terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10912: O cruzeiro das nossas vidas (17): Relembrando as nossas separações e partidas...

1. A propósito da nova série "Cartas de amor e guerra" (*), está na altura de reler alguns dos postes que publicámos numa série já esquecida,  "O Cruzeiro das nossas vidas".... Só este material dava para fazer uma antologia... Recorde-se aqui os 16  postes já publicados, e os seus autores (um dos quais infelizmente já não está entre os grã-tabanqueiros vivos, mas cuja memória perdurará entre nós: Victor Condeço, 1943-2010):

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

(...) No chamado bar de Oficiais havia uma banda de música, composta se não me engano por três indivíduos de idade avançada, pelo menos para mim, o que tornava o ambiente ainda mais surreal. A mesa de pingue-pongue na varanda (não sei o termo náutico, tombadilho?), junto ao bar deixou rapidamente de ter clientes porque, julgo eu, devem ter acabado as bolas no Atlântico ao sabor das ondas.

Lembro-me ainda da excitação do pessoal quando se avistaram peixes voadores, porque tirando a experiência dos mais viajados, para a maior parte era algo que apenas pertencia aos livros de Zoologia. (...) O calor, quando entrámos no Golfo da Guiné, era insuportável, e somado ao barulho constante das máquinas do navio e ao cheiro a vomitado que tomava conta dos corredores, tornou o Natal a bordo algo de inesquecível, dando razão àqueles que, preocupados com o nosso bem estar, nos fizeram embarcar naquela data para a Guiné. (...)





19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)

(...) Embora muito me custe contrariar o Paulo Raposo, não ficaria de bem com a minha consciência se não rectificasse a observação que ele faz a meu respeito. A História não se compadece com imprecisões! Há que relatar os factos tal como eles se passaram efectivamente, sob pena de os vindouros tirarem conclusões erradas. E a rectificação é a seguinte: Eu não estava a mandar nenhuma mensagem de telemóvel, pela simples razão de que os radares do Uíge interferiam com a captação de rede do meu aparelho. Estava naquele preciso momento, no camarote onde íamos viajar, a perfurar um telex, outro aparelho muito em voga também naquela época. Fica reposta a verdade! A Bem da História!!!! (...)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)

(...) Talvez nem todos saibam que 90% do reabastecimento dos três teatros de operações [ - Angola, Guiné e Moçambique - ] nos 13 anos de guerra foram efectuados por via marítima, mas é verdade!

Talvez também nem todos se tenham apercebido que as áreas oceânicas que os nossos transportes de tropas atravessavam eram contíguas a mares territoriais de países hostis, países que, em muitos casos, tinham saído recentemente de situações coloniais. Países que assumiam protagonismo internacional crescente, que se organizavam a partir de Bandung, no movimento dos não-alinhados. Países que assumiam claramente posições agressivas contra a política ultramarina/colonial de Portugal. Países que faziam ouvir as suas vozes nas posições que as Nações Unidas iam assumindo contra a política do governo do nosso país. (...)

 21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)

(...) O material digitalizado que junto em anexo, pode ajudar a ilustrar esses mesmos cruzeiros e o Luís usará como lhe aprouver se neles reconhecer algum interesse. Trata-se da ementa do primeiro jantar de regresso da Guiné a bordo do NM Uíge e do programa de distracções para os cinco dias previstos da viagem, que afinal acabaram por ser seis. Os passageiros eram os militares dos BART 1913 e do BART 1914.

São portanto, recordações desse cruzeiro, iniciado a 26 de Abril de 1967, quando na Rocha do Conde Óbidos embarquei no Uíge com destino à Guiné. 
Já tinha quase vinte meses de tropa, já nem contava de ser mobilizado, mas fui, infelizmente todo o pessoal do meu curso foi contemplado com um destes cruzeiros. (...)


11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)

(...) O TT Niassa, em Maio de 1969 e conforme reza a Ordem de Transporte nº 20 do ME, transportou a CCAÇ 2590 e também as Unidades indicadas no seguinte quadro, com o itinerário e horários que mais abaixo se discriminam. (...) Tratou- se de uma dupla viagem Lisboa–Bissau–Lisboa–Funchal–Bissau–Lisboa. teve início a 5 de Maio, em Lisboa, e terminou, novamente em Lisboa, a 13 de Junho de 1969. (...)- Transportou de Lisboa, na totalidade, 52 oficiais, 187 sargentos e 1299 praças além de 1727 toneladas de carga, depois de corrigidos alguns desvios de última hora à previsão acima feita e conforme a seguinte listagem do quadro abaixo. (...)


 
15 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1953: O cruzeiro das nossas vidas (6): Ou a estória de uma garrafa, com o SPM de Mansoa, que viajou até às Bahamas (Germano Santos)

(...) Já não me recordo muito bem, mas nesse dia de Natal ou no dia a seguir, alguns de nós - talvez uns quatro ou cinco - decidimos carpir as nossas mágoas com alguém que estivesse noutras paragens, e do mar nos quisemos servir como meio de comunicação. Vai daí, lançámos ao mar algumas garrafas com as mais variadas mensagens. A minha era tão só um cartão de visita, no qual acrescentei o SPM do Batalhão ou do local para onde íamos (Mansoa).

O tempo foi passando e a guerra também. E surpresa das surpresas. Em finais de Janeiro de 1972 (um ano e pouco após ter deitado ao mar a garrafa), recebo uma carta proveniente dos Estados Unidos da América, mais concretamente de Milwaukee, datada de 19 de Janeiro desse ano e assinada por uma Senhora de nome Lillian Drake, dando-me conta de ter encontrado a garrafa com o meu cartão. (...)



3 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2025: O cruzeiro das nossas vidas (7): Viagem até Bolama com direito a escalas em Leixões, Mindelo e Praia (Henrique Matos)


(...) Penso que, tal como tantos outros que partiam com a “alma a sangrar” mas em navios cheios de militares, tive sorte com a viagem para a Guiné. Em pleno verão, 10 de Agosto de 1966, com mar chão, saiu de Lisboa o “Rita Maria”, navio misto de carga e passageiros, que nesta viagem levava poucos militares sendo a maioria dos passageiros civis, nomeadamente estudantes, com destino a Cabo Verde. Ainda foi a Leixões só para meter carga, depois Mindelo e Praia com paragens curtas e finalmente Bissau. (...)


13 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2044: O cruzeiro das nossas vidas (8): Porto de Lisboa, Cais de Alcântara (Luís Graça)

(...) Foi daqui que todos partimos (...) . Todos ou quase todos (os das ilhas adjacentes, partiam do Funchal ou de Ponta Delgad). Vocês ainda se lembram ? A Administração do Porto de Lisboa comemora 100 anos. No vídeo (promocional) O Porto de Lisboa há uma escassa referência ao passado. Mas não se pode ignorar ou escamotear os anos de brasa da guerra colonial... Há uma odisseia, há quase um milhão de homens a partir e a chegar. E depois de 1974, há mais meio milhão de homens, mulheres e crianças que retorna de África, com os seus parcos haveres. Por ar e por mar. Uma formidável muralha de contentores irá separar Lisboa e o Tejo, irá cortar o contacto visual dos lisboetas com o seu rio... Passei há tempos por lá... Muita coisa mudou... O edifício, arquitectura do Estado Novo, é o mesmo... As infraestruturas portuárias e toda a envolvente é que mudaram... Hoje é um pomposo terminal de cruzeiros de luxo, por onde passam os maiores navios do mundo, como o Queen Mary II... Sentimentos contraditórios assaltam-nos quando voltamos ao passado.(...)



15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2050: Cruzeiro das nossas vidas (9): Do Funchal para Bissau no Ana Mafalda (Carlos Vinhal)

(...) Entretanto o tempo foi passando, e no dia de saída para a Guiné, 13 de Abril de 1970, já a bordo do navio “Ana Mafalda”, o sargento Rita veio ter comigo e com o Carneiro para nos dizer que não precisávamos de procurar alojamento a bordo, pois iríamos no camarote deles que tinha quatro beliches.

Ficámos contentes, pois ficaríamos mais bem instalados que os restantes camaradas furriéis. Os camarotes dos oficiais e, dos sargentos do quadro, eram no casario superior do navio enquanto que os furriéis iam nos camarotes do casco, junto à linha de água. Já agora, diga-se que os soldados e cabos iam nos porões, instalados de qualquer maneira. Para piorar a situação, o navio já trazia dos Açores uma Companhia açoriana com o mesmo destino que o nosso, a Guiné. (...)



13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)

(...) O Velho Niassa... Foi este o navio que nos transportou à Guiné, e também de regresso a Portugal. Antes tinha sido um cargueiro, farto de cruzar oceanos, tal como o Uije, o Alfredo da Silva e outros. Foi no inicio da guerra colonial adaptado ao transporte de tropas. (...) Além dos enjoos e das noites mal dormidas a bordo, recordamos também que tinha uma agradável sala de jantar, destinada apenas a oficiais e sargentos. Já do alojamento para os soldados o mesmo não se pode dizer, em todos os cantos do porão tinham sido improvisados dormitórios, as condições eram deploráveis. A comida era razoável, no entanto a sopa, embora fosse a mesma todos os dias, no menu tinha todos os dias um nome diferente... O bar onde se bebia whisky, cerveja e se jogava à lerpa, dispunha de um pequeno conjunto musical que à meia tarde tocava sempre os mesmos trechos musicais, enfim o seu repertório não era muito vasto (...).

21 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3338: O cruzeiro das nossas vidas (11): Viagem para a Guiné em época de Carnaval (Jorge Picado)

(...) Uma vez que o embarque era na segunda-feira de Carnaval, dia 9 de Fevereiro de 1970, tive de abalar para Lisboa no dia anterior onde pernoitei. As despedidas ocorreram no almoço desse domingo em minha casa onde reuni toda a Família mais chegada. Afinal, ainda que não manifestássemos, não sabíamos se voltava-mos a rever-nos.

