quinta-feira, 2 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8364: Agenda cultural (127): Conferência a realizar no dia 3 de Junho de 2011, pelas 19 horas, na Biblioteca-Museu República e Resistência - Espaço Grandela, incluída no 4.º Ciclo de Conferências MEMÓRIAS LITERÁRIAS DA GUERRA COLONIAL, a cargo de Rogério Seabra Cardoso - "Rotas Sem Fim"

Leva-se ao conhecimento da tertúlia a conferência a realizar no dia 3 de Junho de 2001, pelas 19 horas, na Biblioteca-Museu República e Resistência - Espaço Grandela na Estrada de Benfica, 419, incluída no 4.º Ciclo de Conferências MEMÓRIAS LITERÁRIAS DA GUERRA COLONIAL, a cargo de Rogério Seabra Cardoso - "Rotas Sem Fim".


Cartaz - PROGRAMA  4º Ciclo de Conferências das «Memórias Literárias da Guerra Colonial»




Sobre o autor e o livro, ver aqui.


Sobre este autor, e nosso camarada de armas (que vive em Castelo Branco), e sobre o livro, vd. aqui uma entrevista.

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Nota de CV:


Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8323: Agenda cultural (126): IV Jornadas de Memória Militar, dia 31 de Maio de 2011 no Palácio da Independência

Guiné 63/74 - P8363: Contraponto (Alberto Branquinho) (35): Teatro do Regresso - 10.º e último Acto - Estou velho com'ó caraças! - ...mas não cai o pano

COMEÇOU ASSIM...

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 28 de Março de 2011:

Caríssimo Carlos Vinhal
Aí vai o "1º. Acto" do grande "TEATRO DO REGRESSO", que esteve em cena durante mais de uma década e um grande ABRAÇO do
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (26)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

1º. Acto - E Agora?


Cenário:

Finais dos anos 60 do séc. XX.
Deck de navio, navegando em mar alto, transportando tropas de Bissau para Lisboa.

Personagens:

Dois alferes milicianos, fardados, apoiados nos ferros da amurada. Um segura a cabeça entre as mãos; o outro fuma um cigarro e fixa o horizonte, olhando em frente.

Acção:

A segunda personagem, apaga o cigarro, senta-se, encosta-se bem na cadeira, cruza os braços, encara o outro e pergunta:

- O que vais fazer, agora, quando chegares?
(Silêncio, durante uns segundos).

- Não sei se tenho cabeça e disposição para voltar a estudar. E tu?

- Vou abrir um consultório.

- Consultório?! De quê?

- Ponho um anúncio à porta. Assim:

PERGUNTEM TUDO SOBRE GUERRA.
EU RESPONDO.

Ambos sorriem. Sorrisos irónicos.

(CAI O PANO)


...A VAI TERMINAR ASSIM:

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 29 de Maio de 2011:

Caríssimo Carlos
Junto estou a enviar o texto do Contraponto (35), que consta do 10º. e último Acto do "Teatro do Regresso".

Despeço-me (eu, não o Contraponto) com um abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (35)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

10º. Acto – Estou velho com’ó caraças!

(Último acto – aqui.)

Cenário

Porto de Lisboa. Cais da Rocha do Conde de Óbidos.
Amurada de navio que transporta tropas, que regressam da Guiné.
O navio está a fazer manobras para atracar.
Centenas de militares observam de bordo a multidão que os espera no cais, acenando, desfraldando faixas com escritos, agitando lenços de várias cores. Os gritos de chamamento de bordo e de terra misturam-se no ar, fazendo um barulho ensurdecedor.


Acção

O cabo “Alcântara” vem caminhando calmamente, com o saco militar às costas, da proa para a ré, tossindo e ziguezagueando por entre os militares, que procuram chegar-se mais à amurada tentando ver melhor e serem vistos de terra.

Finalmente consegue entrever o Fonseca (um “filho de Campo de Ourique”). Coloca-se ao lado dele, poisa o saco aos pés e, para conseguir fazer-se ouvir no meio da algazarra, berra-lhe ao ouvido:

- Está tudo na mesma, pá: a Torre de Belém, os Jerónimos, a Ponte, o Cristo-Rei, o rio, o Porto Brandão, a Trafaria… e, até, esta maralha toda aí em baixo é a mesma. Eu, é que estou velho com’ó caraças! Parece que já tenho 35 anos. E cheio de gosma…

(NÃO CAI O PANO), pois…

…de muitos e desvairados ACTOS se fez o teatro do regresso!

Alberto Branquinho
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Nota de CV:

Vd. postes do Teatro do Regresso de:

1 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8028: Contraponto (Alberto Branquinho) (26): Teatro do Regresso - 1.º Acto - E Agora?

4 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8048: Contraponto (Alberto Branquinho) (27): Teatro do Regresso - 2.º Acto

11 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8083: Contraponto (Alberto Branquinho) (28): Teatro do Regresso - 3.º Acto

20 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8139: Contraponto (Alberto Branquinho) (29): Teatro do Regresso - 4.º Acto - Missa de Corpos Presentes

28 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8177: Contraponto (Alberto Branquinho) (30): Teatro do Regresso - 5.º Acto - (Des)encontros imediatos

3 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8210: Contraponto (Alberto Branquinho) (31): Teatro do Regresso - 6.º Acto - Que próximo-futuro?

10 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8254: Contraponto (Alberto Branquinho) (32): Teatro do Regresso - 7.º Acto - Prótese

17 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8288: Contraponto (Alberto Branquinho) (33): Teatro do Regresso - 8.º Acto - Foi outra guerra qualquer

24 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8316: Contraponto (Alberto Branquinho) (34): Teatro do Regresso - 9.º Acto - Filho da ausência

Guiné 63/74 - P8362: Parabéns a você (267): António Barbosa, ex-Alf Mil Op Esp da 2.ª CART/BART 6523 e Osvaldo Colaço, ex-Fur Mil da CCAÇ 3566 (Tertúlia / Editores)

PARABÉNS A VOCÊ

02 DE JUNHO DE 2011




NESTE DIA DE FESTA, A TERTÚLIA E OS EDITORES VÊM POR ESTE MEIO DESEJAR AOS NOSSOS CAMARADAS ANTÓNIO BARBOSA E OSVALDO COLAÇO AS MAIORES FELICIDADES E UMA LONGA VIDA COM SAÚDE JUNTO DE SEUS FAMILIARES E AMIGOS.
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Notas de CV:

