quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12357: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (4): Pista e Tabanca da Rocha (fotos nºs 4, 5 e 8)

      






Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 8 > Tabanca da Rocha


Foto (e legenda): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.


FOTO 8 > Parte da Tabanca da Rocha – Bafatá.

1 – Pista.

2 – Alpendre que servia de terminal.

3 – Casa do Sr. Teófilo.

4 – Estrada para Bambadica.

5 – O Bataclã, como agora é referido, ficava numa destas moranças.

6 – Avenida principal.

7 – Comando do Agrupamento.

8 – Esquadrão de Cavalaria.

9 – Posto de meteorologia (sem certeza).



Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 5 > Grande parte da Tabanca da Rocha – Bafatá, com a mesquita, por acabar, ao centro, e a rua que vai ter junto da casa do Sr. Teófilo.

Foto (e legenda): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.







Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 4 > Pista e Tabanca da Rocha

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados.( Legenda: Fernando Gouveia)


FOTO 4 > Foto de Humberto Reis, de grande parte da Tabanca da Rocha – Bafatá.

1 – Pista.

2 – Alpendre que servia de “terminal” do “aeroporto”.

3 – Campo de futebol do Sport Club de Bafatá.

4 – Mesquita.

5 - Trilho (legenda incompleta)

6- Rio Colufe, afluente do Rio Geba


Fotos (nº 5 e 8) do álbum do Fernando Gouveia

[, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70;

autor do romance Na Kontra Ka Kontra, Porto, edição de autor, 2011;

é arquitecto, e vive no Porto;

foto atual à esquerda]





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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12343: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (3): Foto nº 3: Parte colonial da cidade (continuação)

Guiné 63/74 - P12356: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (7): Segundo dia em Bubaque, na descoberta do povo Bijagó

1. Sétimo episódio da série do nosso camarada José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72), dedicada às suas viagens de saudade à Guiné-Bissau, a primeira efectuada em 1998.




CRÓNICAS DAS MINHAS VIAGENS À GUINÉ-BISSAU 

A PRIMEIRA VIAGEM - 1998

7 - O SEGUNDO DIA EM BUBAQUE, NA DESCOBERTA DO POVO BIJAGÓ

Após uma noite bem dormida e um pequeno-almoço frugal (os franceses são uns unhas de fome) a pressa era dar uma saltada até à praia, não longe dali. Toalhas ao ombro e chinelos nos pés, fizemo-nos ao caminho aproveitando para apreciarmos a especial beleza de algumas espécies de flores que fomos encontrando.

Continuando, deparamo-nos com uma construção de aspecto bizarro e de gosto duvidoso, ali virada ao canal que nos separa da Ilha de Rubane. Imagine-se uma casa a quem os alicerces cederam e toda a estrutura ficou tombada, como se as janelas ficassem viradas para o “céu”. Estranhamos o aspecto da vivenda, mas logo percebemos que havia sido construída assim mesmo. Quer a casa, quer os jardins estavam no mais completo abandono. Ao que nos disseram depois, teria sido a casa de férias do primeiro Presidente da Guiné, Luís Cabral. O poder e as suas excentricidades, neste pobre país.

Terá sido casa de férias de Luís Cabral

Continuamos o nosso percurso e chegamos a um conjunto de construções com todo o aspecto de ser uma unidade hoteleira. Tratava-se do Hotel Bijagós, com um grande bungalow central que seria a sala das refeições com cozinha anexa e ainda vários pavilhões de construção térrea, implantados nas proximidades. Esta unidade já existiria na era colonial com a finalidade de ser uma “colónia de férias” para Sargentos e Oficiais das nossas Forças Armadas. À época, devia ser um paraíso, hoje um lugar muito tranquilo e quase deserto.

Um pouco mais à frente, acedemos à praia através de um “trilho” em declive e logo deparamos com um grupo de jovens frequentadores locais. O nosso olhar deliciou-se com a imagem de uma praia magnífica. Estendidas as toalhas na areia finíssima e depois de uns mergulhos nas águas cálidas e com ondulação praticamente inexistente, logo percebemos que éramos os únicos brancos por aquelas bandas.

Alguns coqueiros e outras árvores eram o nosso guarda-sol. A pouca profundidade das águas permitiu-nos um passeio ao longo da praia para apreciarmos a paisagem que nos envolvia. Alguns jovens Bijagós acercaram-se de nós, talvez na expectativa de uma qualquer oferta. Uma grande canoa a motor, de pesca, aportou à praia e era esperada por um adulto que entretanto chegara.
Da canoa, foram arremessados vários peixes para o areal que prontamente foram recolhidos. Das palavras trocadas entre um dos tripulantes da canoa com o adulto que recolhera os peixes, pareceu-nos ter ouvido a expressão “brancos na praia”.
Uma saudação, um comentário ou uma exclamação de espanto pela raridade da presença de europeus por aquelas bandas?

Enquanto a canoa de pesca se ia afastando da praia, os nossos olhares distinguiam no horizonte os contornos de outras ilhas.

Regressamos ao hotel para o almoço e percebemos que um jovem casal nos fazia agora companhia. À conversa com esse casal, durante o almoço, a jovem informou-nos ser filha do proprietário do Anura Clube, um outro empreendimento turístico na região de Bula, e que ali estariam em lua de mel. Após o almoço era tempo do planeado passeio, a pé, pela povoação e tabancas próximas, na procura dos sinais da cultura e das tradições daquele povo.

A caminho da povoação e acompanhados de alguns jovens, fomos visitar um local em que estavam “expostas” uma quantidade apreciável de máscaras, estatuetas e outras obras de arte, executadas em diferentes materiais, e que eram certamente muito antigas. Estávamos perante uma das mais conhecidas expressões de arte deste povo animista e, como em anteriores crónicas já citei, com referências em muitos trabalhos de estudiosos sobre as diversas expressões de arte Africanas.
Quase como quem receia tocar em algo sagrado, perguntamos ao respeitável ancião, guardião daquele espólio, quanto poderia custar uma pequena máscara que nos captou a atenção. Delicioso no trato e com um português perceptível, disparou um valor incomportável para nossas exauridas carteiras em fim de “férias”.

Na impossibilidade do negócio, continuamos até à principal “avenida” da povoação, sulcada de canais em resultado de muitas chuvadas e ausência de reparações, que nos conduziria até ao cais de Bubaque. Este era o principal ponto de ligação do arquipélago dos Bijagós com a parte continental da Guiné. As construções próximas do cais eram precárias, pequenos estabelecimentos comerciais e muito pouco movimento naquela hora.
Inflectimos para outra zona da ilha e fomos ao encontro de uma missão católica dedicada ao apoio a crianças, e não só, dirigida por um religioso italiano. Pelo caminho, conhecemos uma jovem, filha de Portugueses emigrados na Bélgica e que, estando na missão em serviço de voluntariado e a preparar uma tese, nos acompanhou até lá.

A missão estava integrada num conjunto urbano com traço colonial e militar e várias das construções estavam a ser utilizadas, nomeadamente pelos serviços telefónicos. Prosseguimos mais para o interior da ilha ao encontro de uma tabanca. Caminhando, fomos abordados por dois jovens, membros de uma cooperativa de artesanato local e que nos propuseram a compra de algumas das esculturas que exibiam. Deixamo-nos seduzir quer pela beleza, quer pelo preço, regateado, e trouxemos para casa algumas peças, de que destaco a escultura de um Irã que representa o espírito dos animistas nas cerimónias e rituais de ligação à natureza.

Levamos depois as peças à presença de uma autoridade tradicional, que através de um carimbo, certificou cada uma delas como sendo autêntico artesanato dos Bijagós. Satisfeitos com as peças e com o preço pago por elas, continuamos o nosso caminho até uma tabanca próxima. Era ainda a época seca e as hortas estavam por cultivar.