Chegada a hora e depois de todos fazerem das tripas coração como se costuma dizer, para não haver fracos, meti-me no carro dum tio de minha mulher (que por ironia do destino até fazia parte do colégio que elegia então o Presidente da República... por isso vejam lá com que prazer ele levaria o sobrinho que ia defender aquilo em que ele acreditava!!!), juntamente com o meu sogro e os meus 2 rapazes de 6 e 5 anos (já que o de 2 anos ainda era muito novo) e abalámos para Lisboa. (...)


23 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3345: O cruzeiro das nossas vidas (12): Uíge, 5 de Fevereiro de 1969, destino Guiné (António Varela)

(...) No dia 5 de Fevereiro de 1969, depois das despedidas da família e do desfile militar, fui ainda contemplado pelo Movimento Nacional Feminino com um livrinho sobre a Guiné, uma imagem religiosa e um maço de tabaco (Três Vintes). O cais da Rocha de Conde de Óbidos estava apinhado de gente para o último adeus, emocionado.

O navio que me transportou e ao BART 2865 foi o Uíge, fomos colocados oficiais e sargentos nos camarotes e os soldados no porão. Com o navio todo inclinado para o lado do cais, num último adeus sentido, com muitos lenços brancos a acenarem para os filhos, maridos, irmãos, namorados, que se afastavam agora a caminho do mar largo, com destino à Guiné. (...)


15 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3894: O cruzeiro das nossas vidas (13): S.O.S., fogo a bordo do Carvalho Araújo (Luís F. Moreira)

(...) Dia 25 de Novembro de 1970, cerca das 10.00 horas, tudo a postos para embarcar mais uma carga para a Guiné. Todas as cerimónias habituais, ninguém ligou nada. Portaló colocado ao navio e começaram a entrar os militares que pertenciam às Companhias, em seguida aqueles que iam em rendição individual, (era o meu caso), e quando toda a gente pensava que íamos seguir viagem, começaram a chegar carrinhas militares, mas celulares.

Imediatamente surgiu um boato, constava que tinha havido distúrbios a bordo e que os tropas envolvidos já não iam seguir connosco, mas iriam presos. Passado algum tempo tudo se clarificava, as carrinhas começaram a encostar ao navio e a descarregar os presos que transportavam, eram militares que iam de facto para a Guiné de castigo e com a indicação de serem colocados em locais de maior porrada. (...)


10 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5248: O cruzeiro das nossas vidas (14): Queremos o Uíge (António Dias)

(...) A grande maioria de nós viajou para as Áfricas de barco. Durante 2 anos (menos os 2 meses de férias) ouvi os meus camaradas soldados (a sonhar/dormir) - "QUERO O UÍGE"! Em especial nos destacamentos pois era ali que estava mais perto deles naquelas noites tropicais.

Ainda tenho o folheto da "Última Ceia" no Uíge a caminho da Guiné para os que viajaram em 1.ª classe, gostarei de partilhar com aquele pessoal. (...)

24 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5703: O cruzeiro das nossas vidas (15): O dia do embarque (José Marques Ferreira)

(...) E lá entrei no barco, qual carga de gado vivo, que se chamava «Sofala». Como era preciso cumprir as ordens de Salazar (porra, sempre este nome a vir à baila, quando falamos da nossa juventude toda ela passada sob o síndrome da guerra colonial), que dizia «rápido e em força». Nem que fosse preciso tratar as pessoas como meros animais, que entravam num cargueiro sem condições para transportar o que quer que fosse, quanto mais pessoas!!! Ele eram porões e mais porões, num cargueiro enorme, “carregado” de milhares de homens uniformizados militarmente, qual quantidade enorme de carne para canhão, ali metidos, tendo ainda, por baixo desses porões, uma quantidade enorme de outros soldados com viaturas, armamento, máquinas e munições… muitas munições. (...)

29 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6274: O cruzeiro das nossas vidas (16): Uma viagem calma no Carvalho Araújo a caminho da Guiné (António Tavares)

(...) Ao meio-dia de 24.04.70 e após o terceiro apito arrastado, o mais longo dos anteriores, zarpou o “paquete” Carvalho de Araújo, adornado a estibordo, com o BCaç 2912 e alguns tropas individuais a bordo, num total de 500/600 militares.

À medida que o barco se aproximava da barra os choros e gritos lancinantes dos familiares, na Gare Marítima de Alcântara, iam sendo inaudíveis. Fomos almoçar, a comida era razoável… nunca tinha comido tanta marmelada e queijo à sobremesa como naqueles dias... ainda era a doçura do mel… o fel viria dias depois! (...)


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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 8 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10910: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (1): A separação e a partida

Guiné 63/74 - P10911: Do Ninho D'Águia até África (42): O Cifra encontra um inimigo (Tony Borié)

1. Quadragésimo segundo episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA (42)


O Cifra, quando da sua instrução básica, num quartel da província, e ainda se chamava Tó d’Agar, no seu último dia de instrução já tinha guia de marcha para se deslocar, ao outro dia, para um quartel nos arredores da capital, mas nessa última noite passada nesse quartel, na formatura do recolher, um militar, primeiro cabo, que já fazia de sargento de dia, pois estava à espera de promoção a furriel, tinha umas divisas parecidas com as de furriel miliciano, mas não era miliciano, era um primeiro cabo, que devia ter assistido a um curso, que lhe daria a promoção ao posto imediato, fez de todos os militares presentes no quartel, nessa formatura de recolher, “gato e sapato”, como se costuma dizer.


Mandava pôr em sentido, chamava pelo número e vinha ver se era a pessoa, pedindo a identificação, enfrentava-a com cara de mau, mas ridícula, pois fazia rir a pessoa com quem falava, depois dava uma volta em seu redor, revistava o cabelo, a barba, a farda, os emblemas limpos, as botas engraxadas e depois passava um raspanete agressivo, mesmo sem motivo.
Isto tudo na parada e numa formatura de recolher, portanto à noite, prolongando-a por mais de uma hora, pois fazia os militares ficarem em sentido, às vezes por cinco minutos. Às tantas, alguns mais atrevidos, começaram a mandar “bocas”, como por exemplo, “queres promoção”, “cabrão”, “lateiro”, “toma lá disto”, “filho da p...”, e mais uns tantos nomes que envergonhavam qualquer um. Falavam de uma ponta da formação, e quando ele corria a ver quem era, logo outro chamava da outra ponta, fazendo rir toda a formatura. O homem queria mandar, tinha mesmo sede de mandar, e com os seus excessos, tornou-se ridículo. Talvez tivesse sido treinado para isso.

O tempo passou, e estando o Cifra sentado no patamar de cimento, em frente ao centro cripto, no aquartelamento de Mansoa, a olhar o horizonte, a pensar na sua aldeia em Portugal, esperando que alguma mensagem viesse do centro de transmissões, ouve um barulho. Levanta os olhos e vê chegar umas tantas viaturas com tropas novas. Levanta-se, fecha a porta do centro cripto e vai ver se vinha alguém da sua zona em Portugal, dando de repente de caras com o tal primeiro cabo, que só era mesmo primeiro cabo.

Primeiro, olhou bem, sim era ele, pois usava óculos graduados, depois fez tal e qual como ele lhe fez na parada do tal quartel na província em Portugal, deu uma volta em seu redor, e depois certificando-se que era a mesma pessoa, e vendo as divisas de, só, primeiro cabo, disse-lhe, tirando o cigarro três vintes da boca:
- O que é que passou? Eras comandante.

O homem, não perdendo a compostura, encara o Cifra, e pergunta:
- De que é que o nosso cabo, está a falar?
- Olha, de uma noite miserável que me fizeste passar num quartel da província, em Portugal.

Ele, então baixa um pouco os olhos, e diz:
- Eu sei, não és só tu que me tem dito isso, fui treinado e instruído para isso, e essa noite era uma das provas da minha promoção, não fui muito feliz e castigaram-me, não me promoveram, e tenho sorte em ser primeiro cabo, porque depois disso já fui castigado outra vez, por assuntos que não gosto de lembrar. Agora estou aqui, com estas divisas, e tenho que provar mais alguma coisa. Olha, por favor ajuda-me, onde posso beber água? Isto aqui é difícil? Onde é que vamos dormir?

O Cifra não sabia onde é que iam dormir, mas guiou-o o melhor que pôde, e também lhe disse que não tinha que provar nada, tinha mas era que tentar sobreviver e deu-lhe todo o apoio que era possível durante o tempo em que esteve em Mansoa. Também lhe explicou que às vezes, depois da hora do recolher, os guerrilheiros costumavam dar tiros e atacar o aquartelamento com granadas de morteiro, e que nessa altura estávamos todos unidos para nos proteger, pelo que não havia recolher nenhum. Desejou-lhe a maior sorte do mundo, pois foi para uma zona de combate, como tantos outros.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10900: Do Ninho D'Águia até África (41): Outra vez, a menina Teresa (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P10910: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (1): A separação e a partida





1. Tudo começou no final do ano passado, com a receção, na caixa de correio da nossa Tabanca Grande, de mensagem, datada de 4 de dezembro, com a assinatura do nosso querido amigo e camarada Manuel Joaquim, hoje professor do ensino básisco reformado e ex-fur mil ap armas pesadas inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (*).

