quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2049: Convívios (23): CART 1690 (Geba, 1967/68) (A. Marques Lopes)

A. Marques Lopes, ex- Alf Mil At Inf(Hoje Cor DFA, reformado), CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro) . Vive em Matosinhos.



Encontro da CART 1690 em 2 de Junho de 2007 no Lugar de Esteves, Sever do Vouga

O nosso camara A. Marques Lopes, mandou em tempo oportuno uma mensagem a dar conta deste encontro da CART 1690.

Embora, um pouco tarde, com as esfarrapadas desculpas do costume, aqui fica o registo do acontecimento.

Dizia então Marques Lopes:

No dia 2 de Junho reuniram-se em convívio, no Lugar de Esteves, Sever do Vouga, elementos da CART 1690.

Lembro que esta Companhia esteve em quadrícula na zona de Geba, onde tinha a sede, com quatro destacamentos, em Sare Banda, Camamudo, Cantacunda e Banjara. Neste último destacamento foi substituída por um pelotão da CCAÇ 2406, de Mansabá, o qual, no entanto, saíu a 19 de Janeiro de 1969, desactivando o destacamento, que ficou abandonado.




Foto 1> Identificação na sala do restaurante

Foto 2> Os ex-alferes que estiveram presentes (da esquerda para a direita): Alfredo Reis (ferido em combate, mas que lá continuou após passar pelo HM241), António Moreira (o único que esteve o tempo todo na companhia) e Marques Lopes (ferido em combate e evacuado para o HMP).
Faltou o Domingos Maçarico, por afazeres profissionais (também ferido em combate e evacuado para o HMP).
O Orlando Lourenço, que substituíu na companhia o Domingos Maçarico, faltou, por razões desconhecidas.
E faltaram, claro, mas foram lembrados, os que morreram lá: o Fernando da Costa Fernandes, que me substituira a mim, e o Carlos Peixoto, que substituira o Fernandes (foram, pois, os meus dois substitutos...).


Foto 3> Nesta foto estamos os três ex-alferes e o 2.º Sargento José Ferreira Fernandes (na ponta direita). Há outro, à esquerda, cujo nome não me lembro. Ao centro está o Malan Baldé, ex-elemento da Companhia de Milícias 3, em Sare Ganá, onde o pai dele, Samba Baldé, era régulo.
Após a entrega dos aquartelamentos da zona ao PAIGC, feita pela 3.ª Companhia do BCAÇ 4514/72, em 7 de Setembro de 1974, o Malan e o Pai, Samba, foram presos. A ele não lhe fizeram nada, mas o Malan Baldé, então com 23 anos, viu o seu pai Samba Baldé ser fuzilado, mesmo à sua frente.
O Luís Graça passou por Sare Ganá, talvez se lembre deles.

Foto 4> Esta rapaziada pertenceu ao meu grupo de combate em Geba. São, da esquerda para a direita: Paz, José Duarte, Guimarães, Santarém e... eu.
O José Manuel Moreira Duarte foi um dos que foi capturado em Cantacunda e esteve preso em Conakry. É o de cabelo comprido e braços cruzados que está no meio da fotografia, em baixo, publicada em 29 de Novembro de 1997 na Revista do Expresso:


Foto 5> Foto publicada na Revista Expresso de 29 de Novembro de 1997. Com a devida vénia


Foto 6> Fotografia do conjunto (sem as mulheres, que havia várias)

A. Marques Lopes

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2048: Cusa di nos terra (4): Mancarra, semente do diabo (iblissa, em fula) (Luís Graça)

Excertos do diário de um tuga (Sansancuta, 8 de Março de 1970). Originalmente reproduzido de Blogue-fora-nada (1).

