1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 24 de Abril de 2012:
Queridos amigos,
Estou em crer que este Luís Fernandes sabia da poda como poucos, há aqui informações sobre a história do PAIGC que não podiam estar no domínio público, era domínio de eleitos.
O curioso é que se lê este artigo publicado em 1968 e a generalidade do seu conteúdo é inquestionável, só aqui e acolá é que o conhecedor profundo que o escreveu cede à linguagem panfletária. E faz-se também uma menção a uma associação de tecelões, Artissal, foi o que encontrei numa coletânea de experiências de desenvolvimento local em espaço lusófono.
Um abraço do
Mário
Aspetos da subversão na Guiné, em 1968
Beja Santos
A revista
Ultramar (propriedade do Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa) dedicou inteiramente o número do segundo trimestre de 1968 à Guiné. Banha de Andrade publicou uma história breve da Guiné portuguesa, Teixeira da Mota publicou um artigo sobre a visita do governador das ilhas de Cabo Verde António Velho Tinoco à Guiné em 1575, António Carreira teceu aqui considerações sobre unidade histórica e populacional entre a Guiné e Cabo Verde, Rogado Quintino abordou um tema religioso
“Entre gente temente ao Deus-Irã” e Luís Fernandes Dias Correia da Cruz dissertou sobre a subversão na Guiné.
Pelo que adiante se dirá, este Luís Fernandes era um pseudónimo, há que uma vastidão de conhecimentos no patamar do sigiloso, há aqui uma exposição tão bem organizada que por detrás do autor devia estar um estudioso que entendeu ficar a recato. Porque o conteúdo é escorreito, na sua generalidade batia certo e o autor até terminava com a mensagem que toda esta vasta matéria devia chegar ao conhecimento de um público mais amplo.
Começa o autor por nos referir o que mudou em África com a II Guerra Mundial: o continente adquiriu uma invejável posição estratégica, do Mediterrâneo ao Canal de Suez, pela valorização da rota do Cabo e pelo controlo das vias marítimas do atlântico sul. Deu-se uma ampla participação das populações africanas de um conflito, incluindo na constituição de exércitos. África passou a constituir o complemento económico da Europa, os dois grandes blocos dominados pelos EUA e URSS encontraram neste continente uma nova área de conflito e de persuasão ideológica. Emergiu o conceito de independência e de libertação da metrópole. No caso particular da Guiné, deu-se à sua volta a decomposição da África Ocidental Francesa e a Guiné Francesa recusou ficar ligada à França, tornou-se Estado soberano em 2 de Outubro de 1958 e logo muito requestada pela URSS, China e os novos Estados socialistas. O Senegal transformou-se numa república autónoma mas com francas ligações à França.
Passando para a descrição dos movimentos emancipalistas da província da Guiné, o autor descreve conscienciosamente aquilo que hoje é ponto assente da historiografia: Movimento para a Independência da Guiné, PAIGC, Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde, União das Populações da Guiné, Reunião Democrática Africana da Guiné, União dos Naturais da Guiné Portuguesa, União Popular para a Libertação da Guiné. Recorde-se que só o Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde e o PAIGC é que convergiam para a independência conjunta da Guiné e Cabo Verde, todos os outros defendiam o princípio da “Guiné para os guineenses”. Refere-se a ação do Movimento de Libertação para a Guiné sobretudo o desencadeamento de ataques, sem ter estrutura militar para o fazer e muito menos implantação junto das populações. Depois surge a FLING que recebeu as simpatias do Senegal e cujo dirigente Benjamim Pinto Bull chegou a ter uma conversa com Salazar. Todas as tentativas de unificar estes movimentos falharam por razões várias, não sendo alheio o motivo dos ressentimentos entre cabo-verdianos e guineenses. O que interessa é que a partir de Maio de 1965 a Organização da Unidade Africana passou a reconhecer somente o PAIGC como um movimento melhor estruturado e mais apetrechado para a luta.
Entrando na descrição do meio humano e na análise das etapas da subversão, o que faltou ao autor do texto foi o acesso ao pensamento de Cabral, avaliando a luta como um conceito maoista em que o PAIGC preteria a subversão urbana para as regiões rurais, criando uma comunicação em que os ideais da libertação se baseavam no nacionalismo sobrepondo-se às divisões tribais. Vê-se que o autor sabe do que fala quando descreve quem e como apoia os portugueses e as forças da subversão. A par disso, o autor dá-nos um quadro da política externa do PAIGC associada ao movimento anticolonialista e tudo quanto escreve também bate certo, estava altamente informado e conhecia com pormenor as próprias dificuldades de recrutamento do PAIGC no interior da província, junto de certas etnias. Ao finalizar, o autor considera ainda prematuro fazer uma apreciação correta do processo subversivo na Guiné e apela que todo este fenómeno da subversão devia constituir causa do seu esclarecimento e que se devia dar um mais amplo conhecimento público do adversário.
Como todos nós sabemos, ninguém lhe prestou atenção, não consta que as tropas na Guiné tivessem passado a dispor desta vasta informação apresentada neste artigo da revista
Ultramar. Parece que o secretismo era usado para que os combatentes, totalmente ignorantes do pano de fundo, soubessem só que havia um inimigo temível e brutal que atacava quartéis e aldeamentos e que depois fugia para o mato ermo, funcionava só pela lógica do terror e nada mais.
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O caso Artissal – Associação de Tecelagem Tradicional
O livro chama-se
“Abrindo trilhos tecendo redes – Reflexões e experiências de desenvolvimento local em contexto lusófono”, com coordenação de Brígida Rocha Brito (Gerpress, 2010).
A generalidade das experiências nele contadas tem a ver com São Tomé e Príncipe, mas Mariana Tandler Ferreira apresentou uma comunicação sobre o caso Artissal, a propósito do comércio justo e o desenvolvimento local na Guiné-Bissau. Artissal reúne mais de 28 produtores de tecelagem tradicional das regiões de Biombo e de Cacheu. Desde Março de 2006, a Artissal desenvolve ações de formação e capacitação dos seus produtores em torno das questões ligadas ao comércio justo, a saber: níveis de qualidade dos seus produtos; participação das mulheres na comunidade; melhorias na organização de um corpo de produtores. Os jovens tecelões e as suas mulheres têm sido inseridas em diferentes iniciativas de capacitação entre as quais a alfabetização e formações específicas de economia solidária e de comércio ético. Passados estes anos de vida, Artissal está assim organizada: corpo de produtores que realiza trabalho no contexto de uma ocupação; e o pessoal de apoio com papel pluridisciplinar.
Fazendo a avaliação da Artissal, a autora considera que ganhou autonomia, tem bom desempenho enquanto ator de desenvolvimento e está mais apta para responder às solicitações do mercado:
“O funcionamento horizontal da organização e a igualdade no processo de remuneração, bem como na tomada de decisões destaca a prática de igualdade de género. No conjunto, traduz-se em competências acrescidas e na melhor adaptação à especificidade das atividades da Artissal”.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 8 de Junho de 2012 >
Guiné 63/74 - P10013: Notas de leitura (367): "Portugal´s Guerrilla War - The Campaign For Africa" por Al J. Venter (2) (Mário Beja Santos)