- António Barbosa foi Alf Mil Op Esp/RANGER na 2.ª CART/BART 6523, em terras de Cabuca, nos anos de 1973 e 1974

- Osvaldo Colaço Pimenta foi Fur Mil Inf na CCAÇ 3566 em Empada e Catió, nos anos de 1973 e 1974

Vd. último poste da série de 1 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8356: Parabéns a você (266): Agradecimento de Mário Beja Santos

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8361: Notícias do nossos amigos da AD - Bissau (18): No Dia Mundial da Criança, pensando na Alicinha do Cantanhez e em todas as crianças do mundo (Alice de Lisboa)







1. Mensagem que chegou à Maria Alice Carneiro, com data de 16 de Maio último, através do correio do nosso amigo Pepito, e que achamos não ficar mal publicar em Dia Mundial da Criança [celebrada em Portugal no dia 1 de Junho; para a ONU,  oficialmente é a 20 de Novembro, data em foi proclamada, em 1959,  a Declaração dos Direitos da Criança).

Fotos: © Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2011). Todos os direitos reservados.




Madrinha Alice;


Aqui estou eu a mandar mais umas fotografias que tenho a certeza vais gostar.

Cresci muito e já ando por tudo quanto é sítio, sempre a roncar as roupas que me enviaste.

A Mãe Cadi  tem estado em Cafine onde abriu um bar e onde vende refeições, para ganhar uns dinheiros e ajudar a família.

beijinhos da Alicinha [,de Farim do Cantanhez]



2. Resposta da madrinha Alice de Lisboa:

Querida afilhada, Alicinha, querida Cadi:

Como é bom saber que a minha flor de Farim do Cantanhez está a crescer, como uma bela e saudável criança. Nela depositamos todas as esperanças (a mãe, Cadi, o pai, António Baldé, os avós, o amigo Pepito, os fulas e os nalus, e todos os demais povos da Guiné-Bissau, mais o seu governo)...


[ Faz votos, Cadi, para que a nossa menina goze de todos os direitos que são universalmente reconhecidos a todas as crianças do mundo, desde 1959, sem distinção ou discriminação por motivo de etnia, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer natureza, nacionauidade, classe social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, quer sua ou da sua família. Princípio 1º da Declaração dos Direitos da Criança.]


Rezo, minha querida Alicinha, ao mesmo Deus da tua mãe e do teu pai, para que os homens que governam o teu país e o mundo, tenham inteligência emocional, sabedoria humana e recursos suficientes para te poder garantir, a ti e a todos os meninos da Guiné, o direito ao futuro e à esperança, respeitando a tua dignidade e liberdade como pessoa.


[A criança gozará de protecção social e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidade e facilidades, por lei e por outros meios, de modo a assegurar o seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal, em condições de liberdade e dignidade. Princípio 2º.]

Felizmente, tens um pai, fula (embora longe, a viver e a trabalhar em Portugal), e uma mãe, nalu, e um nome e uma pátria. Como é bom saber que tens uma família que te protege e que te ama. E que o teu avô é um bom guineense, e um grande patriota, um combatente que lutou pela liberdade do povo a que pertences e de quem deves ter sempre orgulho.

[Desde o nascimento, toda criança terá direito a um nome e a uma nacionalidade. Princípio 3º.]


Pelas fotos tiradas pelo nosso comum amigo Pepito, e que me deixaram tão feliz (obrigado, Pepito!),  vejo que tens tido os cuidados de saúde mínimos, mas tão necessários,  para poderes escapar à terrível maldição da morbimortalidade infantil que se abate sobre as crianças do teu país e do teu continente.

[A criança gozará os benefícios da segurança social. Terá direito a crescer e criar-se com saúde; para isto, tanto à criança como à mãe, serão proporcionados cuidados e protecção especial, incluindo os  adequados cuidados pré e pós-natais. A criança terá direito a alimentação, recreação e assistência médica adequadas. Princípio 4º.]

Pelo que vejo e pelo que me contam,  és uma criança linda e perfeita. E que em breve poderás ter água potável, na tua aldeia, devendo ali ser construído um poço e montada uma bomba que será movida a energia solar... Graças aos esforços da AD, do Pepito e do meu querido amigo Zé Teixeira e demais amigos portugueses, muitos deles ex-combatentes da guerra colonial. E isso alegra o meu coração, porque a Cadi já não precisará de ir à bolanha buscar água, salobra e impura; e tu serás livre para  ires brincar com os teus amiguinhos; e já não apanharás doenças associadas à ingestão de água inquinada.

[À criança com incapacidade física, mental ou social  serão proporcionados o tratamento, a educação e os cuidados especiais exigidos pela sua condição peculiar. Princípio 5º. ]


Que ternura ver a mãe Cadi seguir-te com o olhar, pegar-te ao colo, velar por ti, vestir-me com as roupinhas que te mando, posar orgulhosa como uma raínha nalu, contigo,  para a fotografia, trabalhar para ti, dar-te tudo do pouco que ela tem... [Seguiu hoje mesmo, mais um encomendinha postal com roupas e brinquedos, para ti; espero que cheguem bem, e em breve; só não te mando  lápis e marcadores para desenhares e pintares, porque ainda não tens três aninhos e não seria seguro deixar-te sozinha com estes materiais].

[Para o desenvolvimento completo e harmonioso da sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, ao cuidado e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afecto e de segurança moral e material;  salvo circunstâncias excepcionais, a criança da tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas. Princípio 6º].

Quero saber se vais ter escola, e professor, e cadernos e lápis e livros, na tua tabanca, quando fores maiorzinha... Tenho medo que possas não aprender o português, língua oficial do teu país e janela para o mundo (que é muito maior que a tua aldeia em Farim do Cantanhez)... Como a tua mãe, que não fala português, comunicando comigo, ao telemóvel, apenas por monossílabos, por frases curtas, por um rudimentar crioulo...

[A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e obrigatória pelo menos a nível do ensino básico. Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la para, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver as suas aptidões, a sua capacidade de decidir e de julgar,  e o seu sentido  de responsabilidade moral e social, bem como tornar-se um membro útil da sociedade. O superior interesse da criança deverá impor-se sempre aos responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais. A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito. Princípio 7º.]

Quero ter a certeza que estarás sempre em segurança neste nosso mundo, na tua África,  no teu país, na tua região de Tombali, no teu Cantanhez, na tua tabanca...


