte. Via o tal rapaz sozinho. Fiquei no céu enjaulado. Encaixotado. Só. Preso.

O rapaz até tem alguns dons que devem ser aproveitados, mas peca por não ser lá muito certo. Não tem os alqueires bem medidos. Mas a trabalhar com o computador ele é uma “máquina”.

Estava novamente na Guiné, e voava, ou por outra, movimentava­‑me pelo ar rapidamente, com a G3 em punho, matando sozinho uma série de guerrilheiros do PAIGC.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15781: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (42): A unidade que os cabo-verdianos ajudaram a criar

1. Texto do Antº Rosinho, enviado ontem, domingo, a que se seguiu o comentário de hoje ao poste P15778 (*),  e que diz:

Não é a propósito mas uso este meio
para aconselhar 
que leiam a entrevista de Pedro Pires
no Diário de Notícias de hoje
["Aceitar o uso da violência foi uma decisão difícil",
DN, 22/2/2016; entrevista por Mariana Pereira].
Esta gente continua a não se abrir (meias mentiras), aos 81 anos, 
e,  passados mais de 40 anos,
esta meia dúzia de cabo-verdianos do PAIGC,
continuam a não ser sinceros.
Nem quando ali afirma que foi doloroso pegar em armas.
Na entrevista nem se aborda o assassinato de Amílcar, 
que não deve ter sido tão doloroso para essa gente.
Luís Graça, ainda bem, que te enviei o mail sobre o sonho de Cabral, 
10 horas antes de ler esta entrevista.
Menciona, porque sou eu só contra o cinismo.
Desculpa,  Luís, e o Doutor Gardette, 
um médico colonial com fama em Bissau de um grande humanista, 
de certeza que era contra as armas apontadas 
aos guineenses do lado de lá da fronteira.


[, António Rosinha, foto à esquerda: 
emigrou para Angola nos anos 50, 
 fez o serviço militar obrigatório nessa  sua segunda terra,  
que ele muito amou, 
foi fur mil em 1961/62; 
saiu de Angola com a independência, 
emigrou para o Brasil;
e finalmente foi topógrafo da TECNIL, 
como "cooperante", na Guiné-Bissau, em 1979/93; 
é um "ex-colon e retornado" (sic), 
como ele gosta de dizer 
com a sabedoria, 
a bonomia 
e o sentido de humor de quem viveu  várias vidas 
e, felizmente, está vivo para as contar; 
é membro sénior da Tabanca Grande, 
um dos nossos "mais velhos" ,
a quem a sabedoria africana manda respeitar e saber ouvir]


2. Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (42): A unidade que os cabo-verdianos ajudaram a criar

Ou a UNIDADE onde Amílcar Cabral se inspirou para imaginar a tal Unidade Guiné-Cabo Verde, (im) possível pós-independência.

 Talvez para quem não foi Retornado como eu, com vários anos de Angola, e muitos anos na Guiné pós-independência, não compreenda e até duvide  daquilo que afirmo.

 Existia uma Unidade Guiné-Cabo Verde, uma Unidade Angola-Cabo Verde, uma Unidade São Tomé-Cabo Nerde e com pouca intensidade uma Unidade Moçambique-Cabo Verde.

 As gerações de Amílcar Cabral, Pedro Pires, Mário Wilson, Bana, para falar só de gente que todos conhecem, conheceram bem, muito bem, melhor que eu , que essas Unidades existiam, tanto nos diversos territórios Ultramarinos portugueses como mantinham também essa unidade entre si, aqueles que residiam, estudavam, ou jogavam à bola, aqui na Metrópole.

E foi baseado nessas Unidades que Amílcar chegou a sonhar que era possível a tal almejada  Unidade Guiné-Cabo Verde.

Fur mil Rosinha, Luanda, 1961
 Devo ser eu a primeira pessoa a  escrever isto, mas garanto que não sou o primeiro africanista ou quem viveu por lá a pensar assim.

