sábado, 7 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5230: Guidaje, Maio de 1973 (2): O fim do pesadelo (Manuel Marinho)

1. Mensagem de Manuel Marinho*, ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74, com data de 19 de Outubro de 2009:

Caro camarada Carlos Vinhal:
Envio-te mais este texto sobre Guidaje.


O FIM DO PESADELO

No dia 29 de Maio chegámos a Guidaje ao anoitecer. Fomos de imediato para as valas, arranjando-nos o melhor possível para passarmos a noite, porque a aglomeração de tropa era muita, pois a juntar às unidades que esperavam o regresso, chegou a nossa coluna. Pouco tempo depois fomos brindados com umas morteiradas.

Dia 30 ao amanhecer, Páras e Fuzos enquadram as unidades da coluna do dia 15, retida ainda em Guidaje e juntos fazem o regresso a Binta, utilizando a picada aberta.

Depois com alguns camaradas procurei acomodar-me melhor, fomos parar a um pequeno edifício, com poucas camas, com colchões com grandes manchas de sangue, já muito seco e cheiro nauseabundo, (seria a enfermaria?), mas foi aí que fiquei no chão, porque me parecia que estava mais resguardado.
Depois voltei para as valas, porque noutro ataque caíram morteiradas perto do local. Sei que estava do lado contrário ao refeitório, porque nos dias seguintes para tentar comer qualquer coisa tinha de atravessar a parada, o que noutras situações seria normal, ali era demasiado perigoso, pensava duas vezes antes de ir, mas era a situação real do quartel que nos ditava essas regras, porque não havia local seguro em Guidaje, embora já se tivesse atenuado a pressão devido à operação “Ametista Real” levada a cabo pelo Batalhão de Comandos Africanos.

Perdi a noção do tempo, vivemos esse dias como ratos, a alimentação era escassa e a verdade é que o apetite era proporcional. Também não havia horas para comer e para não irmos todos, um camarada trazia comida para dividirmos, e no dia seguinte era outro, e assim evitávamos muito a circulação pelo aquartelamento. De forma alguma podia haver ajuntamento por isso esperávamos a vez para ir buscar um bocado de arroz.

Uma das vezes ia eu a meio da parada, ouvi a saída dum morteiro, corri e atirei-me pelos pequenos degraus dum abrigo que ficava já perto do refeitório, onde me resguardei de mais um ataque. Confesso que me é difícil localizar com alguma precisão, os edifícios do quartel, porque os dias que lá passei foram de loucos, se por alguma razão se fazia algum ruído por mais leve que fosse, sobressaltava-nos de imediato, e a tensão aumentava e o sistema nervoso abalava. No quartel, o forçado silêncio só era interrompido pelas morteiradas enviadas pelo IN.

Quando houve ordem de partida, dia 11 logo ao alvorecer, foi aberta nova picada com a máquina D-6 que tinha feito a abertura a 29 na ida da coluna para Guidaje, esta nova picada era de todo necessária, pois suspeitava-se que os caminhos existentes estariam de novo minados.

Enquadrados pelos Comandos, lá viemos a corta-mato em marcha lenta por causa do trabalho de derrube de árvores feita pela máquina, e a meio da tarde já ao chegarmos a Binta, cruzámo-nos com a coluna que seguia para Guidaje.
O nosso aspecto devia parecer o de autenticos bandoleiros, pois o olhar que nos lançavam era de espanto, lá os encorajámos dizendo-lhes que o pior já passara, e felizmente era verdade.

Deixámos Nema em 10 de Junho, juntando-nos ao resto da Companhia em Binta, onde permanecemos até Agosto de 1974, sempre a calcorrear aquela picada, (e trilhos que iamos fazendo), fomos o começo, o meio e o fim.

Durante a estação das chuvas (Junho-Outubro), fizemos a actividade operacional de forma mais intensa do que era habitual, com mais patrulhamentos e segurança a colunas, e acções de reconhecimento que iam até Guidaje, mesmo com as condições adversas do terreno.
Por essa altura havia problemas com a alimentação, que não chegava de Bissau, creio que por problemas logistícos, pois fomos abastecidos por barcaças pelo rio Cacheu, depois de arroz com atum, arroz com salsichas, e finalmente arroz com marmelada. O que nos valia era termos um camarada especialista na subtração de cabritos à população que nos permitia resistir e não ficarmos enjoados com tanto arroz.


2.ª fase- construção da estrada Binta-Guidaje:

Em princípios de Janeiro de 1974 com a chegada da Engenharia, iniciam-se os trabalhos de alargamento da picada a partir de Binta, e começámos nós na protecção e segurança à mesma, com o reforço da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4516.
Era um trabalho desgastante, a começar logo de manhã bem cedo com a respectiva picagem e o reconhecimento da zona, sempre mais à frente, onde as obras recomeçam. Depois era a paragem forçada nos lados da picada para a protecção aos trabalhos, numa imobilidade forçada durante as horas de trabalho da Engenharia, com o especial cuidado onde se ficava por causa de minas.

A estrada nova foi o mais possível em linha recta até Guidaje, e ficou feita até perto da bolanha do Cufeu, quando cessaram os trabalhos, já depois do 25 de Abril.

Todos os dias ficava um Grupo de noite no mato a guardar as máquinas, de modo que praticamente uma vez por semana tocava-nos a nós. Fazíamos 24 horas seguidas no mato, regressando ao quartel quando recomeçavam as obras no dia seguinte, sendo rendidos pelos que chegavam para esse dia. Nos primeiros quilómetros foi assim, mas quando a distância já era longa, tornava-se perigoso ficar apenas com um Grupo no mato. Assim ao entardecer, quando findavam os trabalhos, as máquinas retrocediam o mais possível para evitar riscos desnecessários, no dia seguinte voltava-se a fazer as picagens e o reconhecimento mais à frente.

Em meados de Março, já com a estrada em adiantado estado, sofremos a emboscada esperada há algum tempo. As condições eram outras, porque até a largura da estrada não permitia grande proximidade pelo IN que montou a emboscada do lado esquerdo. Precisamente do lado direito da picada seguiam os Grupos da CCAÇ 4516 à frente, e mais atrás o meu Grupo entrou a corta- mato pelo lado esquerdo, quando rebenta o tiroteio. De imediato avançámos com o objectivo de envolvermos o IN, pois estavam à nossa frente. Pedimos o cessar fogo à 4516 para intervirmos nós, senão corríamos o risco de sermos atingidos pelos nossos, assim foi feito fogo de morteiro e dilagramas, e em progressão rápida depressa atingimos o local onde o IN se emboscara, e donde retirara deixando no local um ferido.

No local procedemos ao reconhecimento e a indícios que o IN deixara e qual não é o meu espanto, atrás de mim um camarada aponta a G3 para uma cova camuflada por folhas de árvores e dispara um tiro ao mesmo tempo que exclama:

- Está aqui um!!

O ferido passou a morto. Era o comandante daquele Grupo IN, talvez o equivalente aos nossos Alferes, pois a divisa que ostentava era idêntica.
Um dos africanos que nos acompanhava, preparou-se para lhe cortar uma orelha, no que foi de imediato travado pelo nosso Alferes e pelos que estavam perto.
O meu camarada explicou-me depois que num último esforço o guerrilheiro, embora bastante ferido, tentou alvejar um de nós, pois estava já com a arma levantada nas nossas costas, porque tínhamos passado por ele sem o vermos.
Eu fui um deles. Como ele estava bem camuflado pelo seu esconderijo, um de nós teve sorte, pois houve alguém do meu Grupo que foi mais cuidadoso.


Binta > Alguns elementos do 2.º GCOMB/1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512/72

Elementos do 1.º GCOMB/1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512/72 na estrada Binta/Guidage, arranjada depois do 25 de Abril

Picada Bigene/Binta - Novembro de 1973 > Manuel Marinho ao lado do condutor

Um grande abraço
Porto-19 de outubro de 2009
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste com data de 7 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5067: Guidaje, Maio de 1973 (1): Momentos difíceis para as NT (Manuel Marinho)

Guiné 63/74 - P5229: Ser solidário (43): A Tabanca de Matosinhos constitui Associação de Apoio e Cooperação ao Desenvolvimento Africano (Editores)

1. Notícias da Tabanca de Matosinhos

Há muito que a Tabanca de Matosinhos* deixou de ser só uma Tabanca de convívio onde aparentemente, às quartas-feiras só se come, para se dedicar à meritória causa de ajudar a colmatar algumas das necessidades mais prementes, principalmente na área da saúde, da Guiné-Bissau.

São já bastantes as suas iniciativas, como podem ver na listagem que vos deixo no fim deste poste.

De acordo com os postes 260 e 264 da Tabanca de Matosinhos, que aqui reproduzimos, com a devida vénia, está em fase final a constituição de uma Associação que oficializa as suas actividades na área da cooperação.


2. P260- A nossa Associação começa a ganhar forma

Nesta última quarta-feira a nossa futura Associação deu passos importantes na sua génese já que os presentes (30) formalizaram a sua inscrição numa ficha própria que o Dr. Moutinho trouxe.

Em conversa informal foi lembrado a todos que a constituição desta Associação vai trazer facilidades na aquisição e envio de ajuda humanitário e nas deslocações à Guiné, mas vai trazer também algum trabalho suplementar que terá obviamente de ser assegurado pelos seus representantes, para além do pagamento de uma quota periódica para cobertura de despesas administrativas, para além da habitual contribuição semanal nos almoços das quartas-feiras.

Todos os presentes se inscreveram na Associação pelo que em boa verdade já se pode afirmar que temos 30 associados.

Quem quiser inscrever-se basta clicar sobre a imagem da ficha de inscrição, imprimi-la, digitalizá-la novamente e enviar-ma por correio electrónico para o meu mail alvarobasto@gmail.com ou simplesmente comunicar-me por email essa intenção fornecendo os respectivos dados.

Clicar para ampliar


3. P264- A nossa Associação vai de vento em popa

Foi uma semana bem produtiva esta que hoje termina.
A constituição da nossa Associação deu alguns passos muito importantes com vista à sua formalização.
Em primeiro lugar veio finalmente a aprovação da Admissibilidade de Denominação, ou seja já temos nome de pessoa colectiva e respectivo NIPC como a atesta o respectivo certificado que se reproduz. O nome não ficou exactamente o que se pretendia mas foi este o aprovado e nada há a fazer contra isso.: "TABANCA PEQUENA-GRUPO DE AMIGOS DA GUINÉ-BISSAU – APOIO E COOPERAÇÃO AO DESENVOLVIMENTO AFRICANO".

Depois fomos reconhecidos pela comunidade de organismos que estão neste momento ajudar a Guiné-Bissau, em particular a Clínica Pediátrica S. José de Bor. Estiveram presentes três representantes da AIDA uma associação espanhola que tem vindo a integrar nos seus planos de apoio uma ajuda importante nas evacuações das crianças com cardiopatias graves para ao Hospital de S. João, o Prof. Dr. Luis Almeida Santos, Director da UAG da Mulher e da Criança, que tem sido o grande mentor e responsável pelo internamento e tratamento das crianças que são evacuadas para serem operadas no Hospital de S. João e a Dra. Lara Quintela da MSH – Missão Saúde para a Humanidade, uma ONG que vem actuando igualmente no terreno nas carenciadas áreas da saúde na Guiné Bissau.

Foi uma reunião exploratória para se abrirem canais de comunicação e definirem estratégia para aumentar a eficiência e o desempenho da canalização da ajuda humanitária em que todos estamos integrados com especial ênfase para a ajuda à Clínica Pediátrica S. José em Bor.

Finalmente e em reunião efectuada ontem à noite, os seis tertulianos que decidiram levar a peito esta tarefa de fundar um Associação, Moutinho dos Santos, Marques Lopes, José Teixeira, Nelson Sousa, António Pimentel e Álvaro Basto, analisaram o projecto dos Estatutos da nossa Associação que haviam sido elaborados pelo Dr. Moutinho dos Santos e após alguma correcções aprovaram-nos.

