quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2535: PAIGC - Instrução, táctica e logística (9): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (IX Parte): Defesa anti-aérea (A. Marques Lopes)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel / Balana >CCAÇ 2317 (1968/69) > Gandembel: A antiaérea que era pressuposto proteger o pessoal contra eventuais ataques ... dos Migs russos da República da Guiné-Conacri. Um dos objectivos (falhados) da Op Mar Verde - que consistiu na invasão do país vizinho, em 22 de Novembro de 1970 - foi justamente a tentativa de destruição dos Migs soviéticos, estacionados no território da Guiné-Conacri, cuja hipótese de utilização, a pedido do PAIGC, era terá sido seriamente ponderada por Spínola e o seu Estado Maior.

Foto gentilmente cedida pelo António Almeida, o intérpetre do Hino de Gandembel, soldado da CCAÇ 2317 (Gandembel/Balana, 1968/69) (1).

Guiné > Bissau > Fevereiro de 1968 > Exposição de armamento apreendido ao PAIGC, por ocasião da visita do Presidente da República, Alm Américo Tomás > Metralhadoras pesadas Degtyarev, de origem soviética, em reparos de utilização terrestre e antiaérea (2).


Foto: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados .




Continuação do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, documento classificado, de que nos foi enviada uma cópia, em 18 de Setembro de 2007 pelo nosso camarada A. Marques Lopes (qie acrescenta, à margem, a seguinte nota sibilina: Quando eles ainda não tinham os Strella...) (3)


PAIGC - Instrução, táctica e logística (9): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (IX) >

(G). DEFESA ANTI-AÉREA


(1) De documentos capturados foram extraídos os seguintes elementos relativos a defesa anti-aérea:


CONHECIMENTO DA DEFESA ANTI-AÉREA


I – As funções dos aviões de combate



1.º Fazer reconhecimentos pelo ar, uer observando a baixa altitude quer fotografando a alta altitude.

2.º Transportar tropas e materiais.

3.º Lançar espiões.

4.º Atacar de surpresa os objectivos principais.


II – As fraquezas dos aviões


1.º O avião é muito influenciado pelas condições meteorológicas e limitado pelo aeredino e pela gasolina.

2.º Para o avião é muito difícil encontrar os objectivos dissimulados ou camuflados no chão.

3.º O avião não pode ocupar os objectivos terrestres pois somente a infantaria pode resolver o combate terrestre.

4.º Se os destacamentos efectuam movimentos e dispersam, o avião não pode desenvolver plenamente as suas funções.

5.º Se conhecermos as fraquezas e as funções dos aviões podemos evitar as suas qualidades e aproveitar as suas fraquezas. Portanto, os aviões não são omnipotentes nem medonhos. As experiências revolucionárias provaram que, embora o inimigo seja forte, o seu equipamentyo excelente e as sua armas potentes, podem-se inventar muitos meios bons para vencer os aviões inimigos.


III – Como se distinguem os diferentes aviões


Distinguimos o avião para conhecer as suas capacidades e as suas tarefas, para julgar as suas intenções e tomar as medidas convenientes.

1.º As categorias dos aviões segundo a as utilização são as seguintes:

- aviões de combate

- aviões de bombardeamento

- aviões de transporte

- aviões de reconhecimento


2.º Os aviões distinguem-se segundo as suas formas e características.

- Os aviões de combate são de forma pequena e velocidade grande. Andam 300 metros por segundo.

- Os aviões de bombardeamento são de forma grande e velocidade equena; o barulho é grande e os motores são numerosos.

- O avião de reconhecimento é de forma estreita e longa e a velocidade é pequena, o barulho é lento e pode voar a grande altitude.

- O avião de transporte é de forma grande e velocidade pequena – máximo 450 Kms por hora, 125 metros por segundo.


IV – Como se organiza a defesa anti-aérea


Organizar de uma maneira planificada as diferentes armas para abater o avião e os paraquedistas do inimigo, agora vai-se estudar como se deve atirar sobre o avião e os parquedistas com as espingardas e as metralhadoras ligeiras e pesadas.

- O tiro sobre o avião

As condições de espingarda e metralhadoras para atirar no ar são vantajosas por serem fáceis de manejar. Podem-se apontar e atirar rapidamente e o tiro com elas pode formar uma rede de fogo.

- O tempo de começo de tiro

Quando o avião entra no alcance eficaz das nossas armas pode-se começar a atirar. Para atirar sobre o helicóptero do inimigo instalam-se as tropas numa região onde o helicóptero pode aterrar e desde que ele toca a terra é preciso concentrar o fogo para atirar vivamente sobre ele antes que os paraquedistas desçam dele.

Pode-se também organizar e instalar grupos de tiro nas proximidades onde o inimigo pode provavelmente passar e quando o helicóptero passar atirar-lhe de surpresa.

Como se atira sobre o avião inimigo:

- Se o avião se encontra a uma distância de 500 metros marca-se a alça n.º 3;

- Se o avião se encontra à distância de 100 metros vê-se clramente a cabeça e a face do aviador; a 600 metros vê-se claramente a fuselagem do avião, a frente e as asas do avião; a 1200 metros pode-se ver o contorno do avião não se podendo distinguir as diferentes partes;

- Se não se faz o cálculo do alcance do avião escapa-se a posição; para que seja atingido de modo certo calcula-se o alcance do avanço em relação à posição A e quando o avião chega à posição B choca-se com a bala.





Para se saber esta distância há que conhecer duas condições:

- a velocidade do avião;

- o tempo de duraçãoda trajectória, isto é, em quantos segundos a bala percorre a distância da arma ao alvo.

Se o tempo de duração for de 0,5 segundos e a velocidade do avião 100 metros por segundo teremos: o alcance de avanço = 0,5 x 100 metros. Se o avião se encontra em A, aumenta-se 50 metros à frente do avião e o projéctil ai encontrar-se com o avião na posição B.


A direcção da trajectória = correcção da alça + N a multiplicar por duas vezes o menos alcance a dividir por 100.


Velocidade inicial / Algarismo a adicionar

750 m/s .................................... 14

800 m/s .................................... 12

850 m/s .................................... 20


A velocidade inicial da espingarda automática é geralmente 750 m/s; a da espingarda de repetição é geralmente de 800 m/s e da metralhadora ligeira é geralmente de 850 m/s.




(2) Organização defensiva (anti-aérea) de CASSEBECHE

(a) Resumo da Evolução


- Em 06OUT67, estavam referenciados em CASSEBECHE 3 espaldões para metralhadora anti-aérea, localizados nas posições 21,24 e 27 (Ver pág. 82).


- Em 24JAN68, existiam espaldões nas posições 1,2,3 e 4 (este com a forma circular) a oeste e, pelo menos, as posições 21, 24, 25 e 27 a leste, emboa algumas com aspecto desactivado.

- Em 09MAR69, quando da operação VULCANO, existiam espaldões nas posições 1,2,3,4,5,7,8,9 e 10 a oeste, todas desactivadas, e possivelmente três posições para atiradores em 6.

A leste encontravam-se activadas 12 das posições 21,24,25,29,32,34,37,40,48,52 e 55, sendo a posição 37 a da metralhadora quádrupla.

No decorrer da operação, e bem assim na actividade aérea subsequente, foram destruídas ou danificadas as armas instaladas em cinco das posições, deixando o IN de reagir com as restantes, que desmontou.

Verifica-se, assim, que entre 24JAN68 e 09MAR69 o IN modificou o espaldão da posição 4 que passou a ser do tipo “espiral” permitindo montagem da metralhadora quádrupla; construiu as posições 5 a 10 a oeste e cerca de oito outras posições a leste.

- Em 30OUT69 foram identificados os seguintes espaldões: 1,2,3,4,5,7,8,9 e 10 a oeste (a posição 5 com três posições de atiradores) e os espaldões 17,19,20,21,22,23,24,25,27,28,31,32,34,35,37,39,40,41,44,46,48,51,52,53 e 55.

Parece notar-se a realização de trabalhos de beneficiação de quase todas as posições 21,24,28,48,37,44 e 51.

Em data relativamente próxima deviam ter-se iniciado trabalhos de beneficiação na posição 25.

- Em 16DEZ69, não se notaram ainda trabalhos de protecção dos espaldões das armas anti-aéreas nas posições 30, 33 e 38, notando-se já a posição 28 e possivelmente a 47

- Em 10 e 11JAN70, reconhecimento fotográfico e fotográfico/visual revelaram:

(i) recente construção de uma trincheira – 11,12 a 15 – com posições para atirador isolado e, provavelmente, duas posições de armas pesadas destinadas a tiro rasante, 13 e 14, e a construção de uma trincheira de combate de traçado irregular, 16; salienta-se que estas trincheiras se situavam de forma a evitar qualquer aproximação pelas direcções por onde foi tentada a das tropas pára-quedistas em MAR69;

(ii) a construção de mais um espaldão de metralahdora anti-aérea, 42;

(iii) a construção de posições defensivas avançadas para protecção dos espaldões; posições 26, 28, 30, 33, 36, 38, 43, 47 e 54 (admite-se como possível que as posições 28 e 47 já estivessem iniciadas em 10DEZ69;

(iv) a realização nítida de trabalhos de beneficiação dos espaldões 17, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 29, 31, 32, 34, 35, 37, 39, 40, 41, 46, 48, 52, 53 e 55.

(v) Salienta-se que nos espaldões 24, 25, 34, 48 e 53 os trabalhos de beneficiação pareciam ser apenas nos espaldões e não no poço e trincheira para a instalação de armas e guarnições respectivas.

(vi) Destacava-se, ainda, a ausência de trabalhos de beneficiação nos espaldões 21, 27, 44 e 51.

(vii) Não foi possível concluir da existência de trabalhos de beneficiação nas posições 1 a 10.

(viii) A ligação entre a trincheira de comunicação 15 e a trincheira de combate 16 não estava ainda concluída.


(b) Procedimentos assinalados



- A partir da acção de pára-quedistas em MAR69 e dos ataques aéreos subsequentes verificou-se um desembaraçamento dos campos de tiro, realizado à custa de abate de árvores e palmeiras.