 Essa Unidade que todos os Cabo-verdianos antigos conheceram, era “caldeada” naquilo que, e aqui muita gente diz que não existiu, ou então deprecia, o chamado LUSOTROPICALISMO.

 E foi nessa Unidade, que surgem irmanados internacionalmente, os embriões dos movimentos  ( hermons)que deram origem aos  actuais Partidos que dominam e governam os vários PALOP: PAIGC, MPLA, MSLPT, e FRELIMO.

 O PAICV aparece posteriormente como sabemos e já alterna no poder em Cabo Verde.

O próprio Amílcar Cabral participa na fundação do MPLA com os angolanos. E até um angolano,  dos irmãos Pinto de Andrade,  chega a pertencer a um governo de Luís Cabral na Guiné.

 E toda a gente em Angola  diz que José Eduardo dos Santos, angolano, é filho de Sãotomenses.

Tantos as Ilhas de Cabo Verde como de São Tomé conheciam e usufruíam bem dessa Unidade.
Eram muitos milhares de cabo-verdianos que viviam nas grandes cidades de Angola, antes e depois de 1961 com a guerra do Ultramar. E também muitos em São Tomé, que ficaram por lá esquecidos numa grande  miséria por Cabo Verde e Portugal, pós-independência  (reportagem na televisão há poucos anos).

 Esse sentido de Unidade que existia  nos anos 50,  era tão natural e tranquila e num ambiente de paz de tantos anos (a pacificação já tinha terminado havia alguns anos) que se uniram para formar aqueles movimentos dentro do mesmo espírito  ideológico e um grande sentido de irmandade.

 Parecia fácil a sonhada independência  “que nós governamos melhor os nossos riquíssimos países do que os portugueses que só nos atrasam", era uma frase feita em Luanda por brancos e mestiços e negros da cidade de Luanda, nados e criados nas Áfricas, com algum apoio de uns tantos politizados metropolitanos,  por simples anti-salazarismo.

 Era esta a ideia geral que imperava nos anos 50 em muitíssima gente em todas as ex-colónias, e assim se uniram esses  hermons numa ideia comum, luta comum pela independência.

 Até que…aparece uma guerra que surpreendeu toda a gente, a UPA com o seu tribalismo, racismo e separatismo,  Congo, Norte de Angola  e o resto.

 Esta surpresa não foi apenas pela chacina dos fazendeiros brancos do Café do Congo, mas também para essa maioria de irmãos unidos, onde muitos entusiastas das independências, e muitos anti-salazaristas fizeram uma giratória de 180 graus, e tanto cabo-verdianos e angolanos ou ficaram “em cima do muro” ou abertamente puseram-se ao lado do exército colonial.

E quando Amílcar Cabral e aquelas elites irmãs, independentistas avançam em  Angola, Guiné e Moçambique, embora bem organizados devido à sua capacidade, já não contavam com quantidades nem multidões, e como todos sabemos, no caso de cabo-verdianos do PAIGC eram mesmo um número reduzidíssimo.

Essas Umidades  coloniais  e anti-coloniais conheci e vivenciei.

 Era uma Unidade bonita, rica, feliz com muita vida, sentia-se no ar, nas cidades, nas fazendas de café, sisal, praias, campos de futebol e outros desportos.

 Mas essa Unidade após 1961, com a Guerra do Ultramar, ficou muito confusa, e aquela minoria dos movimentos, como nunca conseguiram cativar o povo para o seu lado, foi à base de armas na mão que se conseguiram impor… ao próprio povo.

 E como dentro dos próprios partidos houve enormes chacinas não se pode mais falar em qualquer sentido de Unidade.

Essa Unidade que Amílcar conheceu e viveu, não existe mais, e não sei mesmo se na CPLP existe algum sentimento  que se possa chamar Unidade.

Para terminar, digo que me lembrei de escrever isto, porque hoje, 21, Domingo, li num jornal que Portugal ainda deporta gente para Cabo Verde.

Deporta Cabo-verdianos, não li tudo, fiquei sem saber se foram deportados para a ilha do Tarrafal ou para Santiago. 