É interessante notar que na mitologia fula a mancarra (amendoím) esteja associada ao Diabo em pessoa (Iblissa). O cherno Umaru que dirige uma pequena escola nesta tabanca de Sansancuta, do regulado do Corubal, e que se prepara, como bom muçulmano devoto (tijanianké), para fazer no próximo ano a sua peregrinação a Meca (Iado Hadjo, em fula) e assim juntar ao seu nome o título venerando de al-hadj, contou-me, por intermédio do Suleimane (o meu braço direito, guarda-costa, intérprete, cozinheiro, secretário – é um dos nossos poucos soldados que sabe ler e escrever português, daí ser soldado arvorado e em breve 1º cabo - vd foto em anexo), contou- me ele a seguinte estória:
- Um dia Iblissa (o Diabo) quis desafiar a autoridade divina de Mohamadu (o Profeta Maomé). Tinha chovido muito e o Profeta dissera que então nasceriam todas as sementes que fossem lançadas à terra. O Diabo, em vez de uma semente de milho ou de arroz, deitou leite numa cova que ele próprio tinha feito no chão. Mohamadu, intrigado e inquieto com a provocação de Iblissa, foi falar com Alá, que lhe mandou guardar uma semente. E ao fim desse tempo, não é que do leite nasceu mesmo a mancarra ?

Recordo que Amílcar Cabral, na Estação Agronómica de Fá Mandinga, fez estudos sobre vários tipos de semente de amendoím. E já então ele denunciava o perigo que representava, para o desenvolvimento da agricultura na Guiné, a monocultura desta oleaginosa, um típico produto imposto pelo colonialismo aos guinéus. (Tal como representa hoje o caju...).

__________

Nota de L.G.:

(1) Vd post de 7 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - L: Mancarra, a semente do diabo... (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P2047: Tabanca Grande (32): José Luís Soares da Fonseca, ex-Fur Mil Trms (CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, 1971/73)

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > CCAV 3366

1. O nosso camarada Luís Fonseca, em 11 de Julho, dirigia-se assim ao nosso Blogue:

As minhas melhores saudações

Uma vez mais, como quase todos os dias, visitei o sítio e verifiquei que algo me tocava.

Pertenci à penúltima Companhia sediada em Susana (CCAV 3366, Maio de 1971/Março de 1973) e foi com um misto de tristeza e melancolia que olhei para aquelas fotografias do Pepito (1).

Embora as notícias do noroeste da Guiné Bissau sejam escassas tenho tentado
acompanhar com interesse o que por ali se passa e verifico que, passados quase três dezenas e meia de anos, se mantêm algumas (muitas) reservas para com os Felupes. Eu aprendi com eles uma série de conceitos que o passar dos anos levou a recortar e a confirmar.

Uma coisa é verdade, pelas fotos se verifica que embora abandonadas as instalações não foram destruídas incluindo a espada felupe estilizada, onde se encontrava o mastro da bandeira.

Pode ser que seja desta que me reuna ao pessoal da Tabanca Grande.

Luís Fonseca
ex-Fur Mil Tms

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > CCAV 3366

2. O Luís Fonseca Voltava a comunicar no dia 19 do mesmo mês:

As minhas melhores saudações.

Para contraste das fotos do Pepito, junto envio três documentos, de pouca qualidade, relativos ao aquartelamento.

Relativamente aos Felupes, agradeço a porta aberta e em breve farei chegar algumas notas para que se possam entender alguns mitos, por vezes negativos, e relativos aquela etnia.

Luis Fonseca
ex-Fur Mil Tms
CCAV 3366

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > CCAV 3366

3. No mesmo dia o Editor Luís Graça dava resposta.

Luís:

Muito obrigado. Ainda hoje falei, ao telefone, com o Pepito que está de férias, cá em Portugal, e ao mesmo tempo a angariar apoios para o Simpósio Internacional sobre o papel de Guileje na Luta pela Independência Nacional.

Ele tem uma enorme admiração pelos felupes. O pai dele é autor dum livro, etnográfico, sobre os felupes: Usos e costumes jurídicos dos felupes da Guiné / Artur Augusto da Silva. Ele acha que é a melhor etnia da Guiné, que os felupes são os mais puros, os mais autênticos, os mais leais, corroborando a tua opinião e partilhando o teu sentimento... E foram as grandes vítimas do esclavagismo. Eram caçados pelos mandingas... Em contrapartida, ele não sabia da espada estilizada dos felupes, no monumento junto ao pau da bandeira, no teu antigo aquartelamento... Os teus apontamentos serão bem vindos. Quando quiseres, manda. Temos tempo, mas não me esquecer.