Essa mensagem já foi aqui reproduzida (**), bem como a nossa resposta, entusiástica, acolhendo a ideia de se publicar uma seleção das "cartas de amor e guerra"  do nosso Manel e da sua amada... Ao longo do mês fomos trocando ideias e afinando o modelo... Aqui vai a resposta do Manel, na mesma data, 4/12/2012:

Olá Luís, muito boa tarde! Estou a ouvir, em repetição, o 1º andamento da sinfonia nº 6 de Mahler, "vivendo" diversas interpretações e regências orquestrais. "Saí" do Haitink com a Orq. Sinf. Chicago, agora passa Berstein com a O.Sinf.Viena.

Nem de propósito: amor e guerra. As "cartas" de Gustav Mahler são as partituras que deixou. As quais, 100 anos depois da sua morte são minha companhia imprescindível. A esposa de Mahler, Alma Schindler, disse que este 1º andamento tinha sido inspirado na vida do casal, e que o seu doce 2º tema musical a representa.

Esta sinfonia é para mim como que catártica, nela perpassam os momentos felizes e trágicos da vida, as pulsões do amor, da guerra e da morte. É conhecida como "trágica" mas Mahler nunca a "batizou". Adoro a música de Gustav Mahler. Gosto tanto de Mahler que ainda ontem não resisti a rever (no Youtube.) o filme "Mahler" (1974), um trabalho sofrível e "folclórico" de Ken Russel que vi na altura da estreia, julgo que no Tivoli. Fraco filme que no entanto me escancarou as portas da música de Mahler.


Quanto à nossa correspondência de guerra (minha e da minha esposa Deonilde) vale o que vale, pouco com certeza para outros que não nós, os dois protagonistas. Não posso ceder os originais porque as minhas filhas não deixam! Tenho é algumas cartas (poucas) de outras correspondentes que posso mais tarde ceder. A quase totalidade desta correspondência por mim recebida na Guiné (muita) foi eliminada quando casei! Hoje tenho pena de o ter feito mas naquela altura não quis correr riscos de poderem surgir malentendidos, "nunca se sabe o que se passa na cabeça das mulheres!".

Concordo contigo. Quanto de diferente seria a História se não se tivessem perdido os chamados documentos pessoais dos seus intervenientes!

Voltando ao assunto, vou cumprir a minha promessa, irei enviando conforme for completando as transcrições. Penso numa coisa: não ficará "massuda" a sua publicação sem que os textos sejam acompanhados por elementos "decorativos", por ex. imagens?

Vou pensar nisso e sempre que tiver à mão fotos ou outras imagens que ache poderem complementar os textos, mandarei. Depois os meus queridos editores decidirão da justeza, ou não, da sua publicação.
E pronto. Eu cá continuo com a 6ª do Mahler, deixei passar para além do 1º andamento, tem 1h 26m de apaixonante música que me acompanhou nesta redação.

Um grande abraço, querido amigo, cá do
Manel


2. O editores e o Manel trocaram várias mensagens até se chegar ao seguinte consenso: o Manuel Joaquim, que tem cerca de 175 cartas escritas por ele e a sua amada, durante a comissão de serviço militar no TO da Guiné, será o editor da série "Cartas de amor e guerra". Aqui vai mais uma mensagem do editor L.G.,  de 14/12/2012:

Manuel: És um homem superiormente inteligente e, mais do que isso, sábio... As tuas cartas conterão, seguramente, dados sensíveis. Terás que te proteger, a ti e ao amor da tua vida... Há coisas, episódios, pensamentos, desejos, pequenos segredos, etc,. que não vais querer partilhar na caserna e na parada...

O teu gesto - partilhar a tua correspondência íntima - é de uma grande nobreza, e eu espero que seja recebido com apreço e gratidão por todos os leitores do blogue (só este ano, vamos ultrapassar o milhão e 200 mil visitas!). É um serviço que prestas à Pátria, a tua terra, aos teus filhos e netos, aos teus camaradas, ao tempo e ao lugar em que nos coube nascer. Poucos de nós terão um acervo tão rico como o teu, em matéria de correspondência íntima, ao fim deste século!... Além disso, eras professor, já trabalhavas, tinhas namorada, tinhas outra maturidade que muitos não tinham quando foram para a tropa (, nomeadamente os milicianos).

Em suma, faz todo o sentido a nossa proposta: tu é que vais ser o editor da tua série "Cartas de amor e guerra" (título provisório)... Talvez que um dia se justifique até a sua publicação em livro...As filhas do António Lobo Antunes fizeram.no, depois da morte da mãe (que tinha os aerogramas todos guardados do marido, e agora escritor famoso)... Não sei se conheces o livro: limita-se a reproduzir na íntegra, sem rasuras nem censuras, todas as cartas mandadas pelo ALA à esposa recém casada... Mas aqui, para além do gesto de amor filial, havia também a uma "estratégia de marketing"...

No blogue, publicares as cartas todas na íntegra, a seco, seria uma "seca"... tens que selecionar o que achares de interesse geral, para os nossos leitores, e para ti... No fundo, as cartas são parte da tua história de vida, e da relação com a tua mulher...Há coisas, nas entrelinhas, que só tu podes explicar. Por certo, que não contavas tudo, de maneira explicita, nomeadamente coisas do foro militar (operações, etc.). Tens a agora a oportunidade de enriquecer esse material epistolar com pequenas introduções e notas...A ordem cronológica parece-me bem, embora às vezes os assuntos possam ser interligados: o natal no 1º ano, o natal do 2º ano... Tens toda a liberdade para organizar os postes... Convirá é manter uma certa regularidade, no mínimo semanal (...).

Bom, entende isto como sugestões apenas. Tens muitos graus de liberdade... Um xicoração meu e dos coeditiores. Um alegre Natal para ti e toda a família. Mantenhas para o Zé Manel. Um beijinho para as tuas queridas mulheres (que eu conheci em Monte Real). Luis Graça.


4. Com mensagem de 4 do corrente, enviada pelo Manel, ficávamos com a certeza de que a série "Cartas de Amor e Guerra" iria arrancar cno início do ano da graça de 2013, e que viria a ser muito bem recebida por todos os nossos amigos e camaradas da Guiné:

Meus caros Luís, Carlos e Eduardo:

Junto envio o que poderá ser o primeiro poste da minha possível série  "Cartas de amor e guerra".

A minha primeira ideia, que vos comuniquei, foi a de vos entregar todo o meu acervo de correspondência do meu tempo de guerra (são à volta de 180 cartas) a fim de poder ser publicado no blogue seguindo o vosso critério de escolha sobre o que publicar.

Na sequência da troca de ideias vi que tal ideia, por motivos editoriais e até pessoais (meus), não tinha pernas para andar, "o que é demais parece mal!". E assim, se o projeto for avante, irei paulatinamente compondo os postes com excertos das minhas cartas de guerra. Por princípio seguirei a ordem cronológica pelo que estou a enviar o 1º trabalho tendo como base as duas primeiras cartas.

Prevejo compor cerca de uma dezena de postes", quer dizer, poderia fazer muitos mais mas temo que não seja, editorialmente, uma boa ideia.

Sou de opinião de que toda a correspondência de guerra é importante, qualquer que seja o seu tipo e a sua qualidade e muito mais o será conforme o tempo vá passando e a memória viva dos seus intervenientes se vá apagando. Será sempre um contributo importante para, no futuro, se formar uma mais correta visão histórica sobre os factos.

Aguardo a vossa opinião, se for caso disso, sobre este assunto. O tema deste 1º trabalho é simples de tratar , é universal, nunca traz novidades, é o momento da despedida de dois seres que se amam e que partem separados para um futuro incerto onde, sobre as suas cabeças, pairam as sombras do sacrifício e da morte. (...)



CARTAS DE AMOR E DE GUERRA (Manuel Joaquim) (1):  A separação e a partida






Imagem de excertos dos originais da 1ª carta de cada um dos namorados, escrita após o meu embarque.



Foto nº 1 > Lisboa, 31/07/1965 >  Num cais do Tejo, a dolorosa despedida. O “Niassa” prepara-se para partir, carregando dois batalhões com destino à Guiné (BCaç  1856 e BCaç 1857).


Lisboa, 31/VII/1965

Meu amor:

Quando nas horas mais amargas, de maior dor, de desespero, as forças te abandonarem, chama por mim, recorda os belos tempos que passámos e os muitos momentos felizes que nos esperam e sentir-te-ás mais forte, capaz de vencer os maiores sacrifícios (…).

Nunca estarás só, meu querido. Eu espero-te, (…), certa de que hás-de regressar. (...) Vive, querido, na certeza de que ao regressares me encontrarás, (…). A dor da partida será sobejamente compensada pela alegria, pela felicidade do regresso.

A nossa separação, com a tua partida, é mais uma prova com que o destino quer presentear o nosso Amor. Mas ele é bastante forte, está bem alicerçado para resistir, para sair ileso dessa prova. A dor torna mais fortes, mais indissolúveis os laços que nos unem (…).

(…) Minha jóia, feliz viagem e feliz regresso. (…). A sempre tua, N.





Foto nº 2 > Lisboa, 31/07/1965 > A ponte sobre o Tejo começava a tomar forma. Uma imagem que também nos marcou a partida, seguramente.

Estas fotos (1 e 2) são de António da Silva Pinheiro, sold da CCaç 1419, e foran retiradas, com a devida vénia,  da página do Facebook “Guerra Colonial Portuguesa 1961-1974”.


A bordo do paquete Niassa, 1/Agosto/65

“A viagem tem corrido da melhor maneira, meu amor. Aparte ainda a forte e angustiante impressão da despedida de ontem, conservo-me relativamente bem disposto. A vida a bordo é boa, somos bem tratados e o ambiente proporciona bons momentos de distracção.

Aqui estou contigo, pesaroso na distância, feliz na certeza do nosso amor. E eu confio no meu regresso. (…). E daqui a dois anos estarei livre de tudo isto.

