terça-feira, 27 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6255: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (12): Os três G e a proclamação da Independência

1. Daniel Matos (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74) fala-nos hoje do que foi a acção do PAIGC nas frentes de Guidaje, Guileje e Gadamael, os célebres três Gs, e da proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau por aquele movimento em 24 de Setembro de 1973.


Os Marados de Gadamael

e os dias da Batalha de Guidaje


Parte XII

Daniel de Matos


Os “três G” e o desfecho das três frentes de guerra em África

Continuam a curiosidade e a estupefacção gerais sobre o andamento da guerra no mato, mais acentuadamente nas zonas fronteiriças. Bissau é uma cidade vestida de “piolhos verdes”, ainda que muitos deles trajando à civil. A capital do Vietname não será diferente, com movimento idêntico e constante de viaturas militares atafulhando o trânsito e de tropas invadindo comércio, bares, restaurantes e zonas de putedo. Para além dos inúmeros quartéis que a circundam, a cidade é um autêntico depósito de adidos, por onde passam os que vêm ao hospital tratar-se disto e daquilo, os que vêm para cá de férias ou estão em trânsito de e para as mesmas, os que são mandados para estagiar numa treta qualquer, – todos os pretextos são bons para quem está no interior dar uma fugidinha, desenfiar-se para Bissau por uma temporada, para respirar fundo. Juntam-se a estes os muitos quadros militares dos gabinetes, os tais que fazem a guerra no ar condicionado basofiando, pois em geral não são parcos a disparar em todas as direcções, quando abrem a boca…


“G” de Guileje, “G” de Gadamael…

Se encontramos alguém conhecido e nos pergunta por onde temos andado e dizemos Guidaje, só falta benzerem-se, ficarem atónitos e quererem logo saber tudo tim-por-tim-tim. Tal batalha, no entanto, já está a perder a actualidade. Em todas as esplanadas não se fala de outra coisa: a nossa conhecida Gadamael está mesmo em grande risco, vivem-se por lá dias horríveis. Lembro-me que, caso estivesse sob um ataque continuado de artilharia como aquele que sofremos no norte, as suas fragilidades seriam idênticas ou maiores que as de Guidaje. Ali não há refúgios subterrâneos nem tectos reforçados com grossas placas de cimento a que possamos chamar abrigo. Bem, é certo que em Guileje existiam e o resultado foi o que se viu… Há outras semelhanças entre Guidaje e Guileje: ficam ambas junto às fronteiras (do Senegal e da Guiné Conacry), estavam as duas dependentes do abastecimento aéreo, eram ligadas ao exterior por um único acesso (a primeira, a Bigene e Binta, e a segunda, a Gadamael), sendo fáceis de isolar se estes caminhos fossem (como foram) cortados. Todavia, tinham uma diferença de vulto, que se revelou definitiva quanto à capacidade de resistência: Guidaje possuía água própria (não sei se estou a divagar, mas lembro-me de ouvir falar da existência dum furo de extracção dentro do quartel); Guileje não tinha água! Aqui, o pessoal ia buscá-la a quatro quilómetros de distância, na direcção do Mejo e por caminhos propícios às emboscadas… Quanto a Gadamael, a situação é intermédia, isto é, a água potável não está dentro do quartel, mas o local de abastecimento é muito próximo e essa dificuldade só existirá caso se verifique um cerco muitíssimo próximo do arame (o que sempre me pareceu improvável de acontecer, até pelas características do terreno circundante, mas estamos sempre a aprender)…

Um soldado nosso recebera um aerograma dum amigo, membro do Pelotão de Reconhecimento Fox n.º 2260 – ou seja, de camaradas que ficaram em Gadamael após a nossa rendição, – e o cenário descrito era dantesco e com tendência a agravar-se. O número de mortos e feridos começa a equivaler-se ao de Guidaje, também estão a construir um cemitério local e o cerco está consumado. Além dos contingentes locais próprios agora está ali o pessoal que chegou de Guileje (o mesmo se dirá em relação aos civis) e o único contacto possível de toda esta gente com o exterior é o braço do rio Sapo (afluente do Cacine). Por outras vias vamos sabendo que já tudo começa a escassear e, à medida que os dias passam, o fogo é cada vez mais violento e amplia-se de dia para dia a destruição dos edifícios (que virá a ser total). Vendo-se incapacitados de se oporem aos intensos bombardeamentos e de darem a volta aos acontecimentos, há militares (a esmagadora maioria) que resolvem abandonar o aquartelamento pela mata do lado do Cantanhez, contornando o tarrafe e a costa de mangal e fugindo em direcção às margens mais palmilháveis do rio Cacine, em busca de refúgio. De notar que, de quase três companhias só cerca de trinta homens permaneceriam no quartel defendendo a posição com morteiros 81. Quer o 15.º Pelotão de Artilharia quer o Grupo de Artilharia de Campanha n.º 10 (Obus 11,4) tinham ficado inoperacionais após um ataque IN de morteiros 120, que destruiu material importante e lhes provocou três mortos (primeiro-cabo David Sousa Cunha, soldado Bassiro Demba e soldado Domena Indi) e ainda onze feridos.

No dia 1 de Junho, começou de manhãzinha o mais crítico de todos os dias da batalha de Gadamael. Houve períodos em que a chuva de granadas de morteiros 120 (às 18 de cada vez) caía de três em três minutos. Logo pelas dez horas ficou inoperacional e praticamente destruído o pelotão de artilharia, que sofreu três mortos e onze feridos. Gadamael ficou reduzida ao morteiro 81 que tinha alcance insuficiente para dar resposta aos bombardeamentos do IN. Conta-se que momentos antes tinha aterrado na pista do quartel um helicóptero que transportava o general Spínola, mas que este teve de ser empurrado para dentro do aparelho a fim de levantar voo de imediato. O silvo das granadas a sair foi ouvido no quartel e os rebentamentos ocorreriam no ponto de aterragem do helicóptero, a cinquenta metros do edifício da secretaria, das messes e das transmissões. Num quartel sem abrigos e com um elevado número de militares concentrados lá dentro, as baixas foram aumentando sem surpresa. Na contabilidade feita ao final do dia eram registados 8 mortos e 27 feridos. Aos poucos, foram tentando fazer evacuações de feridos por barco mas o fogo intenso de cada vez que se dirigiam ao cais dificultava muito a acção. Ao princípio da tarde uma granada destruiu o posto de rádio e feriu os dois comandantes de companhia. "Após a evacuação dos capitães fiquei sem elementos de ligação pois não conhecia ninguém em virtude de ter chegado na véspera", afirma Ferreira da Silva, o oficial enviado em substituição o Major Coutinho e Lima. Num cenário de desespero e os soldados começaram a andar junto às valas a circular apenas dentro da aldeia civil (colada ao quartel, mas poupada ao fogo inimigo). O Capitão Ferreira da Silva, atarefado com as evacuações, só quando o Furriel Carvalho (do morteiro 81) lhe foi dizer que já não tinha granadas e que só se encontravam três ou quatro militares na zona crítica é que se apercebeu que a defesa do quartel estava reduzida a um grupo diminuto de homens. Cerca de 80% das nossas tropas decidiu abandonar o aquartelamento pelos seus próprios pés, independentemente do apoio de duas companhias de pára-quedistas que se deslocaram para a região a aí ficariam estacionadas.

Os pára-quedistas da CCP 121, que tinham estado connosco em Guidaje, não tiveram a mesma sorte que nós quanto a dias de descanso: no dia 12 saíram de Bissalanca em direcção a sul, tendo Gadamael como destino. Não foram os únicos, já havia pessoal das CCP 122 e 123 na missão de “salvamento”, pois uma retirada idêntica à de Guileje estava “em cima da mesa”. A nossa “irmã gémea” CCaç 3520 de Cacine, que já tivera efectivos deslocados em Guileje, esteve igualmente mobilizada para apoiar a defesa do nosso antigo quartel e, com ela, o DFE-21 transportado em zebros.

O “general do monóculo”, que entretanto se tinha deslocado a Cacine, deixou ordens para que ninguém socorresse os fugitivos, que considerava “cobardes”. Só que no navio Orion*, cujo Comandante é Pedro Lauret e que na véspera tinha levado uma companhia de páras até Cacine, impera o bom-senso. A tripulação revolta-se e, como se impõe, marimba-se na opinião de Spínola e recupera entre 300 a 400 “cobardes” que se encontram espalhados pelas margens, em estado verdadeiramente lastimoso, desesperado. Entre eles, há um sem número de feridos a quem o Enfermeiro Abrantes (auxiliado pelo Grumete Ulisses Faria Pereira) presta os primeiros socorros e/ou orienta uma série de ajudantes voluntários a fazê-lo. O então Comandante do Orion refere que “à noite, a coberta das praças estava completamente repleta de feridos”, não restando espaço para que ninguém pudesse deitar-se. Mas alguns necessitam de evacuação aérea.


Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > 1971 ou 1972 > Pedro Lauret, oficial imediato do NRP Orion (1971/73), na ponta do navio, a navegar no Cacine, tendo a seu lado o comandante Rita, com quem fez a primeira metade da sua comissão na Guiné. "Um grande homem, um grande comandante" (PL).



