terça-feira, 9 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10507: Antropologia (21): "Molleh" ou corrida de sal, como meio de prevenção da saúde reprodutiva do gado bovino (Cherno Baldé)

1. Mensagem do nosso amigo tertuliano Cherno Baldé, com data de 3 de Outubro de 2012 com mais um dos seus textos que nos dão a conhecer os usos e costumes dos povos do seu continente, África:

Caros amigos Carlos e Luis Graça,
Junto envio mais um texto,e desta vez, para variar, sobre uma pratica cultural muito antiga dos Fulas que, provavelmente, muito poucos "Tugas" terão tido oportunidade de conhecer ou apreciar in loco.
Esta festa ainda continua a ser celebrada no meio pastoril, mas um pouco ofuscada pela grandiloquência das celebrações religiosas que dominam o meio social e cultural dos muçulmanos.
Como sempre, publiquem se apresentar interesse, caso contrario, também, não haverá lugar para ressentimentos.

Um grande abraço,
Cherno Baldé


MOLLЁH

Todos os anos, no Sahel africano (Agadés) costuma-se realizar o encontro de criadores de gado para celebrar uma prática ancestral que, em Francês, se convencionou chamar de “course salée”, corrida de sal (em português), que reúne todos os povos da região desde Tuaregs, Djermas, Fulbhé Bororos, Aussas e muitos outros.

Os Fulbhé (Peul, Fulani ou Fulas) sobre os quais vamos falar aqui, formam um grupo extenso e heteróclito com mais de vinte milhões de almas, espalhadas entre os diferentes países da região ocidental, central e oriental d’Africa, mas quando se pergunta a um velho Fulani quantos são, na realidade, a resposta pode surpreender pela sua simplicidade e originalidade filosófica, pois ele dirá que há somente dois Fulbhé: um, que herdou e celebra a festa de molléh e o outro, o que não conhece o significado de molléh e, por conseguinte, não sabe como se bebe o cabaz do leite fresco, ainda quente, acabado de ordenhar. Ao primeiro, ele dá o nome de Pullö (singular de Fulbhé), o ser, o que é, e o segundo seria o Al-Pullar (o que fala a língua fulani).

O Molléh encerra um conceito de difícil tradução em outras línguas enquanto actividade original e única da cultura tradicional dos povos pastores. Eu, pelo menos, não tenho conhecimento que tenha sido feita a sua descrição por investigadores ou africanistas que pululavam pelo continente, mas encontra-se no centro da cultura dos povos de Sahel como um dos mais antigos e eficazes meios de prevenção da saúde reprodutiva do gado bovino e logo, da sua própria sobrevivência como comunidades económicas. No essencial, molléh ou corrida de sal, podia definir-se como o processo através do qual os criadores reforçam o organismo dos animais com suplementos essenciais, tirados da natureza em forma de folhas, cascas e raízes de plantas, misturadas com sal iodado. No fundo é isso, mas ao longo dos séculos, essa prática vital, estendeu-se para outros domínios da vida dos povos nómadas, adquirindo uma dimensão socioeconómica e cultural de primeira grandeza. Antigamente, quando eram obrigados a deslocar-se permanentemente e em grupos restritos, os breves momentos de realização dos molléh eram propícios para a reunião das famílias dispersas em grandes extensões territoriais para a renovação de laços e alianças tribais e a definição de novas zonas de pasto. Assim, pela sua importância, a indicação da data e do local da sua realização era rodeada de uma auréola mística tão grande quanto à marcação da data de fanado entre os povos do litoral, de culto animista, cuja realização, não raras vezes, demora por períodos de dez e mais anos (caso dos Felupes). É daí que nasce a metáfora popular entre os fulas segundo a qual, se as vozes da concessão entoam o canto do molléh é porque os mais velhos já tinham fixado a data da sua realização, dito por outras palavras, quando as crianças praticam uma acção que ultrapassa as suas competências é porque contam com o beneplácito dos mais velhos.

Os preparativos da realização do molléh, começam na véspera do dia marcado, com a operação da colecta das folhas, raízes e partes epidérmicas de plantas, conhecidas só dos mais velhos. Mas, os primeiros sinais da festa começam mesmo quando as mulheres, encarregadas de pilar (esmagar) os materiais orgânicos se organizam em grupos de idades e enchem o ar com o barulho ritmado dos “pilons”, entoando canções coloridas com cenas triviais de amor, ciúme e traição da malta jovem, no quotidiano da vida nas aldeias improvisadas ao longo dos trilhos da caminhada sem fim, em direcção ao sol poente.

Os mais velhos partem de manhã cedo à procura do local da celebração, atentos aos possíveis sinais premonitórios, no seu trajecto, que deverão contribuir para a decisão final. Na tabanca, por volta da meia-noite, já só ficaram os mais novos em especial as raparigas solteiras com os braços cansados e gargalhadas sonoras que se encarregarão de finalizar e entregar o produto que servirá para a preparação da beberagem milagrosa já com as tonalidades vermelhas da cor das árvores donde foram extraídas as cascas.

O molléh é uma festa total, partilhada por todos, da mesma forma que o gado é, antes de mais, uma propriedade conjunta onde todos e cada um, a semelhança de uma bolsa de acções nas sociedades modernas, detém a sua quota-parte, o activo bruto ou capital de reserva para fazer face aos imponderáveis da vida. A criança quando nasce já tem aberta uma conta poupança (cornuda?), a mulher quando se casa leva, consigo, o seu dote para alicerçar a sua futura casa e o mais velho quando deixa este mundo precisa da carne e do sangue do animal para alegrar a partida na longa caminhada até a sua ultima e eterna morada. Tudo tem sentido num mundo que se encontra em equilíbrio perfeito. Branco, azul, castanho, vermelho e preto são as cores dos animais e da bandeira Fulani, cada grupo totémico com suas cores de herança de acordo com principios predeterminados na origem. A nossa família, por exemplo, assim como a maior parte dos Fulas da zona da Guiné e da Casamança, estava ligada aos animais de cor branca e, de preferência, sem manchas ou chifres retorcidos. Os velhos regressam ao anoitecer para anunciar a boa nova com grande pompa, cabeças e corpos cobertos com folhas jovens de ramos de palmeira, gritando: Amanhã é molléééh!... Amanhã é molléééh!... Amanha haverá comida e leite em abundância, a vida dos animais será assegurada e a riqueza da comunidade multiplicada.

O local da celebração, situado na cabeça de uma bolanha é agora o epicentro das atenções, mas ainda nem tudo esta pronto, é preciso cortar os arbustos, deslocar os pequenos montículos de bagabagas, escavar sulcos na terra em forma de um cabaz grande, proteger o fundo com produtos impermeáveis para evitar a infiltração d’água, deitar a farinha de cor vermelha, composto de raízes e cascas de árvores, juntar o sal iodado na mistura aquosa assim obtida e mexer com as mãos, transformando tudo numa massa pastosa e salgadinha que os animais irão sorver com o prazer único de um acto que se realiza uma vez no periodo de mais de um ano. No centro de um espaço igual ao de um campo de futebol, com dezenas de sulcos no solo, encontra-se o cabaz da sorte e da vitória, aquele que vai ditar a escolha da vaca do ano.

Ainda os preparativos no local não terminaram e eis que a equipa de estafetas voluntários que vai conduzir os animais, está de partida, dela farão parte os melhores atletas. Saúde, inteligência, vigor e rapidez serão os atributos de base para a sua composição. Momento crucial na vida dos jovens pastores e candidatos, uma grande oportunidade para a revelação de dotes e capacidades, mas que não esta isenta de perigos. Os velhos estão atentos e não hesitam em refrear ânimos exaltados. Os membros da equipa, sem desconfiar que já são portadores da notícia através dos cheiros que transportam na roupa e no suor dos corpos aquecidos pelo calor e pela ansiedade do momento, vão retirar as amarras dos animais, dar sinal de partida e orientar a corrida, num percurso de 3 a 5 quilómetros, até ao local do molléh.

- Góóh Saraél-âmen, góh!... Góóh Daneél-bêssel, góh!... Góóh, Siraél-kumáh, góh!... [1]

De início e durante os primeiros quilómetros a corrida é pausada, os animais estão desorientados e entrechocam-se gravitando a volta dos homens-guias, cabeças erguidas, farejando no ar. O momento exige alguma agilidade e concentração e, sobretudo, é preciso posicionar-se para a recta final.

A partir dos últimos quilómetros, com a ajuda do vento e do seu portentoso faro, os animais já localizaram o local e agora é cada um por si, a corrida é desenfreada em direcção ao molléh, é o momento de todos os perigos. Do local da celebração também já gritam o “góóh!...góóh!”, agora é preciso correr… correr, trata-se de uma competição, não se pode fraquejar, os mais fortes serão glorificados, os fracos podem ser esmagados pela fúria de uma ou duas centenas de animais sedentos de sal e endiabrados pelo chamamento do molléh. A distância é cada vez menor e eis que no recinto entram as primeiras vacas. As crianças estão empoleiradas em cima das árvores e soltam gritos animados.

No grupo da frente estão as meninas, quão gazelas voando ao vento, deve ser a primeira vez que participam no molléh e, por inexperiência, passam ao largo sem saber o que fazer, são seguidas de perto pelos rapazes (machos) e por fim o resto da manada.

Mas, dentre a equipa dos voluntários os resultados são surpreendentes, antes da chegada dos animais, pelo menos dois ou três deles já se encontravam no recinto, a espera de felicitar a vaca do ano, munidos de ramos de palmeiras e, os primeiros a chegar ao local são sempre os mais velhos. A primeira vista, torna-se difícil perceber como é que homens tão frágeis, no auge da idade, embrulhados nos seus amplos vestidos brancos, agora cinzentos pela acção do tempo e do uso, conseguem realizar tamanha proeza no meio de um matagal de árvores e arbustos, desafiando a força e o brio dos mais novos. No fim, a festa é de todos, haverá comida (sem carne), farinha de milho, leite e muita alegria a mistura.