Há algo que me preocupa acima de qualquer dificuldade: a minha Mãe. Ontem foi mais um sentimento de dor que me envolveu do que de saudade, ao vê-la, completamente esgotada, chorando-me. Espero que ela se acalme, que se conforme e que tenha forças para aguentar tudo isto (…). (…) mas a saúde dela preocupa-me.

Minha querida N. (…) espero que leves a vida normalmente, (…) confiante (…). Vão ser dois anos um pouco difíceis de passar mas tornar-se-ão mais difíceis ou mais fáceis conforme nós nos interessarmos pela correspondência. E, penso, como já estamos acostumados a este modo de contactar (…) não há problema de maior, a não ser talvez evitar a saturação. Esta, se aparecer não é para estranhar. O que interessará, no momento, é vencermos essa saturação. Eu prometo-te, minha querida, escrever-te o mais frequentemente possível. (…).

(…)teu M.




Foto nº 3 > Viagem Lisboa / Bissau > N/M Niassa  Lisboa, 6 de julho de 1973 > "Recordação do Niassa: "Adeus terras da Metrópole / Que eu vou p'ró Ultramar / Não me chorem, mas alegrem-se / Que eu hei-de regressar"... Postal que se vendia a bordo. Imagem: fonte desconhecida.

De qualquer modo, o Niassa, oito anos depois desta carta ter sido escrita, lá continuava na mesma tarefa, o transporte de tropas.




Foto nº 4 > O “Niassa” todo bonitinho em 1978, arranjadinho e pintadinho de azul. (Imagem retirada, com a devida vémia,  do blogue “TóZé Silva, Crónicas dum Tempo” > 14 de julho de 2009 > Os (nossos) antigos senhores dos oceanos


Nota sobre o navio Niassa (MJ):

O “Niassa” (1955-1979) pertencia à frota da Companhia Nacional de Navegação (CNN) e, por portaria governamental de 4 de março de 1961, foi o primeiro navio de passageiros a ser afretado como transporte de tropas e de material de guerra para o Ultramar. [A primeira viagem do Niassa, nesta nova função, foi quatro dias depois, a 8 de março de 1961, o transporte de um contingente de 1355 militares para a Índia, onde ficariam todos prisioneiros no final desse ano...LG]

Acabada a guerra colonial, o navio foi alvo de trabalhos de conservação e restauro e, “todo bonitinho”, voltou à actividade para a qual tinha sido construído mas esteve pouco tempo ao serviço da CNN. Foi abatido ao efetivo da frota em 1979.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de agosto de 2009 >  Guiné 63/74 - P4774: Tabanca Grande (167): Manuel Joaquim, ex-Fur Mil Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissorã e Mansabá (1965/67)

(...) Fui professor do ensino básico (Escola Gago Coutinho/Amadora) e director da Escola Profissional de Recuperação do Património/Sintra. Estou aposentado e perto dos 68 anos (1/9). Sou sócio da "Ajuda Amiga-Associação de Solidariedade e de Apoio ao Desenvolvimento", muito ligada à Guiné. (...)

(**) Vd. poste de 5 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10763: As mulheres que, afinal, foram à guerra (19): O que fazer com a nossa correspondência, estimada em mais de 300 milhões de aerogramas e cartas, enviados e recebidos ao longo da guerra do ultramar ? (Manuel Joaquim / Luís Graça / Alice Carneiro)


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10909: Blogpoesia (315): Em louvor da CART 566 (Bissau, Bissorã, Olossato e Bissorã, jul 64/ out 65) (Viçoso Caetano)






Guiné > Região do Oio > Morés > 3 de maio de 1965 > Armamento capturado ao PAIGC no decurso da Op Irã. Esta operação foi realizada pelo BART 733 (Bissau e Farim, out 64/ago 66), e envolveu as subunidades orgâncias CART 730 (Bironque, Bissorã, Jumbembem, Farim, out 64/ ago 66) e CART 732 (Saliquinhedim, Mansoa, Cuntima, Bissau, out 64/ ago 66) e bem como a independente  CART 566 (Bissau, Bissorã, Olossato, Bissorã, jul 64/ ou 65).

Nesta operação, foram encontradas arrecadações de material com metralhadoras Borsig,  Bren e M52, minas A/C TM-46, granadas de RPG e granadas de mão. O Morés era um dos santuários do PAIGC. Um  dos nossos helis foi atingido pelo fogo do IN, ao descolar com parte do material capturado. (Fonte: Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso - Os anos da guerra colonial, vol. 6: 1965 - Continuar a guerra. Matosinhos: QuidNovi, 2009, p. 32)

Fotos: © António Bastos (2013). Todos os direitos reservados. (Editada e legendada por L.G.)


1. Com a devida vénia, e a competente autorização do "patrão" do blogue Do Mirante, A. João Soares, reproduz-se aqui uns versos, da autoria de Viçoso Caetano, sobre a CART 566 (1964/65).

Nota do editor sobre a CART 566:

(i) Foi mobilizada pelo RAP 2, 
(ii) partiu para o TO da Guiné em 28/7/1964 e regressou a 27/10/1965;
(iii) esteve em Bissau, Bissorã, Olossato, Bissorã;
(iv) Comandante: Cap Art Adriano Albuquerque Nogueira.


CART 566-RAP 2, por Viçoso Caetano

[foto à esquerda, gentileza do blogue de A. João Soares, Do Miradouro]


Dado que fui convidado
Pelo vosso Capitão,
Aqui estou muito honrado
Com tão grande distinção
Que agradeço, penhorado,
Com uma ponta de emoção.

Sou só mais um entre vós
P´ra vos dizer viva voz
Aquilo que bem sabeis
 
–P´ra que sempre recordeis –
Pois que tudo mereceis.

Militares do meu País
 
 (Porque o destino assim quis) –
Vós fostes dele a raiz.
Quando olho e vos contemplo,
Eu vejo em vós o exemplo
Da coragem e valentia
Que no vosso peito ardia
Da 566, Companhia
Da Arma d´Artilharia,
Lá da Serra do Pilar
 
 (Onde se formou um dia) –
Para depois embarcar
Cabo Verde, Ilha do Sal,
E aí se fixar.

Depois outra ordem veio
E lá fostes mar acima
 
 (Contratorpedeiro Lima) –
Arrostando a tempestade
Que vos bateu forte e feio

 – (Mesmo sem dó nem piedade) –
Mas não vos quebrou a Fé
Nem vos esmoreceu a vontade.
 
 (Só angústia de permeio) –
P´ra aportardes finalmente
Sãos e salvos na Guiné.

E aqui foi o Olossato
Onde nunca entrara gente,
Só havia Céu e mato.

“Bravos e Sempre Leais”,
Destes tudo e muito mais
Do que a Pátria vos pedia,
Em actos de heroicidade.
Grandes na simplicidade
Que a qualquer ufanaria,
Mereceis toda a honraria!

Deus sabe que isto é verdade
E na sua majestade
Vos há-de pagar um dia.

P´ra terminar faço um voto
 
 (Que me sai do coração) –
Eivado de nostalgia:
Que Deus guarde o Capitão,
Que Deus guarde a Companhia,
Como eu vou guardar p´ra sempre
A lembrança deste dia.



NOTA [, de A. João Soares]: 

Aqui fica o último poema desta remessa que o Adry me entregou. Espero mais! 

Caro Vic, ao ler estas palavras sentidas de um convidado pelo comandante, senti-me soldado desta Companhia a recordar com os companheiros e suas famílias os melhores momentos de camaradagem e bom convívio. Sim, só esses, porque os momentos de dor e sofrimento próprios dos riscos e perigos que correram,  não são para reviver na memória.

Embora não tenha sido soldado da Cart 566,  agradeço os teus belos contributos para dares brilho a este espaço humilde e discreto.

Fonte: Blogue Do Mirante > 3  de março de 2009 > CART 566-RAP 2, por Viçoso Caetano

Fundador e editor: A. João Soares . (Uma pessoa preocupada com o mal do Mundo que procura melhorar com as suas intervenções pela escrita e por contactos pessoais"). É autor de 12 blogues.

Nota de L. G.: O Viçoso Caetano, poeta de Fornos de Algodres, tem vários poemas publicados no blogue Do Mirante. Foi alf mil em Moçambique.

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Nota do editor:

Último poste da série > 5 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10901: Blogpoesia (314): "Caserna", poema inédito de Armor Pires Mota

Guiné 63/74 - P10908: Tabanca Grande (378): José Sousa Pinto, ex-Alf Mil de Transmissões do BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1971/73

1. Mensagem com data de 3 de Janeiro de 2013 do nosso camarada e novo tertuliano José Sousa Pinto, ex-Alf Mil TRMS (BCAÇ 3863), Teixeira Pinto, 1971/73:

Caros camaradas,
Muitas vezes tenho falado sobre os principais episódios vividos durante o período de Setembro de 1971 a Dezembro de 1973 quer em Bolama no IAO, onde aconteceu um brutal acidente com o nosso Camarada Alferes Rodrigues e mais alguns camaradas do pelotão dele, gravissimamente feridos tendo sido evacuados de imediato para a Metrópole e depois em Teixeira Pinto, onde uma das minhas missões era fazer a ponte entre o BCaç 3863 e o CAOP 1 comandado pelo Sr Coronel Rafael Durão.