- Verificava-se o extremo cuidado posto na camuflagem das posições à medida que se processava a sua construção, sendo os espaldões das posições de anti-aérea camuflados com ramos de palmeira colocados radialmente e as trincheiras e posições de combate para atiradores de armas ligeiras camufladas com tufos de capim que dão um aspecto “mosqueado” às posições.

- A falha mais assinalável era a falta de camuflagem das áreas onde foi feita remoção de terras, nomeadamente no interior das trincheiras e poços e na área adjacente aos espaldões de metralhadora anti-aérea.

- Após a concluisão dos trabalhos procedeu-se à instalação do armamento pesado, havendo que distinguir dois tipos de espaldões, provavelmente destinados a tipos diferentes de armamento.


Espaldões tipo “espiral”

Têm parede dupla e admite-se que se destinam a receber material cujo reparo seja susceptível de ser montado sobre rodado, sendo de admitir que se destinem a metralhadoras quádruplas.


Espaldões circulares


Têm paredes simples, com uma pequena entrada – 19 – apresentando no centro um poço ligado a uma trincheira em forma de “T”.

Admite-se que um dos ramos do “T” possa vir a ser coberto, ficando com a forma de “L”, como nas posições mais antigas – 23 -, servindo o ramo coberto para a guarnição se abrigar.

Estes espaldões admite-se que possam vir a receber apenas metralhadoras com um raparo relativamente pequeno, e portanto metralhadoras simples, no máximo duplas.

Estão neste caso as posições 1, 2, 3, 5, 7, 9, 17, 20, 21, 23, 25, 27, 34, 35, 39, 40, 41, 42, 45, 46, 48 e 55.


Espaldões de outro tipo


Com contorno exterior diferentes aparecem-nos os espaldões 29 e 53.

Verificou-se o crescimento da organização defensiva com vista à instalação de armas ligeiras, caso das trincheiras, posições avançadas, etc., podendo-se admitir que o In visou estabelecer uma organização defensiva anti-aérea e terrestre sendo, neste caso, os espaldões circulares destinados também à instalação de armas de tiro curto.


(c) Possibilidades de tiro


A forma como os espaldões estavam construídos faz supor que as posições dotadas com armas antia-aéreas dificilmente poderiam ser utilizadas em tiro terrestre com uma rasança aceitável.


(d) Instrução das guarnições


- No interior do perímetro defensivo notava-se a existência de diversas cubatas que poderão agrupar-se em três tipos mais ou menos distintos:

(i) do tamanho normal de uma casa balanta – A –

(ii) sensivelmente com metade desse tamanho – B –

(iii) de dimensões mais reduzidas – O –

- Admite-se que nalgumas destas casas pudessem habitar as guarnições das armas enquanto que outras poderiam servir de depósito de munições e material.

As casas de dimensões muito reduzidas pareciam cobertas de “IRÃS”.

- Não se notava em todo o perímetro defensivo a existência de escavações destinadas a abrigos nem terreno sobreelevado que pudesse corresponder à cobertura desses mesmos abrigos.

- A verificar-se a existência de tais abrigos admite-se que tenham sido cavados em “galeria”, o que, dada a consistência do terreno de areia, levaria à necessidade da existência de um sistema de cofragem eficiente.


(e) Finalidade da organização defensiva


- Admitindo-se o princípio, geralmente aceite, que a organização defensiva é uma envolvente das instalações a defender, não se vislumbram no interior da posição a existência de qualquer instalação de valor que justificasse tamanha organização do terreno.

- Admitindo-se que aquela organização defensiva pretendia garantir a defesa de quaisquer instalações excêntricas não se vê que as tabancas situadas imediatamente a norte, 5 casas, ou as situadas a sul, com sinais de intensa actividade e apreciável número de casas, fossem de molde a justificar só por si tamanha organização, ainda que se parta do princípio ser aquela uma região extremamente rica em gado, arroz e cola, visto que a área efectivamente defendida é muito reduzida relatiamente à extensão total da região.

Parece igualmente pouco provável que o IN tivesse concentrado na região depósitos de material, pois embora a região lhe permita um acesso fluvial fácil podê-los-ia construir com maior segurança em zona de mata densa, a coberto das vistas da nossa FA.

- Pondo de parte estas duas hipóteses poderemos ainda admitir que:

- as instalações tenham apenas um fim de propaganda e sejam aproveitadas para tentar materializar os cuidados dispensados pelo PAIGC às populações sob o seu controle no, por ele chamado, “território libertado”;

- o PAIGC tenha instalado na região um campo de treino, aproveitando para instruir o pessoal na construção de trincheiras e espaldões e, eventualmente, na reacção contra meios aéreos; a região tem um acesso fácil por via fluvial permitindo o transporte de material pesado;

- o PAIGC vise desviar a atenção dos nossos meios aéreos para uma região de menos interesse relativamente a instalações principais existentes no QUITAFINE; esta hipótese parece, aliás, pouco provável pois nesse caso deveria ter o cuidado de afastar as populações ad proximidade, facto que se não verifica, e não é de admitir que o PAIGC queira expor desnecessariamente essas populações;

- o PAIGC procure apenas causar baixas nos nossos meios aéreos; esta hipótese parece igualmente pouco lógica pois poderia obter resultados mais compensadores noutros pontos do território, actuando por surpresa, concentrando e dispersando as suas armas AA por forma a não oferecer um alvo remunerador par acções das NT ou da nossa Força Aérea.

- Embora não se disponha de elementos que permitam concluir a existência de trabalhos de beneficiação de núcleos de posições 1 a 10, aliás desactivadas em MAR69, há ainda a possibilidade de apoio dos dois núcleos 1/10 e 51/55 e a sua colaboração na defesa de qualquer objectivo intermédio, que também não está referenciado.


(f) Conclusão




Este estudo, baseado essencialmente em documentação fotográfica, tem apenas avaliar da evolução da organização do terreno não permitindo avaliar as intensões do IN quanto à montagem de armamento e objectivos a defender, pelo que as hipóteses postas em (a) não podem considerar-se como válidas sem uma análise conjugada com o conhecimento das suas intenções, facto que nunca foi obtido.


(g) Pormenor de espaldões



Organização Defensiva da Ilha de Cassebeche [, a sul de Cacine, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, incluída no mapa de Cassumba, um dos poucos mapas que nos falta pôr em linha]


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Notas dos editores:

(1) Vd. postes de:

22 de Novembro de 2007 < Guiné 63/74 - P2295: Hino de Gandembel, cantado no almoço da mini-tertúlia de Matosinhos (A. Marques Lopes / Carlos Vinhal)

28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2311: Vamos expor o Álbum Fotográfico dos homens-toupeiras de Gandembel ? (António Almeida / Idálio Reis / Luís Graça)

(2) Vd. postes de:

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1756: Exposição de armamento apreendido ao PAIGC, aquando da visita de Américo Tomás (Bissau, 1968) (Victor Condeço)

17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1764: Armamento do PAIGC (1): Metralhadoras pesadas Degtyarev, antiaéreas (Nuno Rubim)

(3) Vd. poste de 19 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2454: PAIGC - Instrução, táctica e logística (8): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VIII Parte): Minas III (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P2534: Convívios (39): II Encontro de ex-Combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, 12 de Abril de 2008 (Carlos Vinhal)



Momento de fado, no I Convívio, interpretado por camaradas com jeito e arte.

Foto: © Albano Costa (2007). Direitos reservados.

No dia 12 de Abril de 2008 vai realizar-se o 2.º Encontro de Ex-Combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos.


Os interessados em participar no almoço deverão inscrever-se até ao dia 31 de Março de 2008.

Contactos:
Manuel Agostinho, telem 969 023 731
António Maria, telem 938 492 478
Carlos Vinhal, telem 916 032 220

OBS:- Com muito prazer aceitaremos inscrições de ex-combatentes da Guiné de outros concelhos, especialmente do Grande Porto, que queiram confraternizar connosco.

Carlos Vinhal
_________

Notas de CV:

(1) Vd. post de 7 de Março de 2007 Guiné 63/74 - P1570: Almoço-convívio de camaradas de Matosinhos (Albano Costa / Carlos Vinhal)

(2) Comentário a este post, feito por um leitor identificado:

Cada vez que aqui venho, entre o muito que aprendo e o muito que me emociono, fico sempre com uma certeza outra: a da imensa dignidade da vossa camaradagem e da vossa ausência de ressentimento.
Aqui se destaca com grande evidência a generosidade, a sabedoria e a inteligência do papel das Forças Armadas... Infelizmente... os mandantes de hoje parecem sofrer todos de memória de grilo!
Os melhores cumprimentos, Senhor e Senhores.

Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)

Lisboa > T/T Niassa > Navio misto (carga e passageiros), de 1 hélice, construído em 1955, na Bélgica, registado no Porto de Lisboa, e abatido em 1979; comprimento: mais de 151 metros; arqueação bruta: c. 10.742 toneladas; potência: 6.800 cavalos ; velocidade normal: 16,2 nós; alojamentos para 22 em primeira classe, 300 em classe turistica, no total de 322 passageiros; nº de tripulantes: 132; armador; Companhia Nacional de Navegação - Lisboa.

Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2004)página de Carlos Russo Belo (2006) (com a devida vénia...). O autor foi oficial da marinha mercante.

Manuel Traquina ex-Fur Mil, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70 (1)


Assunto - A Guiné, os Tempos de Guerra > CCAÇ 2382 (1968/70) > O velho Niassa (2)


O Velho Niassa... Foi este o navio que nos transportou à Guiné, e também de regresso a Portugal. Antes tinha sido um cargueiro, farto de cruzar oceanos, tal como o Uije, o Alfredo da Silva e outros. Foi no inicio da guerra colonial adaptado ao transporte de tropas.

Terá feito imensas viagens à Guiné, Angola e Moçambique, milhares de ex-militares ainda hoje se recordam da incómoda viagem, com os habituais enjoos, e também de um ou outro dia mais calmo que lhes dava tempo para dormir uma sesta no convés, e com um canivete entalhar na madeira o seu nome, a data, ou outra referência! Compreende-se que, depois das muitas viagens realizadas e dos milhares de militares transportados, aquele convés quase já não tinha um pedaço de madeira disponível para mais um nome!