Devido à extensão do respectivo texto (24 páginas) não será possível reproduzi-los aqui mas tudo faremos para os colocarmos à disposição de todos os interessados antes da próxima quarta feira, data em que está prevista a assinatura da respectiva escritura pública.

Seguir-se há a aprovação do valor da quota anual que em principio deverá ficar nos 20 euros e a elaboração da lista para os corpos gerentes para o primeiro biénio de vida da nossa ONG.


4. Fotos de crianças que vieram a Portugal receber tratamento que a Guiné-Bissau não pode disponibilizar. Aqui também houve uma ajuda da Tabanca de Matosinhos.






5. Listagem de alguns postes que fazem referência à actividade da Tabanca Matosinhos na área da cooperação com a Guiné-Bissau.

P101-Guiné, aí vamos nós
P118-APELO-Mais Sementes para a Guiné.
P130-SEMENTES PARA A GUINÉ
P144-SEMENTES PARA A GUINÉP151-Crianças da Guiné e a Tabanca de Matosinhos
P159-Afinal o que é a Clínica Pediátrica de Bor?
P162-A Clínica de Bor e a Tabanca de Matosinhos II
P180-As crianças guineense operadas no Porto
P208-As Crianças da Clinica de Bor
P210-As crianças da Guiné
P219-A nossa ajuda à Clinica Pediátrica de Bor
P230 - As crianças da Guiné
P235 - A nossa Ajuda Humanitária
P241-Mensagem do Dr. Augusto Bidonga
P243- Noticias da Clinica Pediátrica de Bor
P249 - De Solidariedade se fala
P260- A nossa Associação começa a ganhar forma
P264- A nossa Associação vai de vento em popa
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4310: Tabanca de Matosinhos (11): As crianças da Guiné-Bissau precisam da nossa ajuda (Álvaro Basto)

Vd. último poste da série de 5 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5212: Ser solidário (42): Em Marcha a Expedição Humanitária Portugal/Guiné-Bissau 2010 (José Moreira, Memórias e Gentes, Coimbra)

Guiné 63/74 - P5228: Memória dos lugares (52): Rio Corubal: afinal, havia... 3 pontes !? (C. Silva / D. Guimarães / M. Dias / Luís Graça)

Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole > 2001 > A antiga Ponte Marechal Carmona, sobre o Rio Corubal, a sul do Xitole, de construção anterior à Ponte Craveiro Lopes, no Saltinho (esta a montante)

Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole > 2001 > O David J. Guimarães à entrada da antiga Ponte Marechal Carmona , sobre o Rio Corubal, entre o Xitole e os rápidos do Cussilinta, portanto a jusante do Saltinho. (Assinalada no mapa do Xitole, como "ponte em ruínas).

Guiné-Bissau > Zona Leste > Saltinho > 2001 > O David Guimarães junto à ponte sobre o Rio Corubal, do Saltinho, um dos sítios paradisíacos da Guiné, onde havia, durante a guerra colonial, um aquartelamento que ficava a 20 Km de Xitole na estrada Bambadinca-Aldeia Formosa (hoje, Quebo). Esta ponte, no nosso tempo (1969/71), chamava-se Craveiro Lopes, e estava interdita...

Fotos: © David Guimarães (2005). Direitos reservados

1. Nota do editor L.G.:


Obrigado ao Carlos Silva pela magnífica cobertura fotográfica da Ponte Marechal Carmona, sobre o Rio Corubal, a cerca de 5 km, a sul do Xitole (*).

De facto, pouca gente tem conhecimento dessa magnífica obra do Estado Novo. No nosso blogue, o primeiro camarada a falar dela, foi o David Guimarães, o nosso tertuliano nº 3 - como eu gosto de lhe chamar...

O David foi Fur Mil Minas e Armadilhas, CART 2716 (Xitole, 1970/72). Em 2001, o David revisitou com a esposa (Lígia), um filho (menor) e antigos camaradas (incluindo o Dr. Vilar, ex-Alf Mil Médico da CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72) os sítios por onde passou (Sector L1/Zona Leste).

Escreveu ele (**):

"É célebre o Saltinho pela sua localização junto ao Rio Corubal e pela sua linda ponte. Curiosamente como em Cussilinta o Rio aí também tem rápidos. A Guiné toda plana e com rápidos nos rios!... É estranho mesmo. Ao tempo estava lá uma Companhia que pertencia ao Batalhão com sede em Galomaro, e que eram portanto nossos vizinhos".

A importância estratégica desta ponte era óbvia e era conhecida de nós, nal da CCAÇ 12, mas, devido à guerra, não se passava para lá do Saltinho... Hoje continua a ser vital, permitindo a ligação rodoviária do resto da Guiné (norte, leste, oeste) com o sul... A ponte lá está, uma belíssima e boa construção que aguenta todos os anos com as enxurradas do Corubal. Foi inaugurada em 1955.

Em 1996 também lá esteve, no Saltinho e em Cussilinta, o nosso camarada e amigo Humberto Reis (ex-Fur Mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Nem ele nem eu, tínhamos conhecimento de outra ponte sobre o Corubal. Daí a dúvida apresentada ao David, por parte do Humberto (**):

"Tens de me esclarecer uma coisa, sff: na nossa página sobre o Xitole/Saltinho, há uma fotografia tua, que tiraste em 2001, a atravessar a Ponte Marechal Carmona, em que tu dizes ser 'sobre o rio Corubal, na estrada Bambadinca-Xitole-Aldeia Formosa'. Então para se ir do Xitole até à Aldeia Formosa não tinha de se passar no Saltinho e atravessar a Ponte Craveiro Lopes, a tal que tem vários arcos em betão armado? Que estrada era essa, afinal ?"

Anteriormente, o David Guimarães, no poste de 17 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XX: "Foi você que pediu uma kalash?", já tinha esclarecido em parte o mistério da tal ponte Marechal Carmona (**):

"No Xitole, para lá da pista de aviões, a 5 Km, há uma ponte que atravessa(ava) o Rio Corubal, ligando a estrada de Bambadinca-Xitole à Aldeia Formosa.... Essa ponte está interrompida com um pegão dentro da água... Essa ponte mantem-se lá, inoperante, e não foi reconstruída...

"A história é que essa ponte teria sido interrompida pela nossas tropas no início da guerra. Outra versão é que que tinham sido os naturais. Uma terceira versão é que tinha sido o Corubal e as chuvas que teriam causado o colapso da ponte... Fico à espera que alguém me conte a versão verdadeira. Alguém da Guiné saberá? Desconfio que não, pois dela resta a história somente.

"Seguem em anexo duas fotografias da tal ponte [a Ponte Marechal Carmona], pois ela é só meia ponte: a fotografia que mostra a interrupção, não saiu, que pena! Mas, enfim, é essa. Onde estou eu é exactamente na entrada do lado do caminho para o aquartelamento... Nota-se que ela está inclinada... Era importanete esta zona, pois que, como em todas as pontes, eram feitas operações de reconhecimento regulares"...

E eu acrescentei a seguinte nota (**):

"No mapa do Xitole (Serviços Cartográficos do Exército, 1956), a "ponte em ruínas" vem devidamente sinalizada, no Rio Corubal, a cerca de 4,5 km, a sul do Xitole, entre os ilhéus Saido (a oeste) e os rápidos de Cusselinta (a leste)...

"Não sei a data da construção da Ponte Marechal Carmona, mas é capaz de ser dos anos 40. Essa ponte deveria permititir a ligação a uma picada (ou uma estrada projectada: está no mapa a tracejado) que ia ter à estrada para Buba e Fulacunda (à direita) e Mampatá, Quebo (Aldeia Formosa) e Chamarra (à esquerda). Antes da guerra, podia-se depois regressar ao Xitole, através de Contabane (virando à esquerda) e Saltinho (Ponte Craveiro Lopes). No cruzamento de Contabane, à direita, apanhava-se a estrada para Guileje e Madina do Boé".

2. Na I Série do nosso bogue, tivémos mais uma achega, a de Mário Dias (Srgt Comando Ref, Brá, 1963/66), profundo conhecedor da Guiné dos anos 50 (antes de frequentar o 1º CSM, na Guiné, em 1959, trabalhou em Bissau, cujo desenvolvimento e progresso acompanhou):

"Deparei com algumas dúvidas suscitadas pelas pontes sobre o Corubal. Ambos, David Guimarães e Humberto Reis, têm razão. Antes da construção da ponte Craveiro Lopes, a tal que tem a sutentanção feita com arcos superiores, a travessia do rio era feita na outra ponte que - pasme-se, soube agora - se chamava Marechal Carmona. Essa fica próxima do Xitole, a jusante de Cussilinta. Entre nós, os colonos, era conhecida por passagem submersível do Saltinho e foi mandada construir, se não me falha a memória, pelo governador almirante Sarmento Rodrigues.

"No meio do rio, no local de corrente mais forte, foi construido uma espécie de dique com várias aberturas na parte superior destinadas a dar passagem à água na altura de maiores caudais, o que acontecia durante grande parte do ano na época das chuvas. Por tal facto, nessa altura do ano a passagem era impossível por ficar submersa. Daí a designação de 'submersível'. Daí também a sensação, para quem não souber e nunca a utilizou, que o que se vê parece ruína, acidental ou propositada.

"Alguns anos mais tarde, não me recordo já quando, foi construida a nova ponte (Craveiro Lopes) que, embora obrigando a um percurso mais longo, veio permitir a passagem durante todo o ano. A antiga passagem submersível deixou de ser utilizada e mais ninguém lhe 'passou cartão'.

"Um abraço. Mário Dias"(***).

Recorde-se que Manuel Maria Sarmento Rodrigues (1899-1979)> foi Governador da Guiné entre 1946 e 1949. E em 1950 integrou o Governo de Salazar como Ministro das Colónias (a partir de 1951, Ministro do Ultramar). Era um prestigiado oficial da marinha e um homem com grande experiência de administração em África .

Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > 1972 > Vista aérea do Rio Corubal, da ponte e do aquartelamento do Saltinho (na margem direita, instalações hoje transformadas em unidade hoteleira)

Foto: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados

Entretanto, o Mário voltou a fazer outro esclarecimento (***):

"Depois de ter lido com mais atenção as intervenções do David Guimarães e do Humberto Reis sobre as pontes do Corubal, e tendo ido à carta do Xitole, verifiquei a existência de uma ponte em ruinas, assinalada nessa carta e que deve ser a tal Marechal Carmona da fotografia.

"Confesso que desconhecia a sua existência pois, pelo menos desde 1950, que a travessia do rio se fazia pela tal passagem submersível de que falei. Ao ler, muito por alto,que a referida ponte Marcehal Carmona estava interrompida e existia no meio do rio um 'pegão', deduzi tratar-se da ponte submersível que, por não estar em uso desde a inauguração da nova Craveiro Lopes, estivesse já em ruína.

"Errei, e peço desculpa.Nunca atravessei o Corubal na tal ponte Marechal Carmona. Sempre o fiz pela submersível e mais tarde pela nova que, penso eu, foi inaugurada em 1955, pois tem o nome de Craveiro Lopes que, nesse ano, visitou a Giuiné. É de supor, portanto, que a derrocada da antiga ponte Marechal Carmona deve ter acontecido antes dos anos 50, certamente por causas naturais.Mais uma vez as minhas desculpas pelo meu involuntário erro".

Guiné-Bissau > Saltinho > Ponte General Craveiro Lopes > Lápide, em bronze, evocativa da "visita, durante a construção" do então Chefe do Estado Português, general Francisco Higino Craveiro Lopes, acompanhado do Ministro do Ultramar, Capitão de Mar e Guerra Sarmento Rodrigues, em 8 de Maio de 1955. Era Governador Geral da Província Poprtuguesa da Guiné (tinha deixado de ser colónia em 1951, tal como os outros territórios ultramarinos...) o Capitão de Fragata Diogo de Melo e Alvim... Craveiro Lopes nasceu em 1894 e morreu 1964. Foi presidente da República entre 1951 e 1958 (substituído então pelo Almirante Américo Tomás).