[A criança figurará, em quaisquer circunstâncias, entre os primeiros a receber protecção e socorro. Princípio 8º]


Angustia-me pensar que um dia, quando te começarem a ver como um mulherzinha, possas vir a ser vítima do cruel fanado,  da Mutilação Genital Feminina, de acordo com os usos e costumes dos fulas e de outros povos da Guiné... Espero que o teu pai (um homem grande que já conheceu mundo) e a tua mãe saibam  que o melhor para ti, e para as meninas da Guiné, passa por romper com as práticas cruéis das fanatecas, práticas essas com que os homens, no passado, tinham a veleidade de se apoderar do corpo e da alma das mulheres.

[A criança gozará protecção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração Não será jamais objecto de tráfico, sob qualquer forma. Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira no seu desenvolvimento físico, mental ou moral. Princípio 9º]

Farei o meu melhor para, eu própria, tua madrinha, te proteger contra os diabos da intolerância e do ódio entre grupos e entre povos, em Portugal, na Guiné-Bissau e no resto do mundo. Gostaria de poder acompanhar o teu crescimento com orgulho e com muito amor, como se fosses minha filha. E gostaria de um dia destes te conhecer, e conhecer os teus avós. A tua mãe, Cadi. já a conheço desde 2008. Com o  teu pai, António Baldé, falo regularmente ao telefone. Falta tu conheceres a tua madrinha portuguesa.  Mil beijinhos, para ti e para a tua mãe. Boa sorte para o negócio da Cadi, mulher de coragem. A Alice de Lisboa.

[A criança gozará de protecção contra actos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza. Criar-se-á num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal. Princípio 10º].
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P8360: Blogoterapia (181): Apesar da idade, continuamos a realizar os nossos Encontros e ainda nos comovemos (Ernesto Duarte)

1.Mensagem do nosso camarada Ernesto Duarte* (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), com data de 29 de Maio de 2011:

Boa Noite Carlos
Tudo de bem contigo e com os teus, são os meus desejos.

Carlos, eu de uma maneira geral sou um pouco vadio, um pouco vira-latas, aproveitando tudo para estar o mais tempo possível fora, e como ainda não ando com o caixote às costas, passa-se muito tempo que não tenho noticias, eu já disse isto um milhão de vezes, mas a idade não perdoa, vou sendo chato.

Na semana de 14 de Maio foi o almoço da minha Companhia, da minha Companhia é favor.
Correcto será dizer de um grupo de velhos gordos, que teimosamente continuam a não deixar morrer aquela chama. Penso que enquanto existir um que se dê mexido há almoço.

Eu e uns quantos, todos, comovemo-nos sempre, nós sentimos ali ainda aquele espírito de união, de respeito, de convivência sadia, e vêm muito ao de cima aqueles momentos que estão cá marcados. Fomos e estava tudo preparado, sem perguntas, sem más vontades, agindo como um todo.

Comovo-me por aqueles que já muito doentes, de canadianas, sem falarem, braços ao peito, mas aquele olhar é o mesmo, demonstra uma força e um querer, aqueles abraços são vidas que se agradecem em simultâneo.

Comovo-me por aqueles que lá ficaram.

Comovo-me, porque há 44 anos que chegámos, há 46 que partimos e há para aí 47 que me apareceram aqueles tipos de fardas largas e com aspecto de tudo menos de militares, e nós fizemos deles militares, combatentes e hoje estão ali uns homens que até deram um pontapé na vida difícil.

Só um militar e um operacional pode ouvir isto: - Foi graças a ti que eu cá estou, devo-te tudo.

Sentir este orgulho, é nosso, só nosso dos operacionais.

Que raio de gente fomos nós, que raio de gente somos nós, que esta quantidade de gente é ignorada pela Pátria que tanto amamos.

Mas como sou vira latas, aproveitei mais a minha companheira de 50 anos para andar por aí. O almoço era em Ílhavo / Vagos e a nossa primeira paragem foi em Badajoz.

Depois uma ida lá baixo para ver as coisas, cheguei há pedaço.

Carlos, eu no tempo em que o Azimute foi feito, era muito mais ingénuo e aquilo na altura mexeu comigo, mexeu connosco, e ao encontrá-lo hoje não sei atribuir-lhe qualquer valor, vocês com mais conhecimentos, poderão por ventura atribuir-lhe algum. Eu não gosto de me tornar pesado, sabendo o mundo de papeis ( mail ) que tens, obrigado.

Exemplar de um Azimute oferecido pelo camarada Ernesto Duarte ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Obrigado Carlos, um bom 4 de Junho, não quero ser profeta da desgraça, mas o 5 deve todo ele ser mesmo ímpar.

Um grande Abraço e tudo de bom
Ernesto Duarte
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Notas de CV:

(*) Vd. poste da série de 20 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8142: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (11): Domingo de Ramos (Ernesto Duarte)

Vd. último poste da série de 1 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8358: Blogoterapia (180): Sondagem sobre a Tabanca Grande (Miguel Pessoa)

Guiné 63/74 - P8359: A rebelião das Caldas da Rainha, em 16 de Março de 1974, lembrada pelas fotos de Luís Sacadura

1. Mensagem de Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 28 de Maio de 2011:

Caros Luís, Vinhal, Magalhães, Briote e restante Tabanca Grande
Este texto, o poema, bem como as fotos são testemunho de um tempo que foi um pesadelo que todos vivemos com maior ou menor intensidade.

Um abraço e até para a semana em Monte Real e aos que não poderem estar na nossa festa um até sempre.
Juvenal Amado


 O 16 DE MARÇO DE 1974 EM FOTOS

O meu Batalhão estava no Cumeré já a aguardar embarque quando se deu o levantamento das Caldas da Rainha.
Foi com natural apreensão que essas notícias chegaram até nós, pois já com 27 meses de comissão, os nossos receios viram eventuais atrasos no nosso embarque resultante da situação que se vivia na Metrópole.
Ainda foi alvitrado no gozo por alguém, que quando desembarcássemos nos seria distribuída novamente as G3 e ainda acabávamos na Serra da Estrela.

Quanto a mim juntava a essas preocupações o facto de o meu primo direito Luís, que era furriel miliciano e o Caetano, que era alferes miliciano, os dois de Alcobaça, estarem nessa altura a cumprir serviço militar no referido quartel e que decerto se teriam envolvido nos acontecimentos, de resultaram à volta de 200 prisioneiros.