No caso dos animais, como já se viu, chegar primeiro ao molléh não é sinónimo de vitória na corrida e, quase sempre, são aqueles que chegaram em último lugar os que vão por a boca no cabaz que dá direito a vitória. Compreenda quem puder. E a vaca do ano é, invariavelmente, uma vaca mãe já experiente, com as tetas cheias que serão ordenhadas no local e cujo leite será, primeiro, absorvido pelos guias, vencedores da corrida, num cabaz especialmente preparado para o efeito, de joelhos e com os rostos virados para o sol nascente, donde os seus antepassados saíram um dia, para procurar novas pastagens e enfrentar a marcha rumo ao ocidente desconhecido. Assim, Molléh deve ser visto como uma tradição que os Fulas trouxeram da costa leste donde saíram há muitos séculos atrás e cuja prática os seus irmãos das montanhas da Etiópia, das planícies do imenso Sudão ou das colinas do Ruanda até Quénia, esqueléticos, longilíneos e incansáveis, souberam conservar e valorizar, transformando-se simplesmente nos melhores atletas d´África e do mundo.

Em Fajonquito, lembro-me de o meu pai ter convidado o seu amigo branco Tintim, um Cabo da companhia metropolitana estacionada em Fajonquito por volta de 1969/70. Ele assistira e observara de longe toda a encenação sem interferir. Em contrapartida, no fim, parecia ter gostado do jogo de hóquei no capim, com golpes de pau em frutos secos e redondos servindo de bola de arremesso. Esta modalidade depois foi abandonada, porque quando se falhava a bola, muitas vezes, acertava-se nas pernas dos adversários.

Nota: 1- Corre pequeno Saráh, corre!...Corre branquinha linda, corre!...Corre Siráh, filha de Kumba, corre!... (pelos vistos trata-se de uma formula onomatopeica para incitação e encorajamento dos animais durante a corrida da celebração do molléh.
Era frequente e normal, na altura, atribuir aos animais nomes dos seus proprietários. De notar que antes da islamização, os fulas tinham nomes próprios que identificavam os seus laços de parentesco e a posição de cada um na hierarquia e ordem sequencial do nascimento dos filhos.
Na linha masculina eram: Saráh, Samba, Demba, Patê, Dulô etc. e na linha feminina: Siráh, Takôh, Djabú, Kumba, Ainéh. Verifica-se claramente a predominância de nomes bissílabos.

Bissau, 27 de Setembro de 2012.
Cherno Abdulai Baldé
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Vd. último poste da série de 9 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10505: Antropologia (20): Funeral Fula / Funeral Islâmico (Luís Borrega / Luís Encarnação)

Guiné 63/74 - P10506: Agenda cultural (221): A 4.ª e última série do documentário "A Guerra" começa a ser exibida amanhã dia 10 de Outubro, pelas 22h40

1. Mensagem de Eva Verdú, da Direcção de Meios de Produção da RTP, enviada ao nosso Blogue no dia 9 de Outubro de 2012

Assunto: Documentário "A Guerra"

Boa tarde, 
Informo que a 4ª e última série do documentário “A Guerra” começará a ser exibida amanhã dia 10 de outubro pelas 22:40H. Serão 17 episódios que vão incidir sobre o período que antecede o 25 de abril de 1974.

Com os melhores cumprimentos, 
Eva Verdú 
Direção de Meios de Produção


SINOPSE*

O período que antecede o 25 de Abril de 1974, caracterizando a situação política geral e o quadro militar em cada uma das colónias

A série documental "A Guerra" regressa agora com os seus últimos episódios. Serão 13 programas que vão incidir sobre o período que antecede o 25 de abril de 1974, caracterizando a situação política geral e o quadro militar em cada uma das colónias. Na Guiné, de destacar o período marcado pela morte de Amílcar Cabral e o subsequente recrudescimento do conflito.

Recebendo novos meios, como os mísseis terra-ar "Strela", o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) condiciona a manobra portuguesa. Isola e ataca quartéis como Guidage e Gadamael e obriga ao abandono de Guileje. Em conflito com Marcello Caetano, o general Spínola deixa o território, defendendo uma solução política para a guerra, enquanto em Moçambique é o Presidente do Conselho (Marcelo Caetano) que recusa ao general Kaulza de Arriaga a continuação da sua liderança militar.

A situação em Moçambique agravara-se após a Operação Nó Górdio. A FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) avançara para as regiões de Tete, de Manica e Sofala, enquanto as notícias de massacres como Mucumbura, Wiriyamu e Inhaminga - divulgadas sobretudo por padres e missionários - iriam desgastar fortemente a imagem política do regime.

Em Angola, as Forças Armadas controlavam a situação após terem neutralizado militarmente a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e também o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), entretanto afetado por fortes dissensões internas. Após ter cooperado com os portugueses na luta contra aqueles movimentos, a UNITA volta a ser encarada como inimigo e executa a sua mais mortífera ação.

Se em Angola o quadro militar era favorável à tropa portuguesa, em Moçambique os europeus revoltavam-se perante ações da FRELIMO que punham em causa a sua segurança e a imagem das Forças Armadas. Ao mesmo tempo, na Guiné o PAIGC declarava unilateralmente a independência, enquanto os militares portugueses divergiam sobre se a guerra estava ou não perdida.

Bastante isolado internacionalmente, em confronto interno com alguns aliados iniciais e paralisado perante o impasse da guerra, o governo de Marcelo Caetano não cabia já na solução que, entretanto, os militares tinham começado a preparar. É todo este período, com os seus inúmeros factos e acontecimentos políticos e militares, muitos deles desconhecidos, que será apresentado nos novos episódios a exibir.

(*) Retirado do site da RTP, com a devida vénia.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10493: Agenda cultural (220): Apresentação do livro "Alpoim Calvão Honra e Dever", dia 11 de Outubro, pelas 18h30, na Sociedade de Geografia em Lisboa

Guiné 63/74 - P10505: Antropologia (20): Funeral Fula / Funeral Islâmico (Luís Borrega / Luís Encarnação)

1. Texto enviado a 8 do corrente pelo Luís Borrega [, foto atual. à direita,] a quem no próprio dia dos anos, a 27 de setembro,  fiz um pedido de comentário ás fotos do Armindo Batata, uma sequência fotográfica de um funeral fula:

"Tu que conviveste com os fulas, como eu, e tens inclusive um pequeno dicionário fula-português (*), é possível que tenhas assistido a algum funeral... Lembras-te como eram celebradas as cerimónias fúnebres entre os fulas, islamizados ? Mais do que um funeral fula, deve tratar-se de um funeral muçulmano... Ou não ? Só assisti a um funeral, e foi de um soldado nosso, da CCAÇ 12... Levámo-lo à sua aldeia numa urna de madeira, e prestámos-lhe honras militares... Não me lembro de ter assistido à descida do corpo à terra... Foi no regulado do Cossé, a 8 ou 9 de setembro de 1969... Ele morreu a 7. Não sei se a urna ia chumbada".


2. Funeral fula / funeral islâmico

por Luís Borrega / Luís Encarnação


[Foto à esquerda, de Armindo Batata]

Foi-me solicitado, pelo nosso Tabanqueiro-Mor Luís Graça, informações sobre os procedimentos referentes a um Funeral Fula, em virtude de eu ter convivido bastante com esta etnia, na minha permanência no Leste da Guiné (Pitche).

Acontece que,  como não tenho conhecimentos sobre a totalidade dos procedimentos de um Funeral Fula , contactei o Fur Mil.Cav  MA Luís Encarnação, meu Camarada e Amigo desde os tempos da EPC (Santarém) e que me acompanhou sempre no percurso Militar, Curso de Minas e Armadilhas na EPE (Tancos), RC 3 em Estremoz para formar o BCav 2922 que foi para o CTIG.

O BCav 2922 foi colocado em Pitche, assim como a minha CCav 2749, e o Luís Encarnação foi colocado na CCav 2748 que ficou sediada em Canquelifá. Só nos víamos quando o meu Gr Comb  estava a fazer a escolta às colunas para Canquelifá. Aí, ele viveu mais a vida da população na tabanca e elucidou-me sobre os funerais fulas, que mais adiante passo a narrar.

Quando estive colocado no Destacamento de Cambor, no itinerário Pitche-Canquelifá, tive um enorme contacto com a população fula da tabanca. Como estava a exercer a "vaguemestria" no Destacamento , tinha a oportunidade de fazer o que queria neste campo. A nossa Padaria (o forno era um baga baga adaptado) confeccionava um pão para cada elemento da Guarnição. Dei ordem para se cozer mais cinco ou seis pães para distribuir pelos Homens Grandes de Cambor [, a nordeste de Piche].

Todos mandavam diariamente alguém buscá-los, à excepção do Cherno Al Hadj Mamangari Djaló, que era o Chefe religioso do "Centro Fixo de Difusão" do Islamismo de Cambor, com real influência religiosa em toda a região do Gabu, mesmo além fronteiras. [O título Al Hadj é dado ao crente que já foi a Meca].

Diariamente eu tomava a missão de entregar em mão própria o pão a este Homem Grande. Ficávamos horas a fio a conversar, umas vezes sós, outras acompanhados pelos Homens Grandes, nessa altura punhamo-nos todos de cócoras em circulo debaixo do mangueiro existente à porta da "morança" do Al Hadj. Eu também tinha aulas de árabe. Ainda hoje tenho o livro de ensino da Língua Árabe (ofertado). Éramos Amigos...