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Novembro de 2000 > Brasão, inspirado na ponte do Saltinho, da CCAÇ 2406 (1968/70). Esta companhia, sob o comando do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) esteve envolvia na trágica retirada de Madina do Boé (a sua irmã, a CCAÇ 2405, de Galomaro, sofreu 17 mortos em Cheche) mas também na Op Lança Afiada (triângulo Xime, Xitole, margem direita do Rio Corubal, Março de 1969)...

Guiné-Bissau > Saltinho > Novembro de 2000> Pousada do Saltinho > Brasão, igualmente inspirado na ponte sobre o Rio Corubal, da CCAÇ 2701 (1970/72), companhia a que esteve adido o nosso Paulo Santiago (Pel Caç Nat 53). Era comandada pelo Cap Carlos Trindade Clemente. (***P). Camaradas que passaram por lá: Martins Julião, Carlos Santos, Tony Tavares, Mário Rui, al´+em do médico já falecido, Dr. Faria (Paulo, cito de cor) (****)...

Fotos: © Albano M. Costa (2006). Direitos reservados


3. Comentário de L.G.: Afinal, chegou a haver não duas pontes, mas três pontes sobre o Rio Corubal... É isso ?

__________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5227: Memória dos lugares (51): Ponte Carmona sobre o Rio Corubal (Carlos Silva)

(**) V. poste de 26 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias do Xitole ao Saltinho: duas pontes, um fornilho e uma trovoada tropical (David Guimarães)

(***) Vd. postes de:

26 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXVI: As pontes sobre o Rio Corubal (Mário Dias)

26 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIX: As pontes sobre o Rio Corubal: rectificação (Mário Dias)

(****) Vd. poste de 13 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1424: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (6): amigos do peito da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)

Guiné 63/74 - P5227: Memória dos lugares (51): Ponte Carmona sobre o Rio Corubal (Carlos Silva)



1. Mensagem de Carlos Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, 1969/71, com data de 6 de Novembro de 2009:

Amigos,
Assunto - Série Pontes.
Já falámos de várias pontes: Ponte dos fulas, Ponte Alferes Nunes, Ponte Mansoa, Ponte Craveiro Lopes, mais conhecida por Ponte do Saltinho, Ponte João Landim, Ponte S. Vicente, etc.
Mas não falámos sobre a Ponte Carmona sobre o Rio Corubal, situada a meia dúzia de quilómetros do Xitole.

Por esse motivo, acabo de publicar no meu site www.carlosilva-guine.com uma página dedicada às CART 2413, CART 2716/BART 2917 e CART 3492/BART 3873, a que pertenceram entre outros o Carvalheira, o David Guimarães, o Mexia Alves e o Álvaro Basto. A página contém essencialmente fotos da Ponte Carmona, sobre o rio Corubal, que - presumo - poucos Xitoles que por lá estagiaram, conhecem.- Refiro-me àquele Monumento ali perdido, àquela preciosidade, àquela maravilha arquitectónica.







E digo isto, porque na altura do Simpósio Internacional de Guileje mostrei as duas fotos do David Guimarães e nem a Sra. Ministra Isabel Buscardini nem o nosso amigo Pepito conheciam aquele tesouro e este ano propus-me viajar de propósito até lá com outros camaradas para ver aquela preciosidade com os meus olhos.
Pois até agora não vi nem ouvi referências a tal monumento exceptuando as 2 fotos do David Guimarães, [tiradas em 2001].








Deste modo e dado que amanhã os nossos camaradas das Companhias acima vão reunir-se em Monte Real [, hoje dia 7, conforme anúncio, aqui publicado pelo J. Mexia Alves] agradeço que publiquem um poste fazendo referência à página do meu Site para visualizarem tal preciosidade da nossa arquitectura, e para se possível lançar o repto aos mesmos se alguma vez fizeram patrulhamentos para o lado da situação da ponte, se ouviram falar nela, se sabem em que data foi construída e quem é o seu autor de projecto, por que razão ficou inacabada oi se sofreu alguma derrocada, enfim… se sabem o historial dessa magnífica ponte.













ççççççççç
Claro que estas dúvidas colocam-se a qualquer tertuliano ou não.
Junto anexo uma pequena selecção fotos das que publiquei (cerca de 120, distribuídas por 30 páginas, o que era muito material para o Blogue).
Com um grande abraço amigo
Carlos Silva
Fur Mil CCAÇ 2548/BCAÇ 2879

Fotos:© Carlos Silva (2009). Direitos reservados.



Guiné > Xitole > 1970 > Vista aérea do Xitole (aquartelamento, posto administrativo e tabanca) © Humberto Reis(2006)
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5226: Histórias de José Marques Ferreira (9): A noiva Mandinga


1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, que foi Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos com data de 6 de Novembro de 2009, o terceiro extracto do "Jornal da Caserna" da sua Companhia.


Camaradas,

Votos de felicidades saúde e dinheiro para gastos… pelo menos algum…

Proveniente do «Jornal da Caserna», cujo cabeçalho vai encimar este post, aqui está mais uma cândida, inocente e pacífica estória, neste caso sobre os costumes da Guiné.

O autor que deu nome e vida à estória, já aqui referi, é o Ramiro Fernandes Figueiredo, que não sei por onde anda à muito tempo, era o médico da CCAÇ 462.


A noiva mandinga

A noiva mandinga acabava de chegar num jipe da Administração. Vinha marcialmente escoltada por cipaios, que se apilhavam na viatura. À frente o cabo cipaio e entre este e o condutor indígena – A NOIVA. Atrás distinguia-se um animador do cortejo com o “calandim”, uma espécie de bandolim indígena – que tirava uns sonidos exóticos.

O noivo que não era outro que o sherif, chefe religioso muçulmano, pagara “manga” de pesos ao tocador; e este, ciente da sua missão e responsabilidade desfazia-se em trejeitos para arrancar do instrumento toda uma amálgama de ruídos. Sempre com um sorriso aberto, descortinavam-se uns incisivos faltosos e uns molares apodrecidos. O carro virou em direcção da casa do cabo cipaio, onde a noiva ficou religiosamente guardada.

À noite chegou a formação do batuque para a conduzir em festança até casa do sherif. O batuque era composto por um mandinga alto e esguio de óculos doutorais, que regia a barulheira. O apito de marcação de ritmo mordia-lhe os lábios; e as mãos batiam cadenciada e diabolicamente num “tântano” alongado, mais parecendo que a fúria do seu entusiasmo poria em breve o tambor de pantanas. Outros dois acólitos tamboreiros completavam o grupo musical.


À frente vinham as “bajudas”, raparigas virgens – candidatas ao “fanado” garridamente vestidas (não destoando o usual pé descalço…), na singeleza e simplicidades dos corpetes e panos colados às carnes. Bamboleavam-se em movimentos cheios de graça dos braços e os pés nus batiam abafada e energicamente no chão poeirento.

Chegado o cortejo a casa do cipaio tudo redobrou de entusiasmo e vigor. Abriu-se um círculo. Crianças à frente e uma ou outra “bajuda” que era bailarina; atrás as mulheres grandes também “roncas” nos seus trajes vistosos. Irrompe pela casa uma onde de bajudas virgens que são envolvidas pelo homem do violino que não arredou pé. Dirigem-se ao quarto da noiva, que cândida e tímida recebe “mantanhas” e votos de vida feliz.

A virgem casadoira era uma dessas belezas mandingas que geralmente se encontram por aí. Esguia, alta e esbelta; olhos negros, talhados oblíquos – misteriosos. O cabelo é típico – sulcado de risquinhos transversais conjugando-se aos lados numas pequenas madeixas, que mais pareciam pequenas espigas de trigo. Cingia-lhe a cinta um pano senegalês, que lhe moldava as formas delicadas e elegantes; e o tronco era revelado pelo pequeno corpete, que discreto lho cobria, sem realçar nada que não fosse proporcionado.

Era na verdade uma autêntica Vénus negra que vali “uilli lulo”, ou sejam os cinco mil pesos pagos pelo felizardo que a escolhera. Formou-se novamente o cortejo e a noiva lá foi rodeada pela frescura das jovens virgens. O tocador redobrou em ritmo, agitação e ruído musical. Chegados fronte da casa do sherif, este veio ao encontro da noiva com o seu grupo religioso e conduziu-a à entrada numa cerimónia que o noivo repetia pela quarta vez – já que Alá é generoso quanto ao número de mulheres. Cá fora as “bajudas” faziam coro em cânticos, outras entravam em círculo, arrancando sapatadas cheias de vida e erguendo delicadamente as mãos, contorciam-se ao sabor do ritmo do apito e “tântanos”.

O negro esguio do tambor suava por todos os poros. Lá dentro a noiva era apresentada aos membros da seita religiosa e estava tudo a postos para o banquete geral ao ar livre, que a generosidade do chefe deu a toda a gente muçulmana da “tabanca”.

O Ramadão tinha acabado e a ocasião era propícia para refazer algo do que havia perdido toda esta gente em quarenta dias de jejum…

“ÓKEY”
(Ramiro Fernandes Figueiredo, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 462, cuja história foi publicada no «Jornal da Caserna de Março de 1964)
Guiné - Ingoré, Março de 1964.

Nota: - A foto que ilustra este texto é um dos postais ilustrados que se vendiam por lá, na época. Comprei este que, atrás, tem escrito pela minha mão: 31/12/64 – O dia do aniversário da minha mulher. E como está lá escrito «parabéns e felicidades» - o resto não transcrevo -, serviu tal postal para ilustrar esta história. Às tantas, vão aparecer por aí alguns comentários, colocando-me em maus lençóis, por ter enviado este postal à Maria Fernanda. Que querem vocês, elas eram assim (as bajudas claro)... tal como está esta no postal!

Para todos um abraço,
J.M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes


Foto e gravura: José M. Ferreira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P5225: (Ex)citações (53): Jorge Cabral, Essa Alma Peregrina Mor (Petrouska Ribeiro)

1. Petrouska Ribeiro* deixou este comentário no poste Guiné 63/74 - P5221: Parabéns a você (38): O nosso Alfero, Jorge Cabral (Cabral só há um, o de Fá e mais nenhum)(Editores)**:

Esse ser, esse Grande Homem ou Pai Grande que hoje o Mundo parou para aplaudir, deu-me a graça de com ele aprender, com ele trabalhar, com ele crescer como pessoa melhor, com valores e humildemente.

Foram precisos dez anos de labor, (e como desejaria dobrar esse número, não fosse ele acordar, hoje, dizendo que já é / está velho), para ufana, assumir que apenas o convívio com alguém bem-disposto, audaz, elegante e educado, ainda que conservador de alguma vaidade (porque não…) nos enriquece, sem mais… Essa “Alma Peregrina Mor”, ensinou-me muitas coisas, muitas delas sem a necessidade de esboçar uma única palavra. O pensamento estruturado, o valor da calma (que não dominava nada bem e que por vezes ainda a perco, tentando sempre que seja de forma a que ele não perceba).


Ensinou-me a conversar e a desconversar, mostrou-me a ironia, o sentido de humor, a beleza, a grandeza das estórias, a simplicidade, a bondade. Ensinou-me a aceitar a dificuldade e a sorrir para a vida. Aprendi que o afecto (de que ele muito fala) não precisa de ser gritado e que, antes pode ser um passeio por um caminho; às vezes em silêncio, outras a dizer “ Oh alma, está a ver! … Eu não lhe dizia! …Você não sabe nada…” O importante é que nunca nos esqueçamos que é possível sermos melhores. O que ele é, com toda a certeza.

Não é perfeito! Não, claro. É tão humano quanto todos nós.