Vivi no terreno aquele fatídico dia de futebol (domingo) entre a CCAÇ 16/ Bachile e a CCS em Teixeira Pinto. O Coronel Rafael Durão, quando o informei que um grupo da Companhia 16 se tinha revoltado e vinha a caminho de Teixeira Pinto para libertar os soldados presos por desacatos no final do jogo de futebol, ele avançou sozinho ao encontro dos revoltosos e resolveu “ à maneira dele” a situação e já no regresso da tropa especial do CAOP 1, quando se preparavam para saltar para as viaturas na Ponte Alferes Nunes, aconteceu o terrível desastre com o rebentamento por simpatia, das várias granadas defensivas. Quase ninguém me conseguiu ajudar a recuperar as partes dispersas de alguns corpos desfeitos dos camaradas atingidos. Muitos desmaiavam ao verem o triste cenário macabro.

Gostaria de poder estar presente no próximo encontro do BCAÇ 3863 ou do pessoal do CAOP 1.

Um grande Abraço para todos.
Alferes José Sousa Pinto
Matosinhos


2. Mensagem/resposta enviada no dia 4 ao nosso camarada José Pinto:

Caro camarada José Pinto
Muito obrigado pelo seu contacto, o primeiro ao que suponho. Estou a dar resposta em nome do editor Luís Graça.

Quanto ao seu pedido para estar presente no próximo encontro do BCAÇ 3863, pode contactar o camarada José Romão, ex-Fur Mil da CCAÇ 3461.
[...]
Já agora, ainda em nome do Luís Graça, deixo-lhe o convite para aderir à nossa tertúlia, Tabanca Grande como é conhecido este nosso Blogue de ex-combatentes da Guiné. Basta que nos mande uma foto actual e outra do tempo de combatente, nos diga o seu nome, ex-posto militar, especialidade, unidade em que prestou serviço na Guiné, data de ida e volta, locais por onde andou e tudo o mais que quiser acrescentar para o conhecermos melhor. A jóia a pagar é uma pequena história relacionada com a sua "guerra".

O nosso Blogue destina-se a ser um repositório de memórias, escritas e fotográficas, dos ex-combatentes da Guiné. Do lado esquerdo da nossa página tem tudo o que precisa de saber sobre nós.

Espero as suas notícias.
Receba entretanto um abraço dos editores e a disponibilidade para tirar as dúvidas que se lhe puserem.

O camarada, amigo e vizinho
Carlos Vinhal
(Leça da Palmeira)


3. No dia 5 de Janeiro, recebíamos do nosso novo tertuliano esta mensagem:

Camarada Carlos Vinhal,
Obrigado pelo seu retorno ao meu e.mail enviado ao editor Luís Graça.
Terei muito gosto em fazer uma retrospectiva do meu passado na Guiné de Setembro de 1971 a 24 de Dezembro de 1973 estacionado em Teixeira Pinto.

- Alferes Miliciano de Transmissões integrado no BCAÇ 3863 tendo a responsabilidade das Transmissões do Batalhão e do CAOP 1 comandado pelo então Coronel Pára Rafael Durão.

Para já e para adiantar, vou enviar-vos uma das fotos de que mais me orgulho como Português de que se orgulha, e muito, do seu País, a de Porta- Bandeira de Portugal, na elevação da Vila de Teixeira Pinto a Cidade em 1972, estando presentes na Tribuna de Honra (não se vêem na foto):
- Governador da Província da Guiné - General António de Spínola
- Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas - General Costa Gomes
- Comandante do CAOP 1 / Sector O5 - Coronel Paraquedista Rafael Durão

Teixeira Pinto > Desfile das tropas em parada junto ao aeroporto da  nova Cidade de Teixira Pinto, (hoje Canchungo) - sou o Porta-Bandeira de Portugal.

Vosso camarada
José Sousa Pinto


4. Comentário de CV:

Caro camarada José Sousa Pinto,
Estás formalmente apresentado à tertúlia, és o 596.º elemento da tertúlia.

Analisando as datas em que permaneceste em Teixeira Pinto, cheguei à conclusão de que és contemporâneo de dois dos nossos camaradas que fazem parte desta enorme família. São eles, o ex-Cap Mil Jorge Picado que foi para o CAOP 1 em Abril de 1971 onde permaneceu até 1972, e o ex-Alf Mil António Graça de Abreu que esteve também no CAOP 1, entre Junho de 1972 e Fevereiro de 1973, data em que este Comando foi transferido para Mansoa.

O camarada Graça de Abreu fez um diário em campanha que publicou em livro com o título "Diário da Guiné Lama, Sangue e Água Pura" onde descreve com muito pormenor a sua estadia em Teixeira Pinto Cufar e Mansoa.

O episódio que lembras da revolta do pessoal da CCAÇ 16, em 1 de Fevereiro de 1973, depois do jogo com os camaradas do BCAÇ 3863 e do acidente com o rebentamento de granadas na Ponte Alferes Nunes, vêm descritos nas pág 73 a 75 desse livro.

Informação adicional: Se quiseres aceder aos postes dos camaradas Graça de Abreu e Jorge Picado, clica nos nomes que aparecem de cor diferente.

Antes que me esqueça, como podes verificar a tua foto de porta-bandeira, cumprimento-te pelo porte, não deu para fazer uma foto tipo passe fardado, pelo que te peço que mandes outra onde estejas em plano mais próximo ou uma do cartão, se ainda o tiveres.

Julgo que ficou dito o essencial, esperamos a tua colaboração porque os camaradas mais antigos do blogue esgotaram já as suas memórias e estamos por isso precisados de gente a escrever de novo. Envia também as tuas fotos, sempre acompanhadas das respectivas legendas.

Recebe então um abraço dos teus novos amigos deste Blogue.

Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10886: Tabanca Grande (377): José Lino Padrão de Oliveira, ex-Fur Mil Amanuense da CCS/BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974)

Guiné 63/74 - P10907: Memória dos lugares (203): Xime, o Posto Escolar Militar nº 14 e os seus meninos, entre eles o José Carlos Mussá Biai, hoje engenheiro florestal a viver e a trabalhar em Portugal (Sousa de Castro / Ricardo Teixeira, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)





Guiné >  Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/74) > Meninos do Posto Escolar Militar nº 14.... Recorde-se que este batalhão esteve no TO da Guiné entre 28 de dezembro de 1971 (chegada a Bissau) e 3 de abril de 1974 (regresso). A CART 3494 esteve no Xime até abril de 1973, tendo sido depois transferida para Mansambo. E nessa altura a velhinha e cansada CCAÇ 12 passou a ser guarnecer o Xime como unidade de quadrícula. 

Foto: © Ricardo Teixeira (2013). Todos os direitos reservados. [Foto editada por L.G.]

1. Mensagem que nos chega do nosso camarada Ricardo Teixeira (que vive em França, a avaliar pelo seu endereço de email), através do nosso grã-tabanqueiro º 2, Sousa de Castro. O Teixeira era bazuqueiro, segundo a informação do Sousa de Castro, e fica desde já convidado a integrar a nossa Tabanca Grande, sendo o Sousa de Castro o seu padrinho.
Enviada: domingo, 6 de Janeiro de 2013 19:44
Para: Sousa de Castro
Assunto: Envoi d'un message : Scan0006

Amigo Castro:

Eu li no nosso blogue um comentário, que José Carlos Mussá Biai era natural do Xime. E que foi
aluno do nosso furiel mézinh
o [, fur mil enfermeiro José Luís Carvalhido da Ponte ,] nos anos 1973. Teria 10/11 anos quando nós estavámoos no Xime.

Aqui vai uma foto que eu tirei em frente à escola do Xime com os alunos desse tempo.
Nunca se sabe se ele está aqui nesta foto.

Se isso for verdade, são dois a ficar contentes, ele e eu.

Um abraço, deste amigo Teixeira.

2. Comentário de L.G.;

O feliz reencontro do José Carlos Mussá Biai com a sua infância no Xime (e com os tugas do seu tempo de menino e moço) já aqui foi contada na I Série do nosso blogue... O Sousa de Castro teve agora a gentileza de reproduzir alguns desses postes no seu blogue, no poste P167, de 3 do corrente. E teve a felicidade de ser lido pelo Ricardo Teixeira. Espero bem que o hoje engenheiro florestal J. C. Mussá Biai, a viver e a trabalhar em Portugal, se reconheça nesta foto. E que nos mande notícias.

De tempos a tempos falo, ao telefone, com o J. C. Mussá Biai (e já nos encontrámos pessoalmente, uma vez, no meu local de trabalho). Ele confirmou-me que o furriel miliciano enfermeiro José Luís Carvalhido da Ponte, natural de Viana do Castelo, foi alguém especial na sua vida e na vida dos outros meninos do Xime. Foi seu professor primário na única escola que lá havia, a PEM (Posto Escolar Militar) nº 14. O Mussá Biai também teve como professor, depois da CART 3494 ter ido para Mansambo,em anril de 1973, o furriel Osório, da CCAÇ 12, que dava aulas no Posto Escolar Militar nº 14, juntamente com a esposa.

Pergunta: O que é feito destas crianças que aprenderam a língua de Camões com os nossos camaradas Carvalhido da Ponte e Osório ? A história do José Carlos emocionouu-nos a todos e eu apontei-o na altura como um exemplo extraordinário de tenacidade, coragem, determinação e nobreza que honra qualquer ser humano, "que nos honra a nós e ao povo da Guiné-Bissau a ele que pertence".

Reproduzo um excerto de unm poste que sobre ele escrevi, em 10 de maio de 2005

(...) Em suma, o menino Mussá Biai fez a sua instrução primária debaixo de fogo. Um dos seus irmãos, o Braima, era guia e picador das NT. Tal como o Seco Camarà que morreu ingloriamente na Operação Abencerragem Candente, no dia 6 de Novembro de 1970, perto da Ponta do Inglês, no regulado Xime. O seu corpo foi resgatado por mim e pelos meus homens. Os restos humanos do mandinga Seco Camará, guia e picador das NT, morto à roquetada, foram transportados pelos meus soldados, fulas, para a sua tabanca do Xime. O José Carlos, embora menino, de sete anos, lembra-se perfeitamente deste trágico episódio em que os tugas do Xime tiveram cinco mortos, além do Seco Camarà.

