Ficha técnica
Título: Guineense, Comando, Português
Autor: Amadú Bailo Djaló
299 pgs
Cerca de 100 fotografias
PVP: €25
Colecção: Mama Sume
Edição da Associação de Comandos
Capa e orientação gráfica: Vítor Luís
Composição e Imagem: Maria Esther – Gabinete Artes Gráficas, Lda
Impressão e acabamento: Bukprint – Oliveira de Azeméis
ISBN: 978-989-95601-1-6
1ª Edição: Lisboa, Março, 2010
Depósito Legal nº 307781/10
Apoio da Comissão Portuguesa de História Militar
1. Mensagem do Virgínio Briote:
Caros Luís, Carlos e Eduardo,
Muito obrigado, em nome do Amadu Djaló e no meu próprio, por todo o trabalho de divulgação que têm feito. Aproveito para enviar cópias da capa, capa, ficha técnica, convite, índice e a pequena história do livro.
E expresso o desejo para que a cerimónia de lançamento do livro (*) seja aproveitada para homenagear os militares naturais da Guiné que lutaram ao nosso lado.
Um abraço
vbriote
2. Amadú Bailo Djaló, meu Camarada
por Virgínio Briote (na foto, à esquerda, quando Alf Mil Comando, Brá, 1965/66)
O Presidente da Associação de Comandos, José Lobo do Amaral, pediu-me para colaborar na revisão das memórias de um Comando, natural de Bafatá, que viveu todos os anos da guerra, desde o governo do Dr. Silva Tavares ao do General Bettencourt Rodrigues.
Toda a vida de um guineense, que se afirma tão português como muitos de nós, em quatro volumosos maços de folhas A4, escrita pela mão dele, em letra grande, num misto de palavras em português, crioulo e fula. Textos seguidos, sem vírgulas nem pontos, tudo de rajada, escritos por uma alma grande, com a sabedoria, o senso e a inteligência, que muitas vezes presenciámos naqueles nossos companheiros de armas.
O meu primeiro objectivo foi perceber a escrita manual do Amadú e reescrevê-la para um português perceptível, respeitando o estilo da escrita do autor. Depois foram tardes a ler-lhe os textos, corrigir, acrescentar pormenores, cortar outros, pôr datas, nomes, locais, enquadrar as histórias, telefonar a camaradas, cruzar a informação, reavivar pormenores.
Não se trata de um trabalho exaustivo sobre os anos da guerra na Guiné. Nem eu tenho arte nem o Amadu conta a sua história assim. Não se trata de um romance. A maior parte dos textos referem-se a contactos com o PAIGC, a combates com mortos e feridos, de um e outro lado.
Amadú escreve sobre saídas em colunas auto, em Dorniers, em helis, de lançamentos, de progressões na mata, de encontros com os INs de então, de trocas de tiros, morteiros, rockets, de feridos e mortos, de evacuações, de retiradas.
Ouvi-lo descrever as peripécias em que se envolveu, em cada linha que ia reescrevendo, fazia-me sentir como se eu próprio lá tivesse estado também. E, em duas ou três, estive.
O Amadu Djaló foi meu Camarada nos Comandos em Brá, entre 1965 e 1966, embora não tenha feito parte do meu grupo. Em 1964 pertenceu ao grupo do então Alferes Maurício Saraiva e em 1965 transitou para o do Alferes Luís Rainha. Acabada a Companhia de Comandos do CTIG, depois de uma breve estadia em Bafatá,. foi para Fá Mandinga, para colaborar na formação dos Comandos Africanos e depois participou em numerosas operações até ao fim do conflito.
O livro começa por falar da vida na cidade natal, Bafatá, do convívio com os Pais, Irmãos, Avô e os amigos mais chegados. A ir e a regressar, acompanhando um primo, feito djila [1], ao Senegal. A hesitar na incorporação, a tentar adiar, enquanto abria uma banca para negociar, no Mercado de Bafatá.
Não pôde evitar, fugir não fazia parte da sua maneira de ser, nem lhe cabia na cabeça deixar os Pais e a família para trás. Ainda faltavam uns meses para começar a guerra a sério, mas já havia cheiro a pólvora no ar.
Depois da recruta em Bolama, entre 1962 e 1964 deambulou como condutor por Cacine, Bedanda, Catió, Cufar e Farim. Removeu abatizes, viu os efeitos das primeiras minas e caiu nas primeiras emboscadas. Mas naquele tempo ainda era possível ir de Farim a Susana, em coluna, em viagens intermináveis.
Cansado de ser “rebenta minas”, pediu a transferência para a 4ª Rep, do QG, em Bissau. Foi-lhe concedida. No parque das viaturas da C.C.S. do Q.G. teve a sorte e o contentamento de encontrar o seu amigo, o Tomás Camará, que estava no grupo de Comandos do então Alferes Saraiva.