O Meu / Nosso Professor é aquele tronco onde podemos observar, ininterruptamente, a tolerância, a sensatez e a experiência de vida. É assim. E todos os meus dias são, diferentes do anterior… o que apenas consigo porque o meu Professor; quase Tutor, quase Pai é mais do que se possa descrever…

Parabéns, Meu Professor
Petrouska Ribeiro

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Notas de CV:

Jorge Cabral foi Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71) e é hoje um brilhante Professor de Direito

(*) A Dra. Petrouska Ribeiro é Secretária Pedagógica do Curso de Pós-Graduação em Criminologia da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

(**) Este poste foi melhorado e aumentado já depois da sua publicação

Vd. último poste da série de 17 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5121: Comentários que merecem ser postes (9): A morte dos nossos camaradas deixou marcas (Luís Graça/JERO)

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5224: Blogues da Nossa Blogosfera (25): Guiné Bissau - Memórias (CCAÇ 2781 do BCAÇ 2927 - Bissum, 1970/72)


1. Camaradas, no poste P4925, de 9 de Setembro de 2009, dedicado à “Memória dos lugares, com fotos do Bura… ko de Bissum - Naga, 1968, que nos foram enviadas pelo José Nunes (ex-1º Cabo, BENG 447, Brá, 1968/70), recebemos a seguinte mensagem:

Encontrei aqui alguns desterrados de Bissum. Estive lá de finais de 1970, a finais de 1972, nas transmissões da CCaç 2781.

Para quem quiser visitar o meu Blogue sobre esta temática aqui fica o endereço:


www.guine-bissum.blogspot.com

Um grande abraço.
Quim



Vista do Quartel de Bissum

2. No blogue do Quim [Santos], encontra-se um apelo que deixamos aqui reproduzido:

“Pedido. Se algum dos ex-combatentes de BISSUM tiver algo relacionado com a nossa guerra naquelas paragens e que queira partilhar, foto, documento, etc., não hesite e envie para verdegaio@gmail.com, que eu terei todo o prazer em publicar aqui.”



Foto de Bissum e emblema: © Blogue "Guiné Bissau - Memórias" (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

5 de Novembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P5217: Blogues da Nossa Blogosfera (24): Do Tejo ao Rovuma (Cabo Delgado, 1971/73), de Carlos Vardasca

Guiné 63/74 - P5223: Estórias avulsas (53): Uma carecada no dia de Natal, no segundo dia de Guiné (Vasco Santos)

1. Mensagem de Vasco Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6, Bedanda, 1972/73, com data de 29 de Outubro de 2009:

Caro Carlos Vinhal,
Os meus agradecimentos pela minha admissão no vosso blogue.

Os resultados já estão à vista, ou seja, já tive o prazer de estar com o nosso amigo Carlos Azevedo, meu companheiro na CCAÇ 6 (Onças Negras) em Bedanda.
Um bem haja pela colaboração.

No que toca ao assunto do Nino, apenas poderei dizer algo depois de trocar impressões com o colega que transmitiu esta informação ao amigo Azevedo.
Até lá nada poderei comentar.

Conforme solicitado, envio uma nova foto (tipo passe) que espero esteja melhor que a anterior. Aproveito para anexar uma foto com o v/tertuliano e, meu ex-Médico em Bedanda, o Dr. Mário Bravo. Espero que esteja em condições para ser publicada.

Envio também uma foto do grupo do convivio Anual (28.º) organizado pelo Peralta, que este ano teve lugar em Tebosa/Braga, bem como na companhia do meu querido Coronel Comandos Ferreira da Silva que, foi meu comandante de Companhia no RI 7, no primeiro turno de 1971 e, que posteriormente foi comigo no Angra do Heroísmo para a Guiné, com chegada a Bissau no dia 24 de Dezembro de 1971.

Estes encontros trazem-nos algumas memórias, uma delas, que comentei ao Senhor Coronel Ferreira da Silva.

No dia 25 de Dezembro de 1971, sendo o meu 2.º dia em Bissau e dia de Natal, estando eu na formatura para o almoço, por casualidade passou por mim o agora Coronel Ferreira da Silva que, talvez por eu ser Cripto ou, por andar chateado por estar de oficial de dia, o certo é que me contemplou com uma carecada.
Que belo dia de Natal, enfim... belos tempos

Nao te importuno mais, entretanto recebe um abraço.
Vasco santos

Vasco Santos acompanhado do Coronel Comando Ferreira da Silva

Vasco Santos, de camisa vermelha com o seu amigo Lázaro, de óculos, ex-Mecânico Auto, que esteve em Cadique, anos 1972/74, no BCAÇ 4514/72 (pode dar-se o caso de algum amigo o querer contactar)


2. Comentário de CV:
Caro Vasco, conforme te disse em mensagem que te enviei, e à qual não deste resposta, as outras fotos não chegaram bem. Se puderes tenta enviá-las de novo.
Enquanto isso, fiz-te a foto que encima este poste. Não está má.

Quanto ao agradecimento, nem tu nem ninguém tem que agradecer a admissão na Tabanca. Ela é de todos os ex-combatentes e amigos da Guiné que connosco queiram colaborar. Se e quando puderes dá uma ajuda, enviando as tuas estórias/histórias e fotografias.

Um abraço e até ao próximo contacto.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5059: Tabanca Grande (178): Vasco David de Sousa Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6 (Bedanda, 1972/73)

Vd. último poste da série de 31 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 – P5187: Estórias avulsas (52): Jornal da Caserna (2), José Marques Ferreira (ex-Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462)

Guiné 63/74 - P5222: Efemérides (33): O Dia dos Veteranos, 11 de Novembro na Vila de Stoughton (USA) (José da Câmara)

1. Mensagem de José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73, radicado nos Estados Unidos da América, com data de 4 de Novembro de 2009:

Caro Carlos,
Junto encontrarás uma página de um dos jornais locais, e que faz referência ao dia dos Veteranos.
Com esta página tento mostrar aos nossos camaradas algumas das coisas que o Departamento dos Veteranos da Vila de Stoughton faz pela classe.
Não sei até que ponto isto tem interesse para o nosso blogue. Tu ajuizarás e procederás de acordo com aquilo que te parecer ser melhor.

Com votos de muita saúde e um abraço amigo,
José Câmara

Clicar na imagem para ampliar

2. Caros camaradas,

O dia do Armistício é celebrado nos EUA no dia 11 de Novembro. Este dia também é considerado feriado nacional.

Entre as tradições mais queridas e honrosas dos americanos para este dia estão o embandeiramento das sepulturas dos veteranos de Guerra, os desfiles cívicos pelas ruas da cidade com paragens e alocuções nos cantões dos cemitérios dedicados aos veteranos.

Sempre que necessário, também se procede à Cerimónia da Queima das Bandeiras velhas ou removidas das sepulturas, acto esse que é feito com todo o respeito e circunstância.

Stoughton, a vila onde vivo, não foge à regra tradicional.

No caso particular desta vila de Stoughton, nos anos oitenta do século passado, os vereadores resolveram que todas as ruas a construir têm que ter o nome de um veterano.

Para além disso, os veteranos que, em vida, se distinguiram ao serviço da comunidade, depois da sua morte, e por voto do elenco camarário, podem ter o seu nome perpetuado em cruzamentos de ruas, jardins, edifícios públicos ou outros lugares considerados apropriados.

Nos desfiles cívicos, vulgo paradas, participam as entidades locais e estaduais, forças policiais, bombeiros, muitos grupos de escuteiros masculinos e femininos, e ainda a Banda de Música do Liceu local, Guardas de Honra e Esquadrões de Veteranos.

A cópia da página do jornal que junto é da autoria do Departamento de Veteranos de Stoughton.

A determinada altura pode ler-se “Please Help us in this honored tradition. This is truly a great thing for your children and grandchildren do participate in” (Por favor ajudem-nos nesta honrosa tradição. Esta é uma grande causa para os vossos filhos e netos participarem).

De notar ainda os apelos que são feitos para que os veteranos, familiares e comunidade em geral participem nos diferentes afazeres do Departamento, quer seja na procura dos seus benefícios quer seja na ajuda àqueles que, ainda ao serviço das forças armadas americanas, estão espalhados pelo mundo na defesa dos interesses americanos.

Camaradas,
Esta é uma amostra daquilo que se faz em terras da estranja.
Tem o valor que cada um entender que tem.

Um abraço amigo,
José Câmara
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5153: Controvérsias (31): Afinal quem saiu derrotado na guerra da Guiné? (José da Câmara)

Vd. último poste da série de 4 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5211: Efemérides (26): 1 de Novembro de 1965 – Relatório Oficial da Carnificina em Farim (António Paulo Bastos)

Guiné 63/74 - P5221: Parabéns a você (38): O nosso Alfero, Jorge Cabral (Cabral só há um, o de Fá e mais nenhum)(Editores)

1. O Jorge Cabral faz hoje anos (*) e eu, assim de repente - perante a ordem do editor de serviço, o nosso querido Carlos Vinhal, para ser eu a bater-lhe a chapa, fazer-lhe o retrato e botar-lhe o discurso - ainda não sei que prenda dar-lhe... Para mais num dia em que tenho de ler um calhamaço de mais 300 páginas de literatura gestionária, um petisco que é bem pior do que uma viagem de ida-e-volta ao Mato Cão...

Pensando bem, nada como organizar-lhe, por ordem numérica e cronológica, a lista das quase seis dezenas de postes que ele já publicou, no nosso blogue, sob a série Estórias Cabralianas (**)... Pois será essa a nossa prenda, a de todos nós, editores e leitores, na esperança de, muito em breve, podermos reler esse fabuloso material em suporte de papel. E que este meu texto seja a versão nº 1 do prefácio que ele me encomendou e que eu vou escrever com todo o gosto.

Mas quem é o Jorge Cabral ? É advogado de barra, desde há quase quatro décadas, com escritório em Lisboa. Foi durante muito tempo docente do extinto Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, todas as meninas (e meninas) do serviço social, que passaram por aquela escola, o conhecem e falam dele com ternura, apreço, respeito e admiração, onde quer estejam, dos centros de terceira idade às empresas do Séc. XXI....(As que vou encontrando por aí, todas me falam dele, com grande carinho e apreço, como um professor excepcional, que as marcou intelectual e afectivamente... É um sortudo, este Jorge. Um sedutor, um senhor... Sempre bendito entre as mulheres... Ontem como hoje, lá como cá).

É, além disso, docente da na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, sendo o coordenador do curso de pós-graduação em Criminologia, presidente do Instituto de Criminologia, especialista na área da infância e direito penal, e last but not the least, um membro sénior (e viril) da nossa Tabanca Grande, já com direito ao estatuto e tratamento de senhor e senador...

Dizem que era descendente de militares e que, na sua rica e frondosa árvore genealógica, há cabrais e... cabrais. Na Guiné ele reivindicava ser o único e legítimo Cabral, mesmo que o outro, o usurpador, defendesse os seus pergaminhos de Kalashnikov na mão...

Apesar da sua linhagem ilustre, posso garantir que nunca o vi, nas terras de Badora e do Cuor, cantar de galo... Mas que sempre prezou a sua linhagem, isso é indesmentível e eu disso sou testemunha: costumava garantir, a quem o queria ouvir, que "na Guiné, Cabral só há um, o de Missirá e mais nenhum"... Ou de Fá, conforme o sítio onde estava (um ano em cada lado). À força de ser propolada e levada pelo vento, de bolanha em bolanha, a histórica e temível frase deve ter chegado aos ouvidos do Corca Só, o chefe da barraca de Madina / Belel, que no seu tempo não mais voltou a meter-se com a malta de Missirá...

Em Missirá, um destacamento mais exposto às morteiradas e roquetadas do IN do que Fá Mandinga, contava-se que o Cabral, mais do que temido, era respeitado pelos camaradas do PAIGC, desde o famoso dia em que foi atrás deles, na bolanha, a apaziguá-los e a tranquilizá-los:
- Vocês não fujam, não tenham medo! Sou o Cabral!

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXXII: Vocês não tenham medo, não fujam, sou o Cabral (Fá, 1969/71)

2. A par da imensa tragédia que foi (com perdas e danos irreparáveis) aquela guerra, toda e qualquer guerra, a da Guiné foi também palco (hilariante) de muitas peças do Teatro do Absurdo (envolvendo as NT, o IN, os nossos oficiais superiores, os nossos camaradas, os comerciantes da mancarra, do arroz e do coconote, a população local, os seus régulos, os seus homens e mulheres grandes, os gilas, os chernos, os proxegenetas e as fanatecas... Sem esquecer as bajudas... E sobretudo as bajudas, as lindas bajudas da Guiné...

