segunda-feira, 28 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13059: Comandos de Agrupamento, Operacionais e Temporários (1) (José Martins)

Começamos hoje a publicar uma série de dois postes com um novo trabalho do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), desta vez dedicado aos Comandos de Agrupamento, Operacionais e Temporáris da Guiné.

1. Mensagem do Zé Martins com data de 15 de Abril de 2014:

Boa noite, a todos 
Luís 
Segue uma resenha sobre todos os Comandos de Agrupamento, Operacionais e Temporários. 
Falas no Volume 7, mas deve ser o 3, que tem mapas de diversas "épocas".
Estou a pensar que, a partir do inicio das hostilidades, elaborar não só o numero de unidades e escalão respectivo, mas também a subdivisão das quatro zonas iniciais: Bissau, Norte, Sul e Leste. Para tal tenho de desenvolver outras pesquisas, de forma a tentar encontrar o número de elementos (mesmo que por aproximação) a cada tipo de unidade. Então será possível publicar com mapas, assinalando devidamente as zonas, e/ou sectores, com a indicação dos efectivos operacionais, uma vez que há repartições e serviços que não é possível saber qual os efectivos. Vamos a ver se consigo.

Abraço 
 Zé Martins


COMANDOS DE AGRUPAMENTO, OPERACIONAIS 
E TEMPORÁRIOS DA GUINÉ (1)


(Continua)

Guiné 63/74 - P13058: Agenda cultural (311): Lançamento do livro de Henrique Tigo, "As Portas de Abril", 30 do corrente, 4ª feira, 19h, Centro Cultural Malaposta, Olival Basto, Loures



1. Mensagem de Henrique Mourato, nosso leitor,  geógrafo, pintor e escritor, nascido em Lisboa em 1978, que usa o pseudónimo de Henrique Tigo, autor de "As Portas de Abril":

Data: 9 de Abril de 2014 às 23:52

Assunto: Convite Lançamento de Livro


Dia 30 de Abril, pelas 19h no Centro Cultural da Malaposta. [Metro: Sr. Roubado, linha amarela]

Será servida uma degustação de enchidos oferecida pela MACAL.

Agradecemos confirmação a sua presença.

Henrique Tigo, telem 966233079  
Email: henrique.meo@gmail.com


2. O livro será apresentado por:

(i) Coronel Manuel Bernardo – Escritor de vários livros sobre a guerra em Africa e sobre o 25 de Abril.

(ii) Carlos Alberto Moniz - Músico e compositor;

(iii) Edmundo Pedro - histórico da resistência antifascista em Portugal;

(iv) Comandante Henrique Mendonça – Capitão de Abril-


3. Sobre este livro entre outros escreveram:

"Tem o leitor entre mãos o trabalho do Henrique Tigo, um artista historiador, que, naturalmente enxerga a história com a sensibilidade própria da estética e da poesia da vida"

José Verdasca – Presidente da Ordem Nacional de Escritores.

"Com esta pequena peça teatral pretende Henrique Tigo dar a conhecer aos mais jovens os tempos tenebrosos que se viveram antes do 25 de Abril e os importantes passos que se deram no desenvolvimento do nosso Portugal."

Henrique Mendonça - Militar de Abril 

Escrevi "As portas de Abril" quando tinha apenas 15 anos, achei que escola transmitia pouco aos alunos sobre o que tinha sido o 25 de Abril de 1974, sendo eu um produto do pós-Abril, rapidamente apercebi-me, que senão fizesse alguma coisa para ajudar a minha geração e as gerações futuras o 25 de Abril, poderia entrar no esquecimento, ou ser uma festa só para alguns na Assembleia da República.

Para mim o 25 de Abril de 1974, foi o dia mais bonito que Portugal viveu, havia Liberdade, Igualdade e Fraternidade no Ar, o povo esteve unido como nunca antes nem como nunca depois… Fomos o único país no mundo onde houve um golpe militar e das armas dos militares, só saíram cravos!

Não falo, nem pretendo falar sobre o dia 26 de Abril, quero sim manter a "chama" do dia 25 de Abril de 1974, onde todos os Portugueses, por momentos foram Irmãos!