A LFG Orion no Cacheu. Foto do Lema Santos, com a vénia devida


“G” de Guidaje

Só em Maio de 1973, o PAIGC contabilizou duzentas e vinte acções militares no território. Em Guidaje, desde o dia 8, sofremos um total de 43 ataques, com artilharia pesada, morteiros e foguetões, e mais uma vintena delas na vizinha Bigene. Causaram 7 mortes, 30 feridos militares e 15 civis, a somar às baixas sofridas nas colunas (mortos 22, feridos 70) e na operação Ametista Real (10 mortos, 22 feridos e 3 desaparecidos). Em números oficiais, registou-se um total de 39 mortos militares, 122 feridos e 3 desaparecidos.

Quem sou eu para ousar pôr estes números em causa? Entendo, porém, que quem lá esteve fica com a sensação de que poderão não corresponder inteiramente à realidade, que haverá falhas por insuficiência de registos ou quaisquer outras razões. Nos relatos, surgem frequentes contradições em relação aos número de soldados mortos e desaparecidos (por exemplo, na picada Binta/Guidaje, em relação aos corpos que lá ficaram sem sepultura). As coisas baterão certas no tocante aos militares de origem europeia (continente e ilhas adjacentes), só que o mesmo se afigura com menos rigor quanto a soldados (e milícias) de naturalidade africana. Lembro-me de ter notícia (e de, nalguns casos, presenciar) da existência de civis que foram feridos e/ou morreram nas flagelações, emboscadas e minas, e que não terão sido contabilizados. Houve muitos feridos ligeiros que receberam tratamentos diversos sem se deslocarem às enfermarias. Em artigos e entrevistas publicados muito mais tarde sobre esta matéria (e onde, entre outros testemunhos chega a participar, por exemplo, o Tenente-Coronel Coreia de Campos), é referido que no mês de Maio se contaram 167 bombardeamentos a Guidaje (mais 50 em Abril), e houve a lamentar 100 mortos… É também mencionado que durante o mesmo mês terão participado de alguma forma na batalha de Guidaje cerca de mil e trezentos militares portugueses, a maior concentração alguma vez efectuada nos teatros da guerra colonial em todo o continente africano.


(Em jeito de conclusão)

Tombaram em Guidaje quatro Marados de Gadamael (três ficaram lá sepultados) e outros deixaram sangue e muitos suores frios a ensopar aquela terra. Doravante, pelo menos aqueles que lerem estas linhas já nos podem incluir nos registos, foi assim que lá fomos parar… Provavelmente nenhuma outra Companhia do Exército/Infantaria teve o infortúnio de correr os três destinos mais fatídicos deste penúltimo ano da guerra. Dizem os entendidos que o PAIGC quis capturar Guidaje, Guileje e Gadamael, promovendo uma operação “em pinça”, ou “tenaz”, para certificar o seu poderio além-fronteiras. Dirigentes da guerrilha sempre desmentiram que a ocupação de Guidaje estivesse nos seus planos, o que tem lógica, pois era uma aldeia sem qualquer interesse estratégico, valeria mais como posto fronteiriço que, existindo ou não, teria um valor relativo. O mesmo não se dirá dos aquartelamentos a sul. Com Guileje ocupada, se o mesmo acontecesse a Gadamael, equivaleria a uma vasta área de território em que Portugal deixaria de ter qualquer posto avançado, só restaria Cacine, sem quaisquer outras povoações em redor. Apesar da resistência portuguesa em Gadamael, (o ataque final só foi sustido depois da nossa aviação ter bombardeado a base de Kandiafara, para lá da fronteira com a Guiné-Conakry), o PAIGC demonstrou em Setembro de 1973 quem controlava efectivamente a Guiné, quando no dia 24 proclamou unilateralmente a independência em Madina do Boé e viu rapidamente reconhecido na arena internacional o novo Estado da Guiné-Bissau.

Passei o 24 de Setembro de serviço, a montar segurança numa das entradas de Bafatá, mais concretamente num posto que existia sobre a nova ponte do Geba, que era suspensa e uma espécie de miniatura da ponte sobre o Tejo (havia carteiras de fósforos com a sua fotografia e, se bem me lembro, também se chamava Salazar). Tínhamos aí uma pequena telefonia, através da qual ouvi a cerimónia da independência transmitida em directo pela Rádio Libertação. Medindo bem, se algum acesso estivesse a funcionar, a distância em linha recta entre Bafatá a Madina do Boé seria coisa pouca, pelo que a situação provocou-me um sentimento, no mínimo, estranho. Na manhã seguinte, quando a minha equipa foi rendida (o serviço era de 24 horas) e me dirigi à messe para tomar o pequeno-almoço, perguntei aos presentes se mais alguém tinha escutado o mesmo que eu e a resposta foi negativa. Narrei o que se passara, com a convicção absoluta de estarmos numa data que ficaria na História e, meio a brincar meio a sério, acrescentei que já me sentia um “estrangeiro” a pisar o chão da Guiné, provocando um sorriso generalizado, porém, amarelo.

Ao cerco, o PAIGC chamou Operação Amílcar Cabral (recorde-se que o dirigente histórico da guerrilha havia sido assassinado a 20 de Janeiro de 1973). E houve também a Operação Nô Pintcha. Os êxitos alcançados fizeram propalar a derrota militar do colonialismo português na Guiné, dando razão aos que defendiam que só uma solução política, – e, logo, negociada, – poderia resolver o conflito. Na arena internacional, os acontecimentos nos chamados “três G” abriram portas à inevitabilidade da independência e ao alastramento da mesma resolução às restantes colónias africanas, fosse, por tabela, em Cabo Verde, fosse em Angola e Moçambique (cada uma com as suas especificidades quando ao estado das respectivas guerrilhas, mas com o denominador comum de terem a razão política do seu lado), ou fosse ainda em S. Tomé e Príncipe. Dir-se-á que a motivação das forças armadas portuguesas era cada vez menos elevada. Realmente, o contacto com as injustiças sociais e descriminações de todo o tipo em nome de valores cada vez mais desacreditados fez abrir os olhos a muitos de nós. Havia neste tempo pouco mais de cem Companhias em exercício na Guiné e só onze delas eram comandadas por capitães do quadro permanente na frente de combate. Todos os outros eram milicianos, quer dizer, pessoal muito menos vocacionado para alimentar uma guerra injusta, que em geral já tinha lido o que era proibido ler-se na Academia Militar, que já participara (ou, no mínimo, assistira) a lutas estudantis que punham em causa o regime e reconheciam os direitos dos povos das colónias à independência…

A verdade é que o PAIGC, com a evidência dos estragos causados às nossas forças armadas a norte e sul, e da proclamação da independência efectuada bem dentro do território (com a presença testemunhal de delegações estrangeiras e de jornalistas internacionais) alterou aos olhos do mundo a situação, quer política quer militar da Guiné: em vez de ser uma colónia com territórios libertados pela guerrilha, passou a ser um Estado com territórios ocupados por estrangeiros (nós)! E isso passou a fazer TODA a diferença…
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6217: Estórias de Guileje (8): O papel da fragata Orion na batalha de Gadamael (Manuel Reis, ex-Alf Mil At Inf da CCAV 8350)

Vd. último poste da série de 24 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6235: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (11): Os dias da batalha de Guidaje, 31 de Maio e 1 a 12 de Junho de 1973

Guiné 63/74 - P6254: Parabéns a você (110): Hugo Guerra, Coronel DFA Ref (Ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 55 e 60, Gandembel, Ponte Balana, Chamarra, S. Domingos, 1968/70) (Editores)

1. Neste dia 27 de Abril de 2010, festejamos pela segunda vez no nosso Blogue o aniversário do nosso camarada Hugo Guerra* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60, Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70, que é hoje Coronel, DFA, na reforma).

É portanto com redobrado prazer que aqui estamos de novo para lhe desejar muita saúde, muitas felicidades e uma longa vida, junto dos seus familiares e amigos.

Marcamos desde já encontro no próximo ano, neste mesmo dia, para renovação dos nossos votos.

Caro Hugo Guerra, a tertúlia associa-se à tua alegria e envia-te um abraço colectivo.

2. Comentário de L. G.:

Hugo, no teu dia de festa, mando-te um grande chicoração, formulo muitos votos de boa saúde (que é o que precisas mais neste momento) e de longevidade (com qualidade de vida...), na companhia da tua simpatiquíssima esposa, Ema,  com quem tive o prazer de conversar há dias, pelo telefone. Ela, que teve a coragem de voltar à universidade (para fazer o curso de técnica superior de serviço social), terá o apoio que entender pedir-me e que eu  lhe puder dar, nomeadamente sob a forma de textos de apoio nas áreas da sociologia da saúde e do trabalho. Reforça a mensagem que eu lhe transmiti. Espero poder encontrar-vos, a ambos, no nosso belo e fraternal convívio, marcado para 26 de Junho, em Monte Real. Vejo que já estão inscritos.

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2312: Tabanca Grande (43): Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 55 e 50 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)
e
27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4255: Parabéns a você (6): Hugo Guerra, o homem que foi evacuado duas vezes e meia, faz hoje anos (Editores)

(...) O Hugo Guerra, ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)... Não, ele nunca comandou o Pel Caç Nat 50. Já nos pediu para corrigir este pormenor curricular... Aqui fica a correcção. (...)