- Comandos? Que é isso de Comandos de Saraiva?
Não precisou de muitas respostas para, tempos depois, estar em Madina do Boé com o grupo. Para participar, e de que maneira, num acontecimento que o marcou para sempre: a mina no pontão do Gobige, na estrada de Contabane para Madina, que matou todos os Camaradas, menos um, que vinham na segunda e última viatura.
Um grupo de vinte homens, repartido em duas viaturas, de um momento para o outro, estava reduzido a metade. Não podiam ir todos buscar socorro a Madina, a cerca de trinta quilómetros de distância. Alguém tinha que ficar ali, a amparar os feridos, a guardar os mortos. Uma tarde que pareceu um ano, junto à estrada para Madina, a assistir ao morre este, agora aquele, até à noite, quando chegou o socorro. E, logo dois ou três dias depois, foram para o Oio e a história quase se repetiu. Porque a guerra é assim, é feita de repetições, os que morreram já não morrem outra vez, morrem outros, os feridos é que podem ter mais sorte, podem voltar a ser feridos outra vez.
Já quase no final da comissão do grupo foram ao Como. Outra odisseia. O grupo de Saraiva, como lhe chamavam, despedia-se numa operação, a que o alferes pôs o nome de Ciao. Tudo correu bem a princípio. Depois, já na retirada, o alferes não quis sair de lá sem trazer a MP [2], que alguns afirmavam ter sido usada contra eles. Alguns ofereceram-se para voltarem ao acampamento em chamas. Dos dez que reentraram nas barracas, um morreu, um ficou ileso e os restantes foram atingidos pelo fogo inimigo.
O grupo de Saraiva acabou e o Amadú achou que já era tempo de ter um pouco de paz. Afinal era um condutor encartado e era mais antigo que muitos. E como condutor ganhava mais 150 escudos que nos Comandos de Brá e, na altura, 150 escudos davam para comprar muito arroz.
Até que apareceu lá na 4ª Rep, um alferes, o Luís Rainha, do grupo Centuriões, que tinha substituído o grupo de Saraiva, com uma autorização da 1ª Rep para o levar, outra vez, para os Comandos de Brá.
Pouco tempo depois, entrou numa nomadização, prevista para durar 48 horas, na zona de Faquina Mandinga, Sitató, na fronteira com o Senegal. Uma nomadização que acabou por se tornar num golpe de mão, guiados pelas vozes e gargalhadas dos guerrilheiros, que se achavam seguros até verem os Comandos entrarem pelo acampamento.
E, outra vez em Maio, tal como no ano anterior com o grupo de Saraiva, nova teimosia, desta vez do Rainha. Ao mesmo acampamento, no Como, para vingar as baixas que o 'grupo de Saraiva' tinha tido. Entre outro material trouxeram a pistola, de coronha nacarada, do Pansau Na Isna e o chapéu chinês dele, também.
Depois a Companhia de Comandos do CTIG acabou. E sempre que a unidade acabava, ou alguma coisa não lhe agradava, o Amadú pedia transferência para a 4ª Rep, a sua eterna casa-mãe.
Tempos depois, estava em Bafatá, quando chegou uma ordem do General Spínola para todos os Comandos Guineenses se concentrarem em Bissau, para fazerem provas e novo curso para a constituição de uma Companhia de Comandos Africanos.
Depois, foram operações atrás de operações da 1ª Companhia de Comandos Africanos, comandada pelo Capitão João Bacar Djaló [, na foto a esquerda, ao meio], enquanto, em Fá Mandinga, se formavam outras Companhias que iriam constituir o Batalhão de Comandos, sob a orientação do então Capitão Almeida Bruno.
Nos anos que durou a guerra participou em acções em todo o território onde a presença do PAIGC se fazia sentir. Percorreu matas e carreiros de Bambadinca, Canquelifá, Cobiana, Conakry, Cumbamori, Cuntima, Fá Mandinga, Farim, Gandembel, Gadamael, Gabu, Guidage, Guileje, Madina do Boé, Mansabá, Morés, Piche, passou e voltou a passar pelos rios e margens do Cacheu, do Geba, do Corubal, chafurdou e chorou nos tarrafos, em operações umas atrás das outras.
Em 25 de Abril de 1974 andava atrás da guerrilha, na zona de Piche, quando ouviu no rádio de um milícia que tinha havido um golpe militar em Lisboa.
A guerra acabou e começou outra, a luta pela sobrevivência na Guiné-Bissau. A entrega das armas, a vida civil sem amigos, as prisões dos camaradas, os fuzilamentos, a prisão dele e a escapadela numa hora que só costuma acontecer uma vez na vida de um homem, graças a um acto digno e cavalheiresco de um comandante do PAIGC.