Este livro que é uma peça de teatro já foi levado a cena duas vezes pelo Teatro Passagem de Nível uma vez de 1996 e outra 1998.

Agora que se comemoram os 40 anos de Abril,  a mesma vai pela primeira vez ser editada pela editora Calçada das Letras e lançada no próximo dia 30 de Abril no Centro Cultural Malaposta.


Henrique Tigo – Autor das Portas de Abril
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de abril 2014 >  Guiné 63/74 - P12989: Agenda cultural (310): Sessão de apresentação do livro de Francisco Henriques da Silva e Mário Beja Santos, "Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro", levada a efeito no passado dia 10 de Abril no Palácio da Independência

Guiné 63/74 - P13057: Notas de leitura (584): "PAIGC - Sobre a Situação em Cabo-Verde", por Sá da Costa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Novembro de 2013:

Queridos amigos,
Trata-se de uma peça relevante para apreciar o argumentário do PAIGC em vésperas do 25 de Abril, como se apresentava a unidade Cabo Verde-Guiné como dado indiscutível, usando-se a independência da Guiné-Bissau como alavanca automática para a independência de Cabo Verde.
Ao longo de anos, foi forte a tensão entre Abílio Duarte e Amílcar Cabral, o primeiro exigia ação direta que o segundo sabia perfeitamente não haver condições.
Na sua última entrevista, Aristides Pereira tece considerações muito críticas ao trabalho do PAIGC em Cabo Verde a seguir ao 25 de Abril, é preciso ler e comparar o sonho político do PAIGC com a idiossincrasia do cabo-verdiano.
Questão para muitos debates, obviamente.

Um abraço do
Mário


Relatório do PAIGC apresentado na ONU em 29 de Março de 1974

Beja Santos

Abílio Duarte, destacado dirigente do PAIGC apresentou no Comité de Descolonização da ONU, em 29/3/1974, um relatório sobre a situação em Cabo Verde. Teria pouco sentido proceder-se aqui à sua análise caso não houvesse, como efetivamente há, uma íntima associação com o processo guineense, como se verá adiante.

O relatório prima pelas palavras de ordem da época, o uso de repetitivo de chavões e, há que confessar, o uso subtil de uma linguagem em que se procura dar por demonstrada, e inquestionável, a unidade Cabo Verde-Guiné. É esse exatamente o primeiro capítulo do relatório, o reconhecimento que desde meados do século XV a Guiné e as ilhas de Cabo Verde estão ligadas a um destino comum: identidade no comércio de troca, nos navios que faziam viagens circulares e que se dedicavam ao comércio de escravos e dentro desse tráfico de escravos proveniente da Costa da Guiné presidiu ao povoamento das ilhas de Cabo Verde. Que se saiba, nunca ao tempo se viu contestada a inverdade deste elemento. É que a Costa da Guiné frequentada pelos portugueses e pelos traficantes de escravos nem de longe nem de perto se circunscrevia à Guiné do tempo da luta da independência.
A unidade propalada pelo PAIGC respeitada ao comércio, à navegação. Nada se diz sobre o abismo cultural, a religião, a aristocracia local de Cabo Verde, a gastronomia e outros dados que identificam qualquer país. Cabo Verde tinha bispo, seminário, estabelecimentos de ensino, um grau de cultura incomparável com qualquer outra colónia portuguesa, veja-se o seu número de escritores ainda no período colonial. Com outra omissão do relatório: a classe administrativa cabo-verdiana na Guiné e os negociantes cabo-verdianos por conta própria ou ao serviço de empresas nacionais ou estrangeiras. O cabo-verdiano era um grupo elitista, frequentemente despótico, quase sempre sem vida social com o guineense. O relatório adianta a estrutura político-administrativa de Cabo Verde ao tempo da guerra de libertação e só se pode entender aquela estrutura como própria de uma colónia que tinha História de participação local a diferentes níveis. O documento expõe as fomes e as secas, fala em levantamentos, revoltas e outros atos de resistência “ao inimigo”. E como se um processo automático houvesse adianta-se com o programa do PAIGC em que os resultados foram a contribuição para a resolução 1514 da Assembleia Geral das Nações Unidas, da insurreição na Guiné e menciona-se a marcha progressiva da ação política clandestina em todo o arquipélago de Cabo Verde, isto a par dos sucessos militares na Guiné e da criação na Guiné-Bissau de um Estado soberano.