O meu primo já estava em liberdade quando desembarquei em 4 de Abril, mas o Caetano só o vi depois do 25 de Abril quando foi solto.

Hoje quem lê sobre os acontecimentos os nomes de militares ligados à Guiné, são prova de que, o facto terem sido lá combatentes, assumiu um peso muito grande tanto neste levantamento como no 25 de Abril, que levaria por diante o derrube do regime.

Por último as fotos foram-me enviadas dos EUA pelo o meu primo com a devida autorização para as publicar.


ESTAR VIVO E NEM PODER PENSAR

As paredes estreitam-se
Formas estranhas e bizarras deslizam
A boca sabe a qualquer coisa orgânica
As mãos tacteiam um rosto desconhecido
A pernas não lhe pertencem
Os braços não lhe obedecem

Gritos ecoam pelos corredores
Na cabeça os pensamentos baralham-se
Não quer pensar em nada
Mas a vida passa-lhe em frente
É melhor não pensar em nada
Quando pensamos ficamos transparentes

O pensamento lê-se
O nosso cérebro projecta-o
Deixa-nos nus e indefesos
Noites de gemidos e silêncios
Alguém arreganhará os dentes
Já o tinham avisado que pensar é perigoso!

Falou? Não Falou?

Quando e se sair dali;
Andará cuidadosamente
Sentirá um arrepio em cada esquina
Não se olhará nas montras
À noite ficará de olhos abertos
Qualquer ruído será um sobressalto

Tentará parecer que nada aconteceu
Beijará sua mulher em privado
Nela saciará a sua sede
Responderá aos filhos que esteve doente
Não haverá escândalos nem choros
Voltará mais tarde à luta
Todos fingirão não saber
E não ousarão sequer pensar .

Juvenal Amado



O quartel das Caldas já cercado

Jeep com parlamentar governamental que será o Brigadeiro Pedro Serrano

Pelo aspecto já se estava no capitulo das ameaças

Preparados para defender o quartel

Posto com Reforço.

Tempo de incerteza

Oficiais revoltosos

Capitão Varela um dos comandantes da revolta

Luís Sacadura que me enviou as fotos

Serviço audio-visuais

Fotos: © Luís Sacadura (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8306: Blogpoesia (148): A vida e a morte na ponta de uma vara (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P8358: Blogoterapia (180): Sondagem sobre a Tabanca Grande (Miguel Pessoa)

1. Daqui a dois dias entramos em reflexão e não será permitida a divulgação de sondagens pelo que desde já, e dentro dos prazos legais, aqui fica este exaustivo trabalho de pesquisa do nosso camarada Miguel Pessoa*... pessoa que dispensa apresentações.

SONDAGEM SOBRE A TABANCA GRANDE





Imbuído do espírito que nos últimos tempos tem originado uma série de sondagens efectuadas pelo nosso blogue, resolvi efectuar na minha rua uma sondagem à população local. O estudo era bastante abrangente e permitiu dar uma ideia aproximada do que pensam do blogue e dos bloguistas e do seu impacto na sociedade em geral. Foram entrevistadas 100 pessoas dos diversos extractos sociais, podendo-se dizer que a margem de erro não deverá exceder os 99%.
Os resultados valem o que valem. Alguns deles têm o seu quê de surpreendentes.

Assim:

- 90% acha que todos os bloguistas estão de alguma forma relacionados com a Guiné.

- 10% acha que há pessoal que lá anda que se enganou no blogue mas mesmo assim continua por lá a chatear.

- 57% acha que o Mexia Alves é Presidente da Câmara de Leiria, justificando a ideia com a sua presença imponente e o vozeirão que geralmente usa para expressar as suas ideias.

- 8% está convencido que ele orienta a selecção nacional de rugby, mas este número acaba por não ser representativo…

- 66% está convencido que o Carlos Vinhal é de Lisboa, pois estão habituados a ouvir dizer que ele é um mouro de trabalho (embora a expressão “mouro de trabalho” seja um bocado utópica, por ser difícil encontrar alguém nessas condições).

- 85% está seguro de que a Dina irá atirar o computador do Carlos Vinhal para dentro da banheira (com água, claro) no prazo máximo de 15 dias.

- 99% acha que o Miguel Pessoa devia reduzir a sua presença nos convívios e perder uns quilinhos. O 1% restante é do Miguel Pessoa, que também foi entrevistado, e que acha que ainda consegue papar mais alguns almocinhos antes de se retirar para férias.

- 76% pensa que o Luís Graça tem uma autocaravana ou pelo menos descontos significativos numa empresa petrolífera, dada a sua permanente deslocação ao longo de todo o país (e arredores). Em compensação deve ter um computador com uma óptima autonomia, pois não deixa de escrever para o Carlos sempre que o tempo lhe permite.

- 81% considera que o Virgínio Briote é um avatar do D. Sebastião pois, como sucede com este, todos continuam a aguardar pacientemente o seu regresso.

- 77% confundiu o trabalho do Eduardo Magalhães Ribeiro na EDP com as descargas das ETAR, argumentando que por vezes ele tem que limpar a porcaria que uns tantos atiram para o blogue.

Finalmente, 

- 100% confidenciaram-me que eu devia era fazer algo de útil e deixar-me destas m….. das sondagens, que são muito subjectivas e não levam a lado nenhum. Por isso fico-me por aqui…

Podem continuar a trabalhar – O intervalo acabou…

Abraço
Miguel
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8242: Agenda cultural (120): José Brás esteve na Feira do Livro de Lisboa, dia 7 de Maio de 2011 (Miguel Pessoa)

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7871: Blogoterapia (179): Espero, para o ano, reformado, participar no VII Encontro Nacional da Tabanca Grande (Gumerzindo Silva, CART 3331, Cuntima, 1970/72)

Guiné 63/74 - P8357: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (42): Destacamentos: Augusto Barros e o Grupo das Ostras

1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 27 de Maio de 2011:

Amigo Carlos Vinhal
Cá vai novo apontamento de “Viagem à volta das minhas memórias”, que mais uma vez me fez reviver com prazer e saudade momentos temporalmente distantes, mas presentes no coração e na memória.
Um abraço para ti e outro para a Rapaziada que me possa vir a ler, com votos de saúde, serenidade analítica, independência e responsabilidade na decisão que se avizinha.
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (42)



Destacamentos:
Augusto Barros


Para a grande maioria da rapaziada da “FORÇA”, os tempos de maior incerteza teriam ficado para trás, pelo menos durante uns meses enquanto permanecêssemos distribuídos pelos destacamentos, a sul de Bula.