A Bissau de Luís Cabral, em 1975, tornou-se uma cidade triste, com recolheres obrigatórios, denúncias, falta de arroz, falta de tudo, menos de 'milho para burro', que um país amigo lhes enviara num navio. O golpe do Nino foi para ele e para muitos o renascer de uma esperança. A seguir veio a desilusão e a viagem para Portugal.
V. António Briote
Ex-alferes mil., CCav 489/BCav 490 e Comandos do CTIG (1965/66).
[1] Vendedor ambulante.
[2] Metralhadora Pesada.
3. Comentário de L.G.:
Não pôde evitar, fugir não fazia parte da sua maneira de ser, nem lhe cabia na cabeça deixar os Pais e a família para trás. Ainda faltavam uns meses para começar a guerra a sério, mas já havia cheiro a pólvora no ar.
Depois da recruta em Bolama, entre 1962 e 1964 deambulou como condutor por Cacine, Bedanda, Catió, Cufar e Farim. Removeu abatizes, viu os efeitos das primeiras minas e caiu nas primeiras emboscadas. Mas naquele tempo ainda era possível ir de Farim a Susana, em coluna, em viagens intermináveis.
Cansado de ser “rebenta minas”, pediu a transferência para a 4ª Rep, do QG, em Bissau. Foi-lhe concedida. No parque das viaturas da C.C.S. do Q.G. teve a sorte e o contentamento de encontrar o seu amigo, o Tomás Camará, que estava no grupo de Comandos do então Alferes Saraiva.
- Comandos? Que é isso de Comandos de Saraiva?
Não precisou de muitas respostas para, tempos depois, estar em Madina do Boé com o grupo. Para participar, e de que maneira, num acontecimento que o marcou para sempre: a mina no pontão do Gobige, na estrada de Contabane para Madina, que matou todos os Camaradas, menos um, que vinham na segunda e última viatura.
Um grupo de vinte homens, repartido em duas viaturas, de um momento para o outro, estava reduzido a metade. Não podiam ir todos buscar socorro a Madina, a cerca de trinta quilómetros de distância. Alguém tinha que ficar ali, a amparar os feridos, a guardar os mortos. Uma tarde que pareceu um ano, junto à estrada para Madina, a assistir ao morre este, agora aquele, até à noite, quando chegou o socorro. E, logo dois ou três dias depois, foram para o Oio e a história quase se repetiu. Porque a guerra é assim, é feita de repetições, os que morreram já não morrem outra vez, morrem outros, os feridos é que podem ter mais sorte, podem voltar a ser feridos outra vez.
Já quase no final da comissão do grupo foram ao Como. Outra odisseia. O grupo de Saraiva, como lhe chamavam, despedia-se numa operação, a que o alferes pôs o nome de Ciao. Tudo correu bem a princípio. Depois, já na retirada, o alferes não quis sair de lá sem trazer a MP [2], que alguns afirmavam ter sido usada contra eles. Alguns ofereceram-se para voltarem ao acampamento em chamas. Dos dez que reentraram nas barracas, um morreu, um ficou ileso e os restantes foram atingidos pelo fogo inimigo.
O grupo de Saraiva acabou e o Amadú achou que já era tempo de ter um pouco de paz. Afinal era um condutor encartado e era mais antigo que muitos. E como condutor ganhava mais 150 escudos que nos Comandos de Brá e, na altura, 150 escudos davam para comprar muito arroz.
Até que apareceu lá na 4ª Rep, um alferes, o Luís Rainha, do grupo Centuriões, que tinha substituído o grupo de Saraiva, com uma autorização da 1ª Rep para o levar, outra vez, para os Comandos de Brá.
Pouco tempo depois, entrou numa nomadização, prevista para durar 48 horas, na zona de Faquina Mandinga, Sitató, na fronteira com o Senegal. Uma nomadização que acabou por se tornar num golpe de mão, guiados pelas vozes e gargalhadas dos guerrilheiros, que se achavam seguros até verem os Comandos entrarem pelo acampamento.
E, outra vez em Maio, tal como no ano anterior com o grupo de Saraiva, nova teimosia, desta vez do Rainha. Ao mesmo acampamento, no Como, para vingar as baixas que o 'grupo de Saraiva' tinha tido. Entre outro material trouxeram a pistola, de coronha nacarada, do Pansau Na Isna e o chapéu chinês dele, também.
Depois a Companhia de Comandos do CTIG acabou. E sempre que a unidade acabava, ou alguma coisa não lhe agradava, o Amadú pedia transferência para a 4ª Rep, a sua eterna casa-mãe.