O tempo era já escasso e só permitiu observar visualmente alguns pormenores da vida dos Bijagós. Gente hospitaleira, amiga de conversar e que se desloca para a região de Bissau na procura do trabalho que garanta o sustento da família. Imigrantes na sua própria terra, como em tantos outros lugares do Mundo.

Já na saída da tabanca deparamo-nos com um peixe de grande tamanho secando ao sol, espetado numa esteira que servia de vedação a um terreno de cultivo. Até aqui nada de anormal, não fora o cheiro nauseabundo e a quantidade de moscas que o peixe nos “oferecia”.

Cansados, decidimos regressar ao hotel e, aqui chegados, saímos disparados para um refrescante banho. Reunidos depois na esplanada para uma “loira” fresquinha, a tempo de assistirmos à chegada de mais hóspedes. Eram dois cavalheiros de meia-idade. Um deles, exprimindo-se em francês e substancialmente mais alto que o outro, exibia uns trejeitos efeminados. Não tardamos a concluir que se tratava de um casal de homossexuais.
Este pedaço de terra, perdido na costa ocidental africana, era o local ideal para se fugir a olhares indiscretos.

A hora do jantar confirmou, mais uma vez, que o peixe era a base de quase todas as refeições que degustamos, sendo a barracuda o principal sacrificado.

O sol escondia-se já no horizonte por detrás de uma qualquer daquelas ilhas, anunciando a hora do recolher.
Foi um dia cansativo mas enriquecedor, no contacto com o povo Bijagó.

( Continua)

Na esplanada do hotel em Bubaque

Praia em Bubaque

À descoberta de Bubaque

A minha primeira viagem à Guiné-Bissau - 1998 (5) - Estadia em Bubaque, na descoberta do povo Bijagó
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12322: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (6): Bubaque, a outra Guiné com sabor a férias

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12355: In memoriam (173): Adolfo Barbosa, ex-fur mil, Pel Caç Nat 65 (Piche, Buruntuma, Bajocunda, 1968/70) (João Pereira da Costa, ex-fur mil op inf CCS/BART 2857, Piche, 1968/70)

1. Mensagem de hoje, do nosso camarada João Pereira da
Costa [, foto à esquerda], ex-fur mil op inf,  CCS/BART 2857 (e administrador do blogue do BART 2857, Piche, 1968/70)


Caro camarada Luís Graça, agradecia o obséquio, caso fosse do interesse do blogue,  que publicassem a notícia do falecimento ou da missa do sétimo dia de mais um nosso camarada que esteve na Guiné,  no Pelotão de Caçadores Nativos 65. Poderão utilizar as fotos que estão no Facebook, na página da Tabanca Grande. 



2. Notícia da morte do Aldolfo Barbosa, ex-fur mil, Pel Caç Nat 65, Leões Negros (Piche, Buruntuma, Bajocunda, 1968/70) [foto à esquerda]

Bom dia,  caros amigos e camaradas.

Ontem realizou-se a missa de sétimo dia,  em homenagem ao falecimento do nosso amigo e camarada do Pelotão de Caçadores Nativos 65, Adolfo Barbosa.

Homem honesto, cumpriu a sua missão, por vezes bastante difícil, como membro do Pel Caç Nat 65.  Tantos momentos desagradáveis pelas intromissões e confrontos com o IN, em que este pelotão,  em várias localidades para onde foi chamado, se envolveu, sempre nos primeiro lugar da luta e expulsão do IN. Por toda a Guiné é uma das unidades mais prestigiadas e guerreiras forças.

Outros tantos momentos agradáveis nos convívios onde ele sempre estava presente, com a sua alegria e amizade.
Como seu grande amigo,  recordo estes momentos que farão sempre relembrar a sua figura.
Hoje ausente da vida humana, continua dentro do meu coração e tenho a certeza de todos quantos estiveram com eles.
Descansa em paz no sono eterno. Um dia estaremos todos juntos. Salve, Adolfo Barbosa.


Guiné > Zona leste > Setor L6 > Piche > Pel Caç Nat 65 > 1970 > Os fur mil Adolfo Barbosa e Luis Guerreiro (membro da nossa Tabanca Grande, a viver no Canadá desde 1971), junto a uma viatura blindada White.

Foto: © João Pereira da Costa  (2013). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12340: In Memoriam (172): António Henrique Teixeira, o "Tony" Teixeira , um "onça negra", da CCAÇ 6, um grande bedandense, um magnífico camarada e amigo (1948-2013)... O funeral é amanhã, às 11h30, na sua terra natal, Espinho.

Guiné 63/74 - P12354: Blogoterapia (244): Quando morre aquela que nos deu o ser... Às mães, recém falecidas, dos nossos camaradas J. Casimiro Carvalho e Lázaro Ferreira (Luís Graça, editor)




Foto: © José Casimiro Carvalho (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

Excerto de uma das cartas enviadas pelo J. Casimiro Carvalho,  de Gadamael, dirigida à "Minha querida mãezinha" e datada de 26/6/73: "Now we have peace", finalmente estamos em paz...  Das cartas enviadas pelo J. Casimiro Carvalho aos pais, a partir de Guileje e Gadamael, em 1973, fizemos uma pequena série, Cartas do Corredor da Morte.


Para:

(i) o José Casimiro Carvalho (Maia),
que perdeu ontem a sua mãezinha,
(ii) o Lázaro Ferreiro (Braga),
que também ficou órfão há um mês 
(em 31/10/2013, perdeu a sua mãe, Alzira da Conceição Dias)
e (iiii) todos demais  camaradas e amigos 
a quem faleceu recentemente a mãe,
aquela que lhes deu o ser... (LG)




Meu querido amigo e camarada:
Soube, pela teu aziago mensageiro, 

que a tua querida mãezinha,
o teu "primeiro amor" 

(que linda e feliz expressão!), 
se despediu hoje desta vida... 
A morte, mesmo quando anunciada, 
é intolerável. 
Procuramos, nestas ocasiões, únicas, 
encontrar palavras de conforto 
para dizer aos nossos amigos em luto. 
Não é fácil. 
Nesta ocasião,todas as palavras são demais, 
estão a mais, 
parecem deslocadas... 
Mas sabemos quanto é bom 
ter um ombro amigo, 
à nossa disposição, 
à nossa altura, 
à altura do nosso ombro,
para estes dias e horas de amargura.

Guarda, meu caro, 
as tuas melhores memórias, 
os teus melhores momentos 
passados com a tua mãe, que te deu o ser, 
que te protegeu, 
que te alimentou, 
amamentou, 
te ensinou a falar, 
que te ensinou a dizer a palavra "mãe",

que te ensinou a ver o mundo, 
a distinguir as cores, 
a descodificar os sabores, 
a destrinçar os sons,

a conhecer as formas....
Que te indicou o norte e o sul, 
o oeste e o leste. 
Que rezou por ti,
para que regressasses são e salvo da guerra.
Que daria a vida por ti, 
se necessário fosse.
Enfim, sem elas, as nossas mães, 
sem elas e sem os nossos pais, 
não passaríamos muito provavelmente 
de uma folha de couve, de uma tábua rasa, 
sem valores, 
sem linguagem, 
sem emoções... 

A morte de uma mãe 
(a par da morte de um pai, de um filho, e do cônjuge)

é, por isso, 
um dos mais terríveis acontecimentos de vida, 
a que está sujeito um ser humano... 
Com a morte da nossa mãe
cortamos o cordão umbilical,
pela segunda e derradeira vez.
Os nossos pais são as nossas raízes mais telúricas,
as que nos prendem à vida e ao mundo.
É por isso que, mais do que nunca,
nos sentimo-nos desamparados,
fisicamente sozinhos no mundo,
quando eles desaparecem.
A orfandade é isso.