Um grande abraço.
Boas férias.
Luís Graça.

4. No dia 23 de Julho, Luís Fonseca voltava ao nosso contacto:

(...) Mas uma vez que fui eu quem abriu o jogo e não renegando as dificuldades, tentarei que algo de proveitoso possa merecer a vossa atenção. Parece-me, porém, que antes de começar, devo solicitar a entrada formal na Tabanca Grande e para tal faço uma breve apresentação:

José Luis Soares da Fonseca, casado, 57 anos, vivo em Gulpilhares (Vila Nova de Gaia), fui quadro da extinta Companhia Portuguesa do Cobre, SA (24 anos), sou formador nas áreas de Electrotecnia e Higiene e Segurança no Trabalho (Técnico Superior, de nível V).

Estive na Guiné de 9 de Abril de 1971 a 6 de Março de 1973, integrado na CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, como Fur Mil de Transmissões.

Não envio agora as fotos comprometendo-me a fazê-lo no mais curto espaço de tempo.

Luis Fonseca
(ex-Fur Mil Tms CCAV 3366)

5. Comentário do co-editor CV:

A entrada do nosso camarada Luís Fonseca no nosso Blogue foi motivada pela sua paixão e conhecimento dos Felupes. A Tabanca Grande só tem a ganhar, pois é uma etnia da Guiné pouco conhecida, sobre a qual correm algumas ideias erradas que o Luís Fonseca vai concerteza desmistificar.

Já cá temos algum trabalho dele para publicar com interesse histórico e está prometido mais para breve.

Iremos publicando para darmos a conhecer um chão que pisámos, mas que no fundo desconhecemos.

Ao nosso novo camarada damos as boas vindas.

__________

Nota de CV:

Guiné 63/74 - P2046: Tabanca Grande (31): Joaquim Lúcio Ferreira Neto, ex-Cap Mil (CART 2340, Canjambari, Jumbembem, Nhacra, 1968/69)

1. Em 5 de Agosto, Ferreira Neto dizia em mail dirigido ao editor do Blogue:


Só hoje tive oportunidade de ver o blogue sobre a Guiné.´

Fiz a minha comissão entre 8 de Janeiro de 1968 e 3 de Novembro de 1969.

Estive em Canjambari com um destacamento em Jumbembem, sector de Farim .

A maior parte da minha Companhia foi evacuada por doença em Abril de 1969, devido ao xistosoma mansoni (1), idêntica à bilharsiose (2) de Moçambique.

Permaneci em Canjambari somente com cerca de 25 elementos, reforçados com 4 pelotões nativos.

Em Julho, fomos juntar-nos ao pessoal evacuado, ocupando Nhacra e os seus seis destacamentos.

Espero que as fotografias que envio sejam bem recebidas.

Com os melhores cumprimentos
F.Neto



Guiné > Região do Oio > Canjambari > Vista aérea de Canjambari> Sede da CART 2340
Foto: © Ferreira Neto (2007). Direitos reservados.


2. O co-editor CV dirigiu uma mensagem ao camarada Ferreira Neto nos seguintes termos:
Camarada Ferreira Neto:

As tuas fotos chegaram bem. Já que mostraste interesse no nosso Blogue ao ponto de quereres contribuir com as tuas fotos, quero-te convidar a aderires à nossa Tabanca Grande, como é mais conhecido o Blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Para formalizares a tua adesão deves mandar uma fotografia do teu tempo de Guiné e outra actual. Contar-nos algo de ti, como por exemplo o teu antigo posto, por onde andaste, onde moras, etc. A partir daí ficaremos à espera do envio das tuas estórias e fotografias.

Deves ter reparado que temos um espólio enorme de prosa e fotografias de todos os tertulianos, que representa já um registo histórico importante. Como diz o nosso Comandante Luís Graça, não devemos deixar que outros contem as nossas estórias, teremos que ser nós mesmos a fazê-lo.