Marcello Caetano é citado abundantemente como político hipocrática que se vangloria das medidas tomadas para evitar que a população cabo-verdiana passasse mais dificuldades face a uma seca tão prolongada. Apresenta seguidamente um quadro da situação económica do arquipélago, refere-se haver demagogia em torno dos pretensos planos de fomento e dos subsídios concedidos pelo Governo Central ao arquipélago. Segundo o relatório os planos de fomento destinam-se essencialmente a reforçar e a melhorar a infraestrutura militar. E daí salta-se para outra rubrica, a criação de infraestruturas militares para transformar o arquipélago numa base aeronaval. Assim como havia uma “Guiné melhor” tinha-se agora à última hora arranjado uma política de “Cabo Verde melhor”. No documento destaca-se o reforço da presença militar e policial no arquipélago, aumentara a verba destinada à polícia política e à PSP. E mais: “A verba militar para as ilhas de Cabo Verde duplicou. As instalações da Base de Fuzileiros Navais da Ribeira de Julião (S. Vicente) foram modernizadas. O Aeroporto Internacional da Ilha do Sal, reconstruído e modernizado pela África do Sul para receber todo o tipo de aviões modernos, inclusive os supersónicos, foi aperfeiçoado em 1971, na Ilha de Santiago, no aeroporto da Praia, vai ser construído um novo hangar de 4 mil metros quadrados e, com a ajuda da NATO, a pista de aterragem será aumentada para receber os Boeing 747. O aeroporto da Boavista também vai poder receber aviões militares. Na Ilha de S. Vicente, no Monte Verde, foi instalado um dos centros mais modernos do mundo em matéria de telecomunicações…”. Na lógica deste documento, o governo de Lisboa procurava obter maior ajuda económica e militar manifestando insistentemente o desejo de ver as ilhas de Cabo Verde sob a cobertura da NATO.

Segue-se uma análise do incitamento à imigração designadamente com o estudo das condições dos emigrantes cabo-verdianos em S. Tomé e Angola.

E por fim, a apresentação da declaração unilateral de independência e as suas implicações no desenvolvimento da luta nas ilhas de Cabo Verde. Para o dirigente Abílio Duarte, a proclamação de 24 de Setembro de 1973 eliminara uma contradição flagrante que decorria do próprio desenvolvimento da luta na Guiné, já havia o embrião de um Estado, havia seguidamente de o dotar de personalidade jurídica reconhecida no plano internacional. O Estado independente não incluía as ilhas de Cabo Verde, mas invocava-se o artigo 1.º da Constituição aprovado em Madina de Boé para justificar, designadamente quanto ao conteúdo do artigo 3.º que o Estado independente ia acelerar por todos os meios a expulsão do colonialismo português das ilhas de Cabo Verde. Este princípio também aparece legitimado pelo facto do PAIGC, segundo a Constituição ser “a força dirigente da sociedade” e que os deputados ficam obrigados a tudo fazer para liquidar o regime colonial no objetivo da unidade Guiné e Cabo Verde. E conclui-se: “O nosso povo está disposto a todos os sacrifícios nas ilhas de Cabo Verde para conquistar a sua total personalidade e dignidade de povo africano livre. Os 17 anos de luta realizados, sob a direção do PAIGC, contra os criminosos colonialistas portugueses, não nos deixam nenhuma ilusão quanto as sacríficos que o nosso povo deve ainda consentir para a realização desta legítima aspiração”.

Menos de um mês depois, a situação alterava-se profundamente. De conversação em conversação, chegou-se ao reconhecimento da Guiné-Bissau independente sob a égide do PAIGC. E com o aprofundamento do processo revolucionário, altamente controverso, como é hoje estudado em Cabo Verde, o PAIGC assenhoreou-se do poder.
Mas isso já é outra história.
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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P13036: Notas de leitura (583): "Capitãs de Abril - A revolução dos cravos vivida pelas mulheres dos militares", por Ana Sofia Fonseca (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P13056: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (12): O inferno de Ganturé, Sangonhá e Gadamael Porto... e as fotos para enganar a família


Guiné > Região de Tombali > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > Ganturé, 1967 > Eu com bajuda...