Mas teremos, sempre, que fazer o luto. 
No teu caso, eu sugiro que escrevas 
sobre a tua mãe, 
que releias as suas cartas 
(e as que lhe escreveste, 
da Guiné, de Guileje, de Gadamael, de Paunca)... 
Vai te fazer bem. 
E quando fores ao cemitério, 
fala com ela em voz alta,
com a ternura com que lhe falavas 

nas tuas cartas da Guiné,
para que o seu espírito repouse em paz,
e para que os bons irãs a protejam 
e te protejam, a ti e aos teus.
É isso que eu faço 
com o meu pai, meu velho, meu camarada,
que me deixou o ano passado...
Faz-nos bem. 
Far-te-á bem, 
meu bom amigo e camarada.


Um xicoração apertado. 


26/11/2013

Luís Graça

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Nota do editor:

Útimo poste da série >  27 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12353: Blogoterapia (243): Reflexão sobre a amizade (Abel Santos / Alberto Alves)

Guiné 63/74 - P12353: Palavras da Memória (Alberto Alves) (1): Reflexão sobre a amizade (Abel Santos)




1. Em mensagem do dia 22 de Novembro de 2013, o nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), enviou-nos este texto sobre a amizade alicerçada num convívio permanente e partilha de emoções, retirado do livro Palavras da Memória, de autoria do seu amigo e camarada Alberto Alves, ex-Fur Mil:




AMIZADE

No exterior da porta pode ler-se em letras garrafais: “TABANCA DA VIZINHANÇA”.

O papel é branco, parece bem cuidado e forte e as letras constituem um bonito artefacto de engenho e arte, são um hino a quem estudou caligrafia feita com aparo próprio em ESCOLA COMERCIAL. Mesmo ao lado, em traço de fino recorte arquitectónico, o desenho macabro de um crânio descarnado, que deixa ver a profundeza do local onde estiveram implantados os olhos, a boca, o nariz e os ouvidos, e a legenda habitual nestas circunstâncias: “PERIGO DE MORTE”. Dois riscos simples lembram descargas eléctricas e dão colorido a todo o conjunto do significativo e macabro painel.

Do outro lado da porta, o quarto de dormir. Melhor dizendo, a camarata: equipada com seis camas de ferro, colocadas em beliche e armários de folha de latão. Os ocupantes - jovens do sexo masculino - cumprem serviço militar obrigatório, algures na Guiné-Bissau, no ano da graça de 1967, onde a guerra de guerrilha parece habitar todos os cantos do território. Os inquilinos do espaço descrito são: o “Tacos”, o “Gato Estúpido”, o “Macaca”, o “Comprimido”, o “Parafuso” e o “Caixa d`Óculos”.

Da esquerda para a direita. Nogueira-Gato Estúpido; Amaro; Pinto Mendes-Parafuso; Alves-Tacos e Viola-Caixa d'Óculos

São iguais, porque são portugueses e militares; porém, todos diferentes, porque assim rezam a psicologia da personalidade e do carácter; também porque são de regiões diferentes e porque cada um pensa por si.

Gente simples, alegre, que pratica a amizade e a solidariedade, com a generosidade própria de quem é jovem. Gente respeitadora de princípios e valores que fazem as sociedades mais justas e fraternas. É interessante vê-los a discutir com entusiasmo e até com alguns excessos. A verdade é que o abraço amigo e sincero está sempre presente para serenar alguns ânimos que, porventura, surjam mais exaltados.

Poder-se-á chamar a família da “Vizinhança”, tantos são os actos que definem a política de entreajuda e as coincidências que os corações exprimem relativamente ao são espírito de camaradagem, compreensão e respeito.
Dizem-se, apesar de tudo, “terrivelmente terríveis”.

No espaço que lhes foi atribuído para se instalarem, conjuntamente com o resto dos elementos que compõem parte da Companhia a que pertencem, não havia luz eléctrica. A iluminação nocturna dentro das instalações fazia-se através de garrafas de cerveja vazias e posteriormente enchidas com petróleo e uma torcida. Esta dificuldade causou curiosidade e despertou o interesse da rapaziada que fez um estudo pormenorizado da situação, que englobou contas e cálculos, meteu raiz quadrada e logaritmos, e, por artes chamadas de berliques e berloques, mestre parafuso, juntou fios e lá conseguiu o extraordinário brilharete de “dar à luz”, num parto difícil, mas sem dor. Foi o delírio para quem vivia às escuras.

Mas o pior estava para vir, pois de outras paragens choveram os “como” e os “porquê” sobre os métodos usados na descoberta do fornecimento de tanta luminosidade por ocasião da noite.
Seriam muitas as histórias para contar que foram protagonizadas pela equipa da “Tabanca da Vizinhança”. A luta diária contra o IN, contra o clima, contra o isolamento e a solidão, era a questão difícil de ultrapassar e trouxe para muita gente problemas graves do foro psicológico.

Luta desigual, que nem a automática G3 resolvia nem dava segurança, era a que todos os dias, pelo anoitecer, travavam com os mosquitos. Autênticas naves aéreas, voavam como “setas e virotões” virados aos corpos seminus dos que pretendiam resguardar-se do calor. Para além da marca da picada, a mente registava com grande acuidade o forte zumbido daqueles insectos incomodativos, difíceis de travar, que tantas noites de insónia provocavam.

Como na sua sucessão os dias nasciam sempre iguais em duração e sempre diferentes em tudo o resto, aquela malta não perdia oportunidade para espalhar e fazer sentir à sua volta a esperança de um sorriso feliz no futuro que se ansiava chegasse rápido. Pelo meio ficariam alguns sonhos de realizações impossíveis, outrossim de caminhadas da vida travadas pela bala ou pela mina traiçoeiras.

Esta verdade de todos os dias martirizava as mentes e os corações que viviam apaixonados pela realidade da vida do outro lado do oceano quando corriam ao encontro daquela palavra de magia “correio”… mesmo sabendo que as notícias tinham alguns dias e mesmo semanas de atraso…

Porém na sua contagem voraz, passava o tempo e algumas histórias que nem por isso conseguiram apagar do tempo e no tempo a amizade que uniu tantos corações em momentos inesquecíveis de sofrimento, de ansiedade e de isolamento, também de grande alegria e satisfação.

Marcadas no espaço, a amizade e a união prevaleceram durante muitos meses e contribuíram para que num dia de muita luz e tranquilidade se pudesse ouvir o grito de alegria que anunciou o regresso e o início o reinício de uma caminhada interrompida algures no tempo, mas agora mais amadurecida pelos anos, pela dor e sofrimento que marcaram um tempo de guerra e incertezas com sangue e morte à mistura…

Guiné-Bissau, 1967
Do livro "PALAVRAS DA MEMÓRIA", de autoria de Alberto Alves, ex-Fur Mil da CART 1742.

Guiné 63/74 - P12352: Os nossos seres, saberes e lazeres (62): Estalo Novo, nova peça da Companhia Maior, que vai ser estreada no Centro Cultural de Belém no do dia 28 de Novembro (Carlos Nery)

1. Mensagem (via Facebook) do nosso camarada Carlos Nery (ex-Cap Mil, Comandante da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70) que faz parte da Companhia Maior, anunciando a próxima peça deste grupo que vai estrear no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém no dia 28 de Novembro de 2013:

Carlos Nery

Amigo, estamos quase a estrear a peça "ESTALO NOVO".
Próximos dias 28, 29, 30 de Novembro e 01 de Dezembro.
Serão contadas estórias das nossas experiências passadas e actuais.
Narrarei uma experiência de guerra, na Guiné.
Haverá algum camarada, por estas bandas, com curiosidade acerca deste espectáculo?

ESTALO NOVO - Fotos © de Bruno Simão/Companhia Maior
Centro Cultural de Belém.
ESTALO NOVO - de Ana Borralho e João Galante
Por: Companhia Maior


2. Mensagem do nosso camarada Carlos Nery enviada ao Blogue:

Meu Amigo,
No espectáculo que vai ser apresentado no Pequeno Auditório do CCB de 28 deste mês a 01 de Dezembro, iremos evocar memórias do nosso passado próximo e distante. 
Pela minha parte irei fazer duas ou três evocações à minha experiência na guerra na Guiné.