Jorge Cabral é um dos poucos, da nossa Tabanca Grande, que tem o engenho e a arte de nos conseguir falar (e comover), com um subtil toque de humor, de maneira descomplexada e antropocêntrica (isto é, não etnocêntrica), das nossas relações com as mulheres locais... Veja-se essa fabulosa história da compra, num grande armazém de Lisboa, de trinta e muitos sutiãs (os corpinhos,como ele lhes chama), todos do mesmo número, que ele levou consigo, na bagagem, de regresso a Fá Mandinga, para oferecer às suas queridas bajudas, da primeira vez que veio passar férias à Metrópole... Que ternura!... E depois, vocês estão a imaginar o grande ronco que foi o seu regresso a casa, à sua verdade casa, a tabanca de Fá, de que ele era o Régulo e o Comandante Militar, o Juiz e o Irã Tutelar...

Não sei se as bajudas eram a menos e os corpinhos a mais, mas a primeira imagem que me vem à cabeça, umas das vezes que fui à sua morança, era a confusão total que ia no seu ninho, com sutiãs espelhados pelos lençóis enrodilhados à mistura com papéis, muitos papéis, e... garrafas de água de Vichy vazias.

Mas não se pense, malevolamente, que o nosso Alfero tinha um harém com bar e tudo: há muitos mitos a desmontar acerca do Cabral... Estória a estória, ele tem vindo de certo modo desconstruir-se e a desmentir-se, a si próprio, escrevendo nas paredes do quartel a famigerada palavra de ordem, quase insurreccional, "Cabrais há muitos e... Cabrões ainda mais!"...

3. Só conheci o Jorge Cabral foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. Tinha dois ou três anos a mais do que nós. O que na época não se notava: éramos todos putos... Era estudante universitário, andava em direito quando foi convocado para a tropa ... Não sei o que terá feito, de bem ou de mal, para o chutarem para a Guiné...em rendição individual. É uma parte do seu currículo que ainda tenho que esclarecer com ele. Limita-se a comentar:
-Galo dos Cabrais!

O registo mais antigo que tenho dele é um poste de 21 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXCIII: Bendito Cabral, entre as mandingas de Fá e as balantas de Bissaque

Luís, muito obrigado! Através do blogue, recordo. E sinto. Vejo os rostos dos camaradas, oiço os sorrisos das crianças, e até, calcula, consigo admirar de novo os belos seios das bajudas. Peço permissão para pertencer à Tertúlia, oferecendo o pícaro de alguns episódios que vivi. (...)

Ele veio pela mão, cúmplice, do nosso Humberto Reis, que privou com o Jorge em Bambadinca, na mesma altura que eu, quando ambos estávamos na CCAÇ 12 (Julho de 1969/Março de 1971)... O Jorge era ligeiramente mais novo, na Guiné, sendo o periquito comandante do Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirrá, 1960/71)...

Fizemos operações em conjunto, o Pel Caç Nat 63 e a CCAÇ 12. Ele visitava-nos em Bambadinca e a gente retribuía a visita em Fá, que em finais de 1969, princípios de 1970, passou também a ser um importante centro de instrução militar. Foi lá que foi formada a 1ª Companhia de Comandos Africana (CCA). Conheceu aquela malta toda e tornou-se particular amigo do Capitão Comando Barbosa Henriques, instrutor, da 1ª CCA.

Em meados de 1971 o Cabral (ou o seu fantasma) ainda penava pelo sector L1, enquanto nós já tínhamos regressado ao doce lar, em Março...

Eis a especial saudação que o Humberto fez ao novo tertuliano (como então se dizia), nas vésperas do Natal de 2005:

Jorginho: Desculpem os outros Tertulianos, mas entre mim e o Dr. Jorge Cabral existe uma certa cumplicidade. Por coincidência ele é o advogado a quem eu recorro quando preciso de qualquer coisa das leis e, que me lembre, até hoje, paguei de honorários manga de patacão', 2 ou 3 imperiais.

É assim o Jorge Cabral para os amigos. Alguns dão a camisa mas com ele, se for preciso, levam também cuecas, meias, etc.

Agora dirigido-me a ti, meu malandro. Estava a ver que não entravas nesta Tertúlia de 'periquitos' e 'velhinhos' dos Guiné-Bissau. Tu, que até já voltaste, mais que uma vez, a Bissau (imperdoável ainda não teres visitado Fá Mandinga), para colaborar com as autoridades locais ma implementação da nova Universidade, mal parecia não entrares nisto. Já te tinha dito que até tinhas aqui os mapas a 1/50.000 para descobrires o trilho para a morança da bajuda. Agora é só navegares. (....).

4. O que é que eu posso dizer do Jorge, que não tenha já sido dito, por mim ou por outros camaradas que são fãs das suas estórias, do Henrique Matos ao Joaquim Mexia Alves, dois comandantes de outro Pel Caç Nat, o 52 ? Que é um homem bom, um homem de princípios, amigo do seu amigo, um amigalhão, humaníssimo, justíssimo, um camaradão.... Esta sua apresentação diz muito ou diz tudo:

"(...) há muitos anos ensino que nenhum Homem é monstro, que os monstros se abatem, mas que os Homens se julgam".

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXIII: Ainda sobre os fuzilamentos (Jorge Cabral)



Fui eu - perdõem-me a lata - quem descobriu, acarinhou, alimentou... esse filão de humor do mais fino quilate que são as Estórias Cabralianas... Mês a mês, desde os princípios de 2006, com maior ou menor regularidade, como quem paga uma dívida a um amigo, o Jorge lá ia foi mandando o seu material ... Sai estória, aqui vai estória, para desanuviar, para desopilar... Uma estória aqui, outra estória acolá (sem h, como faz questão de sublinhar, que é para ninguém as confundir com a realidade e levar a sério o estoriador)... E, nesse ritmo de produção artesanal a que ele nos habituou, lá estamos a chegar às 60 ao fim de quatro anos...

São short stories que lhe vêm à cabeça e que ele passa a papel e depois a computador, entre duas aulas e duas audiências em tribunal. Um género literário que ele cultiva como ninguém... Enfim, são sempre um belíssimo pretexto para falar da sua querida Guiné e das suas gentes com quem ele, de resto, continua a privar de perto, na Lusófona: agora filhos de ministros, de combatentes da liberdade da Pátria, ou descendentes das mais puras estirpes das aristocracias fulas, mandingas ou manjacas...

E da Guiné ele só fala com (com)paixão e ternura, através dessa criação única, e que já entrou na galeria dos imortais da blogosfera, que é o nosso Alfero, o seu alter-ego, romântico, apaixonado, arrebatado, esotérico, excessivo, quixotesco, rocambolesco, pícaro, delicado, temerário, extravagante, poético, sensível, absurdo - só não é brigão nem fanfarrão -, com uma vaga costela do pipi das Avenidas Novas e do Vavá, misturada com a máscara do furtivo irã do pensamento mágico que poisava nos poilões das tabancas balantas (Bissaque, Mero, Santa Helena, Nhabijões...).

Desconcertante, sempre, o nosso Alfero!... Há tempos perguntou-me se não queria comprar, a meias com ele, a Tabanca de Finete:
- Estás a ver, a bolanha, o Rio Geba, a rede preguiceira, uma bajuda para te enxotar as moscas!... O que é que um homem quer mais quando chega a SEXA ?!

Noutra ocasião, confidenciou-me que tinha voltar a Fá... Porquê ?
- Deixou lá uns escritos importantes, escondidos num buraco tapado por um tijolo, no alto do depósito de água, que ainda lá continua de pedra e cal!...

Nunca o ouviu queixar-se da triste sina, à boa maneira dos tugas, nem esconjurar Deus, Alá ou os irãs, sempre sabendo pelo contrário tirar o melhor prazer e sábios ensinamentos de cada momento: : "(...) Aqui estou novamente a falar dos meus tempos da Guiné. Tempos que não foram nem os melhores, nem os piores da minha existência. Foram sim, diferentes. Como se naquele período, eu tivesse vivido numa galáxia distante, onde fui outro Jorge, se calhar mais real, se calhar mais autêntico… Claro que essa experiência me marcou e muitas vezes aquele Alfero regressa e faz das suas… como aliás o prova a história de hoje. Abraços Grandes. Jorge Cabral (...)

Por outro lado, sempre discreto mas atento, paisano de corpo e alma, filho degenerado, desconjuntado na farda de Alfero do Mato que lhe enfiaram pela cabeça abaixo:

(...) "Caros Amigos, hesitei muito em mandar mais uma estória. Ainda por cima sobre esquentamentos... Mas que raio de ex-combatente sou eu, que não falo da guerra? Pergunto-me, às vezes, se lá estive? Parece que sim. Um ano em Fá, outro em Missirá (acreditem, o mesmo do Beja Santos...), doze dias em Bambadinca, e dezoito na Ponte do Rio Undunduma. Conheci muito pouco e sempre de passagem. Enxalé, Xime, Mansambo e Xitole, de partida para operações. De Bafatá, o Teófilo e as Libanesas, mais umas damas simpáticas que trabalhavam na horizontal... à entrada da cidade. Não transitei por Bolama. Nem tive IAO. De rendição individual passei em quinze dias dos cafés da Av de Roma para a Ponte do Rio Undunduma...

"Confesso que nunca percebi muito da guerra... Fui apenas um simples Alferes de Mato, que comandou Destacamentos e alinhou em todas as operações para as quais o Pel Caç Nat 63 foi escalado. Mas se não percebi então, hoje ainda percebo menos... Estou porém agora a tentar aprender no Blogue!" (...)


5. O Jorge nunca acentua o lado do bestiário guerreiro que há no Homo Sapiens Sapiens, que é um animal, primata, social, territorial, predador... mas sim o da sua humaníssima, frágil, quase tocante, condição de primata, de primus inter pares na ordem zoológica do mundo, dotado de coração e de razão... e de humor!

Desde o início que eu tenho feito a apologia das estórias cabralianas, como sendo um hino à idiossincrasia lusitana, à plasticidade comportamental dos nossos soldados, à enorme capacidade de resistência, de resiliência, de abertura de espírito, de voyeurismo, de imaginação e de adaptação da nossa gente...

Ninguém, em última análise, melhor do que ele, no nosso blogue, para descrever, em traço grosso, numa frase, numa linha, uma situação-limite, um personagem de carne e osso, um ambiente de caserna, um episódio grotesco mas sempre humaníssimo, relativamente à nossa passagem pela Guiné:

(i) "Éramos [, na inspecção militar, ] mais de cem, altos e baixos, loiros e morenos, alguns mancos, pitosgas muitos, um quase corcunda, três gagos e dois tontos. Mandaram-nos despir e pôr em fila, numa literal e verdadeira bicha de pirilau." (...)

(ii)"Entre os dez militares metropolitanos do Destacamento de Missirá, apenas o Alferes era do Sul e de Lisboa – um rapaz de Alvalade, passeante da Praça de Londres e frequentador do Vává. Todos os outros, furriéis, cabos, e adidos especialistas, vinham do Norte ou das Beiras." (...)

(iii) "Eis-me assim feito sultão, aconchegado entre as quatro, tranquilo e em Paz. Rei e súbdito, protector e protegido, entre seios e ventres, negros e suaves, nunca dormi tão bem." (...)

(iv) "Na semana seguinte, encontrava-se no bar de oficiais em Bambadinca. Conversava e bebia o seu quarto uísque, quando o foram chamar para ir ao Posto de Socorros. Lá foi. Médico, Furriel e Cabo rodeavam um casal de Missirá, o Milícia Suma Jau e a mulher. Não os percebiam. Eles queixavam-se das... 'Trombas do Lopes'.O Alfero ouviu e muito sério informou:- É fula, quer dizer, esquentamento." ( ...)

(v) "Confesso ter ficado preocupado. Um filho–homem na idade de ser avô...Mandei-o vir ao escritório, e logo que o vi, suspirei de alívio. O vigoroso mulato tinha quase dois metros, e ...olhos azuis! Quanto ao local e à data de nascimento também não condiziam.
- Filho, não és! Serás primo! - afiancei-lhe - É que Cabrais há muitos, e Cabrões ainda mais!" (...)