Além dos enjoos e das noites mal dormidas a bordo, recordamos também que tinha uma agradável sala de jantar, destinada apenas a oficiais e sargentos. Já do alojamento para os soldados o mesmo não se pode dizer, em todos os cantos do porão tinham sido improvisados dormitórios, as condições eram deploráveis. A comida era razoável, no entanto a sopa, embora fosse a mesma todos os dias, no menu tinha todos os dias um nome diferente...

O bar onde se bebia whisky, cerveja e se jogava à lerpa, dispunha de um pequeno conjunto musical que à meia tarde tocava sempre os mesmos trechos musicais, enfim o seu repertório não era muito vasto…

Deste navio recordamos ainda o barulho característico dos seus potentes motores e das suas hélices, e também a luz do luar reflectida na imensidão das águas do Oceano Atlântico.

Um dos passatempos a bordo era enviar mensagens dentro de garrafas de cerveja que eram atiradas ao mar, curioso é que pelo menos uma delas foi encontrada, passado não muito tempo a resposta a uma dessas mensagens - calculem... - veio de uma praia do Sul de Espanha onde una Chica de corpo bronzeado (presume-se) a terá encontrado, e assim se arranjou madrinha de guerra que quase deu em namoro…

Porém não há mal que sempre dure: a guerra acabou, também para aquele velho barco as viagens terminaram, soubemos que ele terá sido vendido a quem lhe mudou o nome, e o levou para a América Central onde ultimamente desempenhava funções de barco/hotel.

No entanto, acho, que poderia ter um fim mais glorioso em Portugal, já que aqueles que nele viajaram nunca o irão esquecer, bem como as inscrições que nele foram feitas que representam também uma página da história da guerra colonial.

Manuel Batista Traquina
(Ex-Furriel Miliciano)
____________

Notas dos editores:

(1) Vd. postes de:

2 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2399: Tabanca Grande (47): Manuel Traquina, ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)

2 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2500: Histórias de Manuel Traquina (1): CCAÇ 2382 - A hora da partida

(2) Vd. postes anteriores desta série:

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)

11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)

15 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1953: O cruzeiro das nossas vidas (6): Ou a estória de uma garrafa, com o SPM de Mansoa, que viajou até às Bahamas (Germano Santos)

3 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2025: O cruzeiro das nossas vidas (7): Viagem até Bolama com direito a escalas em Leixões, Mindelo e Praia (Henrique Matos)

13 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2044: O cruzeiro das nossas vidas (8): Porto de Lisboa, Cais de Alcântara (Luís Graça)

15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2050: Cruzeiro das nossas vidas (9): Do Funchal para Bissau no Ana Mafalda (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P2532: Tabanca Grande (56): José J. Macedo, ex-2º tenente fuzileiro especial, natural de Cabo Verde, imigrante nos EUA

José J. Macedo, quando era cadete da Escola Naval, em Portugal... Foi FZE (fuzileiro especial na Guiné, 1973/74, DFE 21)
  O José Macedo, natural de Cabo Verde, ex-tenente fuzileiro especial, vive nos Estados Unidos desde 1977. É advogado, segundo informação telefónica que deu ao nosso co-editor Virgínio Briote. 

Fotos: José Macedo (2008). Direitos reservados 


1. Em 19 de Janeiro de 2008, recebemos uma mensagem de José J. Macedo, natural de Cabo Verde, e que vive nos Estados Unidos, desde 1977. Esteve na Guiné, em 1973/74 "como oficial do Destacamento de Fuzileiros Especiais 21 (DFE21) (...), o primeiro Destacamento de Fuzileiros Especiais africano e que tomou parte, entre outras, na célebre Operação Mar Verde de que muito se fala no blogue". 

O José J. Macedo esteve , com o seu destacamento, em Vila Cacheu, Bolama e em Cacine "para as evacuações que foram feitas aos aquartelamentos do Sul". Faz questão de dizer que , "como Cabo-verdiano, nado e criado, tive e continuo a ter uma perspectiva diferente dos bloguistas do seu blogue sobre o que se passou na Guiné durante a Guerra Colonial". 

Define-se como "um leitor diário do blogue e muitas das crónicas me fazem viajar no tempo a Susana, São Domingos, Canchungo e outros locais da Guiné". Tem, no entanto, reservas em participar no blogue devido ao tipo de linguagem que muitas vezes usaríamos. O Macedo acha-a, por vezes, "racista", com uso e abuso de "expressões de caserna" que ele não aprecia nem aprova. "Parece que há membros da tertuúlia que têm prazer especial em usar nharro, preto pu** e outros termos pejorativos quando se referem aos Guineenses , inclusive aqueles que estiveram ao lado de Portugal". 

Em contrapartida, das "poucas vezes que li intervenções que Guineenses e/ou Cabo-verdianos que participaram na luta de libertação nacional pelo PAIGC, nunca vi nenhuma referência pejorativa em relação aos soldados Portugueses que lutaram na Guiné". 

Em suma, para o nosso visitante José Macedo e antigo camarada de armas não se trata de ser politicamente correcto , como está na moda dizer, mas tão apenas de "não chamar aos outros o que não gostaramos que nos chamassem a nós". Manda-nos "um abraço amigo". 


2. Em 21 de Janeiro, voltou a mandar-me um mail, que passo a transcrever (em parte): 

Luis: 
Espero que ja tenha recebido o meu e-mail com a minha apreciação do blogue. Estive a ler as normas de conduta e apenas gostaria de fazer um reparo: a norma (ix) garante a todos os tertulianos a "liberdade de expressão", razão porque, na minha opinião, aparecem expressões como as que mencionei no meu e-mail anterior. Contudo, parece-me que o Artigo (ix) está em colisão com o (iv), "Carinho e Amizade Pelos Nossos Dois Povos" e o (v), "Respeito Pelo Inimigo de Ontem." Acho que quando a Liberdade de Expressão serve para negar "Carinho, Amizade e Respeito", a mesma deveria ser cerceada. O exemplo típico para os constitucionalistas é que ninguém tem a liberdade de gritar FOGO num cinema cheio de espectadores (...). 


3. Na qualidade de fundador e editor do blogue, mandei-lhe a seguinte mensagem, em 22 de Janeiro: 

Meu caro José Macedo: 
Antes de mais, obrigado pela sua crítica ao nosso blogue. Vou, naturalmente, publicá-la. O seu ponto de vista merece-me todo o apreço e consideração que é devida a um antigo camarada de armas, e para mais cabo-verdiano, terra que amo desde pequenino, e onde tenho bons amigos. Tenho pena que não queira entrar para esta Tabanca Grande, e partilhar connosco as suas memórias dos fuzileiros e das suas emoções da Guiné... 

Farei, eu ou os meus co-editores, algumas apreciações às suas críticas, naquilo em que elas nos parecem injustas: por exemplo, nunca fizemos aqui a apologia do racismo ou publicámos relatos de violação de crianças ou adolescentes... São questões factuais: se achar que sim, diga-me onde e quando... Isto tem que ser dito, e com veemência. Somos gente com valores, aliás basta ver a nossa preocupação com as questões éticas... 

O seu reparo sobre eventuais contradições entre as nossas normas de conduta e a nossa prática editorial tem razão de ser... Mas isso acontece com tudo na vida... Como sabe, há várias questões fracturantes entre nós, amigos e camaradas da Guiné: por exemplo, os desertores, os fuzilamentos dos nossos camaradas guineenses, o 25 de Abril... Mas até agora temos sabido viver com as nossas diferenças... 

Quanto à linguagem de caserna, bom... O que é que eu posso dizer-lhe ? Não somos um blogue de meninos de coro... Mas prometo estar vigilante ao uso e abuso de expressões que eventualmente possam ter conotações racistas e sexistas... Felizmente não tenho nem formação nem mentalidade de censor...Naturalmente que tenho que assumir a minha responsabilidade como fundador e editor deste blogue (que é colectivo e onde coexistem muitas sensibilidades e idiossincrasias)...Irei procurar manter a coerência com as nossas normas de conduta... 

Obrigado por nos ler e criticar. Mas apareça mais vezes, que hoje já não temos o Atlântico a separar-nos. E, claro, fica sempre de pé o nosso convite para franquear o pórtico da nossa Tabanca Grande. 

Um Alfa Bravo. 
Luís Graça 


4. O nosso co-editor Virgínio Briote, que foi Alferes Comando da 1ª geração (Guiné, Brá, 1965/66), superior hierárquico do Justo e do Marcelino da Mata, entre outros, mandou-me a seguinte apreciação: 

Estou surpreendido com a leitura que o José Macedo faz. Não me lembro de ler as expressões com sentido pejorativo. A preocupação com o políticamente correcto, a nós, não se aplica porque não sentimos necessidade de pensar nesses termos. Falo por mim, mas não só, falo pelo que tenho lido até à data. (...) 

Puta é conversa de caserna e fora da caserna, é uma expressão menos corrente aqui que nos USA. É fuck para aqui fuck para acolá, presidentes americanos incluídos. Nharros? Só se for. 

E para uma observação isenta, é necessário não excluir os conhecimentos da língua de quem lê, os hábitos de leitura e tantas outras coisas. É assim que obras louvadas por muitos são apelidadas de pastelões por muitos outros também. 

Mas, esta não esperava. 

Um abraço, 
vb 


5. Resposta do José Macedo, com data de 21 de Janero: 

Luis: 
Obrigado pela sua resposta. Tenho seguido as vossas iniciativas e a divulgação da história de todos nos que passámos pela Guiné-Bissau. Através do blogue recordo os momentos (bons e maus) que por lá passei. Como falo o crioulo de Cabo Verde, muito semelhante ao da Guiné-Bissau, tive a sorte de poder compartilhar do dia a dia dos fuzileiros do meu destacamento, nas minhas viagens a São Domingos e São José no Chão Felupe e com os Manjagos de Canchungo. 

Também convivi com os Comandos de Brá, nomeadamente o Justo, o Folques, o Sicri Vieira e muitos outros. Com o Zicky Saiegh convivi de perto, pois era afilhado do meu tio Agnelo Macedo, que foi chefe de posto em Catió e esteve preso na Ilha das Galinhas, por alegadamente ter tido uma reunião em casa com o Aristides Pereira e outros quadros do PAIGC. 