Mato Dingal e João Landim eram tidos de certo modo como seguros e de população fiável. A excepção era Augusto Barros onde tínhamos conhecimento de a população ser mais “fingida” e de já terem ocorrido flagelações.

A confluência dos Rios Có e Dingal com o Mansôa, configurava uma península onde Augusto Barros se localizava, o que daria (?) o nome a uma Ponta . Era um meio-burako a meu ver mal amanhado e onde beneficiações iam muito lentamente acontecendo. Por lá, e como já referi, ficaram estacionados em coabitação, o Comando e os 2.º e 3.º GCOMB.

O trabalho era o normal, feito em idênticas situações onde havia reordenamentos: Serviços ao destacamento, picagem, deslocações para abastecimento de água e géneros, umas emboscadas nos arredores, pequenas acções de patrulhamento de proximidade, observação, apoio à população, aulas à “canalhada” e não só e em especial tentar que o tempo passasse depressa, ocupando-o com actividades de lazer, intelectuais, desportivas ou outras, que no mínimo provocassem algum prazer individual ou colectivo, todas elas úteis para que as horas se transformassem em minutos.


O Grupo das ostras!

Como é mais que natural, uma das formas encontradas para atingir esse objectivo, eram as reuniões de Pessoal em redor duma mesa, onde a petiscada bem regada, era o mote e por vezes “a morte”.

Chouriças e outros víveres de “qualidade superior lusitana”, enlatados diversos e vinho "estacionados” na arrecadação, de quando em vez sofriam “golpes de mão”, o que criava atritos entre o 1.º Sargento Guerreiro e o meu bom amigo Belchiorinho, Vaguemestre que não gostando que se abusasse, fazia de conta olhando para o lado assobiando, muitas das vezes acabando por participar também na festança! Alentejano e amante das “bazucas” era e continua a ser um maravilhoso ser humano, sempre bem aparecido e acarinhado por todos.

Para além destas reuniões comuns e despretensiosas, de quando em vez juntava-se uma meia dúzia de “privilegiados”, o denominado “grupo das ostras”.

A plena carga de ostras de um “burrito” (Unimog 411) era “tratada” com carinho por competentes entendidos, para vir a ser apreciada pelos convivas reunidos à volta da mesa na messe, onde profusamente se apresentavam as “bazucas”, frescas insubstituíveis e sempre renovadas, qual “Fénix doirada“.

Citrinos temperadores em presença eram “esganados” delicadamente de modo a verter os seus sucos sobre os moluscos bivalves, condicionando-lhes o paladar a gosto.

Pelos meandros de risadas e conversas normalmente “ importantes e intelectualizantes” dos convivas, onde o calão se perfilava e a retrospectiva e futurologia analíticas podiam ter lugar, os “esqueletos externos” dos moluscos e das loirinhas, iam-se acumulando por tudo o que era espaço disponível, em montes cada vez maiores, na razão inversa da quantidade do motivo do convívio que ia gradualmente diminuindo e na razão directa das barrigas dos aderentes que se avolumavam e enrijeciam, sendo os esvaziamento de fluidos corporais cada vez menos intervalados, mais relaxantes e fontes de prazer, enquanto iam passando horas alapados naquela luta tenaz que a alguns ia levando aos limites e à consequente desistência .

Mais mortos do que vivos, de barrigões empedernidos, palavra arrastada e olhares brilhantes de vitória, satisfação e não só, era chegada a hora dos uísques e cafés em multiplicidade, na tentativa de um desejado e bem vindo “amaciamento” da digestão e optimização da circulação sanguínea e não pedonal, esta afectada com certeza e dirigida para a horizontal.

Que o digam os Fur Mil Castro, Almeida, Urbano, Belchiorinho (sempre agarrado à “bazuca”) o Alf Mil Freitas Pereira e outros não tão “empenhados”.

Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8185: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (41): De volta a Bula - Destacamentos

Guiné 63/74 - P8356: Parabéns a você (266): Agradecimento de Mário Beja Santos

1. Mensagem de hoje, 1 de Junho de 2011, do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), que ontem esteve de parabéns:

Meus queridos camaradas,
Tive ontem um dia muito feliz, começou logo com as vossas trombetas no blogue. Trabalhei, participei nas jornadas da Comissão Portuguesa de História Militar onde o Dr. Carlos Valentim, oficial da Armada, e que prepara o doutoramento sobre a obra o do almirante Teixeira da Mota me deu a saber que encontrara numa das caixas da correspondência do distinto historiador um maço de correio que eu lhe enviei do Cuor, com poemas e tudo. Fiquei tão emocionado que a minha intervenção reflectiu depois essa notícia. E no final recebi um abraço do Humberto Reis, ele é um dos principais responsáveis por eu ter chegado ao blogue, aquela fotografia com a capela de Bambadinca mudou o curso dos acontecimentos da minha vida, em 2006.

Agradeço oferecendo-vos a todos este textinho que saiu assim, de rajada e que passa a pertencer-vos a todos.

Agradeço o telefonema do Luís e a mensagem do Carlos Vinhal, pelo ânimo que me deram, preparando o caminho para a alegria dos vossos cumprimentos.

Não sei meter este texto no comentário, o Carlos faça como entender.

Com gratidão,
Mário


Guiné-Bissau > Zona Leste > Bambadinca > 1997 : A velha Capela de Bambadinca.
Foto: © Humberto Reis (2005) (com a colaboração do (Braima Samá)


Nós, os que viemos depois de Nuno Tristão

Beja Santos

Nuno Tristão chegou numa barca de 40 toneladas, saída de Lagos, em Junho de 1446, ia abrir caminho à primeira colónia moderna do mundo, a última que os portugueses julgavam ter pacificado, em1915. Dobrou o Cabo Verde, numa região que durante séculos foi conhecida por Senegâmbia, estava uma manhã soalheira e calma, as águas tinham uma coloração verde amarelada, o vigia, no cesto da gávea, gritou: almadias à vista!