Mais tarde por incompatibilidade de feitios com o Alf Mil Cav Jorge Malvar, pedi ao Capitão Cav João Luís Pissarra a minha tranferência por troca com o Fur Mil Cav Belard da Fonseca. Fui para o 3º Gr Comb /CCav 2749 comandado pelo Alf Mil Cav José Belchiorinho. Os tempos livres começaram a escassear, e portanto as idas à Tabanca foram mais espaçadas, devido à carga operacional,a que estávamos sujeitos em Pitche.

Na véspera de eu partir para Pitche, fui-me despedir do Al Hadj Mamangari Djaló. Ambos estávamos emocionados, com os olhos "embaciados ", disse para eu esperar, entrou na sua "morança " , trouxe o seu Alcorão que tinha levado na sua peregrinação a Meca e um terço árabe e deu-mos. Depois tirou o seu barretinho (sabiá) branco e ofereceu-mo também e disse:
- Furiel Boriga , durante a tua vida ouve sempre o teu coração.

Abraçámo-nos , virei costas com as lágrimas a rolar pela cara... e ainda hoje guardo uma grata recordação deste Homem Bom. E os objectos que ele me ofertou, dão-me um enorme, mas enorme prazer possuí-los...

Quando havia funerais ( em Cambor, enquanto lá estive não houve nenhum), pelo pitoresco das cerimónias ía até à " morança "do morto(a) e assistia. O funeral propriamente dito no Cemitério, nunca vi.

Quando se dava o óbito, o viúvo(a) mandava abater vacas, ovelhas ou cabras, conforme o seu grau de riqueza, para fazer o Choro,  obsequiando os Familiares e Amigos com comida, pois para eles,  Islâmicos, a " verdadeira vida começava após a morte". Havia Ronco com batuque e depois havia os procedimentos abaixo indicados, conforme a informação do Luís Encarnação.

(i) Cavavam um buraco do comprimento do falecido e com a largura de +/- 60 cms;

(ii) O corpo era envolvido num pano branco;

(iii) O corpo era disposto deitado no buraco ( desconhece-se a posição em que ficava);

(iv) A sepultura tem nos topos e a meio de cada lado uma espécie de degrau;

(v) Um tronco com mais ou menos 15 cms de diâmetro é colocado a meio, encaixado nas concavidades;

(vi) Uma estaca feita de um ramo de uma árvore da Mata Sagrada, é pregada no canto superior, a prender a ponta do lençol do lado da cabeça;

(vii) Em todo o comprimento da sepultura são colocados ramos (fortes), a preencher toda a largura do buraco;

(viii) (Toda a folhagem dos ramos utilizados é colocada em cima , de maneira a fazer um tapete:

(ix) Depois leva a terra em cima (tirada do buraco);

(x) Só tem este ritual , todo o Mulçumano que respeite a Religião ( não pode ter comido carne de porco (combaro) ou beber álcool).

CONCLUSÃO : Se ele não estiver morto, tem ar suficiente e pode abrir a tampa...

Espero que tenham ficado elucidados, como se fazia os Funerais Fulas/Funerais Islâmicos.

3. Comentário de L.G.

Obrigado aos dois. Djarama! Peço ao 1º Luís (Borrega) que traga o 2º (Encarnação) até à nossa Tabanca Grande. Para que ele se possa também sentar no bentém à sombra do nosso mágico, secular, grandiosos, simbólico, fraterno poilão!

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3785: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (1): Nafinda, nháluda, naquirda... Bom dia, boa tarde, boa noite...

24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3786: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (2): Gô, Didi, Tati, Nai, Joi.../ Um, Dois, Três, Quatro, Cinco...

26 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3798: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (3): Jungo, neuréjungo, ondo... / Braço, mão, dedo, ...

1 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3827: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (4): Nhamo, nano... / Direita, esquerda...


14 e fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3889: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (5): Jubi, ala poren, iauliredu... / Miúdo, avião, tem medo...

Comentário de L.G.:

(...) Obrigado, Luís Borrega, camarada e amigo! O teu esforço por tentar comprender o outro (neste caso, os fulas, que eram e são um dos principais grupos étnico-línguísticos da Guiné-Bissau) é, só por si, um gesto de grande abertura de espírito, de recusa do etnocentrismo, e sobretudo de ternura. Bem hajas! 

Espero que a tua recolha (que não obviamente não tem a pretensão de ser um dicionário...) possa ser útil a muita gente, os nossos camaradas que voltam à Guiné em 'turismo de saudade', os nossos antigos camaradas fulas que vivem em Portugal, os seus filhos e netos, nascidos em Portugal (que estão em idade escolar, e que já não sabem ao idioma dos seus pais e avós)... 

Todos os idiomas do mundo fazem parte da riquíssima diversidade cutural da humanidade, diversidade que devemos conhecer, apreciar, manter e preversar... Por que só há uma terra, só há um raça (humana) (...) 

(**) Último poste da série > 19 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6762: Antropologia (19): Os muçulmanos face ao poder colonial português e ao PAIGC (Eduardo Costa Dias)

Guiné 63/74 - P10504: Do Ninho D'Águia até África (16): As notícias (Tony Borié)



1. Continuação da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (16)

As Notícias

Quarta-feira, é dia de correio. Vem a avioneta, que por vezes nem aterra, passa rasteiro e larga os sacos, no que os militares chamam o campo de aviação, que é a tal área plana que existe ao norte da dita aldeia com casas cobertas de colmo.

O piloto costuma ser o “Pardal”, foi assim que o baptizaram, pois costuma fazer umas habilidades antes de largar os sacos do correio, como por exemplo, dá uma volta rasteira ao aquartelamento, de lado, a rasar a enorme árvore, a que chamam a “Mangueira do Setubal”, que existe dentro do aquartelamento, fazendo os macacos e piriquitos fazerem um barulho fora do normal.

O “Pardal”, sabia isso.

Uma secção de combate vai buscar os sacos, que traz para o aquartelamento, onde já todo o pessoal espera pela distribuição. Alguns, com uma dúzia de madrinhas de guerra, recebem um monte de cartas, com fotografias e tudo. Outros, nem uma carta, mas não ficam tristes, vão direitos à cantina e abafam a amargura numas garrafas de cerveja ou numas canecas do café, cheias de vinho.

O Cifra recebeu quatro cartas e três aerogramas, chamaram o seu nome sete vezes. Alguns colegas assobiaram, e como o Cifra se ria, alguns fizeram-lhe um gesto erótico com o dedo da mão direita. Mas adiante, pois de outras vezes, e em situação oposta, o Cifra fazia o mesmo.

Uma dessas cartas, era dos seus pais.

A mãe Joana começava por dizer que tinha pedido à menina Teresa, que era uma vizinha, costureira e solteira, de quase sessenta anos que por saber ler e escrever, entre outras coisas era a conselheira da família, e o Cifra até se lembra de uma vez, a menina Teresa aparecer muito aflita em casa de seus pais pela manhã, dizendo com a voz embargada pela angústia:
- Joana, hoje é um dia de luto, arranja alguma roupa de cor preta e veste, pois morreu o Marechal Óscar Carmona e a mãe Pátria está de luto, estamos todos de luto, anda vai mudar de roupa, mulher de Deus!.

[Foto à esquerda, o marechal Óscar Carmona, 11º presidente da República Portuguesa, entre 1926 e 1951, imagem do domínio público, cortesia da Wikipédia].

Ao que a mãe Joana, muito admirada, nesse momento limpando as mãos ao avental, já muito sujo e roto, pois tinha acabado de regressar do curral dos porcos, onde tinha deitado na pia, um balde com alguns restos de comida, que tinham sobrado do dia anterior, lhe responde:
- Oh meu Deus, deve ser alguém conhecido dos primos de Lisboa, pois não me recordo de ninguém na família com esse nome!

E o Cifra, que nessa altura se chamava Tó d’Agar, ficou radiante, pois a menina Teresa, mais à frente dizia que nesse dia não havia escola, por o País estar de luto, para chorar a morte do presidente.

Mas adiante, vamos continuar com a história. A mãe Joana contava na carta que tem andado um pouco sem cabeça para notar a carta, mas hoje estava melhor, e dizia, que o irmão mais velho, quer casar com uma rapariga para os lados do rio Vouga, e não pára em casa, anda sempre fugido. O irmão do meio, que sempre foi um aventureiro, quando o Cifra era criança, lembra-se que esse irmão andava sempre vestido com alguns farrapos, que colocava no corpo, parecendo tal e qual o “Robin dos Bosques”, e com uma habilidade espantosa no manejo de um arco, feito por ele, acertava com uma flecha, feita de pau, nas galinhas, no cão, nas ovelhas, nas cabras e nos porcos.

O Cifra recorda-se do irmão, tal e qual ele via nos desenhos dos livros de quadradinhos que o Carlos, filho do Santos dos correios, que tinha vindo dos lados de Leiria, que sempre lhe trazia, com um lápis de cor vermelha ou azul, que o pai geralmente usava nos correios, e não só, pois também fazia a revisão e censura do jornal da vila, que o senhor Macieira, compunha letra por letra na travessa da venda da Tia Zinia, tudo isto a troco de uma simples conta de multiplicar, em que o Cifra, naquela altura, To d’Agar, lhe resolvia, em dois minutos na lousa de pedra, com um riscador também de pedra. Mas não tirando o fio à meada, esse irmão, está com a mania de ir para Lisboa, ter com os primos.

Dizia também, que o pai estava muito resmungão, mas era a sua companhia. A quinta estava muito mal tratada, já tem algumas silvas nas terras altas. Explica ainda que na semana que passou, foram à vila buscar o dinheiro. (Dinheiro este que recebem do governo, que diziam, metade era pago pelo governo, que o mandou para aquela província, e outra metade era pago por uma multinacional de nome parecido com “Marconi”, o Cifra, nunca soube, mas o dinheiro que os pais do Cifra iam receber, é parte do salário militar do Cifra, por se encontrar em cumprimento de serviço numa província do ultramar).