6. Só tu, meu querido Jorge, consegues pôr a malta e o resto a tropa a fazer o pino, a dar cambalhotas de riso na parada!...Tu és a subversão total, o iconoclasta, o bombista-suicida, o terrorista intelectual, o anti-psiquiatra, o terapeuta-que-fala-com-os-irãs, o humorista-mor, o jogral castrense, o Ionesco da Guiné, o bobo da corte do nosso velho, longo, vasto e glorioso Império... O Spínola tinha razão, quando te visitou em Missirá, e deixou escapar um monumental "Porra, que não é só o Alferes! Estão todos apanhados!".

O teu humor é(era) subversivo, corrosivo, demolidor, dissolvente (como diria o Pide de Bafatá)... Depois de te ler, um homem, um tuga, já não é mais o mesmo... Tu devias ir a tribunal militar, porque tu tiras a tusa... a qualquer combatente... Depois de te ler, quem é o combatente (até mesmo o de Alá!) que se sentirá em boa forma e melhor condição para combater na guerra, na próxima guerra, mesmo na mais santa das guerras ?

Eu próprio me perguntava, quando me fazias um visita de cortesia ao nosso bar de Bambadinca:
- O que é que faz um gajo destes, de pingalim e cachimbo, neste cenário de guerra... à Solnado ?

Nunca respondi a essa auto-pergunta, mas para mim eras e sempre serás o... Nosso Alfero!

As estórias do Nosso Alfero, que o Cabral escreveu por nós e para nós, são pequenas obras-primas do humor em tempo de guerra, da irreverência e do non-sense que aprendemos a cultivar na Guiné, longe do Vietname, e que nos ajudou a resistir a tudo, do turra ao mosquito (sem esquecer o uísque, com ou sem água de Perrier). O absurdo (daquela guerra, do nosso quotidiano, das patéticas figuras de alguns dos nossos comandantes...) só se podia combater com o absurdo do nosso (quase sempre bom) humor...



7. Dele já aqui eu disse (e penso que é o maior elogio que lhe posso fazer, na qualidade de seu velho admirador, camarada, amigo e fã das suas estórias), que, para além de oficial e cavalheiro, era homem grande, pai, patrão, chefe de tabanca, conselheiro, não-inimigo (sem ser amigo) do PAIGC, poeta, antropólogo, feiticeiro, cherno, mauro, médico, cirurgião, terapeuta, sexólogo, advogado, e não sei que mais, um verdadeiro Lawrence da Guiné, que os pares de Bambadinca chegaram a recear (uns, os amigos) ou a desejar (outros, os seus inimigos) a sua total cafrealização...

Inimigos é uma força de expressão: em boa verdade, nunca lhe conheci nenhum... Talentos tinham múltiplos e alguns insuspeitados como o de... consertador de catotas. Não imaginam quanto me diverti, quando o Jorge me mandou mais uma das suas estórias malandras (sic), com o recado (expresso) de "é para animar as hostes".... Além do mais, ele está atento a (e zela por) o bem-estar e moral das nossas tropas...

17 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXIX: Estórias cabralianas (7): Alfero poi catota noba

8. Sobretudo, um dia, lá longe, nessa terra da cor da tez das lindas futas-fulas, o Jorge Cabral sonhou que podia ser fula entre os fulas, mandinga entre os mandingas, guinéu entre os guinéus, homem entre os homens, pobre entre os pobres, simples entre os simples, e até louco entre os loucos...

Afinal, a sua vida tem sido também uma lição, a de todos nós temos direito a um pouco de loucura e de humanidade, o que implica o difícil e desconfortável mas imprescindível exercício de nos pormo-nos na pele do outro. Um Alfa Bravo Especial, Nosso Alfero, no teu dia! Luís


PS - Jorge, sei que continuas "vivíssimo e para todas as curvas (mesmo que às vezes em piloto automático)". Fico muito mais tranquilo...

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Notas de L. G.:


(*) Último poste desta série > 28 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5169: Parabéns a você (37): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791 (Editores)


(**) Ver lista completa, por ordem numérica e cronológica:

28 de Outubro de 2009 >
Guiné 53/74 - P5172: Estórias cabralianas (56): Cum caneco, alfero apanhado à unha! (Jorge Cabral)

(..) Há uns dias telefonou-me o nosso Amigo Durães [, da CCS/do BART 2917, Bambadinca, 1970/72]. Estava em Setúbal, com um ex-cabo do Pelotão de Intendência de Bambadinca, o qual lhe jurava que o Alferes Cabral de Missirá havia sido, em 1971, apanhado à mão, quando regressava ao seu Destacamento.

Desaparecido durante dias, fora muito bem tratado pelo pessoal de Madina, passando a não ser incomodado pelos Turras. Garantia o homem da Intendência, a absoluta veracidade do evento, conhecido por todos os seus Camaradas. Queria o Durães saber se eu confirmava o facto. (...)

17 de Outubro de 2009 >Guiné 63/74 - P5117: Estórias cabralianas (55): Marqueses e murquesas ou... Peludas e Peluda... (Jorge Cabral)

(...) Há mais de 30 anos, que montei Escritório [de advogado] na Passos Manuel, entre o Jardim Constantino e o Intendente. Um bom local, com velhos da sueca, sem-abrigo alcoolizados e fanadas matronas em pré-reforma. Eu gosto. Aqui na Rua, já quase todas as lojas mudaram de ramo. Ultimamente, surgiram os Gabinetes de Fotodepilação. A propósito e não sei bem porquê, pois os pensamentos tal como as palavras são como as cerejas, lembrei-me primeiro de Pero Vaz de Caminha e do desembarque em Terras de Vera Cruz, quando os marinheiros depararam com as índias nuas, mostrando “suas vergonhas tão altas e cerradinhas”. E depois da Guiné. De uma espantosa conversa ao serão. O Alferes, os Furriéis, os Cabos, como de costume, falavam de tudo e de coisa nenhuma… Nessa noite, discutia-se um tema interessante – pêlos púbicos. Delas, claro está (...)

11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4938: Estórias cabralianas (54): O Alfero e as mezinhas (Jorge Cabral)

(...) Nem um mês tinha de Guiné e já andava a experimentar todas as mezinhas recomendadas pelo Nanque . Bem, todas não. Nunca bebeu a primeira urina da manhã, remédio infalível para o estômago mas ainda no outro dia o receitou a uma distinta senhora, que calculem, se zangou com ele, por se pensar gozada. Tomou porém todas as demais, desde afrodisíacos a um chá para a tristeza, que o deixou eufórico durante quase toda a comissão… Apesar de tantos tratamentos, a verdade é que o Alfero gozava de excelente saúde. (...)

28 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4750: Estórias cabralianas (53): A estranha doença do soldado Duá (Jorge Cabral)

(...) Quando uma noite, em Missirá [, o último destacamento de Bambadinca, a norte do Rio Geba, no Cuor,] o Alfero passava ronda, ficou estupefacto, ao constatar que todos os Soldados de Sentinela se encontravam acompanhados das respectivas Mulheres.- Mas que se passa? – indagou…- É por causa da doença! O Duá apanhou a doença do Victor!- Doença do Victor? (...)

22 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4723: Estórias cabralianas (52): Em 20 de Julho de 1969, também eu poisei na Lua... (Jorge Cabral)

(...) Na Guiné, há mês e meio, mas já em Fá, havia nessa tarde muito calor. O pessoal dormia e toda a gente procurara a aragem possível. Em silêncio, o Quartel repousava… Eu porém, em tronco nu, saíra, a caminho da fonte mais pequena. Resolvera isolar-me, para escrever, calculem, um poema… Lá chegado, ainda nem escolhera um poiso confortável, quando vejo surgir, não sei de onde, um vulto de mulher, apenas com uns panos, caindo da cintura. (...)

7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4651. Estórias cabralianas (51): Alfero esfregador entre as balantas (Jorge Cabral)

(...) Tanto nas Tabancas Fulas como nas Mandingas, o Alfero actuava à vontade com as Bajudas, perante a complacência dos Homens e Mulheres Grandes… Aliás não ia além de um acariciar voluptuoso, acompanhado com promessas de encontros no Quartel. Na altura teria merecido o cognome de Apalpador. (...)Em Novembro de 1969, visitou uma Tabanca Balanta, Bissaque [, a norte de Fá, ], e ficou deslumbrado com a beleza das Bajudas, designadamente peitoral…

3 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 – P4455: Estórias cabralianas (50): Alfero, de Lisboa p'ra mim um Fato de Abade (Jorge Cabral)

(...) - Meu Alferes! Meu Alferes! Já chegou o Senhor Abade! - O cozinheiro Teixeirinha, todo eufórico, gritava, à porta do meu abrigo.- Abade - pensei comigo - , o Puím?Magro, simples, humilde, o único Capelão que conheci na Guiné, viera de sintex e, antecipando-se, não esperara por ninguém, entrando no Quartel. Logo após o descanso, a missa foi celebrada, mesmo ao lado da Cantina, no local da Escola. Fiéis, sete, dois comungantes e o Padre, de paramentos verdes. (...)

12 de Maio de 2009> Guiné 63/74 - P4326: Estórias cabralianas (49): Cariño mio... Muy cerca de ti, el ultimo subteniente romántico (Jorge Cabral)

(...) Dois dias depois de chegado a Bambadinca em meados de Junho de 69, fui mandado montar segurança no Mato Cão. Periquitíssimo, cumpri todas as regras, vigiando a mata de costas para o rio, sem sequer reparar na beleza da paisagem.Mal sabia então, que ali havia de voltar dezenas de vezes, durante o ano que passei em Missirá. Pelo menos uma ida por semana para ver passar o Barco, no que se transformou numa quase agradável rotina.(...)

8 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4155: Estórias cabralianas (48): A Bandolândia ou uma aula de história em... 2092 (Jorge Cabral)

(...) O Cidadão – Aluno XI7 frequenta a décima semana do Curso Unificado – Primário, Secundário, Universitário, o qual segundo as normas da Declaração de Cacilhas, lher irá conferir o Diploma da Sabedoria.Claro que, quando entrou na escola, já dominava muitas das matérias que antigamente demoravam anos a aprender, pois logo em criança lhe implantaram um chip com todos os conhecimentos básicos. Porém XI7, hoje chegou à aula cheio de dúvidas. É que encontrou uma fotografia do seu trisavô, vestido com uma farda e empunhando um instrumento, talvez uma arma.(...)

2 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4129: Estórias cabralianas (47): A minha mobilização: o galo dos Cabrais... (Jorge Cabral)

(...) Calma, simpática, acolhedora, a Vila de Vendas Novas. Bom vinho, petiscos, raparigas bonitas. Que mais podia aspirar o Aspirante? No Quartel fazia tudo, isto é, nada. Acumulara cargos, Justiça, Acção Psicológica, Revista, Cinema e ainda os discursos da Peluda.Cumpria gostosamente um peculiar horário. Após o toque de alvorada, às vezes de ressaca, de cara por lavar e barba por fazer, corria para a Formatura Geral, onde... passava revista ao Pelotão. Meia hora depois, abancava no Bar e tomava um lauto pequeno almoço, antes de regressar à cama. (...)

31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4114: Estórias cabralianas (46): Inspecção Militar: E todos os tinham no sítio... (Jorge Cabral)

(...) Pois, também eu naquela manhã de Junho me dirigi à Avenida de Berna, ao Quartel do Trem Auto, onde hoje funciona a [Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da] Universidade Nova [de Lisboa].Éramos mais de cem, altos e baixos, loiros e morenos, alguns mancos, pitosgas muitos, um quase corcunda, três gagos e dois tontos. Mandaram-nos despir e pôr em fila, numa literal e verdadeira bicha de pirilau. (...)

2 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3963: Estórias cabralianas (45): Massacres e violações (Jorge Cabral)

(...) Corria o ano de 1968, quando prestes a concluir o Curso, não resisti ao convite do Estado – Férias pagas em África, com grande animação e desportos radicais. Primeiro o estágio-praia para os lados da Ericeira, findo o qual, tive um grande desgosto. Tinham-me destinado ao turismo intelectual – secretariado. Felizmente as cunhas funcionaram e consegui ser reclassificado em atirador, tendo passado a frequentar no Alentejo, o estágio-campo. Terminado este, ainda vivi muitos meses de tristeza e inveja ao ver os meus camaradas integrarem satisfeitos numerosas excursões, as quais iam embarcando (...).