Quando vou de férias a Portugal, um dos highlights da minha visita é encontrar-me nos Restauradores com o Sino Uie Cambe e o Saco Sano, fuzileiros do DFE 21, especialistas no MG-42 e na bazuca respectivamente, que se deliciam em contar e recontar as peripécias da Operacao Mar Verde e a veneração que têm pelo Comandante Rebordão de Brito. Também me contam o destino triste (fuzilamento) de alguns elementos do 21. 

Um abraço amigo 
Jose J. Macedo 


6. Novo mail do José Macedo: 

Luís: 
Obrigado pela sua resposta. Deve ter havido um mal entendido sobre ser apologista de atitudes racistas ou sexistas. Houve sim, não me lembro bem a data, em que um dos camaradas escreveu um texto a rondar o racismo e o o Luís disse que "sabia que ele não era racista" ou algo parecido. 

Se calhar por ser imigrante e viver numa sociedade multicultural, sou mais sensível a certas abordagens do blogue. Tambem eu sofri perdas de amigos e camaradas africanos do meu destacamento que foram fuzilados na Guiné. Sei que o blogue não faz , ou pelo menos tenta não fazer, juízo de valores; contudo, idolatrar (como alguns o fazem) o Marcelino da Mata... Please

Um abraço amigo, 
José J. Macedo. 


7. Zé Macedo: 

Estamos de acordo em relação ao Marcelino da Mata (...). Não o conheço sequer pessoalmente. Mas não posso impedir que haja pessoas, no nosso blogue, que com ele conviveram na Guiné e que escrevam sobre ele (...). 

Peço-lhe que, ao analisar o nosso blogue, veja a floresta e não apenas a árvore (centenas de pessoas que já cá escreveram, cerca de 2500 postes, meio milhão de visionamentos, vários milhares de fotos e outros documentos publicados, etc.), e sobretudo o reforço da amizade entre os nossos povos, o exorcismos dos nossos fantasmas, o direito à memória, etc....Você não tem muitos blogues deste tipo no mundo: infelizmente, os nossos amigos guineenses que combateram, tanto do nosso lado como do lado do PAIGC, não têm os mesmos meios (tecnológicos e outros) que nós temos... 

Mas, deixe-me que lhe diga, que temos incentivado e apoiado, através do nosso amigo Pepito e do seu/nosso Projecto Guileje, a preservação da memória dos antigos combatentes do PAIGC... Muito provavelmente, sem a nossa existência (colectiva, como blogue e como grupo) não seria possível a realização, no próximo mês de Março de 2008, do Simpósio Internacional: Guileje na Rota da Independência da Guiné-Bissau... (...) 

Gostaria de publicar, no nosso livro de visitas, alguns das suas observações e críticas em relação ao nosso blogue...Mas parte da nossa correspondência é privada... Já limámos algumas arestas, desfizemos alguns equívocos... Enfim, gostaria de o receber na nossa Tabanca Grande como um ex-camarada da Guiné e, porque não, como um amigo... Em suma, o que quer que eu publique (ou não) das suas mensagens anteriores ?... Não me interessa criar polémica (com os meus co-editores e com outros camaradas...) por questões de lana caprina... E quero que você entre pela porta grande... Pode ser ? Estou a fazer-lhe um convite. 

Um Alfa Bravo. 
Luís 


8. A resposta do nosso camarada não podia ser mais clara: 

Podes publicar a nossa comunicação. Acho que não será tão polémica como pensamos, pois como disse, ja limámos as arestas dos possíveis conflitos. (...) Publicar no blogue a nossa correspondência pode ser que ajude algum camarada a não usar a chamada conversa de caserna quando se refere a outros camaradas. 

Um abraco amigo, 
 Jose Macedo 


9. Nova mensagem a 5 de Fevereiro: 

Luis: (...) 
Depois de ter viajado ultimamente pelo blogue e com a próxima realização do Simposio de Guiledge, recordo-me que o meu destacamento, o DFE 21 de Fuzileiros Africanos, esteve em Cacine a montar segurança e a ajudar com a evacuação o para uma LDG de uma companhia do exército, na sua maioria soldados Açoreanos. 

Até me lembro de um triste episódio que aconteceu durante o transbordo em que um soldado, com armas e bagagens caiu ao rio e desapareceu. Como era noite, nada se pode fazer. Ele, que de certeza tinha sobrevivido ao infernos de Guiledge ou talvez do de Gadamael, para vir morrer nas margens do rio Cacine. 

Tambem gostaria de contactar alguém que tivesse estado na Companhia do Exército em Cacheu de 73-74. Se não me engano, o comandante era Capitão Rodrigues, de Aveiro. Também me lembro de ir a São Domingos, onde havia uma Companhia do Exército, a Suzana e São José, no Chão Felupe. Tinha formado uma equipe de futebol com miúdos do Cacheu e jogávamos contra os soldados. 

Gostaria que alguém que tivesse estado em Vila Cacheu, São Domingos ou Cantchungo (Teixeira Pinto), nessa altura, aparecesse no blogue

Um abraco amigo. 
José Macedo 
Tenente FZE DFE21-Guine 

PS - Mandei-lhe uma foto recente. Junto lhe envio uma dos meus tempos de cadete da Escola Naval. Se encontrar uma do meu tempo de fuzileiro, vou-lha enviar. 


10. Mensagem do editor do blogue, com data de 6 de Fevereiro: 

Obrigado, Zeca: 
Isto quer dizer que passarás a ser membro de pleno direito da nossa Tabanca Grande... E já agora, manda-nos uma estória (ou mais, as que quiseres) sobre o teu tempo de Guiné e sobre os teus fuzileiros... A actividade dos fuzileiros tem sido muito pouco abordada no nosso blogue... 
Fica bem. 

Aquele abraço. 
Luís

Guiné 63/74 - P2531: Ser solidário (4): Coimbra encaixotou o maior contentor de apoio humanitário à Guiné-Bissau





1. Transcrição da notícia de João Henriques no Diário de Coimbra de 10 de Fevereiro de 2008, com a devida vénia

Coimbra encaixotou "maior contentor" de apoio humanitário à Guiné-Bissau

O maior contentor de apoio humanitário à Guiné-Bissau vai chegar este mês a África.

Ontem, cerca de 20 voluntários arrumaram os mais de dois mil caixotes recolhidos. Os donativos vão ser entregues, pela Associação Humanitária Memória e Gentes, às instituições e escolas mais carenciadas.

Lá em cima, bem no alto, o sol brilhava intensamente. O dia era de Primavera antecipada. O calor fazia-se sentir e o suor escorria-lhes pela cara abaixo. Bastavam alguns (poucos) minutos a conviver com os raios do astro-rei para se sentir o termómetro a subir. Não havia dúvidas de que o dia estava convidativo para um passeio, de preferência à beira mar ou à beira rio, consoante as preferências.

Mas houve quem tivesse estabelecido outro programa para o dia de ontem.
O encontro estava marcado para o Estádio Municipal Sérgio Conceição, em Taveiro. Não! O objectivo não era assistir a um qualquer jogo de futebol.
A missão era outra. Muito mais trabalhosa, mas, em simultâneo, mais recompensadora para a alma. O sol, o tal que brilhava ontem a grande altura, também vai aparecer na Guiné-Bissau.

Vai demorar mais alguns dias. Apenas o tempo de fazer chegar a África o contentor carregado de coisas boas. O brilho vai, de certeza, estender-se às crianças, arrastando, sem dificuldade, muitos adultos. A felicidade vai invadir-lhe os rostos. Pode ser por pouco tempo, mas nunca mais se vão esquecer. As lágrimas, de felicidade, também vão cair. Para quem quase nada tem, qualquer ajuda significa o renascer. Um amanhã melhor.

Por baixo da bancada do Estádio Municipal Sérgio Conceição, as caixas amontoavam-se numa espécie de armazém improvisado. Estavam todas numeradas e devidamente identificadas por categorias. Material escolar, roupas, bens de saúde. Havia de tudo um pouco. Feitas as contas eram mais de duas mil embalagens. A chegar, estava um camião do Porto. Lá dentro, mais uma série de material já encaixotado.

Os carregadores voluntários foram chegando. Eram cerca de duas dezenas. Todos com a vontade de contribuir para, o mais depressa possível, esgotarem o espaço disponível no contentor. Inicialmente, era para ter 20 toneladas. Revelou-se pouco espaçoso face aos donativos amealhados. Teve de se arranjar um com o dobro do tamanho.
Dentro de 12 dias vai chegar à Guiné-Bissau.

O contentor segue por via marítima. Na Guiné-Bissau, vai ser descarregado na cooperação portuguesa. Por terra, três carrinhas e cinco jipes também vão partir.

Na expedição humanitária, organizada pela Associação Humanitária Memória e Gentes, vão 26 pessoas.
São 12 de Coimbra e 14 do Porto. Ainda há duas vagas.
Durante oito, nove dias passam por Portugal, Espanha, Marrocos, Saara Ocidental, Mauritânia, Senegal e Guiné-Bissau.
A entrada no continente africano vai ser por Tânger.

Expedicionários partem dia 21

Os expedicionários, cada um paga a viagem do seu bolso, arrancam no próximo dia 21. A saída está agendada para as 9h00, do Largo da Portagem, em Coimbra. Conimbricenses e portuenses saem juntos rumo a Tenerife. Pela frente, vão ter «duros e cansativos» cinco mil quilómetros. Alguns de estradas boas, outros (muitos) de caminhos ruins a que se pode chamar tudo menos estrada.

A campanha de recolha de bens começou em Janeiro e terminou anteontem. Agora, vão ser entregues às instituições e escolas mais carenciadas da Guiné-Bissau. Uma entrega que se pretende «controlada». A outra parte será distribuída, directamente, pelos expedicionários em escolas do interior, regiões privilegiadas, tendo em conta o risco de na capital, Bissau, entrarem no "mercado negro".
«O maior contentor de apoio humanitário à Guiné-Bissau» já está em marcha.

Muitos e essenciais bens

A operação logística de ontem permitiu ficar a saber que, no contentor, seguem, entre outras coisas, cadeiras de rodas, canadianas, material escolar, livros, roupa para todas as idades e bens de saúde. Tudo recolhido em apenas três semanas. A Associação Humanitária Memória e Gentes garante tratar-se do «maior contentor de apoio humanitário à Guiné-Bissau».