Cumprimentos para toda a gente,
Antº Rosinha (**)

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(**) 15 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15748: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (42): As riquezas das matéria primas africanas e as fantasias criadas

Guiné 63/74 - P15780: Consultório militar do José Martins (18): Forças Militares Portuguesas que passaram por Empada

1. Em mensagem do dia 8 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), a propósito da consulta feita ao Blogue pelo nosso leitor Umaru Sambu, que deu origem ao P15720, enviou-nos a relação das Unidade Militares que passaram por Empada.


Dizia-nos Umaru Sambu na sua mensagem de 6 de Fevereiro:

Sou guineense, natural de Empada, maior de 60 anos de idade, vivo em Portugal desde 1986, filho de Bacar Sambu, antigo Soldado Miliciano em Empada, e sobrinho do antigo Comandante Miliciano Bajo Sambu, falecido em combate em 1963.

Este meu tio, Bajo Sambu, passado algum tempo depois da sua morte, como tinha deixado dois filhos menores, entre cinco e seis anos de idade, por qualquer motivo, foi-nos comunicado, na altura, que dentro da companhia de militares portugueses que tinham estado em Empada na altura da morte trágica dele, estavam Bissau, na capital, de partida para a metrópole e que tinham requerido para trazerem um dos filhos deste meu tio, nomeadamente o filho mais velho que tinha na altura 6 anos de idade, cujo nome era Infamara Buli Sambu, que assim foi.

Na altura o pedido foi aceite do imediato, porque como sabe naquela altura era mesmo perigoso viver naquela aldeia de Empada por causa dos ataques dos rebeldes. Não sei como foi feito o processo da vinda dele mas de facto foi trazido por uma companhia que antecedeu a companhia de Cap. Borges, Os Maiorais.
[...]

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Guiné-Bissau > Região de Quinara > Empada > 1969 > Parque da Oficina Auto e no exterior as moranças.
Foto: © Arménio Estorninho


2. Comentário do nosso camarada José Martins:

Parece haver nesta solicitação, alguma confusão de datas.
Trata-se de factos com quase 50 anos e passado com rapazes/crianças muito novas na altura.
Fala-se de ocorrências de 1963 e outras que poderão ter acontecido, pelos factos evidenciados, entre 1966 e 1968.

Segue listagem das unidades e subunidades presentes em Empada, com a origem das mesmas, período em que guarneceram aquele destacamento e os oficiais que exerceram o comando das mesmas.
Exceptuam-se os Pelotões de Morteiro cujo comando só se poderá obter em consulta ao Arquivo Histórico-Militar, caso haja História da Unidade.


Forças Militares Portuguesas que passaram por Empada: 

Companhia de Caçadores n.º 153 (RI 13 – Vila Real), destacou um pelotão que esteve entre Julho de 1961 e Fevereiro de 1963. A companhia foi comandada pelo Capitão de Infantaria José dos Santos Carreiro Curto.

Companhia de Caçadores n.º 84 (RI 1 – Amadora), destacou um pelotão que esteve entre Fevereiro de 1962 e Abril de 1963. A companhia foi comandada pelos: Capitão de Infantaria Manuel da Cunha Sardinha e Capitão Miliciano de Infantaria Jorge Saraiva Parracho.

Companhia de Caçadores n.º 417 (RI 15 – Tomar), ocupou o aquartelamento entre Abril de 1963 e Julho de 1964, quando terminou a comissão. Foi comandada pelo Capitão de Infantaria Carlos Figueiredo Delfino.

Companhia de Caçadores n.º 616 (RI 1 – Amadora), ocupou o aquartelamento entre Abril de 1964 e Janeiro de 1966, quando acabou a comissão. Foi comandada pelo Alferes Miliciano de Infantaria Joaquim da Silva Jorge, Capitão Miliciano de Infantaria António Francisco do Vale, Capitão de Infantaria José Pedro Mendes Franco do Carmo, de novo Alferes Miliciano de Infantaria Joaquim da Silva Jorge e Capitão de Cavalaria Germano Miquelina Cardoso Simões. Ostentou como Divisa “Super Omnia”.