Podem ver todos os postes deste nosso camarada no marcador Hugo Guerra.

Vd. último poste da série de 24 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6234: Parabéns a você (109): David Guimarães, o melhor rapaz da Tabanca do Xitole (Luís Graça)

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6253: O povo e o município de Moura homenagearam, no passado dia 10, os seus 29 mortos na guerra colonial (Parte II) (Luís Graça / José Brás)








Moura > Largo de São Francisco > 10 de Abril de 2010 > Concentração junto ao monumento aos mortos da guerra colonial, naturais do concelho.  Antes da deposição, por parte da nossa camarada Giselda Pessoa, em nome da Comissão Organizadora (CO),  de um ramo de flores na base do monumento, foram evocados, um a um,  os nomes dos nossos 29 camaradas mortos nas três frentes da guerra colonial (Angola, Guiné e Moçambique), tarefa essa que coube ao  José Mira Infante (ex-Fur Mil, em Angola), da CO.  Respeitou-se depois um minuto de silêncio à memória dos 29 camaradas mortos durante a guerra colonial.



Vídeo (3' 52''): Luís Graça (2010). Alojado no You Tube> Nhabijoes.


1. Mensagem do José Brás:



Data: 21 de abril de 2010 11:28
Assunto: Chorinho é música do Brasil?

OS TEUS OLHOS SÃO MAIS VERDES QUANDO CHORAS (#)


E os meus,  nem sei da cor que são quando choro.
E choro!
Chorei sem vergonha, ainda agora, diante da gente que se juntava à mesa do almoço, em Moura.

Eu explico melhor.

Colóquio de homenagem à memória de quem saiu de Moura para morrer em África, diziam, que em defesa da pátria (*).

Durante a minha intervenção, a custo me contive porque as palavras saltavam sem controlo, directamente do coração para o oxigénio da sala cheia.

Ainda assim, a determinada altura, querendo dizer a palavra décadas, perdi-me em deca...deca...deca, olhei em volta a pedir socorro e alguém na mesa disse décadas.

Escapei. O pânico passou e acabei um discurso de 20 minutos que havia pensado para palavras diferentes.

Almoço alentejano, depois, bom vinho, branco com uns enchidos, uns queijinhos e tal. Tinto também com um bom prato de carne, conversa com os vizinhos da mesa.

Um daqueles grupos corais polifónicos [, o Grupo Coral e Etnográfico do Ateneu Mourense], juntou-se, enlearam braço a braço, cantaram e... esbarrondei-me.

Aquela voz vinha da terra e os cantores eram apenas as colunas do sacro sistema sonoro que consagrava o telúrico.

Pensei! Estes gajos não existem. Quer dizer, a gente que representam, cantando de braço dado, não são eles. Pode até dizer-se que nem existe já tal gente, perdida nos séculos de uma vida dura e firme, de batalhas contra a fome a exploração desumana, de sol-a-sol engravidando a terra do patrão.

Não, porra! Que sufoco era aquele que me chegava do fundo de mim, me esganava subindo até à boca, aos olhos, à cor e à temperatura da pele da face?

Tentei resistir e não pude. Tentei esconder e não pude.
Ao meu lado a companheira do Luís estendeu um guardanapo e disse não te contenhas.

Já não escondia. Os outros,  fingindo que não viam e eu fingindo que não sabia que eles viam.

Parou o cante mas não as lágrimas, teimando no caminho que a força da gravidade lhes impunha.

Largos minutos para que serenasse, num jogo conivente e colectivo de faz de conta que não foi nada.

Recuperado da pancada súbita, não esperei muito. Agarrei minhas coisas e, quase à francesa, levantei o braço direito e disse obrigado até à próxima, pessoal!

José Brás

(#) Título de poema de amiga minha do Norte
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior desta série > 18 de Abril de 2010 >  Guiné 63/74 - P6175: O povo e o município de Moura homenagearam, no passado dia 10, os seus 29 mortos na guerra colonial (Parte I) (Luís Graça / Francisco Godinho)

Guiné 63/74 - P6252: Tabanca Grande (215): O Francisco Silva, hoje cirurgião, ortopedista, no Hospital Amadora-Sintra, foi o substituto do infortunado Alf Mil Op Esp Nuno Gonçalves da Costa, do Pel Caç Nat 51, morto por um dos seus homens em 16 de Julho de 1973


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Iemberem > Simpósio Internacional de Guileje (1-7 de Março de 2008) > Visita ao sul > Em primeiro palno, ao meio, o Dr. Francisco Silva, madeirense, cirurgião, especialista em ortopedia,  a exercer  o Hospital Fernando da Fonseca, Amadora-Sintra, médico assistente do nosso camarada Hugo Guerra. À sua esquerda, a Maria Alice e à direita Salifo Camará, 87 anos, régulo de Cadique Nalu e Lautchandé, antigo Combatente da Liberdade da Pátria. Foto tirada por ocasião da visita ao centro de saúde materno-infantil de Iemberem.

O que eu não sabia é que o Francisco Silva tinha um "segredo" para me contar...

O Francisco Silva, que viajou de jipe, por terra, com mais camaradas, na viagem à Guiné, de ida e volta, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008), foi Alferes Miliciano, tendo pertencido à CART 3492, que esteve no Xitole (com o Joaquim Mexia Alves e o Álvaro Basto).

O Francisco Silva revelou-me  na altura ter saído da CART 3492 para substituir um alferes morto na parada, pelos seus homens, africanos (ou por um dos seus homens, já não sei  precisar bem) do  Pel Caç Nat 51, sediado em Jumbembem, sector de Farim. Segundo o Francisco Silva, o alferes terá sido morto por que "era um tipo bom de mais, com problemas para impor a sua autoridade ao pelotão (que era etnicamente heterogéneo, e tinha um historial de problemas de disciplina)"...

Sabemos agora, através do Fernando Araújo (*), que esse infortunado camarada chamava-se Nuno Gonçalves da Costa, era natural de Arcos de Valdevez, e terá sido morto, "traiçoeiramente", a sangue frio, à queima-roupa, " com 3 tiros de G3", disparados por um militar do seu Pel Caç Nat 51, que não acatou o castigo (um reforço) que lhe imposto pelo seu comandante. A data fatídica foi em 16 de Julho de 1973. Os seus restos mortais repousam no cemitério da sua freguesia natal, São Jorge.








Lisboa, Belém, Forte do Bom Sucesso > 10 de Junho de 2009 > Mini-encontro do pessoal da Tabanca Grande  (**) > Virgínio Briote e o Francisco Silva, hoje, médico, ortopedista no Hospital Amadora-Sintra (colega, portanto de outro membro da nossa Tababa Grande, o Dr. João Graça, interno de psiquiatria, embora ainda não se conheçam pessoalmente)... 

O Francisco esteve no Xitole, na CART 3492 (1971/74) (com, entre outros  camaradas membros da nossa Tabanca Grande, o J.  Mexia Alves, o Álvaro Basto, o Artur Soares, o António Barroso, nomes que me vêm à memória, e que eu cito de cor, correndo o risco de esquecer outros...), e depois em Jumbembem, na região de Farim (onde lhe coube substituir o comandante do Pel Caç Nat 51, morto na parada por um dos seus homens)... 

O Francisco Silva tem comparecido, juntamente com a esposa, Elisabete Silva, nos nossos convivios, quer da Tabanca Grande,  quer da Tabanca de Matosinhos (pelo uma vez, quando foi a um congresso médico , no Porto, em Outubro de 2009), quer da sua companhia original, a CART 3492.

O Francisco já consta, desde Março de 2008, da nossa lista de membros da Tabanca Grande. Julgo que nos falta o seu endereço de email. E uma foto do tempo de Guiné. De qualquer modo, é injusto não ter sido ainda formalmente apresentado à nossa Tabanca Grande. Fica aqui reparado o lapso.

Fotos: © Luís Graça (2008). Direitos reservad
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Notas de L.G.:

Guiné 63/74 - P6251: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (12): Canfuja, sector de Piche, com o Jamanca e a CCAÇ 21, no rasto do PAIGC (Amadú Djaló, Alf Comando Graduado)

Mensagem vinda do Com-Chefe

AGÊNCIAS NOTICIOSAS INFORMAM QUE GOVERNO PROFESSOR MARCELO CAETANO FOI DERRUBADO POR MOVIMENTO DAS FORÇAS ARMADAS. NÃO RECEBIDA QUALQUER COMUNICAÇÃO OFICIAL. ADMITINDO QUE IN POSSA TENTAR EXPLORAR SITUAÇÃO INCREMENTO SUA ACTIVIDADE SUBVERSIVA. TODOS OS COMANDOS DEVEM ADOPTAR MÁXIMA VIGILÂNCIA E GARANTIR PRONTA CAPACIDADE REACÇÃO. COMANDANTES UNIDADES SÓ DEVEM RESPEITAR ORDENS QUE RECEBAM APÓS RIGOROSA AUTENTICAÇÃO SUA ORDEM. AUTENTICADO.