27 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3808: Estórias cabralianas (44): O amoroso bando das quatro não deixou só saudades... (Jorge Cabral)

(...) O Amoroso Bando das Quatro deixou-nos muitas saudades. Mas que noite agradável ... até sonhámos com elas. Só que ainda nem três dias haviam passado, já recebíamos tratamento à fortíssima infecção que nos atingira o dito e adjacências. Graças à Penicilina, o caso seria em breve esquecido, pois afinal tinham sido apenas ossos do ofício, os quais segundo alguns até mereceram a pena... Porém, e estranhamente, os sintomas começaram a surgir nos africanos, soldados e milícias, os quais não tinham usufruído da benesse (...).

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3572: Estórias cabralianas (43): O super-periquito e as vacas sagradas (Jorge Cabral)

(...) Cumbá, a terceira mulher do Maunde, ainda uma menina, sentiu as dores de parto, ao princípio da noite. Às duas da manhã sou lá chamado. Está muito mal e as velhas não sabem o que fazer. Eu também não. Vamos para Bambadinca. Chegamos, mas Cumbá morre e com ela a criança não nascida. Amparo o Maunde, que chora e grita:-Duas vacas, Alfero, duas vacas! (...)

26 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3519: Estórias cabralianas (42): As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa (Jorge Cabral)

(...) Eram calmas as noites do Alfero? Deviam ser, pois assim que pôs os pés em Missirá, cessou imediatamente a actividade operacional dos seus vizinhos de Madina. Chegou-se a pensar que o Comandante Corca Só entrara em greve, mas no Batalhão acreditava-se num oculto mérito do Cabral. Aliás, estando ainda em Fá e esperando-se um ataque a Finete, o Magalhães Filipe para aí o mandou, sozinho, reforçar o Pelotão de Milícias. Lá passou oito dias, dormindo na varanda do Bacari Soncó, que o alimentou a ovos cozidos (...).

13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3446: Estórias cabralianas (41): O palácio do prazer, no Pilão (Jorge Cabral)

(...) De Bissau conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho (...)

4 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3399: Estórias cabralianas (40): O meu sonho de empresário (falhado): a construção de uma tabanca-bordel (Jorge Cabral)

(...) Claro que lembro do Tosco! Havia pretas, mulatas e até uma chinesa. Todas, mais os copos, trataram-me da saúde. Entrava sempre a coxear, por via dos descontos… Mas o meu preferido era o Bolero, onde jantava no primeiro andar, antes do Tango em baixo, tocado a rigor por uma orquestra de cegos. Ainda lá fui após o 25 de Abril. A mesma orquestra, as mesmas putas, mas a música mudara – Todos em coro cantávamos a Internacional (...).

25 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3237: Estórias cabralianas (39): O Marido das Senhoras (Jorge Cabral)

(...) Todos nós tínhamos uma fé. Os africanos eram na sua maioria muçulmanos, os europeus católicos e eu era tudo. Frequentava a mesquita e a igreja, mas também prestei culto aos Irãs balantas. Porque não? O mais religioso de todos era porém o furriel Paiva. No seu abrigo–quarto construíra um pequeno altar, onde colocou quatro imagens das Santas da sua devoção e, entre elas, o retrato de Salazar. (...)

23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3225: Estórias cabralianas (38): O Alferes roncador e a almofada (Jorge Cabral)

(...) Desde miúdo que adormeço rápido e de imediato inicío um ressonar fortíssimo,audível até pelos vizinhos. Dizem-me uns que são silvos assustadores, parecendo urros de touro ou de leão. Outros garantem que se assemelham aos sonoros sinais dos antigos vapores, quando iniciavam a marcha.Ora, ao segundo dia de Bambadinca, mandaram-me à noite montar segurança junto à pista de aviação. Claro que foi chegar, assentar, adormecer e ressonar… O Pelotão quase que entrou em pânico, com o Sambaro a empunhar a bazuca. (...)

9 de Julho de 2008 >Guiné 63/74 - P3040: Estórias cabralianas (37): A estranha 'missão' do Badajoz (Jorge Cabral)

(...) Em Missirá existiam sempre cinco ou seis adidos. Um enfermeiro, um cozinheiro, um motorista, dois soldados dos Morteiros e às vezes um mecânico, como o célebre Pechincha. Vinham de Bambadinca, cumprir uma espécie de castigo, pois Missirá representava o isolamento, o mato e o perigo.Chegavam receosos e um pouco atarantados, mas, passado algum tempo, parecia que o castigo se transformara em prémio e já ninguém queria regressar. Gostavam de ali estar, naquele quartel–tabanca, onde muitos nem sequer se fardavam e quase não existia hierarquia. (...)

20 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2862: Estórias cabralianas (36): Uma proposta indecente do nosso Alfero (Jorge Cabral)

(...) Um Pelotão mesmo à medida do Alferes, sem qualquer vocação guerreira e que apenas ali estava… porque sim. Para eles o Cabral devia ser rico pois lhe pediam tudo e às horas mais despropositadas… Às vezes no meio da noite, era acordado, porque durante o dia chegara um vago parente que era preciso presentear…Com infinita paciência lá ia aguentando. Já comprara oito pares de óculos escuros e cinco rádios para uso alternado, quando alguns soldados resolveram arranjar mais uma mulher, recorrendo mais uma vez aos seus préstimos. Impossível garantiu, mais mulheres custariam uma fortuna. (...)

14 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2841: Estórias cabralianas (35): A bajuda de Belel, os Soncó e o amigo dos turras (Jorge Cabral)

(...) Também eu entrei em Belel em Junho de 1971. De Missirá até lá e de lá ao Enxalé, percorri o trajecto na companhia dos Páras e do Comandante do Pelotão de Milícias de Finete. Saímos ao fim da tarde de Missirá, e pela manhã deu-se o assalto à Base. A resistência não foi muito forte, pois muitos fugiram. Ainda assim, alguns ficaram prisioneiros. Recordo um que ostentava umas divisas vermelhas de Cabo. Não se destruíram as instalações, armadilharam-se, designadamente, um depósito de arroz. (...)

10 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2623: Estórias cabralianas (34): O Alferes, o piano e a Professora (Jorge Cabral)

(...) Em Maio de 71, o apanhanço do Alferes excedera todos os limites. Os Amigos da CCAÇ 12 haviam partido e ele, com os seus vinte e três meses de mato, refinara a excentricidade, espantando agora os periquitos de Bambadinca.Naquele dia resolvera visitar a Professora (3). Com que intenção, não sei. Líbido? Mera curiosidade? Alguma aposta? Talvez de tudo um pouco… e se viesse à rede… pois então… (...)

4 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2612: Estórias cabralianas (33): Quatro Madrinhas de Guerra (Jorge Cabral)

(...) Madrinhas de Guerra? Pois também herdei uma. Uma não, quatro. Emprestado ao Pelotão, havia um Cabo velhinho, o Carvalho, que se correspondia com catorze. A bem dizer não fazia mais nada. Logo pela manhã, montava a banca e escrevia, escrevia…Acabada a comissão, Carvalho distribuiu as madrinhas. Das quatro que me calharam, três duraram pouco, o que não me admirou. Para cada uma, inventara uma estória, assumindo diferentes personagens e construindo cenários, nos quais a realidade da guerra surgia transmutada, mais parecendo um antigo romance de cavalaria. (...)

10 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2426: Estórias cabralianas (32): Nanque, o investigador (Jorge Cabral)

(...) O Alferes era calmo. Afável, prazenteiro, nunca se irritava. Naquela tarde porém explodiu. É que constatou que as valas estavam a ser utilizadas como retretes.Reuniu o pessoal e, no mais puro vernáculo de caserna, descompôs o Pelotão, furriéis, cabos, soldados, brancos e negros… Que vergonha! Pois não haviam assistido à valente piçada que ele sofrera, na semana passada, quando o Major Eléctrico (2), visitara o Quartel, e criticara tudo, desde a limpeza das panelas ao comprimento do seu bigode!? (...)

28 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2386: Estórias cabralianas (31): As milagrosas termas de Missirá (Jorge Cabral)

(...) A fim de prevenir abusos, a segurança à Fonte, no banho das bajudas, pertencia em exclusivo ao Alferes, o qual nos primeiros tempos guardou uma prudente distância, depois foi-se aproximando e acabou no meio delas, esfregador e esfregado com sabão vegetal, após o que branqueava os dentes com areia. Diziam que aquela água possuía propriedades terapêuticas, curando todos os males de pele, não havendo lica que lhe resistisse (...).

Vd. a restante lista das estórias numeradas de 1 a 30:

20 de Abril de 2007 > Guiné 63/7 4- P1682: Estórias cabralianas (1): A mulher do Major e o castigo do Alferes (Jorge Cabral)

(...) Quando de Missirá me deslocava a Bambadinca, seguia sempre a mesma rotina. Primeiro visitava o Bar do Soldado, até porque aí tinha que liquidar as despesas alcoólicas efectuadas pelo meu Soldado Ocamari Nanque, que se encontrava preso. (...)

23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1688: Estórias cabralianas (2): O rally turra (Jorge Cabral)

(...) Numa tarde de tédio convenci o motorista da viatura existente em Missirá, um humilde Unimog, a dar um passeio. Pretendia visitar o Enxalé, seguindo pela estrada de Mato Cão, pela qual não passava qualquer veículo há muito tempo. (...)

23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1689: Estórias cabralianas (3): O básico apaixonado (Jorge Cabral)

(...) O Pel Caç Nat 63 esteve quase sempre em Destacamentos. Comigo em Fá e Missirá. Antes no Saltinho, e depois no Mato Cão. Para os Destacamentos eram mandados os especialistas que a CCS [do Batalhão sediado em Bambadinca] não queria. Assim, tive maqueiros que não podiam ver sangue, motoristas epilépticos e até um apontador de morteiros cego de um olho. Tudo boa rapaziada, aliás! (...)


18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVIII: Estórias cabralianas (4): o Jagudi de Barcelos.


(...) Dos quatro Comandantes de Bambadinca que conheci, apenas o Polidoro Monteiro me mereceu consideração. Dos outros nem vou dizer o nome, e de dois a imagem que guardo é patética . Assim, no rescaldo do ataque ao Batalhão, lembro o primeiro, à noite, de G-3 em bandoleira, pedir-nos:- Se houver ataque, acordem-me (...).

23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias cabralianas (5): Numa mão a espingarda, na outra...

(...) Penso que, já em 1971, apareceu no Batalhão [de Bambadinca], um Alferes de secretariado, corrido de Bissau, por via de uns dinheiros. Chegou acompanhado de uma dama, sobre a qual corriam os mais variados boatos. Dizia-se, calculem, que ela tinha sido uma prenda de aniversário ao Alferes, enviada pelo pai, milionário do Porto. (...)

13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá

(...) Poucos dias faltavam para o Natal, e a tarde estava quente. Todo nu no meu abrigo, fazia a sesta, quando sou despertado por enorme algazarra misturada com os ruídos do helicóptero.-Alfero, Alfero, é Spínola! - gritam os meus soldados (...).

17 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXIX: Estórias cabralianas (7): Alfero poi catota noba

(...) Finda a comissão, calculem (!), fui louvado. O Despacho do Exmo. Comandante do CAOP Dois referia, entre outros elogios, a minha “habilidade para lidar com a tropa africana e populações”, a qual me havia “granjeado grande prestígio”. Esquecido, porém, foi o essencial – evitei a dezenas de Bajudas o repúdio matrimonial e a consequente devolução do preço. Essa tão meritória actividade, sim, teria merecido, não um simples louvor, mas uma medalha (...).

13 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCC: Estórias cabralianas (8): Fá Mandinga no Conde Redondo ou o meu Amigo Travesti

(...)Na década de 80, dava aulas nocturnas numa Escola na Duque de Loulé e costumava descer a Avenida para tomar o Metro. Eis que uma noite, me vejo perseguido por um Travesti que me grita:- Meu Alferes! Meu Alferes! Alferes Cabral!... Tomado de terror homofóbico parei, negando conhecer a criatura, de longas pernas e fartíssimos seios. (...)