Guiné > Região de Tombali Gadamael Porto > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > Julho de 1968 > Eu, com duas mulheres oriundas de Sangonhá


Guiné > Região de Tombali > Gadamael Porto > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > Julho de 1968 > Foto para enganar a gamília... E saímos de Gadamael a 10 de outubro de 1968

Fotos (e legendas): © Mário Gaspar (2014). Todos os direitos reservados.



1. Texto enviado em 12 do corrente, pelo Mário Vitorino Gaspar [ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, "Zorba", Gadamael e Ganturé, 1967/68; autor do livro "O corredor da morte", a ser lançado no Forte do Bom Sucesso, Belém, Lisboa, no próximo dia 22 de maio. (Tem prefácio do dr. Afonso de Albuquerque, psiquiatra, e ex-alf mil médico, em Moçambique).


(i) Ganturé, até julho de 1967

Começámos a conhecer os hábitos daquelas gentes, acordando diariamente com o troar do pilão. Havia um refeitório para as praças, com mesas feitas de caixotes de munições e bancos improvisados, e uma Messe para um Alferes Miliciano, um 2º Sargento e dois Furriéis Milicianos. Nunca entendi, visto existir somente um Pelotão reforçado com uma Secção.

As primeiras avionetas começaram a aterrar em Gadamael Porto, em Ganturé não existia pista, e a ansiedade do correio começou por ser natural.

Tínhamos que ir à sede da Companhia buscar o correio.

Comecei ao fim de dois dias a fazer o estrangulamento do cordão lento com o detonador, com os dentes. Estava já “apanhado pelo clima”, como se costumava dizer.

As operações sucediam-se:  Guileje, Mejo, Sangonhá , Cacoca, Cameconde e Cacine.


Guiné > Região de Tombali > Gadamael Porto > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > Ganturé  > Eu, com bajuda de Ganturé em 1967


Visto a água ser salobra e imprópria para o consumo,  fiz a promessa ao fim de poucos dias depois de estar na Guiné, num dia muito quente, e não estando habituado àquelas altíssimas temperaturas, numa patrulha feita na fronteira da República da Guiné, depois de ingerir um líquido do charco, mesmo com pastilhas, que era mijo, ficar só a beber cerveja. Bebia ao pequeno almoço, ao almoço, ao jantar e nos intervalos, só cerveja.

Rebentamentos na área, e o matraquear do pilão vivia ali e depressa ficou a fazer parte das nossas vidas. Enquanto a grande parte das mulheres com as mamas escorrendo até à cintura batiam com o pilão com um toque cadenciado, juntando-se as bajudas, algumas com a mama firme, aproximávamo-nos destas últimas, procurando uma pequena oportunidade para lhes tocar no corpo. Éramos jovens. “Mim cá nega!”, respondiam. Visto Ganturé ser a sede do Regulado, Abibo Injassó era o régulo este era o elo de ligação entre a nossa CART e os informadores.

Entretanto sucede uma calamidade. Dez mortos e mais de duas dezenas de feridos graves, no dia 4 de julho de 1967.

(ii) Julho de 1968, um mau mês da CART 1659


Até 8 de julho de 1968, durante o abandono dos aquartelamentos de Sangonhá e Cacoca, comandei um Grupo de Combate na montagem de segurança. Ficaram de pé as paredes das habitações – se é que se podiam chamar àquilo casas – os abrigos e o arame farpado. Chapas de zinco e todo o material seguiram para Gadamael Porto, onde a população civil – por volta de 300 indivíduos – se instalaram em 44 moranças, com o apoio das nossas tropas.

Assim as tabancas de Gadamael Porto e Ganturé aumentaram, não só pelo abandono de Sangonhá e Cacoca como também motivado pelo número de apresentados, oriundos da República da Guiné. Juntaram-se à CART 1659 catorze caçadores nativos devido ao Reordenamento da Populações. Pode-se dizer que o processo terminou em 28 de julho.