Transcrição manual da mensagem original, em impresso normalizado, recebido em Guidaje, em 26 de Abril de 1974 (*)

Fonte:  © João Dias da Silva (2008). Direitos reservados



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Em quase todos os aquartelamentos do CTIG, houve a seguir ao 25 de Abril de 1974, entre Maio e Junho,  tentativas mais ou menos bem sucedidas de aproximação do PAIGC com vista ao cessar-fogo, ao fim da guerra e à reconciliação (e vice-versa). Nesta foto, vemos o camarada, amigo, ex-Fur Mil José Manuel Lopes (o poeta Josema)  com um guerrilheiro do PAIGC. Mais difícil terá sido a aproximação entre o PAIGC e os militares guineenses que estavam do lado das NT, como foi o caso dos Comandos Africanos.

Foto: © José Manuel (2008). Direitos reservados.

 
 



Guiné > Zona leste > Paúnca > CCAÇ 11 > Junho de 1974 > O J. Casimiro Carvalho (ex-Fur Mil Op esp., oriundo da CCAV 8350, Guileje, 1972/73) em convívio com guerrilheiros do PAIGC.

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.





Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Pirada > 3ª CCAV / BCAV 8323 (1973/74) > Bateria anti-aérea montada pelas NT, em Pirada, já depois do 25 de Abril. Chegou-se a recear, em entrada em cena, de Migs soviéticos, em relação aos quais estas anti-aéreas, do tempo da II Guerra Mundial, seriam completamente inúteis...

Foto: © Joaquim Vicente Silva (2009). Direitos reservados

 
 1. Em 5 de Junho de 1973, o Amadu Djaló (agora Alferes Comando graduado)  foi tranferido com mais oito oficiais do Batalhão de Comandos para a CCAÇ 21, com sede em Bambadinca… Na véspera do 25 de Abril de 1974, a CCAÇ 21 está em Piche, “no rasto do PAIGC”…Será a última saída do Amadu… A 27 de Abril de 1974, regressa a Bambadinca. Eis como ele descreve os seus últimos dias de guerra (publicados no seu livro, sendo resultado - esta e outras partes - das entrevistas feitas pelo Virgínio Briote):

No dia 22 de Abril de 1974 encarregaram-nos de seguir o PAIGC, visitar também essas tabancas procurando obter informações sobre a actividade da guerrilha. O plano era sair de Piche, a pé, passar pelas tabancas de Ufoias, Pajama, Ufra e Unago e passar a noite numa tabanca abandonada, entre Unago e Canjufa (p. 272). (…)

De manhã, tínhamos recebido, por rádio, a ordem de retirada. E depois dessa hora nunca mais nos contactaram. Estávamos no dia 24 de Abril de 1974. Passámos a noite em Canjufa, com a intenção de recolhermos ao Gabu. No dia seguinte, 25 de Abril, às 9h00, ouvimos o rádio [, de um mílícia]. Golpe de Estado em Lisboa ? Ficámos todo o dia à espera de mais notícias e decidimos permanecer no local até nova ordem. Depois começámos a chamar pelo rádio todos os postos. Piche, Pirada, Gabu, Bambadinca, ninguém respondia. Mais uma noite aqui, ordenou o Jamanca [, tenente graduado comando, que comandava a CCAÇ 21] No dia 26, já passava das 16h0, depois de constantes chamadas pelo rádio, fomos contactados pelo Comando-Chefe, em Bissau. Que estavam a ouvir as nossas chamadas e perguntavam-nos quem éramos. Jamanca respondeu, disse quem éramos e do Comando-Chefe mandaram-nos continuar em escuta. Ouvimo-los chamar o Gabu e ficámos a a aguardar, até que mais ou menos um hora depois, chegaram três Unimogues 404 para levar uma companhia inteira. (…) (p. 275).


Depois do 25 de Abril, outros encontros 


Nunca mais vou viver dias assim. Depois de sabermos que tinha havido um golpe militar em Lisboa, aqueles dias a seguir não sei bem como os descrever. Nos últimos dias de Abril ou princípios de Maio de 1974, encontrei-me frente a frente com o PAIGC, com o cabo-verdiano Antero Alfama, um bom homem. Na altura ainda todos, brancos e pretos, tinham armas nas mãos. O Antero perguntou-me quem eu era, como me chamava. Eu estava acompanhado de um furriel da nossa companhia, a CCAÇ 21, e no grupo também se encontravam, alguns furriéis, cabos e soldados de Bambadinca, negros, da nossa companhia africana. [Alguns, possivelmente oriundos da CCAÇ 12].


Abro a conversa assim: 
- A nossa maior preocupação é que nós somos irmãos, andámos na guerra durante muitos anos, houve um muro entre nós que foi agora derrubado. Precisamos de falar com vocês, para nos aproximarmos. 


No local estava muita gente e cada vez se juntavam mais pessoas. Então fomos para outro lado, com aquela gente toda atrás de nós. Antero olhou-me e disse:
 -Olha, Amadú, nós não temos militares, o que temos é guerrilheiros. Amanhã, para formar o Exército da Guiné vocês vão ser precisos. Têm formação militar completa, o que os nossos homens ainda não têm. 


O que acabava de me dizer podia ser verdadeiro, mas pareceu-me uma saída política. E a conversa terminou com a promessa de nos voltarmos a encontrar. (…) (pp. 276/277).

Amadu voltará a encontrar o homem do PAIGC no Xime e em Bafatá, nos dias seguintes. O Amadú foi utilizado, em pleno chão fula, em Bafatá, para servir de “intermediário” nas reuniões do Alfama com a população. “Não tinha ainda suficiente confiança no povo, desconfiava que podia estar gente ligada à DGS que o pudesse matar” (p. 277).

Passados mais uns tempos (em finais de Maio ou princípios de Junho de 1974), o Amadú tem um encontro com o comandante João Silva, numa tabanca senegalesa, junto à fronteira, a seguir a Cambaju. A descrição do encontro e a transcriação do teor das conversas são importantes para se perceber as contradições de sentimentos e de ideias que havia no seio do PAIGC, relativamente ao passado, ao presente e ao futuro dos guineenses que se alistaram nas fileiras do Exército português.

(…) À minha frente estava um homem de aspecto afável, mais ou menos da minha idade [, c. 43 anos,], o comandante João Silva, um balanta muito prestigiado entre o PAIGC. Apertámos as mãos e convidou-me a acompanhá-lo. (…) Entrámos numa sala, eu, Cassamá [, antigo soldado do esquadrão de Bafatá, agora dono de um carrinha de caixa aberta que fazia serviço de táxi entre Bafatá e Cambaju,],o Maude Embaló, conselheiro, um comissário político de que não me lembro o nome, o comandante João Silva, o Pedro Nazi, responsável pela segurança da zona e vários soldados armados do PAIGC.


Depois de ter dito o meu nome, que era alferes dos Comandos Africanos, feita a minha apresentação, o João Silva virou-se para o Pedro Nazi e disse-lhe.
- Então, já ouviste ? - E convidou-o a falar.


(…) O Pedro Nazi começou assim
- Está bom. As minhas palavras… eu não tenho muito a dizer. Este camarada que está aí sentado, nunca se lembrou que este dia chegava. Para mim, Pedro Nazi, um trapo no ombro não me engana para matar os meus irmãos. Branco não se engana com dinheiro na mão para matar os meus irmãos. Os Comandos fizeram grandes crimes nas zonas libertadas. Se os comandos entravam numa dessas zonas, essas zonas andavam a chorar três ou quatro meses, um pai que perdeu um filho, o filho que perdeu o pai, uma mulher que perdeu o marido, um homem que perdeu a esposa. Foram matanças, crimes! Os brancos têm número de militares superior a nós, os brancos têm carros, carros de combate, aviõees, mas Deus deu-nos a razão e os brancos perderam a guerra. Agora hoje está aí sentado para falarmos de Guiné! Ele nunca pensou, nunca passou pela cabeça dele, que algum dia viria ter connosco para falarmos da nossa terra, da Guiné. Eu já falei o que tinha a falar.


Então quando João Silva se estava a preparar para falar, eu, que tinha ficado muito chocado com as palavras do Pedro Nazi, disse:
 - Desculpa, João, eu quero responder às palavras que ouvi. - E enfrentei os olhos do Pedro Nazi. -Camarada Pedro, é ainda muito cedo para falar da maneira que o camarada falou agora. Muito cedo. Nós não viemos cá saber o que se passou. Porque se nas zonas libertadadas vocês apresentam mil órfãos, nós vos mostramos órfãos aqui na zona. O chicote da guerra é cumprido, muito comprido. Quando quer bater no inimigo também pode tocar em inocentes. Nós levámos em consideração os orfãos e as viúvas que vocês fizeram cá. Foi a guerra. Tenho a certeza que as bombas que vocês lançaram em Bafatá, aquelas bombas mataram população inocente. A vossa ideia era matar militares, mas mataram civis. Nós, quando entrámos nas zonas libertadas, quando havia disparos contra nós, disparámos também e matávamos civis. O povo das zonas libertadas não nos pode julgar porque sempre considerou os militares como criminosos e por isso quando viam tropa,  fugiam. E o povo das zonas urbanas também não vos pode julgar nem considerar o PAIGC criminoso. Por isso, vamos deixar essa parte de lado, camarada. 