20 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXVII: Estórias cabralianas (9): Má chegada, pior partida

(...) Com destino à Guerra, viajei no Alfredo da Silva, quase um cacilheiro, durante doze dias. Em primeira classe, sete oficiais e uma dona puta em pré-reforma habitavam um ambiente de opereta, jantando de gravata, com a estafada dama na mesa do comando. Depois havia a valsa… Cheirava a mofo, a decadência, ao fim do Império (...).

3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro

(...) Desde que cheguei, e durante o primeiro ano, o Pel Caç Nat 63, foi pluriétnico. Mandingas, Fulas, Balantas, Manjacos, Bigajós, estavam representados. Pluriétnico e plurirreligioso, com um Manjaco, Pastor Evangélico, um Marabú Mandinga Senegalês, vários adoradores de muitos Irãs, e até alguns crentes na Senhora de Fátima, vivendo todos em Paz ecuménica, sob a batuta do Alferes agnóstico com tendências panteístas, que pensava que nada o podia surpreender (...).


4 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P936: Estórias cabralianas (11): a atribulada iniciação sexual do Soldado Casto

(...) À noite, após o jantar, nós os nove brancos do Destacamento, continuávamos à mesa, conversando. Falávamos de tudo, mas principalmente de sexo, mascarando a nossa inexperiência, com o relato de extraordinárias aventuras que assegurávamos ter vivido. O nosso motorista havia até desenhado num caderno as várias posições, indagando de cada um:- E esta, já experimentaram? (...)

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor

(...) No dia seguinte a ter ocupado Fá Mandinga, apresentaram-se no quartel as lavadeiras, cinco ou seis bajudas, todas alegres e simpáticas. Uma, Modji Daaba, chamou-me logo a atenção pelo seu porte e beleza. Bonita de cara e perfeita de corpo, possuía um ar nobre e altivo que me cativou. Imediatamente a contratei como minha lavadeira exclusiva, tendo acordado uma remuneração superior na esperança de algumas tarefas suplementares… (Periquito, ainda não sabia, que com as bajudas mandingas era praticamente impossível ir além de algumas carícias peitorais…). (...)



28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1128: Estórias cabralianas (13): A Micá ou o stresse aviário (Jorge Cabral)

(...) Terminada a especialidade de Atirador de Artilharia, permaneci como aspirante, em Vendas Novas, na respectiva Escola Prática. Aí me atribuíram variadas funções, Justiça, Acção Psicológica e Cultural, Revista Literária, etc, etc, pelo que quase nunca fiz nada. Quando me procuravam num lado, estava sempre no outro…Na Justiça, creio que apenas dei andamento a um processo, enviando uma deprecada para Angola, a perguntar se o Furriel Patacas possuía três mãos. (...).


24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1313: Estórias cabralianas (14): Missirá: o apanhado do alferes que deitou fogo ao quartel (Jorge Cabral)

(...) Julgo que aconteceu em Março [de 1971]. O dia decorrera em Alegria. Chegara a Missirá uma arca frigorífica a petróleo, oferta do Movimento Nacional Feminino, e cedo começaram as libações.Seriam três ou quatro da manhã, sou abruptamente despertado. Tiros (?). Rebentamentos (?). Fogo! Saio do abrigo nu, e deparo com meio quartel a arder.Ataque nunca podia ser! O Tigre [Beja Santos] já estava na Metrópole, Missirá era agora um oásis de paz, vigorando um tácito pacto de não-agressão (...).


14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)

(...) Chamavam-lhe, os africanos, o furriel Barril, não sei se pela sua compleição física, se por via da fama e do proveito que ganhara como bebedor quotidiano e calmo. Estou a vê-lo ao serão, bebendo à colher, com paciência e estilo, enquanto o alferes declamava, e o maqueiro Alpiarça escrevia a uma das dezenas das madrinhas de guerra. (...)


14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa

(...) Aos Domingos vestíamo-nos à paisana e dávamos longos passeios à volta da parada, imaginando praças, avenidas, ruas, adros de igreja e até estações de comboio. Depois entrávamos na Cantina e invariavelmente pedíamos 'Um fino e tremoços' (...).


10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1419: Estórias cabralianas (17): Tirem-me daqui, quero andar de comboio (Jorge Cabral)

(...) Creio que foi em Fevereiro de 1971, que em Missirá, recebi a ordem de Bissau – um dos furriéis passava a ser Professor, com dispensa de toda e qualquer actividade operacional. Ponderada a situação, optei pelo Amaral , cujo porte rechonchudo e as maçãs do rosto vermelhuscas, lhe davam um ar prazenteiro e bonacheirão, nada condizente com as funções de comandante de secção combatente (...).


26 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1463: Estórias cabralianas (18): O Dia de São Mamadu (Jorge Cabral)

(...) Entre os dez militares metropolitanos do Destacamento de Missirá, apenas o Alferes era do Sul e de Lisboa – um rapaz de Alvalade, passeante da Praça de Londres e frequentador do Vává. Todos os outros, furriéis, cabos, e adidos especialistas, vinham do Norte ou das Beiras. (...).


18 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1534: Estórias cabralianas (19): O Zé Maria, o Filho, Madina/Belel e um tal Alferes Fanfarrão (Jorge Cabral)

(...) Bambadinca era então para o Alferes, feito nharro de Tabanca, a Cidade. Para lá ir, fazia a barba, aprumava o seu único camuflado apresentável, munia-se de alguns pesos e, acima de tudo, preparava o relim verbal sobre ficcionadas aventuras operacionais, que iriam impressionar o Comandante. Antes de entrar no Quartel, habituara-se a abancar no Gambrinus local, o tasco do Zé Maria, bebendo, petiscando e conversando. Um dia encontrou o Senhor Zé Maria, muito preocupado. O filho adolescente que estudava em Lisboa, ia chumbar. (...)

20 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1679: Estórias cabralianas (20): Banquetes de Missirá: Porco turra e Vaca náufraga (Jorge Cabral)

(...) Em Missirá comíamos, praticamente todos os dias, arroz acompanhado ora de pé de porco, ora de atum ou cavala, com muito pão e sempre altas doses do insípido vinho quarteleiro, o qual, segundo se dizia, era cortado com cânfora, para diminuir os ímpetos...



24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1696: Estórias cabralianas (21): O Amoroso Bando das Quatro em Missirá (Jorge Cabral)

(...) Nos Destacamentos em que vivi, todos eram bem recebidos, à boa maneira da gente da Guiné, cuja cativante hospitalidade foi muitas vezes confundida com subserviência ou portuguesismo. Djilas, batoteiros profissionais, artesãos, doentes, feiticeiros, alcoviteiros, parentes dos soldados, visitavam o aquartelamento e às vezes ali permaneciam, fazendo negócios, combinando casamentos, tratando-se ou tratando, ou simplesmente descansando. Desconfio mesmo que alguns guerrilheiros terão passado férias em Missirá (...)

12 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1752: Estórias cabralianas (22): Alfa, o fula alfacinha (Jorge Cabral)

(...) No final do ano de 1970, apresentou-se em Missirá um soldado fula – chamemos-lhe Alfa – vindo da prisão de Bissau, onde cumprira pesada pena. Razão da punição – ausência ilegítima durante cento e oitenta dias, quando após intervenção cirúrgica no Hospital Militar Principal, desaparecera em Lisboa. Impecavelmente fardado, com blusão e tudo, usava uma vistosa popa e farfalhudas patilhas, conservando sempre um palito dependurado ao canto da boca. Falava um calão lisboeta e aparentava ser um verdadeiro rufia alfacinha.(...)

5 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1816: Estórias cabralianas (23): Areia fina ou as conversas de Missirá (Jorge Cabral)

(...) Conheci muito bem o Alferes que esteve em Missirá nos anos de 1970 e 1971. Diziam que estava apanhado, mas penso que não. Era mesmo assim. Quem com ele privou em Mafra e Vendas Novas certamente o recorda, declamando na Tapada: No alto da Vela / Fui Sentinela / de coisa nenhuma / Quem hei-de guardar / Quem irei matar… (...).

19 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1857: Estórias cabralianas (24): O meu momento de glória (Jorge Cabral)

(...) Manga de ronco, Pessoal! Spínola veio a Fá, visitar os Comandos Africanos e praticamente toda a população das Tabancas vizinhas compareceu. Homens e Mulheres Grandes, belas Bajudas, e muitas, muitas crianças. A Pátria, pois então… E uma Guiné melhor. O Caco entusiasmou-se. Tanto, que optou por ir de viatura para Bambadinca. E lá partiu em coluna, comandada pelo Capitão João Bacar Djaló (...).

29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1900: Estórias cabralianas (25): Dois amores de guerra e uma declaração: Não sou pai dos 'piquininos Alferos Cabral' (Jorge Cabral)

(...) E o Amor, existiu? Não falo de mulheres grandes a partir catota, nem de bajudas a partir punho, e muito menos das rápidas e alcoolizadas visitas às casas de prazer, para... mudar o óleo. Amor mesmo, paixão, dele para ela, dela para ele. Difícil, raro, mas aconteceu. Contaram-me que uma bajuda que tivera um filho do Furriel X, o seguiu até Bissau, e na hora da partida do navio entrou na água com o bebé, tendo morrido ambos (...).


27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2135: Estórias cabralianas (26): Guerra escatológica: o turra Boris Vian (Jorge Cabral)

(...) Fá Mandinga fora sede de Batalhão e de Companhia, possuindo muitas e boas instalações. Chegados em Julho de 1969, optámos por ocupar apenas dois edifícios. Quanto aos restantes, convenci o Pelotão, que o respectivo acesso estava minado, razão porque só eu lá poderia entrar. É que vislumbrara duas belas e isoladas vivendas, as quais intimamente destinara a uso próprio. Uma serviria para encontros amorosos. Na outra, utilizaria a casa de banho, lendo e meditando... E assim se passou (...).

22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2204: Estórias cabralianas (27): Turra desenfiado encontra Alferes entornado (Jorge Cabral)

(...) Já é noite cerrada e o Alferes de Missirá continua em Bambadinca. Numa mão o copo, na outra, o pingalim, encostado ao balcão do Bar, declama. Trata-se do longo poema de Jacques Prévert, “L’orgue de Barbarie” (2). É interrompido, engana-se, esquece-se, volta atrás, mas não desiste. Moi je joue du piano / Disait un / Moi je joue du violon / Disait l’autre (...).

14 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2350: Estórias cabralianas (28): O Hipopótamo, as Formigas e o Prisioneiro (Jorge Cabral)

(...) Nem me lembro qual o Periquito que se apresentou naquele dia em Fá. Mas sei que ao anoitecer, saiu, equipado e armado, cumprindo a minha ordem. Objectivo: caçar um hipopótamo (...).

16 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2354: Estórias cabralianas (29): A Festa do Corpinho ou... feliz o tuga entre as bajudas, mandingas e balantas (Jorge Cabral)

(...) Porque estamos no Natal, recordas o teu de 1969 e um ataque a Bissaque. Eu passei o meu em Fá, e dias antes, noite dentro, quando já o comemorava por antecipação, acorri a defender a Tabanca de Bissaque, guiado pelo Marinho.Este era um velho, seco e pequenino, guardião das instalações de Fá, desde os anos 50(...).

21 de Dezembro de 2007 >. Guiné 63/74 - P2369: Estórias cabralianas (30): Um Natal em Novembro (Jorge Cabral)

(...) Amanheceu igual, só mais um dia em Missirá. Para o Mato Cão, vai o Alferes, uma secção, e o maqueiro Alpiarça. É lá chegar, esperar, ver o barco e voltar. Não há tempo para o sonho – do outro lado nem Gaia, nem Almada…Já estamos de regresso, ouvimos restolhar. Vem aí gente. Neste lugar só podem ser os turras. Claro que, como sempre, o Alferes empunha apenas o seu pingalim e, em vez do camuflado, enverga camisa branca e calções de banho (...).