Na nossa Tabanca tratamo-nos todos por tu, independentemente do posto que se teve então. Preservamos o direito de propriedade intelectual de tudo o que se publica e não discutimos ideais políticos ou religiosos.

Respeitamos os povos que se libertaram e consideramos nossos camaradas os nossos antigos antagonistas.

Na página sobre a nossa tertúlia, poderás encontrar resposta às tuas perguntas quanto à nossa conduta.

Caro camarada, ficamos a aguardar a tua resposta.

Um abraço de Carlos Vinhal, co-editor



3. Em resposta ao convite do co-editor para aderir à nossa Tabanca Grande, em 10 de Agosto Ferreira Neto dizia:

Respondendo às questões postas:

Envio as fotografias.

Joaquim Lúcio Ferreira Neto, licenciado em Engenharia Mecânica, Bacharel em Engenharia Electromecânica e professor de Matemática do Ensino Secundário. Actualmente aposentado.

Fui convocado em Dezembro de 1966, para o curso de capitães em Mafra. (1.º Curso de Oficiais Milicianos a ser convocado para tal - Classe de 1958).

Em Janeiro de 1968, parti para a Guiné, comandando a CART 2340, onde depois de uma semana em Bolama , segui para Canjambari, sector de Farim, ficando a minha Companhia repartida por Canjambari ( dois pelotões mais um pelotão nativo) e Jumbembem, situada a 13 km (dois pelotões).

Em Março de 1969, o pessoal na quase totalidade, foi evacuado por doença para Bissau. Ficando eu com cerca de 25 homens não contagiados e reforçados por 4 pelotões de soldados nativos em Canjambari.

O pessoal de Jumbembem foi substituido pelo COP 3 comandado pelo Major Correia de Campos (homem valente), considerado juntamente com o major Azeredo (era comandante do RC 6 no Porto e já foi candidato à autarquia portuense) como os puros sangue do General Spínola.

Em Julho fui ocupar Nhacra, juntando-me ao pessoal evacuado, onde permaneci até ao meu regresso à metrópole em Novembro de 1969.

Oportunamente envarei mais fotografias após fazer as buscas necessárias.

Obrigado pelo convite.

Saudações guerreiras
F. Neto

4. Comentário de CV:

Ontem, tive oportunidade de falar ao telefone com o nosso novo camarada, a propósito de um pedido de esclarecimento que lhe tinha feito. Para surpresa minha, constatei que o conhecia de longa data, pois o ex-capitão Ferreira Neto foi professor na antiga Escola Industrial e Comercial de Matosinhos, onde fiz o meu Curso de Montador Electricista.

Nunca foi meu professor, pois leccionava no horário nocturno para trabalhadores-estudantes, mas o engenheiro Neto faz parte do meu imaginário como estudante.

Caro professor Neto, é para mim uma honra dar-lhe as boas vindas ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, em nome do Comandante que está ausente da Tabanca por motivo de férias.

Caro camarada Ferreira Neto esperamos de ti, as tuas histórias (tens razão, o termo estória não faz parte do léxico da Língua Portuguesa) e as tuas fotos. As que enviaste estão na forja para serem publicadas brevemente.
________

Notas de CV:

(1) Xistossomose - doença provocada por vermes parasitas.

(2) Bilharziose - doença provocada por um verme parasita, a bilhárzia. (3)

(3) Bilhárzia - verme da família dos distomídeos que se aloja nas veias do intestino, do baço, da bexiga e do fígado provocando a bilharziose.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2045: Tabanca Grande (30): Diamantino Pereira Monteiro, ex-Alf Mil, CCAÇ 1496/BCAÇ 1876 (Bissum, Pirada e Bula, 1966/67)

1. Mensagem de Diamantino Pereira Monteiro, ex-Alf Mil da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876, Bissum, Pirada e Bula, para o editor do Blogue:

Caro companheiro:
Antes de mais os meus parabéns pela excelente ideia do site, que vem preencher uma lacuna importante na historiografia da Guerra Colonial.