Dizia também que no local onde foi receber o dinheiro, lhe deram café com leite e pão com manteiga, e que um senhor que parecia militar, lhe explicou que o seu filho já não era seu filho, mas sim filho da Pátria, ou coisa parecida, e que estava pronto a morrer para salvar essa Pátria, que era a sua verdadeira mãe, ao que ela começou logo a chorar, e sempre chorava quando lhe vinha isto à lembrança, pois tinha sido ela que o trouxe na barriga por nove meses e dois dias, e foi a sua mãe, avó do Cifra, que naquela altura se chamava Tó d’Agar, que a ajudou a trazê-lo ao mundo, que lhe deu de mamar, que o criou, e agora vem o maldito do militar dizer que não é seu filho, que o “diabo o arrenegue para o meio do inferno”, e que pedia a todos os Santos, mais à Nossa Senhora de Fátima, para que ao receber esta carta, ainda estivesse vivo, aliás, a partir desse momento, todas as cartas que recebia da mãe, começavam sempre com a frase, “Oxalá que ainda estejas vivo”.

E continuava dizendo na carta que esse dinheiro lhe tem dado algum jeito, a ela e ao seu pai. Cada um tem um par de tamancos novos, e o pai tem umas botas de borracha, a que chamam “galochas”, agora anda sempre com os pés secos. Comprou cobertores novos, o seu pai e ela andam mais bem calçados. Os vizinhos perguntam por ele e mandam recomendações. Na vila tinha visto algumas pessoas do grupo folclórico, que lhe perguntaram se ele estava vivo, pois tinham visto na televisão umas notícias da Guiné, onde morreram muitos militares, que a guerra aí era feia, mandavam saudações e que esperavam por ele. Pronto, ia acabar, que recebesse a sua benção, e finalizava com a frase, “que Deus te proteja”.

As outras cartas eram dos primos de Lisboa e das madrinhas de guerra, pois neste momento, escreve-se com uma brasileira, duas espanholas e duas portuguesas, uma das quais viria a ser a sua companheira para o resto da vida.
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Notas de CV:

Foto de Manuel Traquina, editada por CV

Vd. último poste da série de 6 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10488: Do Ninho D'Águia até África (15): O "Caneta" (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P10503: Parabéns a você (479): José Carmino Azevedo, ex-Soldado Condutor Auto da CCS/BCAV 2868 (Guiné, 1964/66)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10491: Parabéns a você (478): Jorge Rosales, ex-Alf Mil da 1.ª CCAÇ (Guiné, 1964/66)

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10502: Convívios (477): 13.º Encontro do pessoal da CCS/BCAÇ 3852, dia 27 de Outubro de 2012 em Vila do Conde (Manuel Carmelita)

1. Em mensagem do dia 8 de Outubro de 2012, o nosso camarada Manuel Carmelita (ex-Fur Mil Mecânico Radiomontador da CCS/BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73), solicita a divulgação do:

13.º CONVÍVIO DA CCS/BCAÇ 3852 QUE COMEMORARÁ O 39.º ANIVERSÁRIO DO SEU REGRESSO À METRÓPOLE

VILA DO CONDE - DIA 27 DE OUTUBRO DE 2012

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10489: Convívios (476): 4.º Convívio anual dos ex-Combatentes do Ultramar do Concelho de Gondomar, ocorrido no passado dia 29 de Setembro de 2012 em Valbom (Jorge Teixeira - Portojo)

Guiné 63/74 - P10501: Os nossos camaradas guineenses (35): O Dandi, manjaco, natural de Jol, que eu conheci... (Manuel Resende / Augusto Silva Santos)



Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCAÇ 2585 (1969/71) > O Alf Mil At Inf Manuel Resende e o chefe de secção de milícias, Dandi, mais tarde Capitão da Companhia de Milícias do Pelundo...

Foto: © Manuel Resende (2009). Todos os direitos reservados.


1. Comentário do Manuel Resende, ao poste P10495:

Olá,  Augusto,

O Dandi,  no meu tempo 69 a 71 (*),  tinha sete mulheres e a mais velha é que fazia a escala de serviço...
Quando fizemos as casas que mostras nas fotos, as primeiras, junto à escola,  foram para ele.

Quando íamos para o mato, além dos roncos que todos desejávamos, ele tinha um "feeling",  como se diz agora, para apanhar mulheres. Para ele, quantas mais tivesse maior era a importância.

Conto rapidamente um caso, em Fevereiro de 1970, em que ele foi caçar num domingo à tarde. Levou com ele dois milícias e um camarada de transmissões com um rádio. O destino era junto ao rio Cacheu. Nesta altura estávamos em tréguas com os turras, pois havia as conversações para o desfecho cruel do 20 de Abril, com o assassinato dos 4 oficiais do CAOP1. Pois o nosso amigo Dandi deu de caras com uma coluna de turras, e a reacção foi correr atrás de uma bajuda que,  segundo ele, vinha agarrada ao turra que vinha à frente.

Claro que não houve tiroteio, porque por sorte eles pensavam que havia mais pessoal do nosso lado.

Claro que isto dava para um poste, mas ficará para outra altura. (**)

Uu abraço
Manuel Resende

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Nota do editor:


Manuel Resende:

(...) Neste apontamento quero e tenho o dever de salientar o contributo altamente positivo dos soldados africanos do Pelotão de Caçadores Nativos nº 59, comandado inicialmente pelo colega Alferes Mosca, e pela secção de milícias, comandada pelo chefe da milícia, o célebre Dandi, mais tarde promovido a Capitão de Milícia pelo Sr. General Spínola, e que já vinha com boas referências da companhia anterior [, CCAÇ 2366].

Sempre que saíamos para o mato estes homens iam sempre à frente, pois como conhecedores do terreno, sabiam como chegar ao objectivo. O Dandi, natural do Jol, conhecia como ninguém todos os recantos da mata. 

Bom guerrilheiro, bom caçador, muito nos ajudou a evitar cair em emboscadas, abrindo trilhos novos na mata. Quando saíamos para o mato com ele, ninguém tinha medo, por mais difícil que fosse a missão. Mais tarde fez parte do rol dos fuzilados [, a seguir à independência]. Sinceramente não sei se a Cruz de Guerra prometida pelo Sr. General Spínola lhe foi entregue antes de 1975. Que será feito dos outros? (...)

Augusto Silva Santos

(...) Sobre o célebre Dandi... No meu tempo ele já era o Comandante da Companhia de Milícias do Pelundo, embora estivesse sempre no Jol, e já tinha sido agraciado com a cruz de guerra pelo General Spínola. Numa das operações (a mais difícil que me lembro), ele chegou a ser ferido com um tiro numa perna.

Era de facto um excelente guerrilheiro. Numa ocasião, para escaparmos a uma emboscada do IN, lembro-me que ele nos levou por um trilho de caça muito antigo que, segundo o próprio Dandi, já não passavam por lá pessoas há alguns anos. (...)

(**) Último poste da série > 6 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9571: Os nossos camaradas guineenses (34): Marcelino da Mata visitou a Tabanca do Centro (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P10500: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (3): No N/M Uíge, com Lisboa à vista (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)



Lisboa > O N/M Uíge em 1968, no Rio Tejo, com tropas a bordo. Foto do álbum do nosso camarada, empregado bancário reformado, a viver em Penafiel, José Rocha, ou José Barros Rcoha, ex-Alf Mil, CART 2410 (que passou por Mansoa, Guileje e Gadamael, 1968/70).

Foto: © José Rocha (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

A. Continuação da nova série do nosso camarada e amigo J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil da CCAÇ 728, (Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), jurista da Caixa  Geral de Depósitos, reformado [, foto atual à esquerda]. 

[ Esta nova série evoca a figura e narra a história alf mil Mário Sasso, da CCAÇ 728 - Os Palmeirins -,  nascido na Beira, em Moçambique, de uma família de origem eslovena, os Sasso; o Mário Sasso foi morto em combate no Cantanhez, em 5 de dezembro de 1965].




B. Ficou um palmeirim nas bolanhas da Guiné >  

3. A Barra do Tejo


Foi o primeiro a subir ao portaló, do garboso Uíge, ao raiar do dia previsto para a chegada. Que ansiedade...

Fazia uma ligeira neblina sobre a extensão de mar, mas dava para ver, ao longe, em recorte de brincar, uma faixa de verdura, salpicada de pontos brancos, avermelhados por cima. Eram as casitas da costa alentejana todas rasteirinhas ao chão.

Não havia ainda aquela praga de betão, a crescer em altura, que havia de surgir, muitos anos, mais tarde. Muito diferente do que estava habituado a ver. Nada que se parecesse com aquela pujança de verde, em altura e densidade.

A luminosidade do céu e a cor da luz do sol eram diferentes. Ali, o sol estava a nascer dos fundos da terra e não das larguras das águas do mar, como na Beira. A bola de fogo não era tão cheia de lume e o vestido do céu era de um azul muito mais ténue, como o de uma criança... O céu era mais alto e transparente até ao infinito, em vez da capa acinzentada a que se habituara, desde pequeno.

Do outro lado do vapor, era o mar imenso, a perder de vista. Já estavam todos fartos de mar, desde a saída, há uns dez dias, sem parar.

Ao fim de uma horas sempre iguais, surge uma grande embocadura, a entrar pela terra dentro. Um farol ao meio, divide-a, em partes diferentes. A do lado direito é amarelada e ondulada; desce, erma e alcantilada, sobre as águas verdes do rio; a do lado esquerdo está cheia de casario estendido pela encosta suave e verde acima, coberta de pinheiros.

O rio vai-se estreitando, lentamente, sem deixar de ter um grande porte…enquanto o casario se vai adensando.