Fernando Ferreira, membro da associação, explicou que «a distância da viagem e as elevadas temperaturas» são dificuldades a enfrentar pelos expedicionários. Antes, ainda em Portugal, já superaram outras adversidades. Todos os dias à noite se reuniam no Estádio Municipal Sérgio Conceição para organizar as caixas. O extraordinário volume de donativos recolhidos ultrapassou as melhores expectativas da organização.
«Foi largamente ultrapassado, tendo mesmo forçado a alterar, para o dobro, o tamanho do contentor», observou José Moreira, presidente da associação e antigo combatente na Guiné em 1966 e 1967.

Apoiados a todos os níveis

Para tornar possível uma missão deste género é necessário recorrer a várias sinergias.
O contentor foi cedido pela Portline, empresa que centra a sua actividade no transporte marítimo e que vai colocar o material a custo zero na Guiné-Bissau.
A Câmara Municipal de Coimbra, o Governo Civil de Coimbra e a Junta de Freguesia de Taveiro também apoiaram a Associação Humanitária Memória e Gentes.
Além da recolha de material, contribuíram, ainda, com a oferta de bens diversos.
Os agradecimentos estendem-se à Alfândega da Figueira da Foz, assim como à Associação de Deficientes das Forças Armadas de Coimbra. Várias empresas, entre as quais a Âmbar, Águas do Luso, Babou e o livreiro José de Almeida Gomes e Filhos, Lda, engrossam a lista de «grandes apoios».
A Liga dos Combatentes tem um protocolo de missão conjunta com a associação, que tem como objectivo ajudar não só a Guiné-Bissau, mas todos os PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa).

O Ministério dos Negócios Estrangeiros presta apoio ao nível do contacto com as embaixadas, uma vez que a expedição vai passar por países em risco.
A Associação Humanitária Memória e Gentes, que não esquece os particulares que ofereceram diversos bens essenciais, colabora com a Associação Saúde em Português, transportando material a pedido desta organização não governamental.

João Henriques
______________

Notas dos editores:

(1) Vd. posts da série, de:

21 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2466: Ser Solidário (1): Pe. Almiro Mendes, Pároco da freguesia de Ramalde, Porto, partiu hoje de jipe, para a Guiné-Bissau

24 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2476: Ser solidário (2): Notícias do Almiro Mendes e do Xico Allen na rota do Dakar, a caminho de Bissau (Álvaro Basto)

28 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2488: Ser solidário (3): Notícias do Pe. Almiro Mendes e do Xico Allen na rota do Dakar, a caminho de Bissau (Álvaro Basto)

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2530: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (18): Meios de pagamento, câmbios, telemóveis, Net e saúde (Pepito)


Guiné-Bissau > Bissau > Bissalanca > Abril de 2006 > Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira (um dos históricos dirigentes do PAIGC, morto durante a guerra de libertação)

Foto: © Hugo Costa (2006). Direitos reservados.


Guiné > PAIGC > "Grupo de dirigentes do PAIGC distinguindo-se Mussa Fati, Francisco Mendes, Lay Seck, Amílcar Cabral, Constantino Teixeira, Osvaldo Vieira e Bobo Keita"...
Guiné > PAIGC > "Grupo de dirigentes da luta, distinguindo-se Amílcar Cabral, João Bernardo Vieira (Nino), Osvaldo Vieira, Constantino Teixeira e Domingos Ramos"

Fotos e legendas: Documentos Amílcar Cabral/ Fundação Mário Soares (com a devida vénia...).



1. Mensagem do Pepito, em resposta a pedidos de esclarecimento do editor do blogue, sobre a estadia em Bissau:

Luís

Aqui seguem algumas das informações que pediste e que julgo poderem responder às duvidas existentes. Seria bom que todos os participantes nos pedissem informações práticas deste tipo, pois muitas vezes não nos apercebemos das dúvidas a esclarecer.
abraço

pepito


2. Guileje: Simpósio Internacional > À atenção dos participantes que vêm do Exterior


Mais informações úteis para todos os participantes que vêm da Europa (1):

Meios de pagamento:

Em Bissau só existe uma caixa multibanco, recentemente inaugurada, e que só serve para levantar dinheiro dos clientes que tenham uma conta nesse Banco (BAO).

Aconselham-se os participantes que o pretendam, a trazer consigo dinheiro líquido, euros de preferência.

Câmbios:

Aconselha-se que a troca de euros por CFA (moeda nacional) se faça em casas de câmbio onde a taxa de conversão é de 1 euro por 650 CFA (a taxa oficial é de 655 CFA). Cambiar na rua não é recomendável, uma vez que se corre o risco de receber notas falsas.

Telemóveis:

Quem trouxer o seu telemóvel, deve primeiro desbloqueá-lo para poder comprar em Bissau um número das duas redes funcionais que operam, a MTN e a Orange. O custo de cada número é de 1.000 CFA, para qualquer delas. Ambas têm acesso internacional directo.

Para quem quiser comprar localmente um telemóvel da rede Orange, o mesmo custa 35.000 CFA para um conjunto de 2 telemóveis. No entanto, através da organização do Simpósio pode-se comprar cada um a 7.500 CFA [,cerca de 11,5 euros].


Internet:


Há vários cibercafés espalhados pela cidade. Para quem ficar instalado no Hotel Azalai (antiga messe dos oficiais), local onde irão residir todos os oradores do Simpósio, o acesso à Internet é gratuito.

Saúde:

Embora ainda não seja a grande época dos mosquitos, é sempre conveniente trazer um repelente e um pequeno saco de medicamentos com o essencial (eventual diarreia ou dor de cabeça). Convém só beber água engarrafada.

Temperatura:

A época do calor veio mais cedo este ano. Deve-se trazer a roupa mais ligeira e fresca.

____________

Nota dos editores:

(1) Vd. último poste desta série: 10 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2522: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (17): Notícias do Nuno Rubim e do Xico Allen (Pepito)

Guiné 63/74 - P2529: PAIGC: Emboscada a forças do BCAÇ 2912, na estrada Galomaro-Bangacia (Duas Fontes), em 1 de Outubro de 1970 (Luís Graça)

Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 / BCAÇ 2912 (1970/72) > Em 1 de Outubro de 1970, duas secções da CCS do BCAÇ 2912, sediado em Bafatá, reforçadas por uma secção da CCAÇ 2700, sofreram uma violenta emboscada, na estrada Galomaro-Duas Fontes (Bangacia), de que resultaram 5 mortos, dos quais dois eram da CCAÇ 2700: Sold José Guedes Monteiro, natural de Marco de Canaveses, e 1º Cabo Rogério António Soares, natural de Nelas. Na foto, alinham-se os caixões que hão-de levar os restos mortais das vítimas...

Ficaram ecos desta terrível emboscada na memória dos vindouros. Leia-se por exemplo este excerto de um recente poste do nosso camarada Juvenal Amado (CCS/BCAÇ 3873, Galomaro, 1972/74)

"Duas Fontes: local onde abastecíamos de água perto de Bangacia. Era um local que inspirava confiança, mas não podemos esquecer que essa mesma confiança custou a vida a seis camaradas do Batalhão antigo [, BCAÇ 2912, 1970/72,]que ali foram emboscados.

Bangacia foi também destruída por um ataque durante a nossa comissão. Nós reconstruímos a povoação com ordenamento tipo Baixa Pombalina, com escola, posto médico e o PAIGC nunca mais atacou. Deve ter considerado que era uma coisa boa a manter para quando a paz chegasse. E tinham toda a razão".


Foto do álbum de fotografias do Américo Estanqueiro, com a devida vénia ao autor e à editora, a Fundação Mário Soares (*).

Fonte: Américo Estanqueiro (2007) / Fundação Mário Soares

Guiné > PAIGC > Comando da Frente Bafatá > Gabu Sul > 1971 > Comunicado, assinado por Constantino dos Santos Teixeira (Tchutchu), sobre os resultados da emboscada montada pela guerrailha a forças do BCAÇ 2912, na estrada Galomaro - Bangacia (ou Duas Fontes), em 1 de Outubro de 1971.

Cópia de documento do Arquivo de Amílcar Cabral / Fundação Mário Soares, reproduzido, na página 67, no catálogo da exposição de fotografia do Américo Estanqueiro (*). É um notável documento, objectivo, sucinto, escrito em português (quase perfeito), e revelador dos valores, da organização e da disciplina (revolucionária) dos combatentes do PAIGC...

Reprodução do documento (LG):

Comando Frente Bafatá. Gabu Sul, 7/10/71

Comunicado

Dia 10/1/71, os nossos combatentes numa emboscada feita na estrada Galomaro-Bangacia conseguiram destruiram dois camiões militar[es], maioria dos ocupantes liquidados; deixaram no terreno 6 mortos confirmado[s] pelo nosso c/ [camarada ou comandante ?], e apanharam 5 espingardas G-3 e alguns carregadores da mesma arma, e apanharam 2 relógios, (302$50) trezentos e dois escudos e cinquenta centavos e nove (9) vacas onde mandaram 5 para Quembera [ou Kambera] **, e ficaram com 4 no interior do país.

O c/ [comarada ou comandante ?] Paulo Maló (***) mandou-me dizer para pedir à direcção do Partido, para que o c/ [camarada ou comandante ?], M’ Font Tchuda (?) N’ Lona estava sem relógio[;], resolveram deixá-lo com um dos dois relógios apanhados durante a acção. Também trouxeram um prisioneiro, ele encontra-se con[n]osco.

Durante a operação tivemos dois feridos não grave[s], são eles Canseira Sambu, N’ Dankena (?) N’Hada.

Segue[m] com o portador as 5 espingradas G-3 apanhadas ao inimigo, e os outros objectos.

Saudações combativa[s].