Elaborei um textozinho muito simples que pretende recordar aqueles que contra nós se bateram com sacrifício e com coragem (veremos se o consigo meter)...

Companhia Maior


"O GUERRILHEIRO"

Está tombado, o guerrilheiro 
A seu lado, a arma

Num bolso da farda de caqui verde, uma escova e a pasta de dentes 
Noutro a fotografia e uma carta da namorada

Atacadores das botas apertados com cuidado 
Preso ao cinturão, um cantil que se amolgou

Por baixo da camisa suada há o volume de cintos de coiro trabalhado 
Em crioulo, “mezinhos” que guardam versículos do Corão 
E que defenderão das balas, o combatente que não tiver medo

Tombou, em combate, o guerrilheiro

Grande abraço, amigo! 
CNery
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Notas do editor

Imagens: Companhia Maior (Facebook), com a devida vénia

Último poste da série de 14 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12295: Os nossos seres, saberes e lazeres (61): Tao Te Ching, o livro da sabedoria, na RTP 2, programa Agora, com o nosso António Graça de Abreu, no passado dia 3

Guiné 63/74 - P12351: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (2): Diário de bordo - Ó mar salgado!

ÚLTIMAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 2

DIÁRIO DE BORDO

Ó mar salgado!

Por Armor Pires Mota (ex-Alf Mil da CCAV 488/BCAV 490, Bissau e Jumbembem, 1963/65)

17 de Julho de 1963


A escada ou o portaló que eu subira devagar, há pouco, como se sentisse vertigens ou medo das distâncias que o mar me iria dar em breve, já não tinha os pés em terra e eu também não.

No terraço um mar de gente agitada, convulsiva, emocionada.
Encostado a uma grade branca, debruçado de olhos perdidos no olhar de todos que acenavam lenços, também acenei.

Ali era em todos o mesmo sangue a correr, o mesmo coração a vibrar de mágoa, os mesmos braços, a mesma Pátria. Os dois metros de água, entre o barco e o cais, quando a sirene roncou gritos tristes, como todo o adeus, em mim já eram lonjuras intermináveis, outras terras, nova aventura.

Ia partir. Mas cais de partir serão sempre cais de chegar? Pensei comigo. Olhei mais uma vez e deixando tombar os olhos no rio Tejo e dentro de mim, desci ao camarote, fui arrumar as malas.

Deitei-me. Vi selva e capim, olhos ferozes de terroristas, poças de sangue.
Os boatos sobre a Guiné eram de amedrontar, os piores, que alguns, malevolamente, lançaram ao vento.

Era assim um pesadelo aquela tarde de gaivotas, que, esvoaçando rente aos mastros do Niassa, desejavam uma boa viagem. Parecia impossível tal sonho e subi ao convés.

Navio Misto Niassa
Com a devida vénia a Navios Mercantes Portugueses

Lisboa, pequena, apagando-se quase na retina, fugia toda para trás. O céu também. E foi aí que recitei apenas para mim Fernando Pessoa, para mim e para o mar, onde acabara de entrar o navio:

Ó mar salgado, quanto do teu sal 
São lágrimas de Portugal. 
Por te cruzarmos quantas mães choraram, 
Quantos filhos em vão rezaram! 
Quantas noivas ficaram por casar, 
Para que fosses nosso, ó mar!

Fechei a alma. Os versos verteram-me lágrimas no coração, na pele arrepios fundos e longos.
O mar era já tão grande como a saudade. O céu era azul. E eu esperava-o sempre assim.

(Jornal da Bairrada, 5 Setembro 1964)

(Continua)
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 25 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12341: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (1): Diário de bordo - A primeira grande desilusão

Guiné 63/74 - P12350: Convívios (550): Almoço de Natal da Tabanca dos Melros, dia 14 de Dezembro, na Quinta dos Choupos, Fânzeres - Gondomar

1. Como já vai sendo habitual, no próximo dia 14 de Dezembro de 2013 vai ser levado a efeito mais um Almoço/Convívio de Natal na Tabanca dos Melros, Quinta dos Choupos, Fânzeres, Gondomar.

Além do ambiente familiar e óptima comida, pode-se desfrutar da simpatia e amizade do anfitrião, o nosso camarada Gil Moutinho, ex-Fur Mil Pilav da BA 12 de Bissau.

Foto: © Jorge Teixeira (Portojo) (2013). Todos os direitos reservados.

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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12283: Convívios (549): Encontro do pessoal da CCAÇ 557, levado a efeito no passado dia 9 de Novembro de 2013 (José Colaço)

Guiné 63/74 - P12349: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (9): Em setembro de 1964, a situação estava feia na antiga Zona 7 do PAIGC, segundo carta do 'Nino' Vieira [Marga]: (i) falta de homens, material, medicamentos e alimentos; (ii) 1 guerrilheiro deserta e apresenta-se em Bambadinca; (iii) as NT desembarcam no Rio Corubal, na Ponta Luís Dias, e avançam até ao Poindom e à Ponta do Inglês, provocando baixas entre a população e a guerrilha; (iv) 300 fulas da zona leste recebem instrução militar em Bissau, mas... (v) o moral da guerrilha parece ser... alto, estando disposta a ocupar militarmente o Saltinho e o Xitole (o que, como sabemos, nunca virá a acontecer até ao fim da guerra)



[Foto à esquerda: Amílcar Cabral, de costas, comn 'Nino' Vieira. Data: c. 1963/73.  Cortesia de Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral]


1. Transcrição de uma carta, assinada por Marga ['Nino' Vieira, comandante da Zona Sul], de 4 folhas, não numeradas, com data provável de setembro de 1964, e para destinatário desconhecido.

Sinopse: Em setembro de 1964, a situação estava feia na antiga Zona 7 do PAIGC: (i) falta de homens, material, medicamentos e alimentos;  (ii) 1 guerrilheiro deserta e apresenta-se em Bambadinca; (iii) as NT desembarcam no Rio Corubal, na Ponta Luís Dias e avançam até ao Poindom e à Ponta do Inglês, provocando 6 mortos, vários feridos e perda de material; (iv) há a notícia de que 300 fulas da zona leste recebem instrução militar em Bissau, (v) mas o moral da guerrilha é alto, sendo disposta a ocupar militarmente o Saltinho e o Xitolle (sic) - o que, como sabemos, nunca chegou a acontecer, "manu militari", antes de acabar a guerra... (LG)

Guiné > Zona Leste > Croquis do Sector L1 (Bambadinca),  que coincidia em parte com a antiga Zona 7 do PAIGC (margem direita do Rio Corubal) > 1969/71 (vd. Sinais e legendas).

Infografia: Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné (2013)


Acontecimentos na antiga Z[ona] 7.

O camarada Barry  [Bari] disse-me que não tem guerrilheiros suficiente[s]. A situação está sendo agravada cada vez mais não só por falta dos guerrilheiros como também pela fome. Todos os guerrilheiros que tinha,  estão espalhados, só pela [devido à] fome.

Disse ainda que há cerca de 300 fulas que [se] foram preparar militarmente em Bissau. Há algumas espingardas abandonadas. [H]ouve também [1] guerrilheiro que fugiu da base e foi apresentar-se em Bambadinca.

O Bary [Bari]  disse que todos os camaradas podiam seguir para os pontos indicados, mas estão com falta de homens e de alimentação. Garantiu que com alimentação e mais um pouco número [sic] [mais uns tantos] homens, eles podem ocupar todos os pontos indicados. Saltinho e Xitole vai [vão] ser ocupado[s] por nós, mas outros pontos é que achou ainda impossível.