Tempos depois, estava em Bafatá, quando chegou uma ordem do General Spínola para todos os Comandos Guineenses se concentrarem em Bissau, para fazerem provas e novo curso para a constituição de uma Companhia de Comandos Africanos.
Depois, foram operações atrás de operações da 1ª Companhia de Comandos Africanos, comandada pelo Capitão João Bacar Djaló [, na foto a esquerda, ao meio], enquanto, em Fá Mandinga, se formavam outras Companhias que iriam constituir o Batalhão de Comandos, sob a orientação do então Capitão Almeida Bruno.
Nos anos que durou a guerra participou em acções em todo o território onde a presença do PAIGC se fazia sentir. Percorreu matas e carreiros de Bambadinca, Canquelifá, Cobiana, Conakry, Cumbamori, Cuntima, Fá Mandinga, Farim, Gandembel, Gadamael, Gabu, Guidage, Guileje, Madina do Boé, Mansabá, Morés, Piche, passou e voltou a passar pelos rios e margens do Cacheu, do Geba, do Corubal, chafurdou e chorou nos tarrafos, em operações umas atrás das outras.
Em 25 de Abril de 1974 andava atrás da guerrilha, na zona de Piche, quando ouviu no rádio de um milícia que tinha havido um golpe militar em Lisboa.
A guerra acabou e começou outra, a luta pela sobrevivência na Guiné-Bissau. A entrega das armas, a vida civil sem amigos, as prisões dos camaradas, os fuzilamentos, a prisão dele e a escapadela numa hora que só costuma acontecer uma vez na vida de um homem, graças a um acto digno e cavalheiresco de um comandante do PAIGC.
A Bissau de Luís Cabral, em 1975, tornou-se uma cidade triste, com recolheres obrigatórios, denúncias, falta de arroz, falta de tudo, menos de 'milho para burro', que um país amigo lhes enviara num navio. O golpe do Nino foi para ele e para muitos o renascer de uma esperança. A seguir veio a desilusão e a viagem para Portugal.
V. António Briote
Ex-alferes mil., CCav 489/BCav 490 e Comandos do CTIG (1965/66).
[1] Vendedor ambulante.
[2] Metralhadora Pesada.
3. Comentário de L.G.:
Há dias eu tinha mandado o seguinte mail ao Virgínio:
Obrigado, Virgínio. Conto lá estar dia 15, no Museu Militar, no lançamento do livro,] com mais malta do blogue. Espero que seja a festa do Amadu e que não se esqueçam do teu trabalho de formiguinha bagabaga... Mais do que isso: do ser humano de eleição que tu és... Vou publicar. Até lá, era bom que me mandasses duas ou très coisas tuas: (i) uma primeira a "historiar" este processo (das folhas de papel almaço ao livro); (ii) e duas "histórias" à margem do livro, incluindo episódios da feitura do livro que ajudam a compreender melhor o Amadu, a sua personalidade, a sua matriz sócio-cultural, a sua história de vida.... Por exemplo, quem é o Amadu, hoje ? Guineense, português ? O que significa ser português para um futa-futa que combateu, com lealdade e coragem, "ao nosso lado" ?
Nem tu nem eu gostaríamos que lhe "roubassem a alma" no seu dia de festa, nem que o utilizassem como "arma de arremesso" ou como bandeira de instrumentalização para causas que poderão não ser as dele... Fico à espera dos teus textos. Um abração. Luís.
O Virgínio aceitou a minha sugestão. E aqui temos o texto que antecederá o lançamento do livro do Amadú. Sempre discreto, demasiado discreto, recusando louros, luzes da ribalta, protagonismos, o Virgínio merece todo o nosso reconhecimento e gratidão pela generosidade e honestidade intelectual deste seu trabalho... Parabéns a esta dupla Amadu Djaló-Virgínio Briote que conseguiu, contra ventos e marés, levar a cabo esta atribulada tarefa. Registe que grande parte das fotografias que ilustram o livro, foram disponibilizadas por membros da nossa Tabanca Grande.
Espero que o livro seja bem aceite pelos nossos amigos e camaradas da Guiné, bem como pelo público leitor, em geral. Pelo que sei, o Amadú receberá 10% de direitos de autor, o que me parece razoável. Ou seja, em cada 25 euros, 2 e meio serão para ele, que bem precisa: é pobre, está doente, já ultrapassou há muito a esperança média de vida de um homem guineense da sua geração. Vamos desejar-lhe força e saúde para acabar o 2º volume.
Parabéns também à Associação de Comandos por ter acarinhado e apoiado este projecto editorial.
_____________
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 26 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6053: Agenda cultural (68): Museu Militar, Lisboa, 15 de Abril, 18h: Lançamento do livro do Amadu Djaló, Guineense, comando, português