Constantino dos Santos Teixeira (Tchutchu)



Guiné > PAIGC > Fevereiro de 1968 > Constantino dos Santos Teixeira, Tchutchu, um comandante que se distinguiu na Frente Sul, mas que em finais de 1971 liderava a Frente Bafatá / Gabu Sul. Foto: John Sheppard & Granada TV, in Liberation of Guine, Basil Davidson. Acedido em: A Brief History of PAIGC (com a devida vénia...). Foi primeiro ministro (ou ministro, não sei ao certo) da nova república, por um curto período de três meses, em 1978. (LG)

Guiné > Bissau > 1960 > "O 1º Curso de Sargentos Milicianos foi uma alfobre de quadros para o PAIGC... Alguns dos outros [, além do Domingos Ramos, ] que foram meus camaradas na recruta. De poucos nomes me recordo mas muitos também foram guerrilheiros. Dos dois que estão mais altos, o da direita é o Constantino [dos Santos] Teixeira, mais conhecido por Chucho [ou Tchutchu] ou Axon, que foi igualmente figura importante do PAIGC. Chegou a ser ministro da segurança interna, salvo erro, no tempo imediatamente a seguir à independência. Apareceu, algum tempo depois, morto dentro do carro numa rua de Bissau. Daquele gordinho de óculos escuros que está com a mão no bolso da camisa, só me recordo da sua alcunha que era Diblondi. O porquê de tal alcunha, não sei. Peço desculpa por omitir tantos nomes, embora me lembre das pessoas. Nunca tive o cuidado de ir anotando os acontecimentos nem de escrever no verso das fotos os nomes das pessoas. Péssimo hábito de que agora me arrependo. " (...) (****).

Foto e legenda: © Mário Dias (2006). Direitos reservados.

__________

Notas de L.G.:


Catálogo da exposição fotográfica de Américo Estanqueiro, ex-Fur Mil da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72).

Vd. postes de 12 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2260: Álbum das Glórias (33): Inauguração da exposição de fotografia do Américo Estanqueiro, hoje, na Fundação Mário Soares

Sobre a CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72), vd os seguintes postes:

22 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1541: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (1): Introdução: a 'nossa Guiné'

26 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1550: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (2): A nossa gente

15 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1595: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (3): minas, tornados, emboscadas, flagelações e acção... psicossocial

(...) Na noite de 1 de Outubro, quando 2 secções da CCS [do BBCAÇ 2912] executavam um patrulhamento nas Duas Fontes, foram emboscadas por um grupo inimigo estimado em 50 homens, causando 5 mortos às nossas tropas. Dois destes, pertenciam à nossa Companhia e estavam destacados no Batalhão [, sedeado em Galomaro]. Eram o Rogério António Soares e o José Guedes Monteiro. (...)

11 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1651: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (4): Historietas

30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1796: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (5): A(s) alegria(s) do(s) reencontro(s)

(**) É bem possível que seja o Paulo Malú, hoje coronel, e quadro superior das alfândegas, em Bissau; na altura elere era o comandante ou chefe do bigrupo que emboscou, no Quirafo, forças da CART 3490 (Saltinho, 1972/74), causando mais de duas dezenas de mortos e um prisioneiro (o nosso António da Silva Batista, só libertado em depois do 25 de Abril de 1974)

Vd. poste de 12 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1947: O Coronel Paulo Malu, ex-comandante do PAIGC, fala-nos da terrível emboscada do Quirafo (Pepito / Paulo Santiago).

Sobre a tragédia do Quirafo, vd. também os seguintes postes de:

21 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)

17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1962: Blogoterapia (25): Os Quirafos do nosso Passado (Torcato Mendonça / Virgínio Briote)

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago

26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)


25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)


Guiné- Bissau > Instalações da AD - Acção para o Desenvolvimento > Julho de 2007 > O Paulo Malu, antigo comandante do PAIGC, hoje coronel, e quadro superior da Direcção-Geral de Alfândegas. Foi ele que comandou, em 17 de Abril de 1972, o bigrupo (?) que montou e executou a terrível emboscada contra os militares da CART 3490 (Saltinho, 1972/74) que escoltavam um grupo de civis afectos à construção de uma estrada (Quirafo-Foz do Cantoro).

Foto: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007)

(***) Campo de Instrução e Preparação Militar de Kambera, do PAIGC, na República da Guiné-Conacri

(****) Vd. poste de 1 Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCI: Domingos Ramos, meu camarada e amigo (Mário Dias)

Guiné 63/74 - P2528: O papel do Movimento Nacional Feminino (1): Mais meritório no apoio às famílias dos soldados (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso querido amigo e camarada Joaquim Mexia Alves (Monte Real, Leiria), que foi Alf Mil Op Esp, Guiné, Dez 1971 / Dez 1973, CART 3492 (Xitole), Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e CCAÇ 15 (Mansoa):


Caros Luís Graça, Carlos Vinhal, Virginio Briote, camaradas e amigos :


Tenho lido os diversos textos sobre o MNF e, porque vivi essa realidade de muito perto, aqui estou a dar a minha opinião.

Muitas vezes tomamos a parte pelo todo e acabamos por colocar em causa acções e atitudes meritórias, por causa de sentimentos que vão para além do que é preciso apreciar, mormente sentimentos políticos e outros que nos acontecem dadas as situações que vivemos.

(i) A minhã mãe foi dirigente regional do MNF


Isto para dizer, em relação ao MNF, que, retirando a parte de exposição pública de algumas senhoras, que apesar disso não deixam de ter o seu mérito, este organismo teve acção muito meritória durante a guerra, muito mais, a meu ver, junto das famílias que junto dos militares em África.

Minha mãe foi presidente do MNF no distrito de Leiria e eu sei bem as horas que ela dedicou, exaustivamente, àquela causa, bem como todas as senhoras que a acompanhavam, sobretudo junto das famílias com mais dificuldades, e como eram apreciados esses gestos.

Se havia gente que não gostava e dizia mal, com certeza, mas por cada um desses posso encontrar dois a dizerem o contrário.

Logicamente que as senhoras envolvidas, tinham algumas delas a ver com o regime então vigente, até porque se assim não fosse não seria possível levarem a cabo tais actividades.

Mas quero salientar, com conhecimento de causa, que se havia senhoras da sociedade, também as havia de todos os estratos sociais, que trabalhavam abnegadamente pelos militares e suas famílias.

Quanto ao modo como algumas senhoras se apresentavam junto dos soldados, deixem-me dizer, por experiência própria, que ainda bem que iam bem arranjadas e ataviadas, pois que de coisas feias e sem jeito já estávamos nós fartos, não me referindo obviamente às lindíssimas bajudas que havia na Guiné.

Reparo muitas vezes em acções que fazemos junto das prisões, sem-abrigo, toxicodependentes (sem fazer comparações com o que, ou quem está aqui em causa) como eles reparam no modo como tanto nós homens, como as mulheres, vamos vestidos e arranjados, num sentimento, julgo eu, que tem a ver com o sentirem que nos preocupamos com eles e lhes damos importância.

(ii) Madrinhas de guerra: também fizeram bem a muita malta


Quanto às madrinhas de guerra, se foi ou não uma reposição de uma figura que já tinha existido, não estou a ver qual é o problema, nem encontro em lado nenhum a afirmação de que foi uma invenção do MNF.

Se as madrinhas de guerra serviram para alguma coisa ou não, é uma discussão vasta e que me parece terá sempre uma conclusão: serviu a uns, a outros não!

Foi tudo bom? Com certeza que não, mas que ajudaram muita gente e que muitas dessas senhoras, talvez a maioria, trabalhou dedicadamente para amenizar os efeitos da guerra junto dos soldados e suas famílias, disso não há, julgo eu, a mínima dúvida.


(iii) 3º Encontro Nacional da nossa Tabanca Grande, em 2008


Estou a tratar do almoço do 3º Encontro Nacional da mal do blogue]! Tens algumas datas que sejam mais acertadas?

Vou fazer todos os possíveis para estar na apresentação do livro do Beja Santos, que aliás me toca pessoalmente, não só por participação fotográfica, segundo o que revelaste, mas também e sobretudo pelo Pel Caç Nat 52

Abraço camarigo


Joaquim Mexia Alves

2. Comentário de L.G.:

Como vês, meu caro Mexia Alves, já temos distanciamento, serenidade e maturidade suficientes para abordar e discutir, enre camaradas, alguns das nossas questões ditas fracturantes... Obrigado pelo teu testemunho, que é importante, a par da investigação (historiográfica, séria, metodologicamente sustentada...) que se vai fazendo sobre uma parte da história do Séc. XX de que fomos protagonistas... Por sobre o lastro das paixões e dos parti-pris político-ideológicos, ouçamos também os nossos investigadores... Mas o nosso papel aqui é dar voz a quem viveu os acontecimentos, tanto na frente como na rectaguarda da guerra colonial / guerra do Ultramar...

Quanto ao encontro, vamos deixar passar este mês... Vamos pôr isso na nossa agenda... Claro que serás bem vindo ao encontro da minitertúlia de Lisboa, por ocasíão do lançamento do livro do Beja Santos e nosso livro, no próximo dia 6 de Março. E espero que possas vir e até trazer a tua viola... Até por que há ainda uma Fado da Guiné para lançar em estreia... mundial. Vamos ouvir um bocadinho do ensaio ?

Fado da Guiné > Vídeo: 2 m e 19 s > Alojado no You Tube > Nhabijoes > Letra do Joaquim Mexias Alves. Música: Pedro Rodrigues (Fado Primavera) (com a devida vénia).
Vídeo: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

Guiné 63/74 - P2527: Estórias de Mansambo I (Torcato Mendonça, CART 2339) (11): Na Bor, Rio Geba abaixo, com o Alferes Carvalho num caixão de pinho...

Guiné >Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça (Alentejano, vive hoje no Fundão).

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > c. 1969 > O cais do Xime, no Rio Geba, por onde passavam milhares de homens e toneladas de material para os aquartelamentos do chão fula, Bafatá e Gabu.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Rio Geba nas proximidades do Xime


Guiné > Bissau > Cais > c. 1969 > Cais onde acostavam os navios da Marinha: neste caso, vê-se em primeiro plano a LDG 105 que ia frequentemente ao Xime, transportando homens e materiais para a zona leste.

Fotos: © Torcato Mendonça (2006). Direitos reservados.


Guiné > Rio Geba > A caminho de Bissau > 1968 ou 1969 > O Fur Mil Carlos Marques dos Santos, da CART 2339, Mansambo, 1968/69, num dos típicos barcos civis de transporte de pessoal e de mercadoria. Estes barcos (alguns ligados a empresas comerciais, como a Casa Gouveia, que pertencia ao Grupo CUF) tinha, como principal cliente a Manutenção Militar.