Guiné > Região de Tombali > Gadamael Porto > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) >  Gadamael Porto > Julho de 1968 > Eu de calções de banho como era hábito



Mas, após terminada a segurança, fomos para Gadamael Porto, sem picarmos visto ter havido movimento de tropas todo o dia. Dei ordens ao pessoal para irem ao banho. (…).

Bebi, como era hábito, as minhas sete cervejas de seis dl, tomei banho e fui jantar. Depois de termos comido aquela sopa que denominávamos de “sopa de 365 dias” – visto não existir outra durante o ano – e termos mastigado um peixinho da bolanha, esperando beber o café, de borras, ouvimos a primeira saída das armas pesadas. Era um flagelamento do PAIGC.

Corremos para as zonas que nos estavam atribuídas na defesa do aquartelamento. Eu como responsável do morteiro 60 e em calções de banho fui para o abrigo do mesmo e, a meio caminho, voltei para trás.


Guiné > Região de Tombali > Gadamael Porto > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > Gadamael Porto > Julho de 1968 > Eu, com uma criança de Sangonhá


Sentia que à minha volta caiam granadas, e que algo me tinha batido nas costas. Estava novamente na Messe e os rebentamentos não cessavam. Não sabia conscientemente o que pretendia fazer, e segurei a cafeteira de café, que não havia sido servido, e num copo de inox – uma inovação na CART 1659 – visto os nossos anteriores copos serem de vidro, recuperado de garrafas de cerveja. Sentia o barulho constante dos rebentamentos e cheguei ao abrigo. Encontravam-se 4 militares à minha espera. Pedi que me vissem se tinha ferimentos nas costas, e com um candeeiro improvisado – uma garrafa de 6 dl com uma gaze enfiada na carica – viram, depois de afastaram terra colada nas costas, que não tinha ferimentos. Perguntaram-me:
– Furriel, o que fazemos?... – Já havia analisado a situação, respondi:
–  Não podemos fazer nada. Com o morteiro 60 não atingimos a zona onde eles estão! Vamos beber café.

E começámos todos a beber o nosso café. Afinal tinha razão quando voltara atrás para buscar o café, e debaixo de fogo intenso Canhões Sem Recuo e Morteiros 82.

O nosso Morteiro 81 funcionou com eficácia, o que não impediu que de seguida flagelassem o aquartelamento de Gadamael Porto, também sem consequências, mas durante mais tempo. Mas ainda hoje me interrogo: “Porque fui buscar a cafeteira de café debaixo de fogo?”

Pergunto: O PAIGC já não estaria no local quando passámos?. Possivelmente preferiram o ataque a Gadamael Porto e Ganturé.


 As fotos que enviava – excluindo as que eram para os amigos – eram uma autêntica mentira. Para além de ter de matar para sobreviver, é evidente, era um mentiroso. Consegui inclusive enganar o meu pai, enganar a minha mãe foi complicado porque não acreditava que estivesse a passar férias em África.

Mário Vitorino Gaspar
Ex Furriel Miliciano nº 03163264, de Artilharia de G3
e Especialista de Minas e Armadilhas
CART 1659 - Zorba, 1967/68
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Guiné 63/74 - P13055: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): Parte III :vi - Serviço interno; vii -Dispensas, pretensões; viii- Fardamento; ix - Uniformes, equipamento e armamento; x- Revista de saúde e curativos



Capa da brochura, s/d, usada no EPI, Mafra, no COM - Curso de Oficiais Milicianos












Reprodução da terceira parte do guia do instruendo do COM (Curso de Oficiais Milicianos), usado na EPI - Escola Prática de Infantaria, em Mafra (*): vi - Serviço interno; vii -Dispensas, pretensões; viii- Fardamento; ix - Uniformes, equipamento e armamento; x- Revista de saúde e curativos (Estes pontos não foram, por lapso, incluídos na parte II

Imagens: © Mário Vasconcelos (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. O documento original, sem data, chegou-nos, devidamente digitalizado, por mão do nosso camarada Mário Vasconcelos [ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72. Mansoa, e Cumeré, 1973/74; foto atual à esquerda.