No dia 3/9/64, as tropas desembarcaram em Gã Dias [Ponta Luís Dias] onde demoraram [permaneceram] 1 dia. Mataram 5 pessoas e [fizeram] 4 feridos. Em Gã Carnês [Garnes] [Ponta do Inglês], 1 guerrilheiro [foi] morto, de nome Mamadi [Mamadu] Sambú. Levaram desse 1 caixa de pistola, 1 carregador e uma granada. Em Poindó e Gã Carnês [Garnes] [Ponta do Inglês] encontraram [-se] com as n/ [nossas] forças e estes [estas] os fizeram voltar [recuar], depois de terem sofrido algumas baixas.

Esse grupo era chefiado por Felipe Nangassé que disse que perderam nesse ataque 1 gorionova [Metralhadora Pesada Goryounov 7,62 mm M-943], 1 metralhadora ligeira “Tcheca”, 1 carrebina [sic] [carabina], 1 mauser e 1 pistola automática.

As tropas, de pois de terem desembarcado em Gã Dia[s], conseguiram infiltra[-se] para Gã Carnês [Garnes] e Poindó [Poindom]. O grupo era composto somente por 7 homens, por isso não podiam aguentá-los.

Pediram também fardas e basookas [sic] [LGFog], se possível, que é para segurança dos rios. Estamos com falta de munições de P.M. [Pistola Metralhadora], ou seja, 7,62, granadas e todas as outras espécies de munições. E também minas anti-tanque [anti-carro] e anti-pessoais.

Espero que nos envie alguns botes de borracha, se possível.

Mais nada, Marga

[PS - ] Falta de medicamentos e enfermeiros. O povo morre por falta da alimentação. População inflamada. Falta de munições tais como granadas, balas de 7,.62 P. M. [Pistola Metralhadora], 7,92 Mauser, 7,62 carabina, minas e seus detonadores.

Transcrição, revisão, fixação de texto: L.G. (*)


Original: Para ampliar clicar aqui: Casa Comum

Fonte:

(s.d.), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_39094 (2013-11-26)

Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 04613.065.046
Assunto: Relata os acontecimentos na antiga Zona 7, referindo nomeadamente a falta de guerrilheiros e a situação de fome.
Remetente: Marga (Nino Vieira)
Destinatário: Não identificado.
Data: s.d.
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1963-1964 (dos Responsáveis da Zona Sul)
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Correspondência

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Guiné 63/74 – P12348: Memórias de Gabú (José Saúde) (34): Antigo guerrilheiro do PAIGC. Mário, o impedido do comandante. (José Saúde)



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.





As minhas memórias Gabu

Antigo guerrilheiro do PAIGC
Mário, o impedido do comandante

Afirmava-se na Companhia de Comando e Serviços do BART 6523, que o impedido do comandante dessa unidade militar de nome Damas Vicente, então Tenente Coronel, e que esteve em Gabu entre julho de 1973 e setembro de 1974, tinha sido anteriormente um guerrilheiro do PAIGC. Aliás, se a memória não me falha, o Mário, como era conhecido, não refutava esse passado, mostrando, nesse tempo, toda a sua entrega ao exército que o tinha abrigado. O passado estava sanado, restava provar que a humildade da sua dedicação, seria, naturalmente, recompensada.

Sucintamente afirmo que o Mário era oriundo da etnia fula. Asseguro, por outro lado, que o homem sempre se apresentou como um sujeito de fácil trato. A sua postura, não sendo senhorial, apoiava-se num indivíduo simplório que a dada altura da sua vida resolveu combater pelos seus ideais. Nada a opor.

Assim sendo, o nosso camarada militar já associado nas fileiras lusitanas, conheceu o conteúdo genérico de uma peleja, onde a ordem impunha rigidez e o militar, já convertido à tropa “tuga”, terá antes compreendido a razão do combate a que entretanto se expunha.

O Mário, evidenciando uma agilidade assente num corpo delgado, conheceu as trincheiras do IN, os seus mirabolantes movimentos no mato, lidou com supérfluos armamentos de guerra, atacou e foi atacado, assumindo-se nesta fase da sua vida como um ordeiro guerreiro às ordens do exército luso.

Aquela guerra numa Guiné onde o momento seguinte se condicionava a um imprevisto constante, ditava valores humanos em jovens militares que haviam partido para as frentes de combate de corpo aberto, jogados obrigatoriamente para o horrendo do inferno, acrescento, desconhecendo as consequências da luta.

Neste introito à ordem dia, o nosso amigo Mário, antigo inimigo, era agora um soldado exemplar no que concerne à sua submissão como impedido do comandante. Revejo a sua fisionomia altiva à porta do gabinete do Tenente Coronel Damas Vicente. O Mário era um soldado sempre disponível para executar uma tarefa proposta, recordo.

Sentado num banco colocado junto ao posto de comando, o Mário, envergando o fardamento igual ao de um outro camarada, normalmente a farda número 2, cumpria literalmente o horário de trabalho. Sendo mais explícito diria: entrava às nove e saía às 17 horas. Isto se não existir um conflito entre os neurónios que em uníssono afirmam seguramente que na tropa a idade é um posto. Acredito que exista alguma dúvida sobre o tempo real da sua jornada de trabalho. Mas se houver uma incerteza, caso a haja, não andarei longe deste esquematizado tempo de serviço.

Vamos procurar ser o mais breve possível para falar abertamente do então nosso camarada Mário. O pessoal via nele um amigo. E era. Sabendo-se o seu passado, ninguém ousava crucificar um homem, talvez na “ternura dos 40”, que se terá adaptado a uma nova vida junto a tropas contra as quais combateu.

Dizia-se que o Mário tinha sido capturado numa operação da qual saiu ferido, sendo que o seu aprisionamento foi pacífico. Puxando pelos resquícios das minhas memórias de Gabu, admitindo uma maior perspicácia sobre o tema a que me propôs debitar de um camarada que tivesse conhecido melhor essa realidade, fica-me a certeza que o Mário tinha uma “cruz da guerra” no rosto como símbolo desse sinistro dia de combate.

Não conheci pormenores desse confronto, sei, porque era público nas conversas entre os camaradas do quartel, que o Mário era uma pessoa educada, jamais arranjou motivos para eventuais desavenças, deu-se sempre bem com toda a rapaziada e assumia sem pudor que tinha sido antigo guerrilheiro do PAIGC.

Uma dúvida, embora ténue, chegou a levantar-se entre a malta que sordidamente se interrogava: Seria também o Mário um mensageiro crucial para uma recolha de informações sobre o IN que o comando tanto necessitava? Não sei e desconheço por completo eventuais cenários dessa natureza.

Mário, meu amigo, que será feito de ti?

Aspeto de uma zona do quartel de Nova Lamego

Um abraço camaradas deste alentejano de gema, 
José Saúde 
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 


Guiné 63/74 - P12347: Memórias da CCAÇ 2616 (Buba, 1970/71) (Francisco Baptista) (2): Aníbal: um inadaptado, um marginal ou um anarquista?

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 17 de Novembro de 2013:

Podia-se chamar António, Joaquim, José, Francisco que são nomes vulgares, mas ele era original, o nome já não o recordo, como tal vou chamar-lhe Aníbal o nome dum grande general cartaginês.

Cerca de dois ou três meses antes da CCaç 2616 deixar Buba, em fim de comissão o soldado Aníbal apresentou-se na Companhia e veio reforçar o meu pelotão que estava bastante desfalcado. De estatura média, um pouco forte, sem ser gordo, tinha um aspecto saudável, confiante e simpático e um sorriso pronto.

Quando o pelotão se reunia junto da arrecadação de material, antes das frequentes saídas para o mato, muitas vezes fui encontrar o Aníbal a falar no meio de uma roda de camaradas atentos, qual Jesus Cristo a falar aos apóstolos nas parábolas que depois foram transcritas nos evangelhos.