O seu pai, um homem grande mandinga do Xime, era o líder religioso da comunidade muçulmana local. A família teve problemas depois da independência devida à colaboração com as NT. Depois dos tugas sairem, o José Carlos foi para Bissau fazer o liceu. Tinham-lhe prometido uma bolsa, se trabalhasse dois anos como professor para as novas autoridades da Guiné-Bissau. Ficou cinco anos como professor, até decidir partir para Lisboa e lutar pela obtenção de uma bolsa de estudo. Conseguiu uma, da Fundação Gulbenkian. Matriculou-se no Instituto Superior de Agronomia. Hoje é formado em engenharia florestal. Trabalha e vive em Portugal. Mas nunca mais voltou a encontrar os seus professores do Xime. E é seu desejo fazê-lo". (...)


Em 2005, o José Carlos Mussá Biai trabalhava como técnico superior no Instituto Geográfico Português (IGP), Departamento de Conservação Cadastral (DCC), Rua Artilharia Um, 107, 1099-052 Lisboa,  terlef. 213819600, ext. 310. (Atenção, que o IGP foi extinto e integrado recentemente na Direção-Geral do Território; mas o contacto telefónico continua a ser este, como acabo de confirmar).

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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10868: Memória dos lugares (202): Cacheu, Natal de 1964 (António Bastos)

Guiné 63/74 - P10906: Notas de leitura (447): "Alpoim Calvão, Honra e Dever", por Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna e Abel Melo e Sousa (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Novembro de 2012:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo à recensão sobre o livro dedicado ao comandante Alpoim Calvão.
A obra tem o mérito de compilar com linearidade e sequência histórica o percurso daquele que é o militar mais condecorado da Marinha portuguesa. Como é óbvio, reteve-se aquilo que tem a ver com a sua associação à Guiné, que foi muitíssimo e perdura, na justa medida em que o comandante Calvão, como o livro abona, mantém-se entusiasmado com as suas iniciativas empresariais que ele rotula “Por uma Guiné Melhor”.
O livro aparece bem documentado e, independentemente do lado encomiástico que o atravessa do princípio ao fim, torna-se leitura obrigatória para situar o herói nas suas duas comissões guineenses.

Um abraço do
Mário


“Alpoim Calvão, honra e dever” (2)

Beja Santos

A segunda comissão de Alpoim Calvão na Guiné abarca 1969 e 1970. No início, acumula as responsabilidades na Repartição de Operações Especiais do Comando-Chefe com as de comandante de uma Força Naval no Cacheu. Em Abril de 1969, o comandante-chefe manda reocupar as instalações de Ganturé, na margem direita do rio Cacheu, deixando a operação a cargo do Comando das Forças Navais. No norte da Guiné, as forças de Marinha em operações no Cacheu constituíram uma Força Tarefa, englobando vários tipos de lanchas, dois destacamentos de fuzileiros especiais, entre outros. Calvão é enviado para o rio Cacheu, exerce as funções de comandante desta Força Tarefa.

“Alpoim Calvão, honra e dever”, por Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna e Abel Melo e Sousa (Caminhos Romanos, 2012) conta-se como Calvão fazia pequenas incursões em território onde o inimigo se movimentava com certo à-vontade, acompanhado apenas por três ou quatro fuzileiros: “Numa dessas vezes, saiu durante a noite em patrulha com dois botes. Subiu o curso do rio Cacheu, penetrou por um dos seus numerosos afluentes e de lá, à força de remos e levados pela corrente, chegaram até junto de uma tabanca da população, emboscando-se nas proximidades. Ao nascer do sol, os 8 homens puderam assistir ao acordar de toda aquela gente a viram-nos encaminhar-se para o rio, para se lavarem e tomarem banho, sem suspeitarem sequer que estavam a ser observados. Após algum tempo a vigiá-los, o comandante manda o pequeno grupo a regressar à base. Tinha conseguido o seu objetivo, esta era uma das coisas com que o comandante Calvão mais se comprazia: pegar em jovens e inexperientes oficiais e mostrar-lhes a face da guerra, como ela era na realidade”.

Calvão não se dispensava de desembarcar para acompanhar as operações, isto quando não era muito habitual um oficial superior desembarcar com os seus homens, instalar no terreno uma base de fogo de morteiros e dar cobertura às forças que progrediam na mata com fogo de grande precisão. Os autores referem igualmente movimentações de Calvão por todo o teatro operacional e como estabelece relações com uma figura intrigante, o comerciante Mário Rodrigues Soares, de Pirada. A PIDE suspeita dele, no entanto ele é apresentado a Calvão, dele obtém informações da maior importância sobre o exército senegalês e a localização de bases do PAIGC nas proximidades. O livro regista importantes intervenções de Calvão em operações em Cobiana-Churo e a seguir vemo-lo a desenhar a operação “Nebulosa 1” em que um pequeno grupo de fuzileiros se instala na República da Guiné e destrói uma motora do PAIGC, a “Patrice Lumumba”, uma operação digna de um grande filme de aventuras com os fuzileiros ao assalto com luta corpo a corpo, seguindo-se a denúncia da operação pela República da Guiné-Conacri de um ato classificado como de pirataria. É por essa época que Calvão começa a congeminar a operação de ataque a Conacri, inicialmente com o objetivo de destruir das vedetas do PAIGC e a libertação de 26 prisioneiros portugueses que estavam na prisão de La Montaigne. O ministro do Ultramar dá instruções a Spínola para apoiar a Frente de Libertação da Guiné-Conacri que projetava um golpe de Estado e contava com o apoio de Portugal. Começavam a juntar-se as peças da operação “Mar Verde”, no maior segredo começa a compra de minas na África do Sul e a recolha da rebeldes e opositores de Sékou Touré que irão ser concentrados na ilha de Soga, nos Bijagós. Na fase anterior destes preparativos, Calvão não pára, chega a ir à ilha do Como numa altura em que Spínola andava furioso com o comportamento do DFE 7 que provocara graves desacatos em Bissau. Com tanto ou mais significado que a operação “Nebulosa 1” foi a “Nebulosa 2”, que não se pôde concretizar devido a denso nevoeiro, foi na operação "Gata Brava”, lançada no rio Inxanxe, fronteira da Guiné-Conacri que se abalroou o "Bandim" que foi afundado. Nesta sequência é novamente condecorado. Em 10 de Junho de 1970, no Terreiro do Paço, Calvão é condecorado com o colar da Torre e Espada.

A operação “Mar Verde” está suficientemente relatada e documentada que não se justifica retomar a narrativa aqui exposta. Sabe-se o que aconteceu e as consequências que teve, as muito boas e as muito más. Calvão guardou elementos que iria mais tarde, a partir de Lisboa, procurar desenvolver para infiltrar opositores de Sékou Touré para dar informações. Em finais de Dezembro, considerou-se que Calvão devia partir da Guiné e não ser alvo de atenções nacionais e internacionais. Começa por ser enviado para a Capitania do Porto de Lisboa, recebe depois guia de marcha para o Comando Naval do Continente onde vai chefiar a Divisão de Operações do Estado-Maior, regressar depois a comandante da Polícia Marítima do Porto de Lisboa. É neste período que Calvão forja a ideia de constituir uma rede de informações estratégicas, projeta o “Plano Carpa” (origem de uma rede de informações que tinha como objetivo a República da Guiné e o PAIGC e designada pelo nome de código “Dragão Marinho”) e expõe o projeto ao chefe de Estado-Maior general das Forças Armadas. Logo surgem duas operações, a “Medusa Verde” e a “Furão Curioso”, sempre envolvendo infiltrações em Dakar e os serviços do seu antigo informador na Guiné, Mário Rodrigo Soares. Em Agosto de 1972 o plano “Dragão Marinho” é apresentado ao ministro da Defesa Nacional. Previa instalar uma rede de informações em localidades dos países vizinhos da República da Guiné e previa-se estender a rede a alguns países europeus. Uma das ideias centrais era instalar uma quinta coluna no interior da República da Guiné. Decorrem através de um contacto em Londres iniciativas para contactar Amílcar Cabral, no sentido de preparar o terreno para futuras operações.

São várias as iniciativas de Calvão neste serviço de informações, uma delas foi o desaparecimento no navio panamiano “Esperanza II” que transportava armamento e munições com destino à Frelimo. Calvão mandara colocar uma armadilha a bordo, o desaparecimento está até hoje envolto em mistério. Assim se chega ao 25 de Abril. Calvão irá envolver-se em processos conspirativos, conhecerá o exílio e regressará a Portugal em finais de Março de 1978, apresentando-se na Armada. Seguidamente, o livro “Alpoim Calvão, honra e dever” aborda o drama dos guineenses que combateram à sombra da bandeira portuguesa e que continuam ostracizados e o conjunto de iniciativas em negócios em território da Guiné-Bissau, empregando antigos combatentes, ali passa longas temporadas procurando resolver o problema de transportes de matéria-prima, ampliando um fábrica de caju, nomeadamente em Bolama.