Um frémito nunca sentido invade o jovem Mário que está a sorver tudo, como se fosse uma máquina de filmar. Ali está a famosa Torre de Belém. Tão pequena que ela é afinal…mas é bonita!… Os Jerónimos de telhado rendilhado e com vários torreões esguios lançados para o alto… Um grande palácio ao meio da encosta. Deve ter sido um palácio real. E o casario adensa-se cada vez mais.

O Uíge avança lentamente, em direcção ao cais e deixa ver mais além o Castelo de são Jorge, lá em cima e a Sé, no meio de um mar avermelhado de telhados entrelaçados, sem uma ordem que se percebesse, à primeira vista…A balaustrada do paquete está abarrotar do lado do cais. Lá em baixo há muitos lenços a esvoaçar.

Era a cena que estava sempre a repetir-se. Várias vezes por semana. Os vapores de transporte de passageiros eram o principal, se não exclusivo, meio de ligação da metrópole, pelo mar abaixo, com as extensas e numerosas colónias que formavam o Portugal, de então e com o além-mar, americano.

O avião, sem qualquer carácter de regularidade, ainda estava reservado ao transporte militar.

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10459: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (2): A cidade moçambicana da Beira,berço do Mário Sasso (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)


Guiné 63/74 - P10499: Em bom português nos entendemos (10): Camarada, companheiro, colega, irmão, amigo, camarigo...


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Mansambo > CART 2339 > Abril de 1968 > Fase de construção do aquartelamento (que o PAIGC, através da rádio Conacri, chamava campo fortificado de Mansambo)...Os Alferes Milicianos Cardoso e Rodrigues apanham banhos de luar... Dois camaradas, etimologicamente falando... instalados num hotel de muitas estrelas.

Foto: © Henrique Cardoso / Carlos Marques Santos (2005). Todos os direitos reservados

1. Escreveu L.G. há tempos atrás:

(...) camaradas
(que colegas é só nas putas):
se eu morrer, que me enterrem,
numa anta do meu país megalítico.
(*)

2. Boa questão semântica e concetual: camarada, companheiro, colega, amigo, irmão, camarigo...Qual a diferença ? Há outras palavras usadas aqui, que soam mal aos ouvidos com pruridos de alguns dos nossos leitores como estórias ou camarigos...Sobre os camarigos estamos à espera de ver consagrado o neologismo pelos nossos lexicólogos: até agora o Ciberdúvidas não nos respondeu à questão da sua legitimidade... Nem sei se vai pegar o uso do camarigo... De qualquer modo, para este peditório da nossa bela e querida língua, já temos dado alguns cêntimos... Sempre com amor e humor... 

Sobre o camarada (, salvo seja!, dirão alguns), fomos consultar o Ciberdúvidas da língua portuguesa: aqui vão a pergunta e a resposta, com a devida vénia (**):

A diferença entre camarada, companheiro e colega
[Pergunta] Qual a diferença entre camarada, companheiro e colega?
Pedro Teixeira,  Empresário, Portugal
[Resposta] As palavras têm, de fa(c)to, sentidos muito próximos uns dos outros. A principal diferença está na situação em que são usadas e na carga histórica que lhes anda associada. 

Assim, «camarada», que significou «pessoa que vive no mesmo quarto (i.e. câmara) que outra», acabou por se aplicar a um «soldado da mesma companhia, regimento, divisão» (e há trinta anos usava-se muito em Portugal, como sinal de militância política). 

«Companheiro» é praticamente sinónimo de «camarada», mas tem uma história um pouco diferente: deriva de uma tradução em baixo latim (‘cum’ + ‘panis’), corrente na antiga Gália (hoje, a França), de uma expressão germânica, "gahlaiba", composta de “ga” («com») + “hlaiba” («pão») – cf. Dicionário Houaiss. Por outras palavras, «companheiro», que se referia àquele com quem se comia o pão, passou a significar simplesmente «o que faz companhia». 

Finalmente, «colega» (com o qual se relaciona «colégio») é um termo derivado do latim ‘collega’, por via culta, e designa «indivíduo que, em relação a outro, faz parte da mesma comunidade, corporação, profissão» (ver José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa), ou seja, em termos a(c)tuais, é a pessoa que trabalha na mesma a(c)tividade ou no mesmo lugar que nós.

Carlos Rocha, 19/09/2005

3. Submeti, em 26 de abril último, ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa,  a questão (existencial) de saber se o neologismo "camarigo" já é (ou poderá vir a ser) português de lei... É verdade é que continuo a aguardar resposta. Mas, pela demora (lá vão mais de cinco meses), já não tenho ilusões: a questão foi mesmo parar à "cesta secção"...(LG)

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Notas do editor:


(**) Último poste da série > 18 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10165: Em bom português nos entendemos (9): Uma declaração de amor, bem humorada, à língua portuguesa (Teolinda Gersão + netos)

Guiné 63/74 - P10498: Notas de leitura (415): Uma viagem à Lapónia que ficou por Bissau (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Agosto de 2012:

Queridos amigos,
Sem nenhum constrangimento acabo de deitar no balde do lixo o arremedo poético que deu ensejo ao texto que vos ofereço.
Tudo aquilo me sabia a água chilra, a uma inquietação de quem não sabia comunicar que estava punido e só veria a família um ano e meio depois. Durante anos, atirava as folhas amarelecidas de uma gaveta para outra, a supor uma pirueta imaginativa para a sua aplicação. Prestes a reformar-me, chegou a hora de vazar no balde do lixo todas as insignificâncias. Só que foi neste espaço que tudo publiquei à volta da minha comissão militar, intui que fazia todo o sentido passar-vos a lembrança de um tempo onde, meu Deus, até se invocou a Lapónia a pretexto de um saboroso relato de viagens.

Um abraço do
Mário


Uma viagem à Lapónia que ficou por Bissau 

Beja Santos

Em Março de 1969, fui submetido no hospital militar em Bissau a uma intervenção cirúrgica, tratou-se de uma remoção de cartilagem por detrás do joelho direito que me tornava o caminhar cada vez mais difícil, dava tombos a toda a hora e demorava a conciliar o sono, tais e tantas eram as dores, fruto de um grande tombo de bicicleta, ocorrido largos anos atrás. Estava recém-chegado a Bissau, a ameaça de dois dias de prisão simples tornara-se uma realidade, detido já eu estava, desfazia-se era o sonho de ter férias, singularidade que me levou a viver non stop a comissão militar na plenitude, fora curtas andanças na capital provincial. Fodé Dahaba era visitado todos os dias, nem ele nem eu tínhamos saído do estado de choque que fora o fornilho que o acidentara para o resto da vida, nas fimbrias de Madina, no Cuor profundo, no mês anterior. Sentia-me triste, ainda não tinha recebido a notícia da destruição de Missirá, irá acontecer em 19 de Março. A atmosfera mais aprazível que me era dado viver naquela Bissau era no Pidjiquiti, a olhar aquele bulício de embarcações e vozes, aquele odor da vazante que impregna a atmosfera e que sobe até mesmo à Pensão Central. Aquele magneto que se chama Ilhéu do Rei sempre ao fundo, alargando a panorâmica, era fascínio permanente. Ali sentia-me sereno, ali fazia contas à vida. E ali poetei, imprevistamente.

As circunstâncias em que escrevi “Uma viagem à Lapónia” prendem-se com a dificuldade que sentia em comunicar telefonicamente aos entes mais queridos que não iria vê-los antes de 1970. Sentado num banco, acompanhado de um caderno, lia uma obra de Regnard sobre uma viagem à Polónia, em pleno século XVII, fora uma prenda de Natal do Ruy Cinatti e deu-me para garatujar uma sentimentalidade, era expediente de que me socorria para ganhar coragem para informar, via telefone nos CTT, os factos daquela punição devida a “não ter apresentado, durante uma visita do comandante-chefe, o aquartelamento nas melhores condições de organização e asseio”. E assim se escreveu: “Toda esta inquietação de viajar, não do cais do Pidjiquiti que me pode levar até um ponto do mapa iluminado a petromax e três fiadas de arame farpado, nada tem a ver com este Geba prateado pela fornalha solar; estou é impaciente em partir, fazer uma viagem na Lapónia, estou a ler um relato de um viajante que por lá andou em 1681 e que fala da tundra, de iglus, trenós e campainhas que quebram o silêncio nas noites geladas, mas é neste cais do Pidjiquiti que está tomada a decisão: hei de viajar à Lapónia quando regressar desta terra de sede oleaginosa, talvez feito rapsodo de quem vai do Sol à Lua ártica, contar estas andanças dentro do capim, explicar o que são cibes, a mancarra e o fundo, como são coloridos os cemitérios pelos cajueiros em flor, como as casas podem ser cobertas de colmo ou chapas de polegada e meia. É curioso como o Cuor rima com suor ou, baixando a voz, amor.

Mas tenho que ir telefonar para Lisboa, este passeio pela Lapónia é um devaneio e nada mais, era o que faltava ensarilhar-me, petulante, com noites brancas e nevões suaves, quando estou a viver em plena época seca, era mesmo o que faltava pôr-me ao telefone a divagar sobre madrugadas lustrais, conversas com lapões risonhos, o que eu estou a olhar é para um rio de águas barrentas, taciturnas, que nem rumorejam em direção à foz. Tomavam-me como louco se dissesse: quero ir à Lapónia, não posso passar por Lisboa, é o melhor derivativo que encontrei para me sossegar da guerra, não se esqueçam que parti daí gentil moço, que nunca vira uma cobra verde ou uma surucucu, nem balas tracejantes, nem crianças com barrigas de fome, nem árvores majestosas desfeitas a tiro de canhão, muito menos sabia o que era o baga-baga, nem que estas guerras põem populações em fuga e dividem brutalmente as famílias.