Recorde-se que já publicámos o guia do instruendo do CSM - Curso de Sargentos Milicianos, documento que nos chegou por mão da parelha Fernando Hipólito / César Dias, e que é claramente mais "ideológico" do que o guia que estamos agora a publicar. Comparando os dois guias, há claramente um tratamento mais "classista", de maior deferência, em relação ao instruendo do COM, futuro "oficial e cavalheiro"...

Não encontramos este documento na Biblioteca do Exército nem sabemos de que data será.

Estas "indicações" ( e não "instruções") dadas aos instruendos dos COM remetem, por sua vez, para o Regulamento Geral de Instrução do Exército (RGIE). As páginas que faltavam (4) foram agora disponibilizadas pelo Mário Vasconcelos a quem agradecemos a generosidade.



Mafra, EPI > Refeitório > 6 de janeiro de 2010 > 40 anos depois, o Paulo Santiago voltou lá, não para "matar saudades", mas para desatar os nós da memória...


(...) "Há o 6 de Janeiro de 1970, fiz vinte e dois anos, e entrei na EPI [, Escola Prática de Infantaria, em Mafra]... E hoje [, 6 de Janeiro de 2010, voltei a Mafra, voltei a entrar no Calhau, passados que foram 40 anos. Não sei como me apareceu a ideia, mas a verdade é que me sentei ao computador, há dias atrás e lá estava a enviar um mail ao Comandante, pedindo autorização para uma visita para este 6 de Janeiro de 2010. Visita autorizada por mail enviado pelo Major Álvaro Campeão com a concordância do Coronel Ormonde Mendes, Comandante da Escola.

(...) "Passei em Pombal, levei o Vítor Junqueira, e a seguir ao almoço estávamos a entrar pela Porta de Armas. Fomos amávelmente recebidos, fomos a alguns locais (ex. Gabinete do Comandante) onde quando Cadetes, nem sabia onde ficavam, e acompanhados pelo Srgt. Ajudante Janelas percorremos aqueles imensos corredores, onde já começava a ficar desorientado, o Refeitório, o Salão de Honra, as paradas, terminando no Bar de Oficiais. Como curiosidade fomos à Sala das Bicas, fica na extremidade dos refeitórios, nem eu nem o Vítor a conhecíamos, e recebe água vinda da Tapada (potável). Visitámos também uma sala com uma arquitetura notável : a Casa do Capítulo, também conhecida por Sala Elíptica." (...)

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2010). Todos os direitos reservados
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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de abril de 2014 > Guiné 63774 - P13041: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): Parte II: Averbamentos; Serviço interno; (...); Salas de estudo; Comportamento; Saídas do quartel; Passaporte de dispensas ou licenças; Cartas de recomendação, pedidos feitos por interpostas pessoas, etc.. etc., [vulgo, "cunhas"].

domingo, 27 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13054: Aqueles que nem no caixão regressaram (8): Terão morrido, no CTIG, entre 1963 e 1974, 143 combatentes nossos, por afogamento (6,9% do total de mortos) (José Martins)





Fonte: CECA - Comissão para o Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 8º Volume -Mortos em campanha, Tomo II, Guiné - Livro 2. Lisboa: Estado Maior do Exército, 2001, p. 265.


1.  Pedido ao José Martins, nosso colaborador permanente [, foto à esquerda], com data de 22 do corrente:

Zé: Vê se tens alguma ideia sobre isto, números ou lista de desaparecidos na Guiné ... (Já não falo do resto). Vou vasculhar o blogue...

Precisavamos disto com urgência... Vê os postes sobre o José Mateus Henriques, da minha terra, Lourinhã... O Jaime Silva está a organizar uma homenagem no própximo dia 11 e a preprarar uma pequena brochura ou folheto... 

Um abração. Luis


2. Pronta resposta, no mesmo dia (!),  do José Martins:

Luís: Aqui vai o mais rápido que me foi possivel.  Não há uma estatística acerca dos desaparecidos por afogamento. 

Nas estatísticas que anexo das três frentes, não se “vislumbra” onde foram incluídos estes camaradas.