Não eram embarcações, eram tufos de vegetação, a barca singrou por entre essa vegetação luxuriante, ladeou a costa, progrediu para sul, apontou para um rio largo, aproveitando uma maré favorável, num estuário amplo o tripulante descobriu dois rios. Apontou para a esquerda, foi nisto que se ouviu o fragor de trovões, era Junho o mês dos tornados e dos dilúvios tropicais, ouviam-se estrondos medonhos, estarrecida a marinhagem olhava para um céu umas vezes escuro outras vezes glauco, coriscos e trovões sucediam-se ininterruptamente. Depois tudo acalmou, o rio entrara na vazante, seguiu-se imprevistamente uma ondulação rumorosa, o macaréu. Nuno Tristão chegara ao Geba estreito. O Geba estreito onde vivi dois incomensuráveis anos. E definitivos.

Nós fazemos parte daquela falange que em noites de calor húmido, dentro de rolos de serpentina de vapor, ou no Geba de prata escura, pela manhã, aportámos num local chamado Pidjiquiti e daqui partimos para essa vegetação luxuriante, para aqueles tornados, talvez para ilhas, múltiplos pontos ermos numa Guiné que se transformara, na sua beleza labiríntica de tufos luxuriantes, de florestas tropicais, numa densíssima plataforma de guerra.

Viajámos, acampámos, serpenteámos entre lalas e bolanhas, chapinhámos no lodo viscoso, conhecemos gentes de sorriso largo, de pele escuríssima ou acobreada, subimos e descemos nas peças do mosaico etnográfico mais surpreendente do mundo, conhecemos povos tatuados, adornados de contaria, braceletes em alumínio e ferro, com anéis, amuletos, trabalhando a ráfia, as madeiras perfumadas, imolando animais para aplacar as fúrias dos irãs. Ouvimos tocar o korá, fomos picados por biliões de insectos, vimos os anos reduzidos a duas estações, vimos homens a caminhar como reis e mulheres a saracotearem-se como deusas de um olimpo vegetal. Olhámos a arrozais, campos de mandioca, de fundo, de feijão, vimos viajar as perdizes, as chocas, os flamingos. Dentro do arame farpado ouvimos hienas e onças, até javalis, dizem mesmo o brado dos elefantes. E combatemos rodeados pelas geobotânica mais frondosa dos jardins botânicos que África dispõe. Com espingardas metralhadoras, bazucas e morteiros, cirandámos entre o pau-conta, o pau-sangue e o pau-incenso, rasgámos a pele na alfarroba de lala, subimos e descemos caminhos de saibro assente em laterite pura, daí a Guiné ser um misto de verde que desponta num solo incendiado fendido por água enlameada.

Fomos os últimos viajantes depois de Nuno Tristão, este fora precedido por Gil Eanes, que dobrara o Cabo Bojador, deitando por terra a lenda do mar tenebroso. Fomos intrépidos, lacrimejámos, pusemos cruzes nos dias do calendário, ouvimos o grito dos moribundos e o trovão dos palavrões dos últimos adolescentes da nossa geração. Hoje estamos aqui, confraternizando numa mesa que reunirá mesmo depois do último de nós fechar os olhos. Porque esta mesa é a história e há deveres de memória que não morrem. Ponto final.

[Negrito da responsabilidade do editor do texto]
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Nota de CV:

Vd. postes de 31 de Julho de 2011:

Guiné 63/74 - P8348: Parabéns a você (264): Mário Beja Santos, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Tertúlia / Editores)

Guiné 63/74 - P8349: Parabéns a você (265): Pedido de livro emprestado... ou a fome de livros do nosso camarada Beja Santos, em dia de aniversário (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P8355: Memória dos lugares (156): Cutia em 1966, aquando do alcatroamento da estrada Mansoa-Mansabá (José Barros)

1. Mensagem de José Ferreira de Barros* (ex-Fur Mil At Cav, CCav 1617/BCav 1897, Mansoa, Mansabá e Olossato, 1966/68), com data de 26 de Maio de 2011:

Caro amigo Carlos:
A Vida em Cutia não foi fácil.
A construção da estrada Mansoa-Mansabá deu-nos o suor pela testa.
O IN não nos largava.
As condições de habitabilidade também foram bastante difíceis.

Envio algumas fotografias de Cutia que farás com elas o que muito bem entenderes

Um grande abraço
José Barros


CUTIA, 1966 - ALCATROAMENTO DA ESTRADA MANSOA-MANSABÁ

Cutia, 1966 > Barreira de Controle de passagem de colunas de Mansabá-Mansoa, com vista do aquartelamento.

Cutia, 1966 > Cozinha de campanha

Cutia, 1966 > Forno onde se cozia o pão para a Companhia ali instalada

Cutia, 1966 > Lado da estrada para o abrigo

Cutia, 1966 > Visita do Comandante Chefe e Governador da Guiné ao aquartelamento. General Arnaldo Schulz acompanhado pelo Capitão Torres Mendes, CMDT da CCAV 1617

Cutia, 1966 > Traseiras do abrigo

Cutia, 1966 > Pavilhão do Refeitório. Ceia de Natal. O Comandante da CCAV 1697, Capitão Torres Mendes a dirigir algumas palavras de ocasião

Cutia, 1966 > Hora da refeição. Bicha de pirilau para ir à cozinha de campo buscar a paparoca porque ainda não tínhamos barracão para refeitório

Cutia, 1966 > Vista parcial da tabanca de Cutia. Do lado contrário ficava o aquartelamento. O alcatrão ainda aqui não tinha chegado.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8148: Convite (9): Amigo Frade junta-te a nós para partilhares, lembrares e reviveres histórias por que passamos naquela saudosa terra (José Barros)

Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8243: Memória dos lugares (155): Bedanda 1972/73 - A Mulher, Menina, Bajuda de Bedanda (2) (António Teixeira)

Guiné 63/74 – P8354: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (12): Baile de Fim de Ano na Associação Comercial, mesmo ao lado do Palácio do Governador

1. Mensagem de Rui Silva* (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 26 de Maio de 2011:

Caríssimos Luís e Vinhal:
Recebam as maiores saudações, extensivas ao amigo Magalhães Ribeiro e outros co-editores e colaboradores deste extraordinário e insuperável Blogue.

Destas vez vai um “salpico cor-de-rosa” das minhas memórias.