Pronto, ponho termo ao devaneio, a Lapónia é uma mera curiosidade. Daqui a minutos pego no telefone, desdramatizo a operação, calo a raiva desta punição, vou falar de saudades, destas leituras tão inofensivas como seja uma viagem à Lapónia, no ermo da Suécia. Direi então que fui punido, coisa de pouca montra, contem comigo no termo da comissão, daqui a ano e meio. Sim, estamos todos bem, não se preocupem comigo. Dentro de dias volto a Missirá onde me sinto bem. Quantas saudades de vós! Esta noite escrevo. Adeus”

Terá razão o leitor em perguntar a que propósito vem este papelucho se já se escreveu tudo quanto se passou durante a dita comissão. Para ser honesto, o arremedo poético andou de gaveta em gaveta durante a confecção dos livros, que começaram em 2006 e que já acabaram. É que espero em breve reformar-me, toda a papelada saiu das gavetas, no essencial apontamentos, faturas e documentos de vária índole têm vindo a encher o caixote do lixo. E apareceram umas folhas amarelecidas e deu-se conta que o arremedo poético já não me pertencia. Mas se é verdade que nem tudo pode ficar escrito, apaziguou-me passar a limpo o garatujado no cais do Pidjiquiti e dar-lhe publicidade aos meus confrades. Coisa curiosa, é que nunca me apeteceu ir à Lapónia. Mas gostei muito de ler o que Regnard escreveu, sentir aqueles nevões na época seca de 1969. Ponto final sobre uma viagem que não se fez.
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10485: Notas de leitura (414): "História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936", por René Pélissier (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10497: O nosso livro de visitas (147): Ansumane Cassamá, engenheiro agrónomo, natural de Sare Bacar, a viver em Portugal desde 1997




Guiné > Zona leste > A posição relativa do destacamento de Sare Bacar , mesmo junto à fronteira com o Senegal,  parte de um triângulo que compreende Cambaju e Contuboel. Fajonquito fica na carta de Colina do Norte (1956)

Fonte: Carta da Provínica da Guiné (1961). Escala 1/500 mil  (Pormenor)

1. Mensagem do nosso leitor Ansumane Cassamá:

De: Ansumane Cassamá

Data: 6 de Outubro de 2012 20:49

Assunto: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Venho por este meio informar que sou filho e natural de Sare Bacar, Contuboel, Bafatá.

Chamo-me Ansumane Cassamá, nascido a 3 de março de 1969, em Sare Bacar, Guiné-Bissau.

Sou engenheiro agrónomo.

Vivo em Portugal desde 1997, em Monte Abraão, Queluz.

Gostaria de participar nos vossos convívios.

Estive em Sare Bacar há seis meses para visita familiar.

Aguardo. As minhas [saudações], até à próxima oportunidade. Obrigado

Ansumane Cassamá

2. Comentário de L.G.:

Caro Ansumame, agradeço a sua mensagem e vou considerar o seu pedido como um honra para todos nós, amigos e camaradas da Guiné. Este blogue agrega já mais de 580 membros, a maior parte deles antigos combatentes portugueses da colonial colonial (1963/74). Mas também amigos da Guiné, portugueses, guineenses, caboverdianos e outros, que não são ou não foram militares. O Ansumane cabe nesta última categoria. E a propósito, fica deste já convidado a juntar-se a esta comunidade virtual, constituída justamente para "partilhar memórias e afetos".

Muito provavelmente o Ansumane não tem grandes memórias da guerra colonial. Tinha cinco anos e meio quando os últimos "tugas" saíram de Bissau. Mas passou a outra parte da sua infância, bem como a adolescência (e possivelmente a juventude), no novo país lusófono, a Guiné.-Bissau. Talvez nos possa (e queira) contar um pouco da sua vida nesse tempo, até vir para Portugal, em 1997,

Leia as nossas 10 regras editoriais (disponíveis na coluna do lado esquerdo do blogue). Se estiver de acordo com elas, pode mandar-nos uma fotografia atual e um foto (ou mais) da sua região...Queremos apresentá-lo formalmente aos outros grã-tabanqueiros. Reunimo-nos, a Tabanca Grande, pelo menos um vez por ano (nos últimos 3 anos, em Monte Real, Leira).

Não temos muitas referências a Sare Bacar (Clique aqui). A maior parte estão relacionadas com a malta da CCAÇ 3414, que passou por Bafatá e Saré Bacar, em 1971/73, e em especial o nosso amigo e camarada Joaquim Peixoto. Pode consultar a carta (1/50 mil) de Paunca (1957), que englobaa sua terra. Também não temos muitas fotos de Sare Bacar. Eu passei menos de dois meses em Contuboel, em junho e julho de 1969, mas nunca cheguei a ir até à fronteira. Conheci Contuboel, Sonaco e tabancas em redor...  Nesse tempo, era uma região pacífica, podia andar-se em Contuboel num raio de 15 quilómetros, desarmado... Tenho boas recordações dessa região.

Em resumo, Ansumane, obrigado pela sua visita, gostava que nos mandasse uma foto sua, atual, podendo vir acompanhada de mais algumas da sua terra, recentes ou mais antigas. Felicidades pessoais e profissionais. Que Deus, Alá e os bons irãs protejam a  nossa Guiné. Mantenhas. Luís Graça.
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Nota do editor:


Último poste da série > 27 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10302: O Nosso Livro de Visitas (146) ): Jaime Segura, ex-alf mil cav, CCAV 488 / BCAV 490 (Mansaba Bissorã, Ilha do Como, Jumbembem, Bissau, 1963/65)

domingo, 7 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10496 Meu pai, meu velho, meu camarada (33): Mais notícias das forças expedicionárias da ilha de São Vicente, Cabo Verde (1941/45) (Adriano Miranda Lima, cor inf ref)


1. Comentários, ao poste P10284 (*), de Adriano Miranda Lima, nosso leitor, cor inf reformado, natural de Cabo Verde, São Vicente, antigo combatente da guerra do ultramar (Angola e Moçambique), residente em Tomar [,  foto atual à esquerda, ] , e que gostaríamos que aceitasse o nosso convite para integrar esta Tabanca Grande:

(i) Manifesto ao senhor José Martins a minha admiração pelo excelente trabalho de pesquisa que empreendeu e permitiu a publicação desta lista dos militares portugueses falecidos em Cabo Verde. O meu reparo em relação ao lapso de registo respeitante ao major Nicolau de Luizi deve-se ao conhecimento muito particular que tenho do caso. Sou militar (coronel reformado) e servi grande parte da minha carreira no RI 15, sobretudo depois de finda a guerra de África. Essa condição permite-me conhecer muito bem o historial desse regimento, que beneficiei com pesquisas, reescrevendo algumas das suas páginas.


Como sou cabo-verdiano de nascimento, toca-me também de modo muito particular o historial das tropas expedicionárias durante a II Guerra Mundial. É por isso que me atrai este blogue, cuja consulta me tem facultado alguma ajuda para poder escrever alguns textos que comecei a publicar no blogue Praia de Bote, cujo nome se deve à praia com o mesmo nome existente na cidade do Mindelo, na orla do Porto Grande.

Ainda participei em 3 convívios realizados em Tomar pelos expedicionários do RI 15, que incluíam também expedicionários de outras unidades mobilizadas, como os de Infantaria 5 e 7. O grande entusiasta e organizador desses convívios era o senhor Francisco Lopes (que era conhecido no Mindelo como o Chico da Concertina). Infelizmente, faleceu há para aí 2 anos. Estava muito lúcido e ainda vigoroso, mas bastou terem-lhe tirado a carta de condução (conduziu até idade muito avançada) para entrar numa depressão a que seguiu uma pneumonia que foi a causa da sua morte. Julgo que ele tinha 89 anos.

Fiz duas comissões, uma em Angola e outra em Moçambique, mas na Guiné nunca estive.
(ii) Consultando de novo a lista dos militares inumados em S. Vicente, atentei no seguinte caso: Ovídio de Deus da Silva Buiça - 2º Sargento nº 51-42, da Companhia de Comando do 1º Batalhão Expedicionário da Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], idade não referida, natural de Portalegre, faleceu de ferida perfurante do crâneo, por arma de fogo, em 3 de Abril de 1943 [Possivelmente, suicídio]. Inumado na 14ª campa de Rua 56, do Cemitério do Mindelo, Ilha de São Vicente.

Confirmo que se tratou, de facto, de suicídio. Infelizmente, o sargento pôs termo à vida por irregularidades que lhe foram detectadas na administração de contas que tinha a seu cargo. Esse sargento era amigo de um familiar meu.

Visitei em Julho passado o talhão militar e não deixei de me comover com a visão das campas de dezenas de militares que morreram em terra distante longe das suas famílias. É a mesma comoção que me provoca a recordação de duas praças que deixei enterradas em Angola, por lá continuando ainda os seus restos mortais. Em Moçambique, os meus mortos foram já enviados para a metrópole, pois os enterramentos locais deixaram de se fazer. Tarde demais, quanto a mim, pois o efeito moral da situação contrária era arrasador.



2. Apontamentos do cor inf ref Adriano Miranda Lima, no blogue Praia do Bote, sobre as forças expedicionárias em São Vicente, durante a II Guerra Mundial:

(...) Vejamos agora alguns dados constantes da História do Exército Português (1910-1945), obra organizada sob a coordenação do general Arménio Nuno Ramires Oliveira, oficial que, por coincidência, serviu no comando militar de S. Vicente como capitão e major.

A organização militar, que devia ser estabelecida de acordo com o Decreto nº 29686, de 14 de Julho de 1939, acabaria por não ser efectivada em Cabo Verde. Assim, teve-se de recorrer ao envio de forças expedicionárias da metrópole para a sua defesa.