Quem por lá passou, como nós, sente necessidade de lembrar à nova geração e aos políticos e militares actuais, que nós pagámos e continuamos a pagar muito caro o simples facto de termos pertencido à geração colonial.

Por isso gostaria de entrar na tertúlia e para tal envio os dados solicitados:

Nome: Diamantino Pereira Monteiro

Posto na guerra: Alferes Miliciano

Unidade: CCAÇ 1496/BCAÇ 1876

Comissão: de Janeiro de 1966 a Novembro de 1967

Locais de permanência: Bissau, Pirada, Paúnca, Bafatá, Bula e Bissum

Residência: Soure, Coimbra

Email: dpmonteiro@sapo.pt

Página sobre a Guerra na Guiné: Guiné - À margem da guerra colonial/

Sobre a minha página, muito gostaria de ler os teus comentários assim como dos camaradas da tertúlia.

Junto duas fotos minhas

Um grande abraço de camaradagem do
Monteiro


2. Comentário do co-editor Carlos Vinhal

Caro Monteiro, desculpa a demora da tua apresentação, mas foste mais uma vítima da nossa adaptação ao trabalho de equipa dentro do Blogue.

Pequena falta aqui, outra acolá e lá vamos acertando as agulhas, à custa de aparentes desconsiderações.

A partir de hoje vais ter mais visitas à tua página sobre a Guiné , onde eu aprendi que qualquer atirador (sem ofensa para ti e para mim), munido com meia dúzia de aspirinas e ar sério, se convertia num médico mais ou menos convincente. Isto no nosso tempo, numa zona de guerra e à falta dos verdadeiros técnicos de saúde, é bom de ver.

Na Guiné não se fazia só guerra. Também se ensinava, tratava-se da saúde e mata-se a fome aos naturais.

Companheiro Monteiro, fica assim oficializada a tua entrada no nosso Blogue.

Esperamos que tragas até nós algumas das estórias do teu blogue, se for essa também a tua vontade.

Guiné 63/74 - P2044: O cruzeiro das nossas vidas (8): Porto de Lisboa, Cais de Alcântara (Luís Graça)

Lisboa > 9 de Março de 2007 > Adninistração do Porto de Lisboa > Cais de Alcântara > A linha de caminho de ferro que nos levou ao navio (o Niassa, o Uíge, o Alfredo da Silva...) que nos levou à Guiné entre 1963 e 1974...

Lisboa > 9 de Março de 2007 > Administração do Porto de Lisboa > Cais de Alcântara, terminhal de cruzeiros> A linha de caminho de ferro

Lisboa > 9 de Março de 2007 > Cais de Alcântara> Locomotiva da CP.

Lisboa > 9 de Março de 2007 > Administração do Porto de Lisboa (que comemora 100 anos da sua fundação) > Gare Marítima de Alcântara.

Lisboa > 9 de Março de 2007 > O Porto de Lisboa. Cais de Alcântara.

Lisboa > 9 dce Março de 2007 > Doca de Alcântara > A ponte 25 de Abril reflectida num dos modernos edifícios de vidro da APL.


Lisboa > 9 de Março de 2007 > O Monumento ao Cristo-Rei, em Almada, na outra margem do Rio Tejo. a margem sul.

Lisboa > 9 de Março de 2007 > Porto de Lisbo > Cais de Alcântara, com o Monumento ao Cristo-Rei ao fundo.

Lisboa > 9 de Março de 2007 > A Ponte 25 de Abril vista do Jardim defronte ao Palácio das Necessidades.