Logo, João Silva gritou Viva PAIGC, Viva PAIGC e as pessoas que estavam com ele gritavam Viva PAIGC. E João Silva continuou:
 - Hoje fiquei satisfeito. Já sei que nós vamos ter a independência. Temos homens como este no Exército Português, que reconhece o passado, porque nós não somos militares, somos guerrilheiros. Exército são eles. Este irmão esteve onze anos num lado, eu estive no outro, um contra o outro. Ele não morreu até hoje, eu também não, estamos aqui sentados a conversar, o que nós pedimos é que não haja mais motivos para ele ou eu fazermos mais guerra. Fiquei muito satisfeito. A única coisa que peço ao camarada é coragem, é coragem que eu te peço. (…) (p. 279)

Foi um encontro afável, mas com algum tensão, de certo modo premonitória. E o Amadú conclui:

Com as palavras do comandante João Silva fiquei mais satisfeito, mais aliviado, mas houve uma altura, quando estava a falar o Pedro Nazi, eu perguntei a mim próprio, por que é que eu tinha vindo. O Cassama, o motorista (..) quando comecei a falar vi-o a escorregar do banco para o chão e enfiar a cabeça entre as mãos. No fim do encontro, o Cassamá estava com presa de sair dali. (…) O João Silva, o Pedro Nazi e a comitiva acompanharam-nos até à fronteira. Apertámos as mãos e a abraçámo-nos. Recordo que Pedro me recomendou coragem (… ) (pp. 279/280). 

E bem precisa foi, a coragem, para o Amadu conseguir sobreviver e chegar, mais tarde, são e salvo, a Portugal… Ele está entre nós desde 1986, depois de ter sido preso mais do que uma vez na sua terra natal… Com 70 anos, velho e cansado, o Amadú agora só quer é voltar ao seu chão, à sua gente, à sua família...

Depois do encontro com o João Silva e o Pedro Nazi, os novos senhores da Guiné-Bissau, Amadu sabia que “agora, 25 de Abril, nova era” (p. 280)… (**)
__________________

Notas de L.G.

(*) Vd. postes desta série >


14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2939: No 25 de Abril eu estava em... (1): Guidage (João Dias da Silva, CCAÇ 4150, 1973/74

(...) 25 de Abril de 1974 – Parece que hoje houve um GOLPE DE ESTADO MILITAR, em Lisboa.


Passámos todo o dia à volta do rádio, ouvindo as edições especiais da BBC em língua portuguesa, a tentar saber algo sobre o sucedido.

Por enquanto está tudo muito, muito confuso, pois todas as notícias são precedidas de "parece que" ou finalizadas por "não confirmado". Vive-se por aqui um certo estado de tensão por não se saber nada em concreto. Há que aguardar.

Pelas 22H45 chegou uma mensagem relâmpago confidencial do COM-CHEFE (Brig Bettencourt Rodrigues) a informar que corriam notícias que o Governo de Marcelo Caetano tinha sido derrubado, mas que eram só boatos (...).

19 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2963: No 25 de Abril eu estava em... (2): Gadamael e a vontade de lutar do PAIGC também era pouca (Anónimo, Alf Mil Op Esp)

(...) Depois do 25 de Abril nós tivemos muitos encontros com quadros do PAIGC em Gadamael e é óbvio, pelas nossas conversas, que o poder militar deles não era assim tão superior ao nosso assim como não era a vontade [de] luta[r].

No meu parecer Portugal teria arranjado meios de defesa para uma guerra convencional porque esta envolveria seguramente a Guiné Conacri e os nossos aliados (se é que os posso chamar assim) enviariam material.

Para terminar, na minha opinião se o 25 de Abril não tivesse acontecido, a guerra duraria muito mais tempo até uma solução política ser arranjada e muitos de nós por lá teriam ficado. Uma guerra de guerrilha não se ganha nem se perde desde que haja interesses dos dois lados a financiá-la. (...)


1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3262: No 25 de Abril eu estava em... (3): Gadamael e depois Cufar (José Gonçalves, ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 4152)

(...) Era em principio de Maio de 1974, pouco depois do 25 de Abril . Estava na messe de oficiais a beber o meu whisky quando o barman me diz que estava um preto a querer falar com o comandante. Eu fui ver o que era e deparo com um indivíduo, desconhecido, bem vestido e com muita cortesia me pediu para falar com o comandante. Perguntei-lhe quem era e o que queria do comandante. Para minha surpresa disse-me que era o comissário político do PAIGC para a zona de Gadamael e que queria falar com o comandante sobre o 25 de Abril. Fiquei de boca aberta, como é de calcular, e mandei-o entrar e pedi para chamarem o comandante. (...)

22 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3498: No 25 de Abril eu estava em... (4) Agrupamento de Transmissões, Bissau (Belarmino Sardinha)

(...) Após grande agitação no Agrupamento de Transmissões, uns dois ou três dias imediatamente anteriores ao 25 de Abril de 1974, por parte de alguns oficiais que perguntavam com frequência se tinha vindo esta ou aquela mensagem, acordámos todos, os que não estavam de serviço, com a certeza de que algo se tinha passado na noite de 24 para 25 de Abril de 1974.

O nosso comandante, à data Tenente-Coronel, Mateus da Silva, tinha substituído interinamente o então Governador e Chefe Supremo da Forças Armadas Bettencourt Rodrigues. Esta situação manteve-se durante e até à chegada do Coronel, graduado em Brigadeiro, Carlos Fabião.

Foi este o nosso despertar, no Agrupamento de Transmissões, no dia da revolução dos cravos. (...)

 4 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3561: No 25 de Abril eu estava em... (5) Bissau, ouvindo vivas a Spínola, pai do nosso povo (J. Casimiro Carvalho)
 
(...) Carta, Bissau, 30/4/74

Querida mãezinha: (…) Isto aqui anda a ‘ferver’. Os africanos andam aos montes na cidade e partem montras e há porrada. Acabou a DGS e eles andam loucos de alegria, só querem é apanhar ex-membros da extinta DGS., que estão a ser evacuados da Província.

Andam com cartazes deste género: Abaixo a repressão, Abaixo a DGS, Viva Spínola, pai do nosso povo, Liberdade ao nosso povo, etc

Andam às centenas. Tropas às centenas (armadas até aos dentes) patrulham a cidade dia e noite, até dormem nas ruas com ração de combate. Parece Belfast. À noite não me atrevo a ir à cidade. É por isso que estou a escrever-lhe senão levava mais uns dias.(…)

30 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4106: No 25 de Abril eu estava em... (6): Pirada, a ferro e fogo (Joaquim Vicente Silva, 3ª CCAV / BCAV 8323)

(...) No dia 25 de Abril de madrugada, saímos dois pelotões, mais os sapadores. Fomos levantar algumas minas que estavam na picada em direcção a Gabu (Nova Lamego). Regressámos a Pirada por volta das dez da manhã. Participei nesta saída, tínhamos de fazer a protecção aos sapadores.

Eram mais ou menos dez e meia, eu já tinha tomado banho e estava no meu quarto, abrigo nº. 1, deitado em cima da minha cama e ouvi um pequeno estalido. Um colega que estava cá fora sentado num banco, gritou logo:
-Saiam para a vala que isto é o início de um ataque!...

Naquele dia o PAIGG bombardeou Pirada com muitos mísseis e morteiros, alguns caíram bem perto do local onde eu me encontrava, eu não morri por sorte. A meu lado, morreram três africanos nossos colegas, um míssil caiu-lhes aos pés e cortou-os em pedaços. Nunca tinha visto nada daquilo. Fiquei horrorizado, ainda hoje mexe comigo. (..)

(**) Amadu Bailo Djaló - Guineense, comando, português. Lisboa: Associação de Comandos, 2010.  Sobre o Amadu, ver mais postes aqui.

domingo, 25 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6250: O 6º aniversário do nosso blogue (30): Eu, a Tabanca Grande e o 25 de Abril (Jorge Portojo)


1. Do nosso camarada Jorge Teixeira (Portojo) (ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70, e membro-fundador da Tabanca de Matosinhos, mas com morança também na Tabanca dos Melros):



 Data: 25 de Abril de 2010 19:06
Assunto: Tabanca Grande - 25 de Abril


Terá sido coincidência o blogue ter nascido num aniversário, ou próximo disso, do 25 de Abril ? Aposto que sim. Que não foi coincidência.

Camaradas, companheiro, camarigos, todos já se referiram a ele. Ao blogue e ao espírito que levou à sua criação. Creio que disseram tudo. Pela parte que me toca apenas posso dizer que foi por ele, directa ou indirectamente, que vim a conhecer a maior parte da malta com quem hoje confraternizo. Ao vivo e pela Net. Nele li coisas lindas, vi publicadas algumas estórias minhas partilhadas por outros camaradas. Só por isso, que não é pouco, eu me sinto agradecido.

Me desculpem (palavra chata que não gosto de escrever nem dizer, a não ser que fira alguém, e nessa altura digo-a mesmo, mas acho que não temos outra para demonstramos certos sentimentos ) a ignorância, mas quando vi o vídeo do Jorge Felix há mais de um mês, julguei que era nessa altura que o blogue, ou a feliz ideia do seu criador, faria aninhos.