A parte de documentos apensados tem inegável interesse. Para além da panóplia de louvores e das condecorações, temos ali reproduzido um opúsculo de 1966 sobre a doutrina do PAIGC, extratos de uma exposição de Mário Rodrigo Soares enquanto agente duplo, testemunhos sobre a operação “Mar Verde”, a conceção do Plano Carpa, o Plano Dragão Marinho, entre outros.
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Nota de CV:

Vd. poste de 4 de Janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10895: Notas de leitura (446): "Alpoim Calvão, Honra e Dever", por Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna e Abel Melo e Sousa (1) (Mário Beja Santos)

domingo, 6 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10905: O Nosso Livro de Visitas (155): Resposta ao pedido do António Bastos no poste P10630, de 7/11/2012 (José Ribeiro, CART 566, Bissorã e Olossato, 1964/65)







Guiné > Região do Oio > Olossato > Maio de 1965 > CART 566 (Bissorã e Olossato, 1964/65) > Material apreendido ao IN numa grande operação ao Morés, realizada em Maio de 1965, segundo informação do José Ribeiro.

Foto: © António Bastos (2013). Todos os direitos reservados. (Editada e legendada por L.G.)

1. Mensagem de  José Augusto Miranda Ribeiro, com data de cinco do corrente

Assunto - Resposta ao camarada António Silva Bastos do Pel Caç 953

Camarada António Silva Bastos do Pel Caç 953


Li as tuas intervenções sobre uma grande operação a Morés (*). Vi as fotografias em anexo e não reconheci ninguém.

Pertenci  à CART 566, que foi a 1ª companhia que se instalou no Olossato, improvisou um aquartelamento e construiu os abrigos em 1964.

Lembro-me que em Maio de 1965, no início do mês, participámos numa operação a Morés, a qual envolvia 7 companhias, tendo sido, ao logo da noite, detetadas todas as companhias, exceto a CART 566. Um caso de sorte. Na escuridão da noite capturámos um guarda (sentinela) e depois um ronda do lado do inimigo. Foram eles que nos indicaram (voluntariamente ??) a única entrada não armadilhada para aquela grande casa de mato. Foi um bom trabalho.

Mesmo com morteiradas a caírem sobre nós lá fomos entrando. Encontrámos muito material de guerra, e um subterrâneo que era um hospital com diverso material relacionado com a saúde. Foi necessário o helicóptero deslocar-se meia dúzias de vezes para levar o referido material. Nós também carregámos muito material.

Por isso,  meu caro camarada Bastos, foi a CART 566 que estava no Olossato nessa data, mas, que eu me lembre, não nos encontrámos com qualquer outra companhia.

Agora, eu com quase 74 anos, só estou bem sentado à mesa, e a minha barriga vai crescendo, crescendo... É preciso ter boa disposição, saúde e paz, porque a Guerra Colonial já acabou.

Um abraço do teu camarada que desde já te considera um amigo.

Um abraço.
JRibeiro (José Augusto Miranda Ribeiro)

2. Comentário de L.G.:

Camarada J. Ribeiro: Costumamos dizer, sem ironia, que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!... Porque é mesmo verdade: repara como o pedido do António Bastos, há quase dois meses atrás, acabou de ter uma feliz resposta por parte de um camarada da CART 566, de seu nome completo José Augusto Miranda Ribeiro, de 73 anos, e que eu convido deste já a integrar, de pleno direito, o nosso blogue... Para tal, basta-nos mandares as duas fotos da praxe, uma antiga e outra atual.

Camaradas com a tua veterania ainda são poucos, a escrever no nosso blogue. A idade não é desculpa, muito menos a barriguinha. Junta-te a nós, até porque não temos até agora nenhum ilustre representante da CART 566. Fala-nos da tua unidade e da vossa atividade operacional na região do Oio. Manda-nos fotos (digitalizadas) do tei álbum. Partilha connosco as tuas memórias. Um bom ano igualmente para ti. (**)
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Notas do editor:


(...) As fotos foram-me dadas em 1965 em Jumbembem por companheiros da CArt 730, e disseram-me que eram de uma operação que foi feita em Morés em 1964 com a Companhia do Olossato e a 730. Será que haverá alguém da nossa Tabanca que estivesse na dita operação, ou até, quem sabe, esteja nas fotos? (...)

(**) Último poste da série > 30 de dezembro de 2012> Guiné 63/74 - P10881: O nosso livro de visitas (154): Joaquim Nunes Sequeira, ex-combatente da Guiné

Guiné 63/74 - P10904: História da CCAÇ 2679 (58): Fisicamente recuperado (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 4 de Janeiro de 2013:

Bom dia Carlos,
Acabo de regressar de umas mini-férias no Alentejo profundo, de um local a 2Km da aldeia mais próxima, servido por uma picada sem minas, sem água da rede, sem rede para o telemóvel, mas com diferentes tipos de passarada que me proporcionam alvores de diferentes chilreios, e regresso farto de amanhar ervas, de compor o nível da entrada para que o carro não tropeçasse no batente do portão, de apanhar umas tângeras de muito bom paladar, de me sentar com vacas e ovelhas nos terrenos verdes e ondulados, enfim, venho bucólico.

Contra isso, para me adaptar depressa à guerra da cidade, hoje envio novo fragmento sobre a História da 2679, desta vez dedicado ao nosso ilustre camarada Hélder V. de Sousa, não porque contenha muitos pontapés nos cuzes, a acção violenta que ele tanto aprecia, mas porque retrata cenas caricatas, condicionadas por tensões de ordem amorosa e ruptura do dever de camaradagem. Nada que não tivesse tido a solução adequada e afectasse as relações no Foxtrot, pois ainda este Natal recebi uma mensagem de um dos intervenientes (infelizmente, o outro, há anos que nos deixou) e falei com ele ao telefone.

Para ti, e para o Tabancal, com renovados votos de bom Ano Novo, envio um grande abraço
JD

Vista aérea de Bajocunda 
Foto ©: Amílcar Ventura


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (58)

Fisicamente recuperado

No regresso de Bissau onde dei baixa ao hospital e passei vinte e seis dias em tratamento, fui logo informado com alguma insolência, que o pelotão abandonara Tabassai, a aldeia onde fora colocado em auto-gestão durante aquele período. Ouvi e fui averiguar junto de alguns Foxtrot, sobre a veracidade e razões para o que teria acontecido. Fiquei a saber que o pessoal recebia as refeições naquela tabanca, por deslocação de uma viatura, diariamente, com os alimentos confeccionados.

Durante os primeiros dias, pouco depois das doze horas a comida chegava à tabanca. Ao anoitecer, com o reforço chegava o jantar. Mas começaram os atrasos com a chegada do almoço, e o pessoal protestava com recados, ora transmitidos aos condutores, ora transmitidos aos comandantes das escoltas e do pessoal dos reforços. Aquelas reclamações, porém, não mereceram especial atenção, e os almoços continuavam a ser disponibilizados já pelo entrar da tarde, pouco antes da chegada do jantar, chegando ao ponto de quase jantarem sem acabar a digestão dos "almoços".

Como diz o povo, a cantarinha vai tantas vezes ao poço, que um dia parte. E foi o caso: a canteirinha, ou seja, a paciência do pessoal esgotou-se com a manifesta situação de desprezo a que estavam votados. Um belo dia tomaram a decisão, e todos os elementos rumaram a Bajocunda pelo meio-dia para tomarem a refeição a horas normais no refeitório. Foi um banzé. Toda a gente quis assistir à querela que se estabeleceu entre o Trapinhos, provavelmente apoiado por outros quadros, e o Foxtrot que não vacilou na defesa das suas razões. Ainda perguntei se tinha havido alguma punição, mas não, não tinha havido, apenas ameaças disto e daquilo. O pessoal ainda reafirmou a sua disposição para repetir a atitude, se a façanha de servir o almoço a horas tardias voltasse a repetir-se. Mais tarde o Morais foi deslocado para Tabassai onde permaneceu a exercer o comando.

Não achei razões para qualquer reprimenda, e como a coisa tinha tido um final feliz, nem percebi a insinuação que me fizeram sobre a indisciplina que alguém atribuiu reincidentemente ao pelotão, que, aliás, devia ser contraposta à indisciplina e à falta de solidariedade de quem tinha a responsabilidade sobre a preservação de um ambiente harmonioso na companhia. Logo referi que apoiava a atitude do Foxtrot, e deixava o recado de que quem quer ser respeitado, também tem obrigação de respeitar. Ficou assim. Recentemente o Morais disse-me que não teve qualquer problema enquanto esteve com o meu pelotão. Naturalmente, o Morais foi sempre uma simpatia, ponderado e competente.

Algum tempo mais tarde estavam os diferentes pelotões a alternar uma semana em Tabassai, mas com autonomia para cozinhar numa panela improvisada de meio tambor de gasolina. Para ali foi deslocado um cozinheiro, e os artigos de despensa necessários. Os dias corriam numa pacata modorra, e à noite chegava uma secção de reforço. A minha actuação era no sentido de alterar na distribuição de tarefas, com vista a contrariar as rotinas. Um belo dia destaquei dois elementos para a orla da mata, na estrada para Pirada, onde deviam observar os movimentos de pessoas e o que transportavam. Quando o almoço foi servido pelo cozinheiro, cada um atacava o respectivo "tacho". Eu apresentei-me mais tarde e perguntei se aqueles dois vigilantes já tinham comido. O cozinheiro levou as mãos à cabeça pois tinha-se esquecido deles e já não havia nada preparado. Mas à sombra de uma árvore estavam dois pratos cheios. Aliás, todos tinham comido substancialmente. Eram os pratos de dois outros elementos.