Texto de L.G. (em férias):


Foi daqui que todos partimos (1, 2). Todos ou quase todos (os das ilhas adjacentes, partiam do Funchal ou de Ponta Delgad). Vocês ainda se lembram ? A Administração do Porto de Lisboa comemora 100 anos. No vídeo (promocional) O Porto de Lisboa há uma escassa referência ao passado. Mas não se pode ignorar ou escamotear os anos de brasa da guerra colonial... Há uma odisseia, há quase um milhão de homens a partir e a chegar. E depois de 1974, há mais meio milhão de homens, mulheres e crianças que retorna de África, com os seus parcos haveres. Por ar e por mar. Uma formidável muralha de contentores irá separar Lisboa e o Tejo, irá cortar o contacto visual dos lisboetas com o seu rio... Passei há tempos por lá... Muita coisa mudou... O edifício, arquitectura do Estado Novo, é o mesmo... As infraestruturas portárias e toda a envolvente é que mudaram... Hoje é um pomposo terminal de cruzeiros de luxo, por onde passam os maiores navios do mundo, como o Queen Mary II... Sntimentos contraditórios assaltam-nos quando voltamos ao passado...Enfim, façam os vossos comentários. L.G.

Fotos e legendas: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.
_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. último post desta série:

3 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2025: O cruzeiro das nossas vidas (7): Viagem até Bolama com direito a escalas em Leixões, Mindelo e Praia (Henrique Matos)

(2) 13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1366: A galeria dos meus heróis (6): Por este rio acima, com o Bolha d'Água, o Furriel Enfermeiro Martins (Luís Graça)

domingo, 12 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2043: Bibliografia de uma guerra (23): Putos, Gandulos e Guerra, de Mário Vicente, aliás Mário Fitas (CCAÇ 763, Cufar)



1. O nosso camarada Mário Fitas, enviou-nos, do seu livro, Putos, Gandulos e Guerra, um trecho onde conta o episódio do rebentamento de uma mina AP que vitimou um alferes da Arma de Artilharia, militar que à partida estaria a salvo deste lamentável episódio. CV





Capa do livro de Mário Vicente, Putos, Gandulos e Guerra (2000).
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


2. “Putos Gandulos e Guerra”
(Transcrição de IX – Guerra 2)

Mário Fitas




Foto 1> Estrada Cufar-Catió> Elementos da CCAÇ 763 em progressão



Foto 2> Estrada Cufar-Catió> Elementos da CCAÇ 763 em progressão



Foto 3> Estrada Cufar-Catió> Elementos da CCAÇ 763 em progressão
Havia apenas oito dias, sobre a varredela em Cabolol, e eis que o 2.º Grupo de Combate tem de partir para Catió e levar o Pelotão de Artilharia. Nessa noite, um grupo da milícia estacionado em Priame, detecta que a estrada foi minada, pelo que temos de voltar ao sistema de picagem da mesma. Sorte!...

Mesmo ao cimo da leve subida, quando a estrada entra no túnel da mata após o vale de capim que separa aquela do cruzamento do Cabaceira, foram detectadas duas “meninas simpáticas, blenorrágicas prostitutas Anti/Carro” que por nós esperavam, para nos “fornicarem” o corpo. Que grande porra!... As viaturas e os obuses no vale e, se somos emboscados, estamos com as calças na mão. Há que deitar mãos à obra rapidamente e rebentar as minas, coisa que ainda dá problemas pois, o maluco do Chico Zé as quer levantar em vez de rebentar. Não pode ser!... E se estão armadilhadas? Felizmente que ele é o único com essa ideia, e o Almeida não autoriza. Vagabundo brinca com Chico Zé:
- Oh pá, Zé, porra!... estás farto da malta? Queres-te ir embora já?...
E era verdade, porque estavam armadilhadas.

Foto 4> Estrada Cufar-Catió> Segurança montada enquanto se levantam as minas AC

Depois de rebentadas, deixaram uma cratera que cabia lá um Unimog! Toca a tapar o buraco para as viaturas passarem. Trabalho efectuado, viaturas passadas, pessoal em segurança, vai um minutinho para fumar um cigarrito. Em todos os trabalhos se fuma, como se diz na minha terra, costumava Vagabundo dizer.