A ocupação das ilhas e a organização das forças foram sofrendo as adaptações que os efectivos iam permitindo. Uma das condicionantes foi a carência de material, em especial de artilharia. Mas em Julho de 1941 encontravam-se prontos a embarcar em Inglaterra com destino a Cabo Verde, 3 peças de artilharia 4,7", 3 jogos para plataformas e 450 munições. (Este material diz respeito à artilharia de costa). As autoridades inglesas ofereceram ainda pessoal para instruir e montar estas peças.


Em 1941, foi criada na cidade do Mindelo, em S. Vicente, uma Bateria de Artilharia de Costa. Em fins de Agosto de 1941, era transferida a título provisório, da cidade da Praia, em Santiago, para a cidade do Mindelo, em S. Vicente, a sede da Repartição Militar. A evolução da guerra mostrou a urgência de criar um dispositivo defensivo na ilha de S. Vicente, pelo que foi ordenada a mobilização das seguintes forças:

Para a Ilha de S. Vicente:

- Comando Militar de Cabo Verde, sendo comandante o brigadeiro Augusto Martins Nogueira Soares, desde Agosto de 1941 até Dezembro de 1944;
- Comando do Regimento de Infantaria 23, integrando os batalhões seguintes;- 1.º Batalhão expedicionário do Regimento de Infantaria 5 (Caldas da Rainha);
- 1.º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria 7 (Leiria);
-  1.º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria 15 (Tomar);
- Bataria de Artilharia de Costa 1;
- Bataria de Artilharia de Costa 2;
- Bataria de Artilharia Contra Aeronaves 9,4 cm;
- Bataria de Artilharia Contra Aeronaves 4 cm;
- Bataria de Referenciação;
- 2.ª Companhia de Sapadores Mineiros do Regimento de Engenharia 2;


Apoiavam estas unidades as formações dos serviços militares seguintes:

- Parque de Engenharia;
- Tribunal Militar;
- Hospital Militar Principal de Cabo Verde;
- Depósito de Subsistência e Material;
- Laboratório de Análise de Águas;
- Depósito Sanitário;
- Secção de Padaria.

O conceito de defesa da ilha de S. Vicente consistia essencialmente numa sólida ocupação e, em caso de emergência, manter a posse a todo o custo das regiões de João Ribeiro e de Morro Branco e a cidade do Mindelo. Para tal, 2 batalhões ocupavam posições de defesa e 1 batalhão, reduzido, encontrava-se em posição de reserva.

Para a ilha do Sal:

- 1.º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria 2:
- 1.º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria 11;
- 3.ª Bataria de Artilharia Contra Aeronaves.
O Hospital Militar do Sal apoiava essas unidades.

O conceito de defesa da ilha do Sal, embora previsse a defesa das costas contra acções provenientes do mar, tinha como principal finalidade a defesa do aeródromo e a sua posse a todo o custo.

Na ilha de Santo Antão, a guarnição era constituída por forças destacadas da ilha de S. Vicente, normalmente uma companhia de atiradores reforçada do batalhão em reserva. Tinha por missão ocupar a povoação de Porto Novo, mantendo a posse da água de abastecimento e a vigilância do canal, em especial na zona correspondente ao Porto Grande de S. Vicente.

Na ilha de Santiago, na cidade da Praia, estava uma companhia de caçadores de praças de recrutamento local/regional, podendo eventualmente ser reforçada com meios atribuídos pelo Comando Militar de Cabo Verde, sediado em S. Vicente. Competia-lhe a defesa da cidade da Praia, como capital de Cabo Verde.

Com o fim da guerra mundial, regressaram à metrópole os efectivos expedicionários. O regresso efectuou-se progressivamente, sendo extintas as unidades, comandos e serviços ali criados. O regresso do Comandante Militar, brigadeiro Nogueira Soares, em Janeiro de 1945, e sobretudo a extinção do Comando Militar criado para o efeito, em 30 de Novembro de 1946, marcaram o final do reforço militar de Cabo Verde, embora várias comissões liquidatárias se tenham mantido pelo tempo necessário à conclusão das suas tarefas.




Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Monte Sosse > c. 1941-1945 > "Peça de 9,4 cm de uma das duas antigas baterias de artilharia anti-aérea de Monte de Sossego (Foto oferecida pelo filho de um antigo oficial que serviu, à época, em Cabo Verde)" [Legenda: Adriano Miranda Lima] [Foto reproduzida aqui com a devida vénia...]


(...) À época da segunda Guerra Mundial, a artilharia antiaérea vigiava o Porto Grande. E a nossa “Praia de Bote” estava, implicitamente, sob o chapéu protector, claro está. Que isto fique desde já assegurado, ou não tivesse a dita Praia sobrevivido até agora, vivinha da silva.

Ora, esta antiga peça de artilharia anti-aérea de calibre 9,4 cm presente nas fotos pertencia, entre outras, a uma das baterias (unidade táctica elementar de artilharia comandada por um capitão) instaladas no cimo do Monte de Sossego. 

A outra bateria era equipada com peças de 4 cm. Fazia também parte desse dispositivo artilheiro uma unidade de referenciação, constituída por projectores (holofotes), fonolocalizadores, preditores de tiro [, aparelho que calcula a posição futura do alvo aéreo,] e seguidores visuais. Desconheço se integrava também radares tácticos e de tiro. Uma vez que este conjunto integrava duas baterias, de comando de capitão, é de supor que o conjunto justificasse o comando de um major. A ser assim, aquelas duas unidades constituiriam um Grupo de Artilharia, embora reduzido nas suas componentes orgânicas, que é sempre de comando de oficial superior (major ou tenente-coronel). Mas admite-se que o conjunto pudesse estar sob o comando apenas de um capitão, já que nessa altura não havia grande abundância de oficiais superiores e o posto de capitão se mantinha até idade bem madura (mais de 40 anos), o que conferia um saber de experiência acumulada ao longo de anos.


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 2006 > Monte Sossego [, ou Ponta João Ribeiro ?,]> Restos da peça de arttilharia antiaére 9,4, do tempo da II Guerra Mundial... Ao fundo, a cidade do Mindelo, o Porto Grande, o oceano, o ilhéu dos Pássaros.

Foto: © Lia Medina (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

Este dispositivo e outros disseminados pela ilha de S. Vicente fazia parte das Forças Expedicionárias Portuguesas a Cabo Verde durante a Segunda Guerra Mundial (activadas entre 1941 e 1945).

Quem for ao cimo do Monte de Sossego encontra ainda quase intactas as estruturas entrincheiradas, tipo bunker, desse antigo dispositivo militar, construídas então pela engenharia militar portuguesa. E tem também oportunidade de reparar em algumas peças enferrujadas (só se mantiveram as de calibre 9,4 cm) e amputadas de alguns componentes.

Eu fui lá em 2003, e pela primeira vez na minha vida. Não estavam lá soldados nem equipamentos, à excepção das referidas peças enferrujadas. Estavam, sim, pessoas a viver no que resta daquelas instalações construídas em subsolo. Disseram-me que eram pessoas de S. Antão que chegavam a S. Vicente à procura de trabalho e não tinham outra hipótese de abrigo senão os bunkers. Mas penso que actualmente essas instalações estão desocupadas, conforme parecem demonstrar fotos de data mais recente que tive oportunidade de ver mas que não possuo. 

Tenho de dizer que me impressionou o estado deplorável em que vivia aquela gente. Cheguei ao local acompanhado de um tio e de um primo e fomos imediatamente rodeados por um rancho de crianças, que nos olhavam como se fôssemos extra-terrestres.

Como afirmei atrás, eu nunca tinha ido ao local, mas ao longo da minha meninice algumas manifestações da existência desse dispositivo artilheiro chagavam até mim de vez em quando. Sim, porque alguma coisa ainda lá se manteve depois da saída das Forças Expedicionárias. Lembro-me, nos anos da década de 1950, dos ensaios nocturnos dos projectores (holofotes). Iluminavam tudo em redor e até a distâncias consideráveis. Morava em Fonte Cónego e era uma festa, para a meninada, quando os focos de luz atingiam as casas e mesmo os nossos corpos. Interrompíamos as brincadeiras de “mangatchada” (brincar às escondidas) para nos deliciarmos com o espectáculo de luz que subitamente quebrava a rotina. (...) 
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 21 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10284: Meu pai, meu velho, meu camarada (31): Expedicionários em Cabo Verde, mortos entre 1903 e 1946 e inumados nas ilhas de São Vicente e Sal (Lia Medina / José Martins)

Último poste da série > 22 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10420: Meu pai, meu velho, meu camarada ( 32): Luís Henriques (1920-2012) evoca, em entrevista gravada em 10 de março de 2010, os sítios onde passou 26 meses, na ilha de São Vicente, em plena II Guerra Mundial: Mindelo, Lazareto, Matiota, São Pedro, Calhau...

Guiné 63/74 - P10495: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (13): Aventura com final feliz: O Cabo 'Bigodes', o Dandi e a mulher mais velha do Dandi...

 


1. Em mensagem do dia 3 de Outubro de 2012, o nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), enviou-nos mais uma história dos Fidalgos de Jol.
 



ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL (13)

Aventura com final feliz…

Todos tínhamos grande admiração pelo Comandante da Milícia. Era um grande guerrilheiro, grande conhecedor da região no Chão Manjaco, fiel aos seus princípios, amigo do seu amigo, daí que ainda hoje seja recordado com respeito pela generalidade daqueles que com ele lidaram mais de perto. Infelizmente o Dandi [, ou Dandy,], como muitas outros que estiveram do nosso lado, acabaria por ter um fim trágico, após a nossa retirada da Guiné. Pura e simplesmente foi eliminado em circunstâncias mais ou menos obscuras, como é “usual” nestes casos.

Fora o aspecto militar, era uma pessoa como tantas outras e, enquadrada naquilo que era considerado natural socioculturalmente dentro das diversas etnias na Guiné, ou seja, com um peso religioso muito determinante no que respeita ao relacionamento e tratamento dos seus filhos e suas mulheres.