Foram muitas estórias que também me foram contadas que eu jovem e inconsciente como a maioria não anotei e esqueci.
Penso que na Guiné nunca conheci um homem tão feliz, tão alegre, tão bem adaptado ao meio. Um homem em paz com ele e com o mundo.
O Aníbal foi uma lufada de ar fresco que ajudou o pelotão a passar os últimos tempos da comissão.

Era um simples, um marginal, um anarquista? Um espírito livre que dificilmente conseguia acatar as regras sociais e muito menos o regulamento de disciplina militar?

As minhas interrogações são porque nunca encontrei justificação para o facto dele ter passado mais de quatro anos na Guiné ou em liberdade ou na prisão.
Gostaria de viver lá, pelo clima, pelas gentes e por outro lado não teria raízes, como acontece a tantos desamparados da sociedade, que o motivassem a regressar?
Era calmo, prestável, educado, disciplinado, enfim tinha todos os atributos para ser um bom soldado e foi-o durante o tempo em que esteve connosco em Buba.

Há aqui algumas contradições mas para mim o Aníbal foi um enigma que nunca consegui decifrar.
A aventura ou proeza que recordo dele foi quando certa vez, preso em Bissau, se evadiu com outros para ir a um baile a Bafatá.

Na Guiné, emboscadas, minas, encontros fortuitos com a guerrilha, a poucos quilómetros de Bissau, quem teria a coragem de se deslocar 150 quilómetros para ir a um baile a Bafatá?
Baile que logicamente seria de africanos/as, já que não me consta que houvesse comunidades europeias tão longe para fazer tais festividades.
Revela também o quanto o nosso camarada estava africanizado e integrado nas comunidades locais. Hoje penso que um desenraizado, talvez fosse o caso dele, que se deixasse embalar no convívio e afectividade, mais espontânea e natural das etnias locais se deixaria facilmente conquistar por elas.

Talvez ele, quem sabe, tivesse uma namorada em Bafatá e por ela estivesse disposto a correr todos os perigos para a poder abraçar.
Por tudo o que já disse acerca dele, propus ao capitão um louvor ao Aníbal para o ajudar a regressar a Portugal com a companhia. O capitão aceitou.
Penso que ele veio com a companhia, espero que tenha sido feliz no regresso, assim como todo o pessoal do meu pelotão e da  CCaç 2616, que não tiveram uma estadia fácil lá longe.

Mas sobre isso falarei outro dia.

Até lá um abraço a todos os camaradas
Francisco Baptista
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Nota do editor:

Último poste da série de 16 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12161: Memórias da CCAÇ 2616 (Buba, 1970/71) (Francisco Baptista) (1): Falando de colunas de reabastecimento e de amizade

Guiné 63/74 - P12346: Agenda cultural (296): Convite, Tertúlia Fim do Império: "Os Deuses Não Moram Aqui" de Maria Saturnino, dia 27 de Novembro pelas 15h00 no Palácio da Independência em Lisboa (M. Barão da Cunha)

1. Mensagem do Coronel Ref Manuel Júlio Matias Barão da Cunha que foi CMDT da CCAV 704/BCAV 705, Guiné, 1964/66:

Caríssimos, 
É já amanhã, 27 de Novembro pelas 15h00, no Palácio da Independência, que prossegue a tertúlia Fim do Império*, desta vez com a ex-locutora de Rádio Clube de Moçambique Maria Saturnino e coronel António Pena. 
Quem puder ir será bem-vindo e pode ir acompanhado, 
Fiquem bem, 
M. Barão da Cunha.


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Notas do editor

(*) Vd. poste de 13 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12147: Agenda cultural (286): Tertúlias Fim do Império, a levar a efeito na Messe dos Oficiais - Porto; Palácio da Independência - Lisboa e Livraria-Galeria Municipal Verney/Colecção Neves e Sousa - Oeiras

Último poste da série de 14 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12291: Agenda cultural (295): Apresentação do livro "Dona Berta de Bissau", de José Ceitil, dia 26 de Novembro de 2013, pelas 21h00 no Auditório da Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira

Guiné 63/74 - P12345: Estórias cabralianas (83): Da Gata Catota à Tabanca da Queca... (Jorge Cabral, com bolinha...)

1. Enviada em 25 do corrente, pelo nosso alfero Cabral [, foto à direita, quando ainda cadete, em Mafra], com a seguinte nota:

 Inteiramente verídica. Se publicares põe bolinha. Abração. 

 J. Cabral 

[ , jurista, advogado de barra, docente universitário reformado, ex-alf mil at art, cmdt Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, setor L1, Bambadinca, 1969/71; foto atual à esquerda]


2. Estórias cabralianas > Da Gata Catota à Tabanca da Queca

por Jorge Cabral


No fim dos anos 70, era um simpático advogado, com muitas clientes que me gabavam  a grande sensibilidade…Entre elas, destacava-se a D. Prazeres, que eu divorciara de um marido violento e me assediava todos os dias, com questões que,  de jurídico,  tinham muito pouco…

Claro que se sentia só, razão pela qual a aconselhei a arranjar um animal de estimação. D. Prazeres seguiu o conselho e comprou um gata, pedindo-me para ser o padrinho. Obrigado a dar-lhe o nome, escolhi…Catota.
– Que nome bonito!| – agradeceu.  – E que quer dizer?
– É chinês. Significa felpuda  – respondi convictamente,


A partir de então as nossas conversas incidiam quase sempre sobre a gatinha.
– Olá,  D. Prazeres como vai a sua Catota?
– Ah ! Doutor está tão bonita! E que pelo luzidio!
–  E come bem?
–  Oh! Sim! É cá uma comilona. Mas tem que a ver –   insistia sempre.

Tanto insistiu que lá fui, cumprindo a minha obrigação de padrinho. A gata estava enorme de gorda e devorou num ápice os seis carapaus que lhe levei como prenda.
– Tenha cuidado,  D. Prazeres. Ponha de vez em quando a Catota de dieta–  disse-lhe, enquanto afagava a bichana.

O tempo foi passando, dando-me ela,  diariamente, notícias da sua Catota… Foi uma época de muitos divórcios e a D.Prazeres, recomendou-me a todas as amigas.
– ~É um querido. Se vissem o carinho com que faz festinhas na Catota – afiançava.

Um dia porém, telefonou-me em pranto. Arranjara um namorado que lhe garantira que catota era um palavrão.
– Não deve saber chinês. O que é que ele faz? – perguntei.
–  É capitão. Também esteve na Guiné. Diz que quer falar consigo.

E falou mesmo. Em fúria…Ciúmes retroactivos talvez…
– Seu depravado! Precisava que lhe partisse a cara!
–  Mas porquê, senhor Capitão? Há um General Buceta, um Coronel Coito, um Sargento Piça e perto de Bambadinca, na Guiné, existia um Tabanca chamada Queca, que infelizmente nunca patrulhei…Porque não pode a adorável gatinha ter o poético nome de  Catota?

Jorge Cabral

3. Comentário de L.G.:

Qual o significado do vocábulo  catota ? É português de lei ou é chinês de contrabando ? Por que é que o indignado e apaixonado capitão da Guiné esteve quase a desafiar o alfero Cabral para um duelo de consequências imprevisíveis ?... 

Afinal, a palavra catota em português (do Brasil) é inocente, embora designe uma coisa pouco agradável ao tato e à vista, sinónimo de monco (#)... Em português de Portugal, monco quer dizer "Humor espesso, segregado pela mucosa do nariz", "muco, ranho, ranho".  Em sentido informal, "mucosidade nasal seca", "macaco"...

Na realidade, é preciso ter cuidado com a língua... Ou andar sempre munido de um bom dicionário!