Foto 5> Estrada Cufar-Catió> Um tempo para fumar um cigarro

Vamos então verificar como funciona a guerrilha, altamente organizada e eficiente contra a nossa ainda ingenuidade. Fumando o cigarro, juntaram-se em amena cavaqueira de guerra nada menos nada mais que: três alferes, três furriéis milicianos e um milícia, Zé de nome e Libanês de nacionalidade, sendo de alcunha portanto, o “Zé Libanês” e que também ninguém sabia porque é que aquela espécie aparecia fazendo a guerra.
Conversa animada no grupo quando, num repente, um clarão chama aflorou da terra, secundado de um grande estrondo e o grupo foi atirado cada um para seu lado. Chico Zé de gatas, em frente de Vagabundo, dizia para este:

- Estou ferido!… Estou ferido!...

Vagabundo vergado, apalpando-se todo da cabeça aos pés, sem olhar para o seu companheiro e tendo em atenção apenas a confirmação da apalpação que a si próprio fazia e só com o sentido em si, respondia ao companheiro:

- Não, não estás!

Por momentos a mente de todos entrou no vazio.
Um gemido, levou-os a voltarem à realidade. Olharam na direcção do gemer agora mais forte, e todos viram o alferes de Artilharia estendido na berma. Perna direita levantada, onde apenas uma óssea forca tíbio-perónia aparecia por entre a chamuscada calça camuflada, pois o pé direito tinha desaparecido. Porra!... uma mina Anti/pessoal.
- O enfermeiro depressa!

Gritou Almeida.

O artilheiro, que em princípio não ia p’ró mato nem andava no duro e na dança, ali estava agora a receber os primeiros socorros, com esfacelamento total do pé direito, fractura do terço inferior na mesma perna, queimaduras na coxa esquerda e nos braços. Mais um inválido com vinte e quatro anos!

O cabo de transmissões entra em contacto com o aquartelamento que de imediato, pede evacuação a Bissau que será depois feita de avião. Mas agora como vai ser? Há que levar o camarada para Cufar. Mais outra loucura. Mas a guerra é isto!... Chico Zé, cara toda chamuscada, camuflado cheio de terra, oferece-se:

- Eu levo o Évora para Cufar !

Todos conhecemos a perícia do Zé, autêntico condutor de ralis, mas é perigoso voltar só. Almeida decide rapidamente. Acede e manda subir para o Unimog o enfermeiro entregando-lhe uma G3 e nomeia outro soldado, que também salta para a viatura. Chico Zé dá a G3 ao condutor que sede o lugar e salta para o lugar deste e, com o ferido esticado na caixa, o enfermeiro e soldado segurando o infeliz, arrancam direito a Cufar. É assim a guerra: ou ficamos todos, ou salvamos um!...

Almeida manda o cabo transmitir para Cufar, de onde saem uma auto-metralhadora e o piquete para vir ao reencontro.

O enfermeiro depois contou que nunca tinha andado assim de carro.
Aquela “merda” até andava só sobre duas rodas!
Foto 6> Estrada Cufar-Catió> Elementos da CCAÇ 763 de novo em progressão
Quando a auto-metralhadora e o Unimog do piquete faziam a aproximação para entrar na estrada Cufar-Catió, o Chico Zé entrava no fundo da pista a alta velocidade deixando os outros para trás, fazendo a inversão de marcha.
Primeira vítima da estrada maldita! Eles não perdoam!...




Foto 7> Estrada Cufar-Catió> Elementos da CCAÇ 763 junto de uma autometralhadora Daimler
Cufar informa e continuamos para Catió.
Chegados a Catió não dá para mais nada: é largar os obuses e correr para o cais, pois há que embarcar para o Cachil na ilha do Como. Temos de fazer a segurança àquele desterro, enquanto os desterrados vão efectuar uma operação ao Tombali. É chegarmos nós e saírem eles.

Ficam o Primeiro Sargento e os cozinheiros, para nos darem as explicações sobre a defesa deste forte Apache. Também não tem explicação plausível pois, é já lugar comum, que só quem passou por terras da Guiné e pelos diversos aquartelamentos pode aquilatar do poder de adaptação do valoroso soldado português. Desfalcados, com cozinheiros e outros pobres de Deus, defender um aquartelamento daqueles?!... E se o IN soubesse, e fosse lá? Escaqueirava aquela “merda” toda e os que não morressem seriam apanhados à mão. Já não vale a pena comentar pois, por vezes, sente-se mesmo a tristeza e a impotência de uma tropa tipo pé descalço.