Foto: © Carlos Marques dos Santos (2006). Direitos reservados.

Estórias de Mansambo > O Último Encontro com o Alferes Carvalho, a bordo da BOR, Rio Geba abaixo (1)

Zape, zape, zape, num barulho sincronizado das pás e do motor do barco, Geba abaixo, até Bissau. Encostado à carga, cigarro na boca, mão no bolso afagando nervosamente a pistola, a tristeza do momento a apertar o peito. Branco e negro, vida e morte, a louca dicotomia do matar ou morrer numa guerra que não era a dele, nem fora do outro, seu camarada, agora ali deitado, em urna de chumbo coberta a madeira de bissilom ou pinho.

Tudo começou num Janeiro frio. Tentou recordar: o pensamento viajou até Vendas Novas, no Alentejo distante. No início desse mês, os Cadetes apresentaram-se em Vendas Novas, na Escola Prática de Artilharia, para tirarem a Especialidade de Atirador.

O primeiro dia de instrução trouxe uma série de surpresas: testes físicos, ausência de refeições – excepto uma carcaça e um tubo de leite condensado – , formação dos Cadetes, em equipas de cinco militares à sua escolha. A dele era formada pelo Carvalho, Sales, ele (Torcato), Zé Almodôvar e Fernandes.

O porquê, de um comportamento assim, devia-se ao Comandante da Instrução ser Capitão Comando. Assim sendo, tiveram uma instrução dura, com demasiados saltos e cambalhotas, ausência de horários e várias formas de os tentar endurecer ou melhor preparar para a guerra no Ultramar.

Terminada a instrução, os agora aspirantes espalharam-se pelos vários Quartéis. Passou o tempo e como era normal foram mobilizados. Encontraram-se novamente uns em Lamego, outros em Tancos. Nova instrução recebida pela maioria. No fim desta, voltaram aos quartéis da mobilização, formaram e prepararam Companhias para combater numa qualquer parcela do Império.

O Carvalho, o Almodôvar e ele juntaram-se em Évora. O primeiro na CART 2338, os outros dois na CART 2339. Como eram rapazes com sorte apontaram-lhes o caminho da Guiné. Foi ele e o Carvalho. O Almodôvar estoirou um pé e foi meses depois(2).

Fizeram operações juntos – Galo Corubal, Enxalé (Sinchã Camisa, Madina, Belel), zona de Nova Lamego (Canjadude) e outras. A amizade, fruto da convivência vinda desde Vendas Novas, era forte. Separaram-se. Ele ficou em na CART 2339. O Carvalho foi para Nova Lamego, com a CART 2338.

Um dia, as más notícias correm céleres, soube-se: vítima de mina antipessoal faleceu o Alferes Carvalho. Na malfadada estrada para Madina do Boé ficava o amigo. Menos de três meses após a chegada àquela terra. Soube agora no Blogue a data esquecida, 17 de Abril [ de 1968] e o local onde hoje repousa (2).

Mais um nome, a juntar a tantos vitimados naquela estrada. Toda a Companhia sentiu aquela morte. A primeira sofrida pelas duas Companhias gémeas.

Voltaram-se a encontrar-se, como e porquê? Por acaso ou porque se deviam despedir ainda. Tinha que ir a Bissau, ao Hospital Militar. A curiosidade e não só levou-o a fazer a viagem na BOR – um barco com pás na proa, verde-claro, e que se habituara a ver passar nas seguranças a Mato Cão.

Naquele dia, como era normal, transportava africanos, fazendo o barulho habitual com os seus risos e alegres conversas, vacas, galinhas e carga diversa. Tudo desorganizado, ao monte, pois só assim devia funcionar. Ele ia de camuflado, galões no bolso, olhar atento. Escolheu o local para a longa viagem, junto a uma parte de carga mais baixa, mas de modo a observar bem e a ter protecção nas costas. Pôs o saco no chão e antes de se sentar, levantou o oleado que cobria a carga. A visão fê-lo dar um passo atrás – caixões. Viu as placas e leu numa delas: Rogério Nunes de Carvalho, Alferes

O choque, o aperto no peito, a tristeza e raiva a subirem, o conflito interior, o desejo de nada ver. Acendeu um cigarro, ajeitou o saco com o pé, sentiu as granadas no bolso e nervosamente acariciou a pistola. A algazarra a diluir-se, o barulho do motor, o zape zape das pás, iam os dois, naquele barco, Geba abaixo. O pensamento, vagueou por tanto tempo que só se lembra da zona onde o Corubal entra no Geba. Mesmo aí porque um africano lhe disse algo e o tocou. Talvez pelo seu olhar, pela sua reacção, o homem recuou. Apercebeu-se disso e tentou sorrir-lhe. Mais um esgar que um sorriso. Foi o suficiente para sentir que o olhavam intrigados, talvez pensando: mais um soldado lixado com esta vida.

Despertou e olhou com mais atenção aquela gente. Quantos informadores iam ali, quantos agentes do inimigo ou mesmo combatentes? A viagem foi lenta, aborrecida. De quando em vez um gole no cantil, uma trinca num chocolate e outro cigarro acesso. Zape, zape, zape…

Finalmente o barulho aumenta, as gentes mexem-se e puxam as bagagens. Bissau está à vista. Levanta-se, arruma o cantil e outro material no saco, tira os galões do bolso e coloca-os no lugar. Destapa a urna, põe a mão sobre ela – adeus camarada. Tapa-o, ergue-se e faz-lhe continência. Sente o olhar daquela gente para o soldado, ora alferes. Olha-os. Talvez tenha tentado sorrir. Certamente a emoção não o deixou. Saltou para o cais e rumou a Santa Luzia.
- Adeus camarada. Hoje sei onde estás. Um dia vou ver-te a Pêga, Guarda e voltarei a encontrar-te. Desta vez sem zape, zape e menos ainda saudações militares.

Falamos em encontros. Conto-te mais um, mas diferente…
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Notas de L.G.:

(1) Vd. postes anteriors desta série:

14 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1594: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A dança dos capitães

16 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1666: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (2/3): O Zé e o postal da tropa

25 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1785: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 239) (4): Burontoni, mito ou realidade ?

27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1892: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): O Casadinho e o Bessa, os mortos do meu Gr Comb, os meus mortos

7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1929: Estórias de Mansambo (6): Matilde

17 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2055: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça) (7): Eleições à vista...

21 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2122: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça) (8): Marcha, olha para mim, com ódio, peito erguido, cabeça levantada...

28 de Setembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2139: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Amigos mais velhos

15 de Dezembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2353: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (10): Devolvam o bode ao dono... e às cabras de Fá Mandinga, terra de Cabrais

(2) Vd. poste de 14 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)

(3) Vd. poste de 15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

(...) Companhia de Artilharia 2338

Rogério Nunes de Carvalho, Alferes Miliciano de Artilharia, natural de Pêga / Guarda, inumado no cemitério de Pêga, tombou vítima do rebentamento de uma mina antipessoal na estrada do Cheche a Canjadude, em 17 de Abril de 1968; (...)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2526: Memórias de Mansabá (8): O ataque ao Quartel no dia 12NOV70 (Inácio Silva)

Foto 1> Inácio Silva no abrigo da Mancarra com a sua Breda.


O nosso camarada Inácio Silva (ex-1.º Cabo Apontador de Metralhadora da CART 2732, Mansabá, 1970/72) relata, na primeira pessoa, um ataque ao aquartelamento, dos muitos que ocorreram durante os 22 meses de permanência nesta localidade da região do Oio, muito perto do Morés.

Não se pense que estas flagelações aconteciam porque a CART 2732 se limitava à sua função de força de quadrícula. A História da Unidade enumera as muitas Operações em que a Companhia madeirense participou, enquanto adstrita ao BCAÇ 2885 (até 11 de Novembro de 1970) e como força integrante do COP 6, activado e sediado em Mansabá. Foram inúmeras as colunas auto efectuadas para Mansoa e Farim, emboscadas nocturnas, patrulhamentos e participação na segurança próxima e afastada aos trabalhos de alcatroamento da estrada Bironque-K3.


Foto 2> Guiné> Mansabá, 11 de Outubro de 1970> Cerimónia oficial em memória do Alf Mil Couto, vítima mortal de uma mina AP em 6 de Outubro de 1970. No dia 5 de Outubro o aquartelamento tinha sido atacado.


CART 2732 (1)
Descrição de um ataque ao Quartel de Mansabá, de entre muitos


Por Inácio Silva

Durante os 23 meses de permanência em Mansabá, todos os dias, a qualquer hora, era possível verificar-se um confronto, repentino e inesperado, entre as forças do PAIGC e as nossas tropas, onde quer que elas estivessem: fosse numa operação militar programada, numa batida de zona, numa saída para o mato, à noite, numa coluna militar ou quando estivéssemos no quartel, acordados ou a dormir. Fosse, ainda, com a colocação de minas antipessoais ou anticarro, nos trilhos ou estradas por onde haveríamos de passar.

Foto 3> Mansabá 12 de Novembro de 1970> Estado em que ficou a Enfermaria.

Foram setecentos dias, dezasseis mil e oitocentas horas de permanente e absoluto alerta, com os olhos e ouvidos bem abertos, tentando perscrutar um movimento suspeito, um barulho, um estrondo, numa vasta área de mato, floresta e bolanha, em todo o perímetro do Quartel.

Diga-se, em abono da verdade, que a iniciativa dos ataques, partia, geralmente, dos homens do PAIGC, já que as tropas portuguesas estavam sediadas nos quartéis, cujas localizações eram suas, sobejamente, conhecidas, sendo, portanto, relativamente fácil localizá-las e desencadearem ataques às nossas guarnições.

A nós competia ocupar o território e defender as populações e as autoridades administrativas. Ao PAIGC competia marcar a sua presença em todo o território da Guiné, exercendo a guerrilha, lançando ofensivas, sem data nem hora marcadas, tentando causar baixas nas tropas portuguesas, com o objectivo de as desgastar e desmoralizar.