(#) ca·to·ta (origem duvidosa)
substantivo feminino

[Brasil, Informal] Muco seco aderente às fossas nasais. = MONCO

"catota", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/catota [consultado em 26-11-2013].
__________

(...) Em Missirá durante dois meses, estivemos sem abastecimentos. Época das chuvas, o sintex e os dois unimogues avariados .Ainda tínhamos conservas,mas faltavam as batatas, o vinho e o arroz para os africanos. Um dia porém, o Pechincha conseguiu fazer dos dois burrinhos, um, que andava. Fomos a Bambadinca, deixando a viatura, à beira da bolanha de Finete, que atravessámos até ao rio, o qual cambámos na piroga do Fodé. (...)


Guiné 63/74 - P12344: Blogpoesia (360): Quatro Baladas de Berlim, inéditas, com sons e cores de outono (J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)

1. Mais 4 baladas  de Berlim, inéditas, de uma seleção  de textos poéticos que o o nosso camarada e amigo J.L. Mendes Gomes [ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66; jurista, reformado] nos envia todos os dias, a diferentes horas do dia...

[Foto do poeta, à esquerda, em Berlim, com 2 dos netos: ele lançou recentemente o seu 1º livro de poesia, "Baladas de Berlim" (Lisboa: Chiado Editora, 2013, 229 pp., Coleção Prazeres Poéticos, preço de capa: 15 €) ].


(i) As libelinhas...

Há quem deteste as libelinhas...
Sentem pavor, se uma só se abeira.
Agora, imaginem-se num descampado.
Há um avião de caça,
Teatro de guerra,
Com o prego a fundo,
Direitinho a si...

Se não se morrer de susto,
Não há quem escape...
Falo, por experiência própria...

Foi na Guiné.

Ainda aqui estou.
E cada vez mais gosto das libelinhas!...

Berlim, 26 de Novembro de 2013, 22h26m

[Foto acima, à direita: um heli AL III, Bambadinca, c. 1970; créditos fotográficos: Humberto Reis]


(ii) Se calhar, vai cair neve...

Está tudo a postos.
O chão estiolado,
Estendido ao comprido,

Sem cor.

As árvores ao ar,
De braços abertos rezando,
Despidas das folhas.
As folhas mortas,
Jazidas na terra
Juntam-se aos montes,
Nas bermas da estrada.
Como quem espera a carrada.

Os telhados tristonhos,
De abas caídas,
Vêem-se sozinhos,
Sem pombas, nem andorinhas
Aos pares.

E os caminhos estragados
Pelos golpes da chuva,
Sangram de dor.
Esperando algodão que os sare.

Parece a hora da morte.
Que tudo acabou.
O céu anda cansado e tristonho,
Saudoso de luz.

Meus netos, já irrequietos,
Impacientes,
Se voltaram para mim:
 
 Avô! Quanto é que vem a neve
Para a gente brincar?...


Porque sou homem de palavra e de fé,
Com firmeza lhes digo: 
Tenham mais um pouco de paciência!...
O Menino Jesus está quase a chegar...


Ouvindo Hélène Grimaud,
Berlim, 24 de Novembro de 2013, 7h53

[Acima: imagem que ilustrava areograma natalício, editado e distribuído no TO da Guiné, pelo Movimento Nacional Feminino. s/d.  Fonte: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

[ Foto à esquerda: Mãe e filha, com António Teixeira (1948-2013), em Bedanda, c. 1972/73.  Foto do nosso saudoso Tony Teixeira, que se despediu hoje da "terra da alegria"...]



(iii) Negra e só nas terras d’África...


Tinha tranças pretas
Aquela moça morena,
De olhos tristes.

Viu-o partir,
Banhada em lágrimas.
Bendita a guerra que o fez chegar.

Durante dois anos,
Que feliz foi...

Um príncipe encantado,
Que se enamorou dela
E a fez sonhar.

Tantas noites belas,
Na tabanca em festa,
Mesmo de colmo,
Uma fogueira a arder,

Com batuque,
Em chama.
À luz do luar.

No seu ventre de amor,
Nasceu-lhe um tesouro.
Seria moreno,
De olhos azuis.
Um rosto de cor,
Entre o branco e o negro.
Um botão a abrir,
Em primavera em flor.

Foi o fim da guerra
Que o fez partir,
Jurando promessas
De um dia voltar...

Cruel força do destino,
Tão fatal em os prender...
Como de cego em os separar!...


Que será feito dela
E do fruto do seu amor?..

Não há nada no mundo,
Nem de dia,
Nem de noite,
Que os faça esquecer.


Ele, longe, no fim do mundo,
E ela, negra,
Nas terras d’África...

Berlim, 23 de Novembro de 2013, 15h2m

[Foto à esquerda:  grupo de oficiais no bar Tombali,  em Catió, c. 1964/66; um deles, assinalado com um círculo a vermelho, é o 'palmeirim' J.L. Mendes Gomes; foto do autor]


(iv) Molho de chaves...


Tenho um molho de chaves,
Religiosamente guardado,
Desde os meus verdes anos.
Desde a altura
Em que me senti entregue a mim.
Nos anos de 52...

A primeira foi da mala,
Onde transportei meu enxoval,
Quando entrei no seminário.

Mala em pinho,
De encomenda,
Ao carpinteiro amigo
Do meu Pai.
Em ferro forjado.
Uma verdadeira miniatura,
Que a ferrugem come,
Da chave duma casa.

Depois, a da mala de cartão castanho.
Muito minúscula.
Pareceria agora um brinco...
Onde trazia a roupa e livros,
Quando vinha e ia no fim das férias.

A terceira, deu-ma a tropa.
Era singela...
Para um saco em pano,
Em manga d’alpaca,
Até à hora solene
Em que me vi oficial.

Mais fidalga...
Luzia a prata.
Viajava em primeira,
Nos comboios
E no paquete
Que me levou,
Num camarote,
Até ao Funchal.

E dali, até à Guiné...
Muito velhinha,
Só ela sabe o que lá passei...

Depois, a do quarto,
Como dum armário,
Em Lisboa,
Que eu tirei à dona,
Onde fui hóspede,
Até casar.

Fui saltitão,
De casa em casa,
Até assentar.
Do sul ao norte,
Terão sido sete
As casas onde eu vivi,
E criei os filhos.

Agora, em Berlim,
Onde me trouxe o vento...
Que grande molho!
Com tantas histórias...
Até à derradeira,
Parecerá de oiro...
Que me levará para a cova...

Berlim, 19 de Novembro de 2013, 16h7m

© Joaquim Luís Mendes Gomes. Todos os direitos reservados

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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12294: Blogpoesia (359): Um poema a África (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P12343: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (3): Foto nº 3: Parte colonial da cidade (continuação)



Guiné >  Zona leste >  Bafatá  > c. 1968/70 >  Foto nº 3  >  Parte colonial da cidade, com uma nesga do Rio Geba no canto superior esquerdo.


Foto do álbum do Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70; autor do romance Na Kontra Ka Kontra, Porto, edição de autor, 2011; é arquitecto, e vive no Porto;  foto a seguir à esquerda]


Foto (e legendas): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.


FOTO 3 > Parte colonial da cidade.

1 – Avenida principal.

2 – Restaurante Transmontana.

3 – Edifício do cinema, em construção.

4 – Oficina do Sr. Humberto, meu senhorio.

5 – Campo de jogos onde funcionava o cinema, ao ar livre.

6 – Casa de uma família de libanesas.