Um abração
Rui Silva

Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

- Uma história de “Guiné minha”-

-Dos tais Salpicos cor-de-rosa das minhas memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”-

Baile de fim d’Ano (1966/67) na Associação Comercial em Bissau, ali na Praça do Império mesmo ao lado do Palácio do Governador.

Eu e um amigo meu do Porto, militar também, bem enfarpelados, entramos logo atrás do Schultz, pois então!

Estávamos em 31 de Dezembro de 1966 e havia passagem de Ano na UDIB e na Associação Comercial, pelo menos; também no Benfica e no Sporting. Deste ficaram as saudades das Verbenas e o “Penalty” na barraca, ao altifalante, sempre a dizer e a malhar no mesmo, até dizer chega: “Gatão é um gato com uma bengala na mão”. Vendia ou sorteava o vinho Gatão. Sala para um pezinho de dança também, e bem frequentada. A loira do Taufik Saad também.

O edifício da Associação Comercial, era um edifício de linhas modernas com um bom salão de jogos no rés-do-chão, do lado direito, e, atrás, virados para a estrada que ligava o Quartel da Amura cá em baixo junto da marginal para Santa Luzia lá em cima, onde estava o Quartel General, serviço SPM e outras instalações militares, estrada alcatroada e marginada de mangueiros, havia 1 ou 2 bons campos de ténis.

Fachada principal da Associação Comercial, vista do lado da Praça do Império e de junto ao Palácio do Governador
Foto reproduzida do ACTD (Arquivo Científico Tropical Digital, com a devida vénia

Vista da Associação Comercial do lado de trás, isto é, do lado da estrada que ligava o quartel da Amura, cá em baixo, até Santa Luzia onde estava o Quartel General e outras instalações militares. Campo de ténis em primeiro plano.
Foto reproduzida do ACTD (Arquivo Científico Tropical Digital, com a devida vénia

Quando se passava lá era olhar e andar. Aquilo era tabu para nós. A nossa vida era no mato aos tiros.
Só que na passagem de ano eu e o meu conhecido há pouco, armamo-nos em finos e apostamos no baile na Associação.
Boas instalações. Vida boa para o colono e militares de patente super. Também se viam lá negros, mas… a servir à mesa.

Então eu e o meu amigo do Porto, como já disse, conhecido (há pouco), do Hospital Militar de Bissau, onde estávamos internados, eu por uma lesão no joelho, vestidos a rigor, camisa branca “casca d‘ovo” que muito se via por lá, brancas e azuis clarinhas, diziam que vinham de Macau, gravata à maneira e fato tirado do fundo da mala, com vincos saturados nas dobras, agora bem disfarçados com a ajuda dos joelhos, e então escolhemos tentar a sorte na Associação. Era mais chique.

Tanto eu como o meu amigo apostamos com parada alta.

Cerca das 23 horas aproximamo-nos da entrada, um pouco timidamente e era só saber como é que havíamos de entrar, o que se antevia difícil. Fardados bem à civil estávamos nós, mas isso podia não chegar.

Até que chega de automóvel o dono da Ancar. Estabelecimento e fabricante (?) de artigos de livraria ali em Bissau, julgo que nas imediações do mercado. Parecia-me ser cabo-verdiano e como era empresário… devia ser mesmo.

“Alto (!)” é agora, pensei. Eu quando vinha a Bissau defendia as cores da Ancar em Andebol de Sete e portanto era aqui a grande chance. E ali o meu presidente mesmo à mão.

Dirigi-me a ele a dizer que era uma atleta da Ancar o “grande” guarda-redes de andebol e ele, sim, disse que me conhecia bem, mas, mais palavra menos argumento, “mandou-me prá bicha”, que não era ele que mandava, etc. e tal, que tivesse paciência, que era afinal o que nós tínhamos menos na altura, digo eu.

As equipas da Ancar e do Benfica antes de um jogo. Sou o 2.º em pé e a contar da esquerda. Ringue nas instalações do complexo desportivo Sarmento Rodrigues em Bissau, onde também se jogava o basquetebol. E ao lado o campo de Futebol, onde os Fuzileiros e os Páras eram assistentes com muita rivalidade. Não raras vezes havia refrega…

Recorte de um jornal, julgo que trissemanário, na época (1966) na Guiné. Este recorte jornalístico é posto à evidência, apenas para que algum nome nas equipas recorde com saudade o evento.

Pronto, gorada aquela que me parecia ser uma grande hipótese!

Passa-se mais alguns minutos e já pertinho da meia-noite eis que chega um grande carro (Mercedes?) preto e sai de lá Arnaldo Schultz, o Governador, com comitiva e com grande pompa.

Entrou com as devidas honras. Recebido, julgo, por elementos da Comissão organizadora, um casal de brancos, muito elegante, meia-idade. Subiram os degraus para o piso superior (Salão de Festas) e tudo voltou ao normal, isto é, o porteiro indígena, de luvas brancas e uma secretária (mesa) à sua frente e ali perto dois maduros desenfiados do HM 241, que não desarmavam.

- Vamos dar qualquer coisa ao preto e ele deixa-nos entrar.

- Não, isso pode ser pior - respondeu o outro.

- Carago, o que havemos de fazer?

Estávamos ali a cogitar quando nos saiu a taluda!

O porteiro dirige-nos e pergunta se nós éramos os convidados do Sr. Virgílio.

- Somos, somos - dissemos a uma só voz.

- Já podiam ter dito. Façam o favor de entrar.

Antes que houvesse alguma dúvida galgamos os degraus de acesso ao salão sem antes termos esbarrado no porteiro que queria a nota, e entramos no Salão de Festas com aparente calmaria e de peito inchado.

Caiu a meia-noite!

Ainda hoje estou por saber quem era esse Sr. Virgílio, ou se foi uma bela jogada do preto que viu ali uma rara oportunidade para ganhar algum, pois mal ele nos abordou e ao ver-nos passar por ele como flechas teve tempo de estender a mão e não era para nos cumprimentar, sabíamos nós. Lá que ficamos os três bem na fotografia lá isso foi verdade e ninguém saiu a perder.

Olha que dois! Ou que três!

Passado o reconhecimento do terreno já estávamos a dançar, cada um com o seu par, claro.

No salão, encostada a uma das paredes laterais, estava um mesa bem decorada com leitão, cabrito e mariscos variados com a lagosta a sobressair de diversos comes bem apetitosos.

Era para nós o segundo golpe de mão!