Companhia de Milícias n.º 6, (Recrutamento local), ocupou o aquartelamento entre Janeiro de 1965 e Dezembro de 1971, até à extinção da força

Companhia de Caçadores n.º 1423 (RI 15 – Tomar), ocupou o aquartelamento entre Janeiro de 1966 e Dezembro do mesmo amo, seguindo depois para o Cachil. Foi comandada pelo Capitão de Infantaria Artur Pita Alves, Capitão de Infantaria João Augusto dos Santos Dias de Carvalho, Capitão de Cavalaria Eurico António Sacavém da Fonseca, de novo Capitão de Infantaria João Augusto dos Santos Dias de Carvalho, e de novo Capitão de Infantaria Artur Pita Alves. Ostentou como Divisa “Firmes e Constantes”.

Companhia de Caçadores n.º 1587 (RI 2 - Abrantes), ocupou o aquartelamento entre Novembro de 1966 e Janeiro de 1968, seguindo para Bissau. Foi comandada pelo Capitão Miliciano de Infantaria Pedro Eurico Galvão dos Reis Borges.

Companhia de Caçadores n.º 2381 (RI 2 - Abrantes), ocupou o aquartelamento entre Maio de 1969 e Fevereiro de 1970, seguindo para Bissau. Foi comandada pelo Capitão Miliciano Graduado de Infantaria Eduardo Moutinho Ferreira Santos. Ostentou como Divisas “Os Maiorais” e “Pela Lei. Pela Grei”.

Companhia de Artilharia n.º 2673 (GACA 2 – Torres Novas), ocupou o aquartelamento entre Fevereiro de 1970 e Maio de 1971, seguindo para Bissau. Foi comandada pelo Capitão de Artilharia Adolfo Pereira Marques e Capitão Miliciano José Vieira Pedro. Ostentou como Divisa “Leões de Empada”.

Companhia de Caçadores n.º 3373 (RI 1 - Amadora), ocupou o aquartelamento entre Maio de 1971 e Maio de 1972. Foi comandada pelo Capitão Miliciano de Artilharia Adérito Assis Cadório. Ostentou como Divisa “Os Catedráticos” e “Por Uma Guiné Melhor”.

Pelotão de Morteiros n.º 3020 (RI 2 – Abrantes), ocupou o aquartelamento entre Maio de 1971 e Março de 1973.

Companhia de Caçadores n.º 3566 (BC 10 - Chaves), ocupou o aquartelamento entre Maio de 1972 e Abril de 1974, terminando a comissão. Foi comandada pelo Capitão Miliciano de Infantaria João Rocheta Guerreiro Rua, Capitão de Infantaria Herberto Amaro Vieira Nascimento e Capitão Miliciano de Infantaria Pedro Manuel Vilaça Ferreira de Castro.

Pelotão de Morteiros n.º 4277/72 (RI 2 – Abrantes), ocupou o aquartelamento entre Janeiro e Agosto de 1973, seguindo para Aldeia Formosa.

Companhia de Caçadores n.º 4944/73 (BII 19 – Funchal), ocupou o aquartelamento entre Junho de 1974 e Setembro de 1974, aquando da retracção das nossas tropas. Foi comandada pelo Capitão Miliciano de Infantaria Mário José de Oliveira Pinheiro. Ostentou como Divisa “Os Galos do Cantanhez”.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15739: Consultório militar do José Martins (17): Arquivos, Bibliotecas e Centros de Documentação - Arquivo Histórico Militar

Guiné 63/74 - P15779: Notas de leitura (810): “Amílcar Cabral, Um outro olhar”, por Daniel dos Santos, Chiado Editora, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Abril de 2015:

Queridos amigos,
É inegável que Daniel dos Santos se esforçou por nos apresentar uma narrativa biográfica alternativa às dos historiadores guineenses. Sem desmerecer da sua coragem a desmontar os aspetos mitológicos do PAIGC, a sua investigação tem à partida uma declaração de que o cabo-verdiano não é confundível com o guineense. E vezes sem conta irá pôr o acento tónico na unidade Guiné-Cabo Verde que foi a chave para o êxito do PAIGC e do seu descalabro. O autor diz-se guiado pela única preocupação de descrever Cabral como um homem e acabou por atolar o homem na sua obra, com poucos benefícios para ambos. Seja como for, é trabalho de investigação que não se pode descurar.