Baseio esta opinião no facto de, em 1969, ter havido, num único afogamento, 47 mortes [, no desastre do Cheche, Rio Corubal, 6/2/1969, Op Mabecos Bravios].

Se observarmos, na Guiné, no ano de 1969,  temos [, vd. quadro acima]:

Mortes em combate > 119
Acidente com arma de fogo  > 31
Acidente de viação > 14
Outras causas > 43

Só poderiam “caber” em combate, mas nota-se que o nº de mortos em combate (119) “está em linha com os anos anteriores” e “não difere muito" dos anos seguintes.

Segue estatística anual dos afogamentos na Guiné (1963-1974):





Fonte: José Martins (2014)


A percentagem dos afogados no total de mortes Guiné seria, pois, de  6,9 % .

Se mantivermos a mesma percentagem para outros teatros de operações  teremos:

Angola  > Total mortes > 3258 >  Por afogamento:  224

Moçambique > Total mortes >  2962  > Por afogamento: 204

Total dos 3 teatros seriam cerca de 571 afogamentos





Fonte: CECA e José Martins (2014)
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Guiné 63/74 - P13053: Aqueles que nem no caixão regressaram (7): Certidão de óbito de Manuel Salgado Antunes, sold, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74), desaparecido, com mais dois camaradas, no Rio Geba, em 10 de agosto de 1972... Era natural de Quimbres, São Silvestre, Coimbra.







Manuel Salgado Antunes. Cortesia do blogue CART 3494
& Camaradas da Guiné
Certidão de óbito do sold Manuel Salgado Antunes, da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74), desaparecido no Rio Geba em 10 de agosto de 1972 (*).  [Foto à esquerda]

Com ele pereceram os sold Abraão Moreira Rosa (desaparecido) e José Maria da Silva e Sousa (sepultado no cemitério de Bambadinca


A certidão foi emitida pela Conservatória do Registo Civil da Comarca da Guiné em 13 de março de 1973. 

O exército tinha processos expeditos de resolver estes casos  de "morte presumida" ), neste caso por afogamento,) que, na metrópole, poderiam levar anos e anos: veja-se o caso dos pescadores desaparecidos em naufrágios ao largo da nossa costa... 

Casos de camaradas nossos, presumivelmente afogados nas águas lodosas e traiçoeiras dos rios e braços de mar Guiné como o Manuel Salgado Antunes, natural do concelho de Coimbra, ou do José Henriques Mateus, natural do concelho da Lourinhã, eram "despachados" no prazo de um ano ou menos...  São apenas dois dos muitos camaradas nossos que "nem no caixão regressaram" (**)

Imagens: cortesia do blogue CART 3494 & Camaradas da Guiné, criado e mantido pelo nosso grã-tabanqueiro, o nº 2, Sousa de Castro.
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Notas do editor:


(*) Vd, postes do blogue CART 34994 & Camaradas da Guiné:

14 de junho de 2013 > P180 - O Nosso camarada desaparecido no Rio Geba em 10AGO1972, Manuel Salgado Antunes não era efectivamente da Póvoa de Varzim, mas sim do Lugar de Quimbres da Freguesia de S. Silvestre do Concelho de Coimbra, conforme certidão de óbito que seu sobrinho nos facultou.

9 de agosto de 2012 > P-159 (III) O RIO GEBA E O MACARÉU - O NAUFRÁGIO NO DIA 10AGO1972 (Guiné, Xime - CART 3494) por: Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Milº. Op. Esp./RANGER


(**) Vd. postes anteriores da série:

13 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2837: Aqueles que nem no caixão regressaram (6): O infeliz António da Purificação Marques, morto no Cantanhez (Mário Fitas)

12 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2836: Aqueles que nem no caixão regressaram (5): Alguns casos da minha unidade, a CART 1690 (Geba, 1967/68) (A. Marques Lopes)

10 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2830: Aqueles que nem no caixão regressaram (4): O Açoriano, da CCAÇ 1439, desintegrado por uma mina (Henrique Matos)

9 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2829: Aqueles que nem no caixão regressaram (3): Os oito esquecidos de Guidaje (Albano Costa)

9 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2821: Aqueles que nem no caixão regressaram (2): O caso do José Henriques Mateus, da CCAV 1484, natural da Lourinhã (Benito Neves)

9 de maio de 2008 >  Guiné 63/74 - P2820: Aqueles que nem no caixão regressaram (1): O Sold António Alves Maria da Silva, campa nº 247, Bissau (Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P13052: Memórias de Gabú (José Saúde) (39): A guerra de além-mar 40 depois… Calar é resignar!