Vista do Salão, no 1.º andar, na Associação Comercial. Ao fundo o palco aonde actuou um conjunto jovem cabo-verdiano cujo nome (sugestivo) me escapa, na dita Pasagem d’Ano (1966/67)
Foto reproduzida do ACTD (Arquivo Científico Tropical Digital, com a devida vénia

À hora da mesa, aproximamo-nos e um pouco timidamente comecei então a puxar pelas barbas de um camarão fazendo-o aproximar da minha zona, e para dentro do arame farpado, a que ele logo gentilmente acedeu. O meu amigo, noutro ponto estratégico, fazia-se rogado, mas por pouco tempo. Vencidas as “sentinelas” comemos bem a nossa parte. Lá no hospital o rancho era bem diferente.

Bela noite. Um sonho realizado em palco de guerra.

Saímos já madrugada alta e viemos por a Avenida abaixo. Passamos por a UDIB e o baile também estava a terminar. Ainda deu para ver porrada à porta. Afinal a porrada estava na moda por toda a Guiné.

E pronto, foi regressar ao HM e tudo voltou à normalidade. Aí, farda branca, de algodão fininho, e havaianas. Rancho do hospital, servido à mesa, mãos no pão, na fruta, e todo o mais, (não me esqueço que na altura que o soube andei com náuseas uns dias) nada mais nada menos que servido pelo Cabo que na morgue, atrás do Hospital, lavava os mortos e os punha nas urnas. E esta!

No HM241 um grupo de camaradas (Furrieis) de ocasião, ali internados por várias razões - cada um com o seu problema -, no terraço no 1.º andar daquela unidade hospitalar. Eu estou sentado no muro.
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Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 11 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8257: Convívios (329): Convívio da CCAÇ 816, dia 7 de Maio de 2011, em Barcelos (Rui Silva)

Vd. último poste da série de 2 de Março de 2011 > Guiné 63/74 – P7887: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (11): Operação Gamo à base inimiga do Biambe

Guiné 63/74 - P8353: Notas de leitura (243): Província da Guiné, 1972, publicado por Agência-Geral do Ultramar (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Maio de 2011:

Queridos amigos,
Isto de difundir informação fingindo que os territórios só estão a ser perturbados por meras acções de policiamento, acarreta dislates e informações cómicas ou completamente desfasadas da realidade.
O que gosto mais neste documento monográfico da Agência-Geral do Ultramar são as ilustrações a preto e branco: o Pidjiquiti, os vestígios da derradeira sumptuosidade de Bolama, o dispensário do Mal de Hansen, a Sacor, as pontes sobre o Mansoa e o Geba.
Verdadeira preciosidade é o centro telegráfico de Bissau, bem como o Grande Hotel, hoje reduzido a escombros.

Um abraço do
Mário


Província da Guiné, 1972: entre a realidade e a ficção

Beja Santos

Com regularidade, a Agência-Geral do Ultramar difundia sínteses monográficas das províncias ultramarinas ou documentos mais elaborados. Há distância de cerca de 40 anos, poderá ter utilidade apreciar o conteúdo do que se entendia ser mais pertinente para difundir juntos dos leigos: a história, a geografia, a administração, a educação, o ensino e a cultura, saúde e assistência, actividades económicas, nomeadamente.

O resumo histórico referia haver pouco conhecimento da Guiné antes da chegada dos portugueses, o que era inteiramente verdade, mesmo sabendo-se da ligação do território aos antigos impérios sudaneses, mais tarde ao império do Gana e depois o do Mali. A resenha histórica alude às etnias, populações localizadas mais ou menos como na actualidade de há 40 anos atrás: Balantas, Felupes e Baiotes, Banhuns e Cassangas, Cobianas, Manjacos, Brames e Papéis, Bijagós, Beafadas, Nalús, Bagas e Landumãs e Mandingas. A grande novidade que irá ocorrer com a chegada dos europeus é a presenças dos Fulas, que irão ter uma presença predominante no Leste.

A exposição sobre os elementos físicos e humanos é irrepreensível, dá o devido destaque à especificidade hidrográfica e a natureza do clima, descreve as vulnerabilidades do solo e subsolo (as couraças inertes de Boé, a erosão mecânica, a pobreza de grande parte dos solos, o endurecimento da camada superficial, a lateritização e cimentação ferruginosa; nada a dizer sobre a fauna e flora. Passando para a demografia, silêncio total sobre tudo quanto se passava com a chegada da guerra. A desigual concentração populacional é atribuída a factores geográficos, humanos e económicos e as migrações devem-se ao tipo de culturas itinerantes, à cultura da mancarra no Senegal e na República da Guiné.

Enuncia-se o enquadramento administrativo, omitindo como a administração estava profundamente cruzada pela presença militar e como esta invadia as esferas do ensino, da investigação, da saúde e da difusão cultural. Os dados sobre os planos de fomento e rendimentos não afloram nem ao de leve, tudo quanto estava a acontecer nomeadamente a partir de 1963. Uma curiosidade no tocante à caça. Escreve-se o seguinte: “A caça grossa é rara, como sucede com o elefante e o leão. Abundam as onças e os pequenos antílopes. No Sul encontram-se, em pequenas manadas, os búfalos. De entre os animais cuja caça é proibida contam-se: abutres, corvos, serpentários, mochos, corujas, cegonhas, garças, noitibós, andorinhas, etc. São ainda protegidos: chimpanzé, elefante, alguns macacos, jabiru”.

No mapa das estradas, Beli e Madina do Boé (abandonadas depois da chegada de Spínola) aparecem ligadas a Nova Lamego. Na rede de navegação fluvial, diz-se que o maior movimento se verifica no troço Bissau-Bafatá, era por ele que passava grande parte da mancarra de Geba e Bafatá (como é de todos sabido, o Geba estreito só era navegável até Bambadinca, daqui até Bafatá estava completamente interdito por razões elementares de falta de segurança). A única nota dissonante aparece em torno do turismo: “A província tem magníficas condições para certo tipo de turismo, sobretudo o que se processa a partir da caça e das praias e das manifestações folclórico-etnográficas. No entanto, o interesse que ultimamente as potencialidades turísticas estavam a despertar depara-se agora com a perturbação provocada pelo terrorismo desencadeado a partir dos territórios vizinhos”.

Para que conste, para que os estudiosos tomem em consideração esta difusão de informações na Guiné de 1972.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8335: Notas de leitura (242): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (6) (Mário Beja Santos)