Um abraço do
Mário


Uma nova investigação sobre Amílcar Cabral (2)

Beja Santos

“Amílcar Cabral, Um outro olhar“, por Daniel dos Santos, Chiado Editora, 2014, é uma obra que tem que ser levada a sério pelo esforço de investigação, pela procura de uma análise original, por ensaiar uma resposta cabo-verdiana às investigações já feitas por historiadores guineenses.

Daniel dos Santos, não terá sido por acaso, inicia o seu trabalho questionando a índole do povoamento, da civilização peculiar que ali se estabeleceu, com a sua cultura euroafricana, uma colonização que depois transferiu as suas gentes em missões civilizadoras e coloniais na Senegâmbia, em Angola e S. Tomé. Retrata a formação de Cabral em Cabo Verde e define-o como um produto do seu tempo, alguém que aspirava vir a ser engenheiro e poeta. Um Cabral que se torna contestatário em Lisboa, aqui chega exatamente no tempo em que o colonialismo é posto em questão, esse Cabral torna-se um profissional de competências reconhecidas, trabalha na Guiné, depois em Lisboa, a seguir em Angola e novamente em Lisboa, e daqui parte, no final da década de 1950, para um exílio feito à opção de combater o colonialismo. O autor dá-nos o ambiente em que Cabral mergulha nesses anos 1950, na Guiné e em Angola, identifica os movimentos, dá como comprovado que a greve e a tragédia do Pidjiquiti nada teve a ver com o PAIGC, só muito remotamente com o Movimento de Libertação da Guiné.

Enquanto o historiador Julião Soares Sousa se preocupou no seu incontornável trabalho “Amílcar Cabral, Vida e morte de um revolucionário” em procurar interpretar os fenómenos federativos africanos, em voga, na segunda metade da década de 1950, e a que Cabral não foi alheio, Daniel dos Santos disserta sobre o movimento anticolonial e como o contexto internacional exigiu que cada um dos países em luta pela sua libertação dispusesse de um partido. O autor dá também como comprovado que até 1959 não há nem PAI nem uma organização definida, nem estratégia para a conquista do poder, a partir de Conacri as mensagens dirigidas ao governo de Salazar falam em negociações, liberdades, constituição de partidos, sindicatos, etc. Goradas as negociações, o aparelho partidário ganha caracterização e a fórmula da unidade Guiné-Cabo Verde surge exclusivamente da cabeça de Cabral, reconhecendo que precisa de quadros qualificados e que não os tem nos grupos guineenses.