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12342: Parabéns a você (656): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil Art da CART 2412 (Guiné, 1968/70) e Manuel Lima Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3476 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12335: Parabéns a você (655): Abel Santos, ex-Soldado Atirador da CART 1742 (Guiné, 1967/69) e António Levezinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12341: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (1): Diário de bordo - A primeira grande desilusão

1. Mensagem do nosso camarada Armor Pires Mota (ex-Alf Mil da CCAV 488/BCAV 490, Bissau e Jumbembem, 1963/65), com data de 3 de Janeiro de 2013:

Meu querido Amigo Carlos Vinhal:
Conforme prometido, aqui lhe envio algum material para o Blogue do Luís Graça e do amigo.
Agora que ando a escrever as minhas memórias e as guerra fazem parte da minha história, da história de toda uma geração, fui encontrar material que, saindo no Jornal da Bairrada, não sei por que raio não saiu no TARRAFO.
Entre as memórias de guerra, além de outras, penso que estas poderão ter algum interesse para os amigos. Há no entanto, duas ou três que foram escritas recentemente e as integro neste naipe e outras que não, para não me tornar maçador.
Se alguma não couber dentro do v/espírito editorial, estão perfeitamente à vontade. No cesto do lixo também se guardam coisas.
Como prometi vou enviar um conto de Natal, que acho muito engraçado e carregado de sonho e poesia. 
Um abraço para o Luís Graça.
A edição fac-similada do TARRAFO esgotou.
Para o amigo um abraço de camaradagem e gratidão por tanto.
Armor Pires Mota


ÚLTIMAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1

DIÁRIO DE BORDO

1 - A primeira grande desilusão

No da 2 de Julho de 1963 todo o pessoal foi para casa gozar de licença (férias), dentro das normas de mobilização, com o conhecimento de que iria desempenhar a sua missão em Moçambique. No dia 14, apresentava-se pronto a embarcar com destino a Lisboa, mas sofria uma grande desilusão. O destino já não era Moçambique, mas a Guiné. “Essa alteração provocou uma certa perturbação no espírito pessoal, até porque já tinham sido feitas as declarações de pensões, as quais, à ultima hora, tiveram que ser substituídas e reduzidas para cerca de metade. No entanto, ningém deixou de comparecer ao embarque”, segundo consta da história bem sucinta do Batalhão 490. Isto é, ninguém fugia, ninguém desertava.

Das cerimónias de despedida constou uma missa campal na enorme praça, na manhã do dia 16, seguido de desfile, ouvindo-se, aqui e ali, à nossa passagem, uma ou outra voz surda contra a guerra. Nesse mesmo dia, o Batalhão deslocou-se, em formatura, para a estação de caminho de ferro da cidade, seguindo em comboio especial para Lisboa e daí para a gare de Alcântara. Antes do embarque, à torreira do sol, era uma hora da tarde, houve uma formartura de todas as unidades que iam embarcar: o Batalhão 490, os comandos e o CCS dos Batalhões de Caçadores 512 e 513, além de três companhias de artilharia. Era muita gente, cerca de 1500 homens, muita “carne para canhão”, ouvia-se.

Tudo em ordem, mas houve uma falha, lamentada pelo comandante de Batalhão, Fernando Cavaleiro. Era costume a Unidade Mobilizadora, neste caso o RC3, oferecer um guião, mas nada disso acontecera. Ou levou sumiço.

Embarcámos na Estação Marítima de Alcântara, no dia 17 de Agosto de 1963, entre lenços brancos, desfraldados pelos que subiam o portaló ou se estendiam já pela coberta e os familiares e amigos, que, tão nervosos como nós, entre soluços abafados e algumas lágrimas fundas, como as águas do rio Tejo e sentidas como um espinho, formigavam ao longo do cais no mais doloroso adeus a alguém que desse modo partia. Eu não tive ninguém a acenar-me. Tinha toda uma mole enorme, onde sobressaía o preto, a cor do luto em nossa terras. O destino não era para o melhor dos mundos, era para uma terra desconhecida, de mais a mais, onde as armas vomitavam fogo e os corpos jorravam sangue. Momentos antes do grito estridente do barco, onde se juntaram todos os nossos gritos macerados de silêncio, subiu a bordo o Ministro do Exército a fim de fazer uma alocução sobre a missão que nos coubera longe do chão natal. Não é garantido que todos o tenham ouvido, tomados pelos pensamentos mais desecontrados. Palavras que rolaram na espuma das ondas.

No domingo a seguir, era a festa em honra de Santa Margarida, padroeira da minha terra Ainda mal havíamos digerido a tremenda desilusão, não só por causa da farda branca, mas por mudarmos, à última hora, de destino. Na verdade, a Guiné era mais perigosa e a guerrilha andava a fazer fogo e sangue.

Comigo não levei muita coisa, além das roupas civis e fardas, talvez medos, muitos medos. Mentia se dissesse que ia de peito feito perante tantos perigos. Também uma flor de esperança e nela deitados os olhos da Lili que me oferecera um terço em prata dentro de uma concha, que guardo, religiosamente ainda hoje, no pechiché do nosso quarto. Se rezei por ele, não foram muitas as vezes. Adquiri outro de madeira, mais resistente e menos valioso, para trazer comigo nos bolsos da farda. Era a fé no meu Deus, a esperança em todos os meus santos e anjos do céu. Há muito que se acha escurecido do azebre. Ainda um dia destes, o hei-de mandar limpar. Na carteira, além de algumas notas, mais no seu interior, levava uma pagela, dobrada em duas partes, contendo uma oração. Foi oferta de um casal de vendedores do norte, de bordados, que ia pernoitar a Sangalhos, na Pensão de Ernesto Alves Pinto. Sabendo do meu destino, a mulher aconselhou-me a que lesse ou rezasse, que dava sorte. Pois claro que li, não todos os dias, mas alguns. Se dava sorte, era o que eu queria para mim, para os meus soldados e para todos. E sorte tivemos na última noite dormida sobre o bramir do mar largo.

Embarque de militares na Estação Marítima de Alcântara
Foto: © Américo Estorninho (2010). Direitos reservados

Como passámos o tempo a bordo? Foi um tempo penoso, sobretudo para os soldados que ocupavam os porões. Era um espaço bafiento e quentíssimo Os oficiais, mais à superfície, dormiam ou pasmavam-se nos beliches. O melhor tempo era o que se passava na coberta. Umas vezes, em instrução de armamento. Imagine-se, como íamos tão mal apetrechados. Só ali conhecemos a espingarda com que iríamos combater o IN, a eterna G3, automática. Arma que ninguém tinha visto no quartel. Não existia um único exemplar. Íamos agora conhecê-la nas suas partes e no seu funcionamento. Também pouco conhecíamos do terreno e das gentes que íamos encontrar e, em muitas situações, combater. Assim, recebemos também conhecimentos gerais sobre a pouco pacífica Guiné, guerras antigas, clima, raças, usos e costumes. Na parte recreativa, para animar um pouco o pessoal, este teve ensejo de ver vários filmes. Era um modo de atenuar o nojo que originava vómitos.Também ensaiávamos o Hino do Batalhão, música e letra do 2º comandante, major Alexandre António Bahia Rodrigues dos Santos, que regressava à Metrópole em 23 de Janeiro de 1964. Tratava-se de uma marcha militar e intitulava-se “Sempre em Frente”, que ainda é lembrado e cantado nos encontros anuais. Não sei se consegui nesta viagem ler algum livro aos peixes.

(Continua)

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2. Comentário do editor

Por que iniciamos hoje a publicação da série "Últimas Memórias da Guiné", de autoria do distinto repórter de guerra e nosso tertuliano Armor Pires Mota (ex-Alf Mil da CCAV 488/BCAV 490), memórias estas que como o próprio afirma, tendo sido publicadas, em devido tempo, no Jornal da Bairrada, não foram incluídas no seu livro "Tarrafo" [foto da capa à direita], cabe aqui um agradecimento ao autor pela deferência com que trata o nosso Blogue ao enviar-nos este material para publicação, que inclusive contém memórias escritas recentemente, logo inéditas.

Por que felizmente o texto é extenso, será dividido e publicado em vários postes que se desenvolverão temporalmente entre 2 de Julho de 1963, o de hoje com o título: A primeira grande desilusão, até 14 de Agosto de 1965, coincidente com a retirada da 488 de Jumbembem.

CV
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