Mas o blogue, o seu autor e os seus editores, os historiadores, os cartógrafos, os redactores, os fotógrafos, estão de parabéns todos os dias do ano.

Este espaço acaba por ser uma irmandade, com prós e contras e ainda bem, e que por qualquer razão estranha para o mundo, que não para nós, nos faz dizer que algures,  existe um País que tem um bocadinho de terra que amamos. E que tentamos ajudar como se fosse a nossa aldeia aqui deste lado do Atlântico.
Estou para aqui a divagar, quando o que eu queria era escrever algo sobre o 25 de Abril.
Não sei se dará direito a Post. Isso é com os editores.

O tema 25 de Abril. [Sobre o qual há 85 referências no nosso blogue. L.G.]

Acho que nenhum de nós quer o 24 de Abril.

Ninguém quereria que seus filhos passassem pela nossa experiência em África e na Guiné em particular. E a minha até terá sido das menos difíceis. Em termos de guerra. Mas não foi só a guerra, mas tudo que ela transmitiu colateralmente: O clima, a alimentação, as hierarquias militares. E aqui bate o ponto do 25 de Abril. Já o disse e aqui escrevi e talvez  não só em comentários a escritos de camaradas. O único militar de Abril honesto e decente foi o Salgueiro Maia. E se bem nos lembrarmos, foi o único que deu a cara e esteve sozinho no momento capital. E que já era um revoltado por natureza.

Ou porque tive experiências durante os meus 3 anos de SM obrigatório com alguns deles, ou por descrer das próprias pessoas em si, o certo é que nunca alinhei nas ideias do chamado MFA.

Lembro que no Porto se fez uma manifestação, parece que grandiosa, ao General Spínola. A empresa onde trabalhava na altura, fechou, com os trabalhadores excitados para estarem presentes. Houve quem ficasse admirado por me ver continuar a trabalhar (a verdade que também não fui só eu que me mantive no lugar),  Patrões (boa gente) incluídos.

Mas como um dos camaradas disse, e eu concordo, a revolução deu-se por causa e efeito dos milicianos. Oficiais, note-se. Porque os milicianos sargentos, não tinham onde cair mortos. Salvo seja, porque a sustentação das forças armadas deveu-se em grande parte a eles. Desde a exploração monetária, à sustentabilidade do pessoal - leia-se soldados - à operacionalidade, à mobilidade, enfim, o chamado pau para toda a colher. Eles foram de tudo, inclusive ultrajados pela classe do Q.P. Mas não foram tidos nem achados nessa "guerra" de poder académico-militar.

Claro que houve oficiais milicianos, principalmente alferes operacionais,  que estiveram sempre ali ao lado do seu pessoal. E a quem o regime, logo a guerra, estragou vidas. E porque alguns enveredaram pelo profissionalismo militar, os do QP começaram a ver com maus olhos a igualdade. E para completar e complicar a situação, a chamada de civis em situação de reserva (como o meu irmão) ou em outras situações - Neto, Picado, os que conheço e me lembro de momento - provocaram e aumentaram a azia. Não para fazerem um 25 de Abril, digo eu, mas para se fazerem notar aos olhos dos governantes, já que Spínolas, Gomes da Costa e compadres se limitavam a escrever anotações à parte, para a governação do País.

Mais do que nunca, hoje estou desiludido com o País. Como se pode ler e ouvir, os militares que deram verdadeiramente com o corpo ao manifesto, são como se nunca tivessem existido. As verdadeiras glórias militares são os de agora - talvez até o sejam- os que estiveram no Iraque, em Timor, os que estão no Afeganistão, na Croácia (?) na Nato e por aí fora. Quási 14 anos estão esquecidos - limpos (?) da história de Portugal. Quantos deficientes ainda existem desses anos ? Quantos deficientes que não sabem que o são há ? Quantos sobrevivem com nada ? Quantos vivem mal ?

Entretanto, os que podemos, vamos contribuindo com qualquer coisita para ajudar os que estão naquela terra distante que,  segundo as últimas conversas dos que de lá vêm depois de matar saudades, é um País de lixo, desgovernado, corrupto.

Mas como diz e muito bem o Mexia Alves, primeiro os nossos. E desses,, quem quer saber ?
Um abraço para a Tabanca. E um muito especial para o Luís.

Desculpem (lá está a palavra chata) qualquer coisinha.

Jorge/Portojo

Guiné 63/74 – P6249: Estórias avulsas (85): Como foi assassinado o Alf Mil Op Esp Nuno Gonçalves da Costa, do Pel Caç Nat 51 (Fernando C. G. Araújo)




1. O nosso Camarada Fernando Costa Gomes de Araújo* (ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74), numa das nossas conversas contou-me que, na sua Companhia, foi assassinado em Julho de 1973, um Alf Mil OpEsp/RANGER, do Pel Caç Nat 51.



Solicitei-lhe então que, quando pudesse, nos contasse o que se lembra sobre este infeliz crime, dado que eu ouvira já duas versões sobre esta morte. Uma delas era atribuída a um acidente e outra que ele fora assassinado na parada do quartel de Jumbembem.


O Araújo acabou de me enviar o seu relato dos factos, com data de 23 de Abril de 2010, e que passamos a expor:


O assassinato do Alf Mil Op Esp Nuno Gonçalves Costa do Pel Caç Nat 51
16JUL1973 – 08h00/09h00 - Jumbembem - Estava eu no meu quarto, quando ouvi, nas traseiras da instalação, três disparos de G3.


A primeira coisa que pensei foi que o alferes Açoriano (cujo nome não me lembro) se tinha suicidado, pois, nos últimos tempos, vinha a dar sinais evidentes, não só de estar farto de permanecer em Jumbembem, como de graves complicações psicológicas.
Desloquei-me rapidamente para o local de onde ouvira as detonações, dando a volta às instalações do dormitório do meu quarto, cujas traseiras davam para as traseiras de outro edifício com quartos e fiquei muito surpreendido…
Ao contrário do que eu estava a pensar, não fora o alferes dos Açores a vítima dos tiros, mas sim o Alf Mil Op Esp Nuno Gonçalves Costa do Pel Caç Nat 51 e que jazia no chão gravemente ferido, pois tinha sido ele o alvejado com as três balas.
A sua imagem ali tombado a esvair-se em sangue, mortalmente, ainda hoje a retenho no pensamento.
Motivo da morte:
O Alf Mil Costa tinha aplicado como castigo (não sei a causa), um reforço a um nativo do Pel Caç Nat 51. O homem não conformado com a punição, foi à porta do seu quarto e disse-lhe:
- Alferes, eu não fazer reforço.
Ao que ele retorquiu:
- Já te disse que vais cumprir o reforço.
Foram trocadas mais algumas palavras de que eu já não me lembro.
O nativo tornou a reclamar:
- Alferes eu não fazer reforço.
- Já te disse que sim e não se fala mais nisso!
Acabado este diálogo, o nativo deslocou-se à tabanca em busca da G3 que lhe estava atribuída.
Passado algum tempo, talvez 30 minutos, regressou novamente para junto do quarto do alferes.
Pousou a G3 à porta e, chamando-o novamente, disse-lhe:
- Alferes eu não fazer reforço.
O alferes voltou a afirmar que ele tinha de cumprir o castigo, com que o tinha sancionado.
Presumo que o alferes devia estar deitado. Deve ter-se levantado e foi nessa altura que o homem pegou na G3 e, traiçoeiramente, disparou três tiros à queima-roupa sobre o oficial português.
Este último ainda foi levado para a enfermaria, onde se prestaram os primeiros socorros, ao mesmo tempo que foi pedido, com a maior urgência, a sua evacuação aérea.
Como estava a perder muito sangue, foi pedido sangue e, voltou a ser pedido insistentemente, o máximo de urgência na sua evacuação, que tardava em aparecer.
E tanto tardou que o alferes não resistiu aos ferimentos e faleceu, sem que aparecesse qualquer meio aéreo para o socorrer. Esta situação indignou todo o pessoal da companhia, desde o soldado até ao comandante.
O nativo foi preso com arames nos pulsos, atrás das costas, enquanto os próprios elementos do Pel Caç Nat 51, bem como a milícia queriam fazer justiça pelas próprias mãos (linchá-lo).
Valeu-lhe o nosso comandante, que ordenou:
- Não lhe toquem!
Mas, mal ele virava as costas, alguns militares mais revoltados descarregavam a sua ira em cima do assassino, que foi depois colocado na casa do motor (gerador), que se situava ao lado do tanque da água.
Ali permaneceu o prisioneiro até meio da tarde, altura em que o nosso comandante, penso que por causa da evacuação não se ter efectuado e achando que o comandante em Farim teve alguma culpa nesta falta, resolveu ir a Farim levar o corpo do alferes em sinal de protesto.
Deslocamo-nos então numa coluna motorizada (já não sei quantos nem quais pelotões), com o corpo do defunto numa viatura “Berliet” e uma bandeira nacional a cobri-lo, até Farim (sede do Batalhão 4512).
A coluna fez-se sem fazer a habitual picagem, tal era a revolta, desagrado e excitação que grassava em todo o pessoal da Companhia. Um risco acrescido, mas justificado pela hora tardia para o fazer.
Viam-se aqui e ali soldados e graduados com as lágrimas nos olhos, chocados com um desfecho fatídico que o alferes assassinado não merecia, porque todos eram conhecedores e concordantes de que ele era boa pessoa e bom para os nativos do Pel Caç Nat 51. Talvez bom demais ainda hoje o penso e digo!
Segundo ouvi dizer na altura, ele, quando isso lhe era solicitado, inclusive emprestava dinheiro aos militares do seu pelotão.
A coluna chegou à entrada de Farim, abrandou mais um pouco e continuou a sua marcha, enquanto os militares que a compunham saltaram para o chão e acompanharam as viaturas a pé.
Ao passar defronte ao edifício de comando, estava em posição de sentido e continência um graduado (ou era o comandante - Ten Cor Vaz Antunes -, ou o 2º comandante Major Menezes, já não me lembro bem).
Este é o relato com que fiquei gravado no pensamento desse dia.
Também trouxemos o nativo assassino que, pelo caminho fora na viatura onde seguia, alguns soldados, em certas alturas do percurso, continuaram a dar-lhe o “tratamento especial”, tendo o mesmo chegado a Farim num estado físico muito debilitado.
Disseram-me posteriormente que ficou preso em Farim e depois seria enviado para a “Ilha das Cobras”.
Para substituir o comando do Pel Caç Nat 51, foi destacado o Alf Mil At Inf Francisco Silva (Madeirense), que apareceu na 2ª Companhia do BCAÇ 4512 logo após esta tragédia.
Com o meu pedido de desculpas por eventuais lapsos de memória, que poderão sempre ser corrigidos, mas esta é a visão dos factos que ainda mantenho hoje, passados +/- 36 anos.