Mandei chamar os vigilantes, e disse ao cozinheiro para dividir aquela comida e a que me estava atribuída pelos cinco, eu, os vigilantes, e os que estavam identificados para quem aqueles pratos se destinavam. Logo após a minha ordem apareceram os dois destinatários da comida guardada, alertados por alguém, que vinham reclamar os seus direitos. Pois foi de direitos que lhes respondi: que por um azar o almoço fora mal distribuído, mas que todos tinham direito a comer, e assim devíamos dividir a quantidade remanescente pelos cinco. A reacção de um deles não podia ser pior, que não, ninguém mexia no prato dele e que não tinha culpa do que acontecera. Voltei a referir que tinha que partilhar, que era preciso satisfazer a todos, tanto mais que àquela hora já não havia solução. Aquele Foxtrot não mostrava compreensão nem bom senso. Dei-lhe ordem para não comer sem se proceder à divisão. Mas aqueles dois pratos cheios destinavam-se a partilhar refeições com as namoradas, e ele obstinava-se, enquanto o outro, visivelmente aborrecido, aguardava pelos acontecimentos. Quando o mais incompreensivo esboçou intenção de agarrar no prato, aproximei-me e disse-lhe para se afastar e aguardar a redistribuição, e disse-o já farto da conversa sem vacilar.
Respondeu-me com ar de desafio:
- Meu furriel não me bata!

Respondi no mesmo tom para lhe fazer saber que haveria pancadaria se ele não obedecesse:
- Pois então não mexas!

A alimentação foi dividida pelos cinco e o caso resolvido no momento. Mas não ficou resolvido na mente dele. Aqui há uns anitos veio ao continente, e visitou-me em minha casa, onde jantou comigo e com a minha filha. Lembrou-se, ou já trazia na ideia, de referir o episódio, deixando uma observação de que eu não o tinha respeitado, ao que lhe respondi com a devolução da apreciação. Depois, sozinho, reconstituindo as coisas, cheguei à conclusão de aqueles dois bons elementos tinham sido influenciados pela atracção do belo sexo, pelo carinho que trocavam com as bajudas da aldeia, não sei em que condições, nem com que convencimentos.

Ainda nesse período aconteceu outro episódio, quando durante a tarde chegou uma secção de outra companhia para reforço do mini-pelotão Foxtrot. De repente aconteceram umas rajadas, três ou quatro, da metralhadora que cobria as entradas da estrada, nos sentidos de Pirada e de Bajocunda. Irritei-me com aquilo e fui averiguar o que acontecera. Quando cheguei ao espaldar em abrigo cavado para a metralhadora, estava um elemento da secção de reforço a quem interroguei sobre os motivos das rajadas. Respondeu que estava a experimentar a arma. Disse-lhe que ali ninguém experimentava nada sem a minha autorização, e que ele devia ter tido em consideração que podia haver gente civil ou militar na orla do mato. Que imaginasse se ali estivesse um camarada dobrado sobre os joelhos. Calou-se. Mas quando voltei costas e iniciava o regresso ao interior da aldeia, ouvi-o dizer entre dentes que quando os turras atacassem havia de lhe dar autorização para reagir.

À insolência e cobardia, reagi lançando-me para ele que não aguentou o impacto. Estava a ver no que dava, quando veio muito aflito o furriel daquela tropa. Disse-lhe só que não admitia abusos, que repetisse essa mensagem ao atirador, e que em futuras circunstâncias lhe daria dois murros. Esta cena que pode mostrar alguma brutalidade da minha parte, quero ressalvar, que foi provocada por uma insolência daquele militar, impreparado e imprevidente, que não fora capaz de medir as consequências do seu acto, e cobardemente desconversava com desprezo sobre a minha chamada de atenção. Só que eu ouvi, e não fingi o contrário.

Não vou agora falar daquela disciplina das paladas e de suas excelências, mas da disciplina que era fundamental para quem usava armas e estava em ambiente de guerra. Sempre me fez muita confusão o gosto de disparar em rajada, pois não só não treinava nada em especial, como não significava uma acalmia ao stress que a guerra provocava. Se alguém pretendia experimentar uma metralhadora, antes, devia desmontá-la, limpá-la, e pedir autorização para a experiência, prevenindo riscos desnecessários.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10786: História da CCAÇ 2679 (57): Encontro com a má fortuna (José Manuel M. Dinis)

Guiné 63/74 - P10903: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (21): 22.º episódio: Memórias avulsas (3): The Python Sebae

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) em mensagem do dia 2 de Janeiro de 2013 relata-nos um encontro imediato com uma pithon sebae, num dos dias de um dos melhores 40 meses da sua vida. E não é que nós continuamos a acreditar?!


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA (22)

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (3)

THE PYTHON SEBAE

Como todos sabemos, aquando da chegada das colunas que nos traziam os mantimentos e até o material de guerra, cabia às Companhias de destino, fazer a segurança das suas áreas e nos percursos de passagem das viaturas. Para tal emboscava-se e patrulhava-se a fim de que o terreno não estivesse minado e preparava-se tudo nos locais mais perversos e onde já antes tinham havido problemas, para que desta vez não se materializassem.

Naquele dia coube ao meu pelotão a preparação duma emboscada, nos "carreiros", sítio chato com'ó caraças e de passagem dos maganões, ali mais ou menos a três quilómetros do K3, na estrada que ligava a Bironque.

Estrada Mansabá-Farim. O K3 fica um pouco acima do cruzamento de Nema. Vd. carta de Farim

Incumbido fui para preparar a coisa, o que fiz naturalmente, considerando os conhecimentos antes adquiridos e treinados ao vivo e presencialmente com os "velhinhos" de Mansabá e de Bissorã.

Minucioso saiu na escrita, só que no terreno, nada seria igual pois que a rapaziada borrifava-se, não descurando contudo, as seguranças próprias e do grupo mas lá, onde era importante, as ordens emanadas pelos superiores sempre foram cumpridas com coragem e lealdade absolutas.

E foi assim, que a excursão nocturna lá partiu, organizadamente desorganizada, uns fumando para que o IN se por aí estivesse, pensasse que eram gambozinos ou pirilampos a faiscar, outros praguejando com a maldita sorte da escolha logo neste dia com tanta chuva, outros ainda maldizendo a empecilhosa lama escorregadia e as botas rotas por baixo e tudo em alta voz como convinha.

Só que esta destemida juventude já veterana e ao primeiro sinal de alerta, tornava-se num exército disciplinado, aguerrido e cumpridor e se antes pareciam putos reguilas, agora eram uns valentes combatentes, antes incapazes de fazer mal, mas depois era o "cá se fazem cá se pagam".

Chegados, indiquei-lhes os "bedroom's" a ocupar o que não seria necessário que já conheciam bem o esquema, mas pronto... gostavam de ouvir a minha palavra amiga... e aquele toque positivo da palmada no ombro.

Para mim escolhera o primeiro lugar donde esperaria que surgissem os problemas, se tudo acontecesse como anteriormente.

A noite ainda se não fizera dia, a chuva continuava mais qu'a muita, a trovoada ribombava assustadoramente, mas o solo molhado e fofo, recebeu-nos carinhosamente. Silêncio absoluto agora, olhos mais que bem abertos, dedos engatilhados e assim se passaram quase duas horas.

Já lusco-fusco, começo a ouvir e ali bem perto de mim, o ruído sereno, como o de alguém que viesse a rastejar ao meu encontro. Em alerta máximo fiquei e dei conta da situação aos camaradas do lado.

Dois ou três minutos de hiper-tensão depois, aparece-me ali a três metros, uma cabecinha a espreitar e quase disparei.

Ela olhou-me, eu olhei-a e creio que foi amor à primeira vista, pelo menos da minha parte nunca mais esqueci aquela que me enfeitiçou pra sempre.

Nisto e num saracotear e manso rastejo, ela mirou-me longamente, despediu-se tristonha e com uma lágrima ao canto do olho, que bem na vi saída daqueles formosos olhos azuis, mostrou-se-me tal como viera ao Mundo e lá foi suavemente atravessando para o outro lado.


The Python Sebae
Com a devida vénia a www.wildlife-pictures-online.com

Garanto-vos que eram pr'ái 5 ou 6 metros de belíssima cobra. E assim a "sebae" se foi.

Relembrei-a-a noutro dia em que e sem querer pisei, indo no jeep, uma qu'até me fez saltar para o chão com o dito em movimento, julgando eu estar a ser submetido a qualquer vil tiroteio ou ter atropelado alguma minazita mal intencionada, pois que o rebentamento fora idêntico.

Entretanto lá longe, começava-se a ouvir o roncar das viaturas o que significava que desta vez conseguíramos o objectivo. Então o Cmdt do pelotão que levava o rádio, mas nem usá-lo sabia, tentou o contacto:
- "Alô, alô... aqui eu... diga se me escuta... ôvo"

Trocou os verbos, pronunciou mal os tempos, mas foi útil para uma saudável risota de descontracção e a ordem veio para abandonarmos o local e recolher a penates. Como na ida, regressámos "todos ao molho e fé em Deus" e em alegre cavaqueira com a patrulha pedonal, que andara a fiscalizar no vai-vem costumado e constante.

Missão cumprida portanto, tomámos o petit-dejeuner que para quem não sabe quer dizer "o café da manhã" (PS: de vez em quando sinto esta necessidade de vos mostrar que também sou culto e daí aquelas duas palavritas em inglês).

Foi-nos dado o resto do dia para descansarmos, o que calhou mesmo bem para pôr a escrita em dia:
Saudades PAI, Saudades MÃE. Beijinhos e abraços para todos os restantes familiares e bom ano 1966.

(continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10878: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (20): 21.º episódio: Memórias avulsas (2): Uma banhoca em Bissorã

Guiné 63/74 - P10902: Parabéns a você (520): Paulo Santiago, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Guiné, 1970/72)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10899: Parabéns a você (519): João Meneses, ex-2.º Ten FZE RN DFE1 (Guiné, 1972); Ricardo Figueiredo, ex-Fur Mil da 2.ª C.ª/BART 6523 (Guiné, 1973/74) e Valentim Oliveira, ex-Sold Cond Auto da CCAV 489/BCAV 490 (Guiné, 1963/65)