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

A guerra em além-mar 40 depois…
Calar é resignar

Sou, pressupostamente, um homem livre numa sociedade que paulatinamente me tem vilipendiado direitos conquistados e extorquido hirtos compromissos atempadamente assumidos! Há 40 anos era apenas mais um dos cerca de 40 mil militares oriundos dos três ramos das Forças Armadas – Exército, Marinha e Força Aérea – que prestavam serviço militar obrigatório na Guiné.

A guerra era, para mim, uma matéria desconhecida. Sei, e afirmo com convicção, que o medo instalado no ego de uma juventude que ambiciona alcançar um mundo de sonhos, foi, nalguns casos, irremediavelmente interrompido para jovens soldados que tombaram nas frentes de combate, ou em situações adversas.

Revolta-me, tal como sempre, o velho slogan que esses célebres camaradas morreram “em defesa da Pátria”. Não! Morreram porque enquanto jovens foram atirados para uma peleja onde os interesses individuas se sobrepunham a um coletivo que se arrastava num adensado mato, ou numa inusitada picada, assim como em ataques aos quartéis, sendo que a imprevisibilidade do momento seguinte era, irreversivelmente, uma incógnita acrescida.

Em Nova Lamego, região de Gabu, conheci, pessoalmente, os horrores da guerra. Conheci, e vive, situações que roçaram o desespero. Imagens que farão eternamente parte do álbum de uma guerra que jamais deu tréguas a jovens entregues à inclemência do imprevisível destino.

Relembro que a guerra da Guiné cruzou gerações. Onze anos de guerrilha. Onze anos em que muitos camaradas morreram e outros ficaram estropiados. Uma comissão militar que originou, também, futuros incertos. Camaradas que jamais se dissociaram do stress pós traumático de guerra. Muitos outros camaradas vivem hoje na rua, outros existem que ainda se envolvem em pontuais conflitualidades familiares, ou sociais.

Para todos os camaradas que conviveram com os tormentos da guerrilha da Guiné, fica a minha singela homenagem a estes notáveis combatentes que expuseram os seus corpos às balas e a certeza de que calar é resignar, subentendendo-se de antemão que a doutrina dos Capitães de Abril impôs alterações políticas e militares ao velho regime, entregando aos movimentos de libertação a condição de países independentes.

No limbo do esquecimento sobre a guerra de além-mar cujo fim leva, apenas, 40 anos, leva-me a supor que neste País de Abril residem cavaleiros andantes que tendem “esconder” uma verdade assumida, nem sempre contada, e que se refugiam em meros pressupostos ditos evasivamente, olvidando quase por completo os combatentes no antigo Ultramar português.

Como nota de rodapé fica a minha apreensão futura sobre a Liberdade conquistada há 40 anos com a Revolução dos Cravos! Resta, porém, a veracidade que a história não apagará das suas páginas a mais recente guerra armada deste povo lusitano que desbravou a impetuosidade de "mares nunca dantes navegados" e os "medos" sentidos em solo guineense, designadamente.

Nós, militares que conhecemos as agruras da guerra da Guiné, afirmamos bem alto que fomos meros peões no xadrez de um puzzle que ditou inalteráveis destinos.



No mato, junto a uma tabanca

Um abraço, camaradas

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:


Vd. último poste desta série em:

15 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12589: Memórias de Gabú (José Saúde) (38): Uma homenagem ao Major, aposentado, Brito, então 1º Sargento.


Guiné 63/74 - P13051: Parabéns a você (725): Hugo Guerra, Cor DFA Ref, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 55 (Guiné, 1968/70) e Humberto Nunes, ex-Alf Mil Art, CMDT do 23.º Pel Art (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P13029: Parabéns a você (724): David Guimarães, ex-Fur Mil Art MA da CART 2716 (Guiné, 1970/72)