Breve anotação na minha agenda/diário, no dia 16 de Julho de 1973, da morte do Alf Mil RANGER Costa
Um abraço,
Fernando Araújo
Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512
Emblema do Pel Caç Nat 51 de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
_____________
Notas de M.R.:
1. No dia 25 de Abril de 2010, dadas as dificuldades do Fernando Araújo em obter o nome completo do alferes assassinado, enviei um e-mail ao pessoal de que tenho contacto solicitando o auxílio nesta área, tendo obtido resposta do nosso camarada Santos Oliveira, que passo a citar com os devidos e melhores agradecimentos:
Caros,
Respondendo ao apelo de ambos e necessidade particular do Fernando Araújo, cá vai o que sei:
Alf Mil Op Esp 16207170 - Nuno Gonçalves Costa, natural de Campos de Sá – S.Jorge - Arcos de Valdevez – Mobilização CIOE para o Pel Caç Nat 51 / da 2ª Compª do BCaç 4512/72 (Guiné), morto em Acidente com Arma de Fogo, a 16/7/73 e sepultado em Igreja (freguesia Natal).
Espero tenha sido útil.
Abraços, do
Santos Oliveira
2. Vd. último poste desta série em:


25 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6245: Estórias avulsas (84): O lírico, ou com a ditadura não se brinca (Mário Migueis)

Guiné 63/74 - P6248: Notas de leitura (97): Livro do Cor. Costa Campos – Guiné – 2. Actividades de Permuta e Comércio Externo (Mário Fitas)


1. O nosso camarada Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763, “Os Lassas”, Cufar, 1965/66, enviou-nos a uma mensagem contendo um extracto do livro “Guiné, apresentado no poste P6064, da autoria do Cor Carlos da Costa Campos, com data de 24 de Abril de 2010:

Camaradas,

Um poste do Jorge Picado, levou-me a enviar este pequeno texto do Livro "GUINÉ" do Coronel Carlos da Costa Campos.
Já referi em recensão ao livro, o seu interesse pelo conhecimento que nos dá das origens usos e costumes dos povos da Guiné.
Entusiasmado com o tema do Jorge Picado sobre o "patacão", resolvi digitar esta parte do livro referido.
O Luís Costa Campos (seguidor de seu pai é hoje o criador do maior cão do mundo, com uma envergadura de 2 metros e 13 cm), deu-me autorização para publicar trechos do livro no Blogue, desde que referenciando o Coronel Costa Campos e a autorização de seu filho.

O Ten. Cor. Costa Campos em Ganturé – 1973 -, falando a um grupo de fuzileiros. À sua direita encontra-se o seu filho Luís da Costa Campos.

B. ACTIVIDADES DE PERMUTA E COMÉRCIO EXTERNO

Em razão das condições especiais de cada região, nem sempre os agregados familiares conseguem produzir qualitativamente bens que satisfaçam as suas totais necessidades alimentares. Daqui resultou um especial regime de permutas entre as unidades económicas.

De início, estas permutas faziam-se directamente entre as famílias interessadas: aquilo que uma família possuía em demasia entregava à outra, recebendo em troca géneros de que carecia. Ainda hoje acontece em meios retintamente rurais. Os Felupes trocam com mandingas os excessos da sua produção de arroz por milho, cabaços e artefactos diversos; os mandingas trocam com os balantas quinquilharia vária, mandioca e milho por arroz; os manjacos trocam entre si e com os grupos afins “papeis e brames” os produtos que abundam em determinada região, por outros que nela escasseiam. A região de Calequisse produz olaria; os seus artífices trocam peças de barro por milho, que ali falta i abunda noutros lados.

As pessoas interessadas na permuta não aparecem, porém no momento azado. Então, alguns indivíduos começaram a encarregar-se de levar os produtos para os locais onde a sua procura era maior – e surgiram os mercadores!

Os mercadores organizam, depois, as feiras.

Já havia feiras na Guiné antes da ocupação portuguesa.

As primeiras feiras, porém, tiveram por objectivo facilitar permutas periódicas entre os componentes do mesmo grupo. Com a ocupação portuguesa, cessado o conceito do exclusivismo dos “chãos”, às feiras de uma região começaram a afluir indivíduos doutras regiões – e de todas as etnias.

Sabe-se que funcionam desde longa data feiras regulares no chão de manjacos. Hoje há duas por dia em sítios diferentes, uma grande, outra pequena. As grandes realizam-se rotativamente em seis locais distintos, todos sedes de Regulados: Bula, Có, Pelundo, Utiacor, Bassarel e Caliquisse. Assim se numa semana calha num destes locais a feira ao Domingo, na semana imediata calha a um Sábado. As feiras pequenas realizam-se também rotativamente em vários locais, alguns igualmente sedes de regulados. Quando aqui a feira grande coincide com a pequena, a afluência é notoriamente muito maior.

Com o volver dos tempos, ao lado das feiras começaram a aparecer centros comerciais para permutas diárias, obedecendo estas permutas a um sistema de valores calculados na base de escassez e dos excessos – oferta e procura. Alguns artigos mais frequentemente permutados, passaram a servir de instrumento de troca: bandas de pano, búzios, cauris, pães de índigo, arroz etc. Os cauris, pela facilidade do seu transporte e contagem, chegaram mesmo a desempenhar papel de autêntica moeda, “valendo uma braçada de pano dez cauris”.

Mais tarde, búzios, caúris, pães de índigo e alguns artigos deixaram de interessar ao comércio local.

As primeiras moedas cunhadas que circularam na Guiné foram, parece o peso argentino e a pataca mexicana. Explicam-se deste modo as designações correntes na Província atribuídas ao escudo e ao dinheiro em geral: “peso” ao escudo e “patacão” ao dinheiro.

Um abraço do tamanho do Cumbijã,
Mário Fitas
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763
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Nota de MR:

Vd. último poste da série em:

29 de Março de 2010 > 20 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6196: Notas de leitura (96): Aquelas Longas Horas, de Manuel Barão da Cunha (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6247: (Ex)citações (68): Pai, és o meu orgulho, te amo muito, muito, muito (Ana Djaló, Londres)

1. Comentário da filha do Amadu, que vive em Londres, tal como o irmão (na foto, do lado esquerdo, temos a outra filha, e o neto, o resto da família que vive com ele, em Portugal, na Amadora):



De: YouTube Service <service@youtube.com>
Data: 20 de Abril de 2010 23:54
Assunto: Comment posted on "Amadu Bailo Djaló, lançamento do livro (2)"
Para: Nhabijoes <luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com>





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cyntick has made a comment on Amadu Bailo Djaló, lançamento do livro (2):
Olá, pai, parabéns pelo lancamento do livro. Eu gostaria muito de estar aí pra te apoiar como sempre fiz mais não dava,  estou aqui na Inglaterra....Mas,  de qualquer maneira,  PARABÉNS, és o meu orgulho,  pai, te amo muito, muito, muito.....Ana

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Guiné 63/74 - P6246: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (6): Em Empada, primeiras impressões e morte de um camarada por electrocussão

1. Mensagem de Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 14 de Abril de 2010:

Camarada amigo Carlos Vinhal e Tabanqueiros, envio uma mão cheia de mantenhas.

Desta feita irei escrever por partes algumas das “estórias” e apresentando fotos, sobre a minha estada em Empada (incluindo o gamanço do borrego) no período que foi de 01 de Maio de 1969 a 15 de Janeiro de 1970.

Dado tratar-se de uma crónica muito extensa e pertinente, sugeria que fosse subdividida aquando da sua colocação no Blogue.