Num desses dias de 1970 (12 de Novembro), pelas 19H30, eu e alguns camaradas, após o jantar, já noite escura, temperatura amena, subimos, como habitualmente, para a cobertura do abrigo designado por Mancarra, para passar o tempo, o mais descontraidamente possível, até que o sono chegasse, estabelecendo, entre nós, diálogos aleatórios ao sabor de temas, ao acaso.

A minha maior preocupação eram os mosquitos que me rodeavam insistentemente, que se atiravam a mim como gato a bofe, não parando de me autoflagelar com palmadas para evitar que me picassem, a maior parte das vezes, em vão.

Sem conseguirmos ver nada que estivesse para além da periferia do quartel, a vinte metros de nós, cercada de arame farpado e iluminada pela energia produzida por um gerador, alimentado a gasóleo, cujo barulho era audível no local, de repente, a iluminação apagou-se. Tratava-se, sabíamos nós, de um procedimento habitual, pois era necessário fazer descansar aquele gerador e colocar outro em funcionamento.

Já não me lembro durante quantos segundos é que estivemos às escuras; penso que não terá ido além dos 30 ou 40 segundos. Nesse hiato decidi, sem nenhuma razão aparente, vociferar impropérios, na direcção do fosso negro, de nossos pés, até à mata.

O som das nossas vozes emitido, em absoluto silêncio nocturno, era perfeitamente audível a algumas centenas de metros. Fui acompanhado por outros camaradas, na mesma ladaínha: - Está na hora, seus filhos da p..., ataquem agora, aproveitem, seus cobardes.

Estas frases iam sendo repetidas, enquanto se vivia aquele momento de absoluta escuridão.

Foto 4> Alguns dos camaradas presentes nesta foto dormiam no abrigo da Mancarra, localizado nas suas costas. Inácio Silva sentado e encostado ao mini monumento que os defendeu dos estilhaços dos morteiros. A seta indica o sítio onde estavam quando começou o ataque.


Ainda estávamos naquele exercício provocatório, quando, inesperadamente, rompeu da escuridão, na nossa direcção, uma rajada de Kalashnikov (PPSH), conhecida por costureirinha pelo som característico, estridente que provocava, dando uma sensação de proximidade, seguida de lançamento de granadas de morteiro.

De imediato, saltámos da cobertura do abrigo, para o solo, tendo caído, nesse momento, três granadas de morteiro, perto de nós. A sorte esteve connosco, uma vez que as granadas caíram e rebentaram por detrás de um pequeno monumento, erigido pelos camaradas da Companhia que ali estivera antes de nós, a CCAÇ 2403, protegendo-nos.


Foto 5> Os círculos indicam os buracos feitos pelas três granadas de morteiro que marcaram o início do ataque.


Num ápice, o potencial de fogo por parte do PAIGC, originário de uma larga zona, em meia-lua, desde a pista de aviação, em terra batida, até ao abrigo da Mancarra, aumentou, atingindo várias zonas do quartel. Era possível ouvirem-se tiros de espingarda, de metralhadoras, e rebentamentos de granadas de morteiro, de RPG2 e de canhão sem recuo...

Percebi, logo, que estávamos em presença de uma grande operação militar do PAIGC que, das duas uma: ou respondíamos de imediato e com os todos os meios ao nosso alcance, ou poderíamos assistir a uma invasão das nossas instalações, com todas as consequências desastrosas que isso implicava.

Cada um dos camaradas que ali se encontravam, se dirigiu para o seu posto de combate e de defesa das instalações. Todos os postos avançados começaram a reagir àquele incessante matraquear mortífero: as nossas, espingardas G3, metralhadoras pesadas, metralhadoras ligeiras, morteiros 81mm e os obuses, em uníssono, desempenharam um papel absolutamente imprescindível na nossa defesa e foram, sem qualquer espécie de dúvida, a nossa salvação.

No referido abrigo da Mancarra, a meu cargo, estava uma metralhadora pesada BREDA, alimentada por lâminas de vinte balas de 8x59mm, mal posicionada em relação à frente de fogo inimiga. Havia que a deslocar para a posição correcta, sendo necessário dois militares para o efeito. Porém, o seu municiador, já há alguns dias que estava doente, acamado na enfermaria do quartel e eu encontrava-me, ali, sozinho.

Por segundos, fiquei sem saber o que fazer. A primeira reacção foi rodar a metralhadora, o máximo possível, para a frente de fogo inimiga, dando indicação aos atacantes de que a minha zona estava protegida.

Efectuei vários disparos, lâmina a lâmina, até que a BREDA encravou! Preocupado com a ausência de fogo naquele posto, recolhi todas as espingardas G3 dos camaradas que haviam saído para guarnecer os seus postos de combate e trouxe-as para junto de mim.

Tiro a tiro, fui descarregando as várias G3, mantendo, ali, uma presença de fogo. Ao dar o último tiro, fui confrontado com novo dilema: o que fazer a seguir? Abastecer os carregadores das G3 ou tentar desencravar a metralhadora e mudá-la para a frente de fogo? Qualquer destas tarefas implicaria numa paragem, absolutamente desastrosa, incompatível com a situação que estávamos a viver.

A tremer de medo, por pensar que poderia ser apanhado à mão, pelo inimigo, decidi desmontar a metralhadora. Ainda muito quente devido aos disparos a que foi sujeita, queimei as mãos ao desmontar a parte frontal, onde se encontra o cano e, esforcei-me, sem condições, por levá-la para a melhor frente de fogo. Colocada nova lâmina, lá recomeçou a funcionar. Depois, muitas outras se seguiram. Os meus dedos polegares, de empregado forense, já não conseguiam suportar as dores provocadas pelo trepidar dos disparos. Olhei para eles e vi que estavam duas enormes bolhas de sangue.

Continuei, apesar de tudo...

O meu posto era fixo e estava denunciado. De repente, oiço um assustador estrondo, acompanhado de uma labareda e de uma luz intensa, que me deixa absolutamente atordoado, surdo, a zumbir, parecendo que o couro cabeludo iria saltar. Fico sem reacção. Sinto uma impressão no meu sobreolho direito, passo a mão e o sangue anuncia um ligeiro ferimento. Nada de grave, felizmente. Era mais grave o meu estado de espírito e a minha desorientação devido ao gigantesco estrondo, amplificado pela caixa de ar onde me encontrava! Parecia encontrar-me numa gruta com milhões de morcegos a farfalhar.

Pensei! É agora que vou ser apanhado. Estava só e indefeso. Confiava nos meus camaradas que, algures, estavam a reagir estoicamente àquele gigantesco ataque. Não se ouviam vozes nem gritos, apenas os estrondos das bombas. Parecia ser o apocalipse!

Passaram-se quarenta e cinco longos minutos até voltar o silêncio! Havia que recompor as forças e o estado de espírito. Ver os estragos, abastecermo-nos de munições e preparar as armas para novo eventual tiroteio. Em teoria, ele poderia ocorrer noutra frente, no momento imediato!

Para acalmar, psicologicamente, as nossas tropas, o Comando Geral, enviou um bombardeiro T6, que sobrevoou, algumas vezes, as supostas zonas onde o IN se havia posicionado para atacar, certamente, já em debandada.

No dia seguinte, logo pela manhã, quis saber o que havia causado aquele estrondo que me tinha deixado prostrado. Foi uma granada de RPG, lançada pelos militares do PAIGC, na direcção das chamas da BREDA, que embateu na parede do abrigo, junto ao vértice inferior direito da fresta onde trabalhava a metralhadora, rebentando a cerca de um metro de mim.

Foto 6> É possível ver no círculo, o desbaste da parede efectuado pelo impacto e rebentamento da granada. Foi por um triz que ela não penetrou no abrigo.

Fotos: © Inácio Silva (2008). Direitos reservados

Feito o balanço, verificou-se ter havido um morto e quatro feridos nas tropas portuguesas (milícias locais) e 14 mortos e 45 feridos, na população.
Quanto aos estragos materiais, é de referir a destruição da enfermaria, de uma caserna e de algumas casas da população.

No que a mim diz respeito, trago comigo, até hoje, uma deficiência auditiva provocada pelo referido rebentamento, revelada em todos os exames audiométricos que efectuei (mais de uma dezena), no âmbito da Medicina do Trabalho da minha empresa, caracterizada pela impossibilidade de discernir determinadas gamas de frequência, situação que é totalmente desconhecida das entidades militares, não fazendo, pois, parte das estatísticas.

Pergunta-se, agora, porquê tudo isto?

O ser humano é único: pensa, ama, odeia, ri, chora, raciocina mas, por vezes, lamentavelmente, reage irracionalmente... e a guerra é um acto irracional!

Inácio Rodrigues da Silva
Ex-1.º Cabo de Artilharia
CART 2732 - Mansabá
1970/72
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Notas do autor:

(1) Companhia de Artilharia 2732
Partida do Cais do Funchal: 13 de Abril 1970
Chegada à Guiné: 17 de Abril de 1970
Regresso a Portugal: 19 de Março de 1972
Localização da Companhia: Mansabá, região de Oio
Mortos em combate: 3 (1 alferes e 2 soldados)
Mortos por acidente: 1 soldado
Mortos por doença: 1 soldado

(2) A Região de Oio fica situada no Norte da Guiné-Bissau, fazendo fronteira com as Regiões de Bafatá, Biombo, Cacheu e Quinara. Tem uma superfície de 5.404 Km2, e uma população de 199.046 habitantes.
Os sectores que compõem a Região de Oio são: Bissorã; Farim; Mansabá; Mansoa; Nhacra.
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Notas de CV:

Vd. posts de:

27 de Junho de 2007>
Guiné 63/74 - P1889: Tabanca Grande (20): Inácio Silva, 1.º Cabo Apontador de Metralhadora, CART 2732 (Mansabá, 1970/72)

17 de Outubro de 2007>
Guiné 63/74 - P2184: A Guerra do Ultramar no programa Prós e Contras (RTP1, 15 de Outubro de 2007): o debate dos generais (Inácio Silva)

22 de Outubro> Guiné 63/74 - P2200: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (7): Comentário de Inácio Silva, da CART 2732, Mansabá, 1970/72

18 Abril 2006> Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

25 Março 2006> Guiné 63/74 - DCLI: A madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)