Sendo quem era, para além do que já referi no contexto militar, também no aspecto civil, se assim se pode considerar ou desassociar, era igualmente muito respeitado (ou temido?), tendo um estatuto acima da média dos restantes elementos da população masculina da tabanca, daí que no meu tempo de Jolmete, era casado (ou possuía) 4 mulheres. Era uma situação perfeitamente aceite por todos tendo em conta a sua crença religiosa, que nem sequer chocava aqueles que, da nossa parte, se assumiam mais ortodoxos quanto a esses hábitos, religiosamente falando.

Até aqui tudo bem, só que o nosso amigo Dandi nem sempre se mostravam muito “civilizado” (no nosso conceito) relativamente ao relacionamento que tinha para com as suas mulheres, sendo por vezes uma pessoa muito agressiva e até prepotente. Era do nosso conhecimento que com alguma frequência lhes batia, principalmente nas mais velhas, algo que de facto nos incomodava mas, dadas as circunstâncias, não tínhamos grandes hipóteses de interferir.

Estando este facto em determinada altura a tomar proporções alarmantes, diria mesmo, preocupantes, uma das suas mulheres tomou a decisão de fugir, daí ter tentado por diversas vezes obter sem êxito o “passaporte” (guia de transporte) para dali sair e assim escapar aos maus tratos a que estava a ser sujeita.

Ora isto era algo quase impensável, e ninguém se atrevia a deixar sair umas das mulheres do Dandi, sem ele ter conhecimento de tal facto. Ela só poderia ausentar-se de Jolmete se houvesse uma prévia autorização do Comandante da Milícia. Pôr-se a caminho sozinha, estava fora de questão, pois seria facilmente apanhada, pelo que a única solução era mesmo aproveitar uma das ausências do marido para sair através de um transporte, primeiro até ao Pelundo, e depois com ajuda de familiares iria tentar seguir para norte. Para que isto resultasse era preciso o envolvimento (conivência) de várias pessoas, dada a “complexidade” da situação.

Tomada a decisão por parte do meu amigo Borges, 1.º Cabo, impedido do Comandante de Companhia, em ajudar a infeliz mulher, restava organizar o esquema para que os resultados fossem os desejados. Assim, em determinado dia de ausência mais ao menos prolongada do Dandi e coincidente com uma coluna para o Pelundo, combinou-se a fuga da Nhimba Djassi. Para não sair directamente do quartel, ela apanhou a viatura na bolanha onde íamos à água, cujo abrandamento era quase obrigatório, e onde se montava sempre uma pequena segurança para entrada de outro pessoal. A mesma era conduzida pelo nosso amigo “Bob”, que já estava identificado com o esquema. Sendo eu o chefe de viatura, limitei-me a conferir se estava tudo correcto com a guia de transporte, e lá seguimos viagem.

Até ao dia em que o Dandi chegou e se deparou com a fuga desta sua mulher, as coisas aparentemente correram bem, só que não tendo ele conseguido trazer de volta a Nhimba para casa por já não estar no Pelundo, começaram as complicações. Soubemos mais tarde que ela havia conseguido chegar até ao Cacheu, e dali até uma aldeia na fronteira do Senegal, sítio onde praticamente estaria a salvo de uma possível investida do seu marido.

O Comandante de Companhia ainda tentou resolver pessoalmente o assunto, mas não conseguiu convencer o Dandi a esquecer o comportamento da mulher, pelo que o acontecimento passou para o conhecimento do Comandante de Batalhão, e mais tarde para o Comandante do CAOP1, Coronel Paraquedista Rafael Durão. Quando o vimos sair do seu DO a perguntar pelo Cabo que havia passado a guia de transporte para a Nhimba, para lhe partir o “focinho” (era hábito ele resolver tudo ao murro e à chapada), o Borges já não sabia onde se havia de meter, e nós pensámos logo... “estamos feitos!”.

Comigo e com o “Bob” acabou por não haver qualquer problema, pois limitámo-nos a dar cumprimento ao que era normal nestas situações mas, com o Cabo “Bigodes”, tendo a situação ultrapassado o que estava estabelecido, as coisas começaram a complicar-se. Importa salientar que o Dandi era medalhado com a Cruz de Guerra, e tinha alguma influência / impacto junto das altas esferas militares, e foi assim que inclusive o assunto chegou também ao conhecimento do General Spínola.

Tendo este acontecimento ocorrido já bem perto do final da comissão e, portanto, já de saída de parte do Batalhão para o Cumuré, começaram desde logo a correr os mais variados boatos tais como, que o Borges ia ficar preso, que o Companhia ia ser castigada com mais tempo de comissão, que o Dandi havia de se vingar, enfim era já a ansiedade da partida para a metrópole a baralhar o raciocínio do pessoal.

A situação não ficou resolvida sem o nosso amigo Borges ser chamado ao Quartel-General,  já bem perto do dia do embarque, onde se deparou com uma mesa cheia de oficiais superiores para saberem o que efectivamente se havia passado. Contou ele mais tarde que o interrogatório foi de tal ordem que a determinada altura quase faltou dizer que ele até nem gostava de mulheres, pois o problema descambou para a possibilidade do seu possível envolvimento com a Nhimba. Felizmente lá conseguiu argumentar da melhor forma (dar a volta ao texto), explicando que tudo não tinha passado de um grande equívoco e baralhação de nomes.

O General Spínola acabou por dar o caso como encerrado, mas o Cabo “Bigodes” só se sentiu realmente seguro e aliviado, quando o navio Uíge largou amarradas e, pelo Geba abaixo, se dirigiu ao alto mar.

Como se costuma dizer, não ganhou (ganhámos) para o susto… No fim, tudo acabou em bem, até porque o Dandi acabaria por aceitar sem mais problemas o desfecho. Importa salientar que a Nhimba Djassi era a sua mulher mais velha, talvez por isso se tornasse mais fácil arranjar uma outra mais nova… (minha suposição).

Jolmete, Maio de 1972 > À entrada do meu abrigo

Jolmete, Junho de 1972 > Com uma cria de cabra de mato

Jolmete, Junho de 1972 > Tempo de matar a sede

Jolmete, Junho de 1972 > De pé com os meus amigos Bob, à esquerda, e Bigodes; à direita

Jolmete, Agosto de 1972 > Estrada velha de Buba

Jolmete, 1971 > Vista aérea do Quartel

Mapa da Guiné > Região do Cacheu

Navio Uíge no alto mar
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10432: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (12): A minha primeira noite no Jol

Guiné 63/74 - P10494: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (7): Cufar, 1970 (Parte I)


Foto nº 58

Foto nº 61


Foto nº 59


Foto nº 67

Guiné > Região de Tombali > Cufar > Pel Caç Nat 51 > 1970 > Álbum fotográfico do Armindo Batata, ex-alf mil, que esteve em Guileje de janeiro de 1969 a janeiro de 1970, e depois em Cufar... De cima para baixo: fotos nºs 58, 61,  53, 59 e 67. No foto 58, está o Armindo, o primeiro, à esquerda, de óculos, possivelmente acompanhado de dois dos seus furrieis ou cabos, metropolitanos.

Não sabemos  quanto tempo é que o nosso camarada Armindo Batata, de rendição individual, esteve em Cufar, a comandar o Pel Caç Nat 51...Possivelmente uns 9 meses, até acabar a sua comissão.  Estas fotos, tal como as restantes que foram cedidas ao Núcleo Museológico Memória de Guiledje, não têm legendas. Espero que, depois, o Armindo nos dê uma ajuda... LG



 Fotos: © Armindo Batata (2007). / AD - Acção para o Desenvolvimento Todos os direitos reservados [Fotos editadas por L.G.]

Guiné 63/74 - P10493: Agenda cultural (220): Apresentação do livro "Alpoim Calvão Honra e Dever", dia 11 de Outubro, pelas 18h30, na Sociedade de Geografia em Lisboa

APRESENTAÇÃO DO LIVRO "ALPOIM CALVÃO - HONRA E DEVER", DIA 11 DE OUTUBRO DE 2012, PELAS 18H30, NA SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DE LISBOA - SALA PORTUGAL, RUA PORTAS DE SANTO ANTÃO, 100


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10472: Agenda cultural (219): Lançamento do livro de Julião Soares Sousa, "Guiné-Bissau: A Destruição De Um País", dia 5 de Outubro de 2012, pelas 18h45 na FNAC do Colombo, Lisboa

Guiné 63/74 - P10492: O PIFAS de saudosa memória (15): Compactos de gravação, Parte I (Garcez Costa, ex-fur mil, 1970/72)



Vídeo (6' 23''):  Guiné, Bissau, PFA - Programa das Forças Armadas, s/d []c. 1970/72]... Alojado no You Tube > Nhabijoes

© Garcez Costa (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine. Todos os direitos reservados


1. Mensagem do Garcez Costa, ex-radialista do PFA - Programa das Forças Armadas (1970/72), com data de 21 de setembro último:




De acordo com a promessa seguem anexados 3 compactos de gravações que aqui e acolá foram para o ar...

A compilação está referenciada com os indicativos:
1 - P.F.A. (Programa das Forças Armadas)
2 - P.F.A. Nocturno
3 - Noite 7 (Emissão especial aos Sábados)

Viva o Pifas e quem o apoiar!
G.C.  [Garcez Costa]
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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10393: O PIFAS de saudosa memória (14): Garcez Costa e mais alguns camaradas do seu tempo (1970/72)

Guiné 63/74 - P10491: Parabéns a você (478): Jorge Rosales, ex-Alf Mil da 1.ª CCAÇ (Guiné, 1964/66)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10477: Parabéns a você (477): Artur Conceição, ex-Soldado TRMS da CART 730 (Guiné, 1965/67) e Inácio Silva, ex-1.º Cabo Apont Metral da CART 2732 (Guiné, 1970/72)