No nosso ponto de vista, Daniel dos Santos comete um erro crasso quando procura dissociar Cabral da história do PAIGC, quando comprovadamente o líder revolucionário em nenhuma circunstância pode ser apartado da sua obra. Já está Cabral assassinado, já o autor questionou a quem interessava a morte do fundador do PAIGC, e tendo sido dadas respostas já formuladas por toda a gente (a saber: “Os dados da investigação permitem concluir, à cautela, que a causa próxima da morte de Amílcar Cabral terá sido o ambiente político que o rodeava, em resultado do dissídio entre guineenses e cabo-verdianos, conjugado com certeza com outros fatores, em particular a ação de Sékou Touré, da PIDE e de António Spínola. Cumpre dizer que tanto as autoridades coloniais como Sékou Touré investiram politicamente na divisão entre guineenses e cabo-verdianos. Tanto podia ser mandado eliminar pelo general Spínola como por Sékou Touré, pela PIDE ou pelos seus próprios camaradas de partido”, e mais adiante refere uma profecia de Amílcar Cabral: “Se um dia eu for assassinado, sê-lo-ei, provavelmente, por um homem do meu povo, do partido e, talvez mesmo, da primeira hora”) e Daniel Santos lança-se na história do PAI até ao PAIGC. Escalpeliza todas as contradições sobre a mitologia de um partido nascido em 1956 do qual não há um documento escrito. O PAIGC tinha que procurar uma data remota para a sua existência já que o MLG datava de 1958, o MLGC de 1959, a UPICV de 1954/1955, e a UDC de 1958. Mesmo na reunião de Setembro de 1959, a que Cabral assistiu, em Bissau, há fortes contradições dos participantes. Julião Soares Sousa também hesita perante certas faltas de provas e opiniões hesitantes dos possíveis participantes da reunião. Para o autor o PAIGC evoluiu de um partido tendencialmente democrático para um partido totalitário em que o seu secretário-geral era a cabeça, a coluna vertebral, o sopro anímico, os braços da execução. Cabral é a estratégia do PAIGC, é ele quem lança a guerrilha de modo a surpreender o Estado-Maior português, e conseguiu: “(…) Desencadeámos a luta armada no centro, no sul e no norte (…) Optámos por uma estratégia a que poderíamos chamar centrífuga: a partir do centro para a periferia. E esse facto provocou uma grande surpresa aos portugueses, que tinha concentrado as suas tropas na fronteira da Guiné e do Senegal”.

Temos depois a caracterização do PAIGC: partido de massas, totalitário, de inspiração animista, guiava-se organicamente pelo centralismo democrático, pela direção coletiva, as suas estruturas repousavam em células, em milícias populares; a filiação ao PAIGC estava estritamente regulamentada: militantes e aderentes. Para Cabral os militantes eram os melhores filhos da nossa terra. E tendo radicalmente separado o homem político da sua construção, Daniel dos Santos diz-nos inesperadamente que Cabral era o corpo e alma do partido, e cita abundantemente Cabral, do género: “Não há nenhum ato, de qualquer dirigente deste Partido, relativo à sua vida, às suas ações, às suas conveniências, que não pode passar pela direção superior do Partido. Só assim é que podemos controlar os camaradas para sabermos o que é que os camaradas estão de facto a fazer”. Do princípio ao fim, Cabral giza uma democracia revolucionária, o partido único onde cabem só os melhores, em que os militantes só se podem casar com autorização do partido. O autor explica o que aconteceu no Congresso de Cassacá, daqui saíram diretivas sobre a orgânica militar e a fiscalização do político sobre o militar. Os quatro anos do governo de Arnaldo Schulz foram marcados exclusivamente pela temática militar, Schulz tinha inicialmente confiado numa vitória, cedo se apercebeu que o inimigo estava moralizado, gradualmente melhor equipado e possuía a iniciativa, a tal ponto que em Março de 1968 o aeroporto de Bissalanca foi atacado. Mas com António de Spínola, Cabral e o PAIGC vão conhecer um embate maior: a guerra psicológica a par de uma mentalidade ofensiva que se julgava perdida por parte dos portugueses.

(Continua)

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Não gosto de vir da Feira da Ladra de mãos vazias. A sorte favorece os audazes que vasculham pacientemente os caixotes de brochuras, panfletos e publicações que parecem condenadas ao esquecimento. Desta feita, na brochura da Unibanco intitulada Roteiro de uma viagem pelo mundo, de 2008, encontrei a propósito dos Bijagós esta portentosa fotografia. Nem era preciso dizer que se tratava de gente dos Bijagós, são bem visíveis dois dançarinos que levam as suas máscaras a imitar cabeças de vaca, o que aqui resplandece é o festival de cor, é um mundo de gente nova, pacífica, e nós imaginamos que eles confiam que têm um mundo melhor à sua espera.
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Nota do editor

Poste anterior de 19 de Fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15766: Notas de leitura (809): “Amílcar Cabral, Um outro olhar”, por Daniel dos Santos, Chiado Editora, 2014 (1) (Mário Beja Santos)