A CCAÇ 2381 em Empada

Parte 1

Primeiras impressões e morte de um camarada


Quando cheguei a Empada, a mesma era considerada um lugar calmo e dizia-se por ser a Tabanca do guerrilheiro Nino, vínhamos para recuperar do stress e das várias formas de mazelas.

A situação militar que encontrei, fez-me muita confusão na cabeça e “areia de mais para a minha camioneta”. Qual o motivo que levara a retirar a Unidade deste Aquartelamento a fim de ir descansar para Quinhamel e não foi concedido à CCaç 2381, que estava numa zona bastante complicada do eixo de Buba - Inhala -Mampatá - Aldeia Formosa – Gandembel, encontrando-se toda estoirada?

Depois, o que vimos era notório a qualquer militar mais atento, o In estava instalado nas Penínsulas de Cubisseco e da Pobreza “parecia que havia uma paz podre,” a minha Companhia começou a executar acções de reconhecimento e de combate na zona, aproximando-se da colmeia das vespas (abelhas) assanharam-nas e de retorno no Quartel de Empada viemos a sofrer ao todo 15 ataques.

- Da História da Unidade, retirei um resumo do estudo sobre o Subsector de Empada.

"O qual dependendo operacionalmente do COP 4 e administrativamente BCAÇ 2834, passou a pertencer para todos os efeitos ao B CAÇ 2892 a partir de 10/Nov./69. Dentro do Sector S-2, tem como limites das zonas de acção: Orla marítima – Rio Grande de Buba – Rio Jassonca – Rio Banga – Rio Perárona – Rio Gandosara – Rio Galendogo – Rio Suante –Rio Mandisse – Rio Tombali. O In mostrava-se activo actuando em diversas flagelações a Empada, mas tendo-se sempre furtado ao contacto com as N/T. Sempre que pressentiam ou suspeitavam de tropa fora, preferiam retirar-se e tentar sempre sem êxito, flagelar as N/T em progressão ou emboscadas".

Em 16/Junho/69, quando era noite e estando na camarata deitado, escrevendo assim como outros camaradas o faziam, sempre com máxima atenção de ao primeiro sinal suspeito e procurar um lugar mais seguro.

Eis os sons (saídas) e o grito de guerra “ai estão eles!”, corremos para protegermo-nos como era normal, há um que se atrasa e logo que chegou ao exterior da caserna na mesma (foto 1) explodira uma granada de canhão s/r.
Quando cinco de nós já estávamos acoitados ali ao lado e ao monte numa cova, que fora aberta para colocação de uma antena de rádio, cada um que ali entrava magoava os que já lá estavam e havia os vocabulários vernáculos de ocasião (foto2).


Foto 1 > Região de Quinara > Empada> 1969 > A Caserna > O Soldado Martins, saiu pela porta da direita e para sua sorte seguiu para o lado oposto.

Foto 2 > Região de Quinara > Empada > 1969 > Eu, mostrando a cova, que esteve na mira de seis militares e ainda dava para mais um.

Passado o ataque, formamos um grupo para ir ver os estragos das granadas que caíram dentro do Quartel, e uma caiu no telhado da caserna, mesmo ali ao lado, espalhando estilhaços por todo o compartimento e ficando uma mala toda cravejada, a qual era pertença daquele que se atrasara, o Soldado Condutor Manuel Mateus Martins, que a usava como escrivaninha e na altura estava escrevendo. De seguida fomos para a zona do comando e ai havia dois feridos, o Soldado Acácio Marques “O Gazela” (S. João do Monte - Nelas) e o Soldado Francisco Maria (Estói – Faro).

Na noite do meu aniversário a 09/Julho/69, deu-se uma morte estúpida e que poderia ter-me saído na rifa. Estando num abrigo mais outros camaradas (foto 3), deu-se um corte de luz, efectuando-se a troca da lâmpada e nada resultara, quando já era dia fora solicitada a reparação ao pretenso electricista, o qual desmontou o suporte da lâmpada, ficando as pontas do cabo junto da minha cama e à vista, pensando eu que ele iria desligar a extensão.

Foto 3 > Região de Quinara > Empada> 1969 > Local do acidente, um dos sete abrigos tipo e instalados no perímetro da Povoação.

Ao anoitecer, o gerador foi posto a funcionar, havia muito calor e humidade do ar, antes de se deitar o Soldado Albino Oliveira foi tomar um banho “tipo à fula” (foto 4) e molhado dirigiu-se para o abrigo. Ai devido a algo deslocou o dito cabo eléctrico, em que a ponta da linha de fase estava em carga, por isso era o fio do neutro que estava partido, tudo propício a uma forte descarga eléctrica. Por conseguinte, para segurança, o electricista deveria ter desligado a extensão o que por esquecimento não fez.

Foto 4 > Região de Quinara > Empada > 1969 > Eu, tomando banho à fula, na Fonte Frondosa, principal zona de banhos e de lavadouro.

Os enfermeiros Furriel Chico e os 1.ºs Cabos Jorge Catarino, José Teixeira e o Lemos, foram em seu socorro, mas foram gorados os seus esforços embora prestassem todos os cuidados adequados. O Soldado Albino Oliveira era um amigo e brincalhão, leia-se o nome de guerra “O Cantiflas.” Já tinha viagem marcada para ir de férias à Metrópole, ao encontro da sua mulher, filha e restantes familiares. Alguém da Companhia se propusera a enviar-lhes a notícia, com a narração do acidente e da morte do inditoso.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6238: Efemérides (44): Dia do Combatente. Comemorações do 9 de Abril em Lagoa (Arménio Estorninho)

Vd. último poste da série de 6 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6114: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (5): As colunas auto de Aldeia Formosa-Gandembel

Guiné 63/74 – P6245: Estórias avulsas (33): O lírico, ou com a ditadura não se brinca (Mário Migueis)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis(1) (ex-Fur Mil de Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72) com data de 17 de Abril de 2010:

Carlos
Para te compensar dos textos que te enviei em cima do acontecimento, ajudando à confusão, remeto-te agora um bastante mais pequeno e com vários dias de antecedência, já que tenho a ousadia de te solicitar que o publiques a 25 de Abril. É que esta data ainda é, pelo menos para mim, o Dia da Liberdade, pese embora a cáfila de oportunistas que nele se dependuraram para nos sorverem até à medula. Haja fé em Deus e nos restantes (nos honestos, óbviamente)!...

Um abraço,
Mário Migueis

PS: Antes de fechar para férias, gostaria de encontrar disposição para, aproveitando a maré, escrever algo sobre o Spínola. Sabes bem que o meu forte é falar mal (interpreta o "falar mal" como quiseres que, em qualquer dos casos, estarás a interpretar bem), mas, neste caso, para não destoar do resto da malta, até sou capaz de falar bem (interpreta o "bem" no sentido de positivamente, embora eu possa mudar de ideias entretanto - quem sabe?...).


O Lírico

Tendo regressado definitivamente das guerras da Guiné em finais de Outubro do ano anterior, deparou, naquela manhã de Agosto de 1973, com o anúncio, no jornal, da realização de uns jogos florais - poesia/tema livre - integrados no programa das Festas em Honra da Senhora do Bom Regresso, na cidade de Vale de Lágrimas, próxima do seu torrão natal. Da composição do júri, apensa ao regulamento do concurso, faziam parte - como era tradição de antanho, independentemente do respectivo grau escolar -, um representante da comissão de festas e outro da presidência da câmara, para além de três elementos ligados ao ensino – esses, sim senhor! -, com formação académica superior na área das letras, dois dos quais doutorados e com obra literária publicada e de reconhecidos méritos e notoriedade a nível nacional.

Impressionado com o currículo da generalidade dos juízes, que, sem dúvida nenhuma, ofereciam todas as garantias de sapiência e isenção que o acto requeria, entusiasmou-se a sério e fez-se a pergunta que, logo à partida, não implicava qualquer resposta: “Porque não concorrer com algum dos meus poemazitos da Guiné?!...” E, pronto, da interrogação à não resposta - o mesmo é dizer-se, do pensar ao executar -, foi obra de um piscar de olhos.

Cônscio da força moral que o seu estatuto de cumpridor do venerável serviço militar em terras do ultramar português lhe conferia, resolveu concorrer com um poema que começava assim:

“Este é o grito lancinante dos mortos
Na revolta de uma morte cruel e impiedosa
Aos olhos de um mundo podre de vis actos
………………………………………………………………... “


Oito dias depois, em carta registada, devolveram-lhe o poema com uma grande cruz a lápis por cima e sem qualquer observação (a cruz era por demais elucidativa, convenhamos…). Ficou furioso e vociferou alguns impropérios, mas logo serenou, quando uma voz feminina – as mulheres sempre tiveram mais tacto que os homens! - o chamou à realidade:

- Cala-te, cala-te, que muita sorte tiveste tu, meu grande palerma!...


Esposende, 14 de Abril de 2010
Mário Migueis Ferreira da Silva
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Nota de CV:

(*) Vd. poste 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6215: In memoriam (41): O Sem Sentido das Guerras - Relembrando António Ferreira (Mário Migueis)

Vd. último poste da série de 10 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6139: Estórias avulsas (83): Emboscada em Lamel (Fernando C. G. Araújo, ex-Fur Mil OpEsp / RANGER da 2ª CCAÇ / BCAÇ 4512)