Quero antes Cufar onde há ar e espaço; quero ir para a estrada; prefiro morrer nas matas de Cabolol do que aqui entoupeirado neste pequenino murado "quintal.”

Mário Fitas

Fotos: © Mário Fitas (2007). Direitos reservados.
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Nota do co-editor CV

Vd. Post Guiné 63/74 - P2034: Bibliografia de uma guerra (22): Putos, gandulos e guerra, de Mário Vicente, aliás, Mário Fitas (CCAÇ 763, Cufar) (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P2042: Estórias do Zé Teixeira (20): A vaca que deu sorte (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

José Teixeira, 1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , (1968/70), autor das mais tocantes estórias, fruto do seu contacto íntimo com as populações autóctones (1) .


VACA: Sinónimo de sorte... ou de azar?

por Zé Teixeira (subtítulos do co-editor CV)

Num dia, após um ataque a Aldeia Formosa, que começou cerca das 17,30 e acabou altas horas da madrugada, o Caco Baldé apareceu por lá para apreciar os estragos, que felizmente para os militares tinham sido nulos. Ao comentar com o Comandante da Guarnição o local de onde o IN tinha atacado, concluiram que possivelmente tinha havido apoio logístico de uma tabanca colocada para lá da fronteira. O Homem do monóculo só fez uma pergunta:
-Nunca te lembraste de apontar para lá os obuses?

Claro que nessa noite foi um corridinho de granadas de 18 Kg naquela direcção. Eu guardei a frase e quando em Mampatá se comia arroz com arroz, enquanto as vacas do homem grande se deliciavam a pastar entre os arames farpados de protecção da tabanca.

Ao fazer a ronda nocturna notei o tilintar de garrafas e perguntei ao sentinela o que se passava:
- É uma vaca que anda por aí, respondeu-me ele, não há perigo.

Havendo perigo ou não, resolvi imitar o Caco e dizer-lhe:
-Já pensaste em mandar para lá um tirito, ninguém sabe se está lá uma vaca ou um turra e assim amanhã teríamos banquete do bom.

Após alguns minutos de conversa em surdina, para o ajudar a passar o tempo, parti de novo e embrenhei-me pelo interior da tabanca em direcção a outro posto de sentinela.
Surgiu um tiro, sem resposta imediata, a assustar a noite e eu deixei-me sonhar com o saboroso bife que no dia seguinte teria no prato...se o sentinela tivesse acertado na vaca.

Ao chegar junto do outro, o camarada estava tenso e preocupado, um tiro, no silêncio da noite, era mau presságio, eles estariam por perto. O tiro talvez fosse o sinal. Acalmei-o como pude, sem lhe contar a conversa tida momentos antes.

No dia seguinte, ninguém soube explicar, mas apareceu uma vaca coxa. O Aliu Baldé, Chefe de Tabanca e Alferes de 2ª linha, armou grande barafunda, pois tinha perdido uma vaca e queria saber quem a feriu, para levar o justificado castigo. Como ninguém se acusou e... para não perder tudo vendeu-nos a vaca pelo preço da chuva. O almoço sonhado ia acontecer.

Só que o IN também queria tomar parte no banquete e fez-se convidado.

À hora prevista, lá estava junto à 2ª cerca, sabendo que a fome e o apetite por um bom bife eram factores que nos iriam criar possíveis desatenções. Tal aconteceu de facto.

O Sol já ia alto e queimava os dorsos descamisados. O amanho da vaca foi longo e atrasou o esperado almoço. Os jagudis, no cocuruto das árvores, espreguiçavam-se e afiavam o bico. Também eles se fizeram convidados.

Toda a gente fazia fila junto ao grelhador onde crepitava o fogo, enquanto o Valente virava e revirava os bifes e o Alves aprontava as estaladiças batatas fritas. Os grandes e apetitosos nacos de carne eram um regalo para os olhos. Pelas narinas subiam odores que inebriavam o cérebro e faziam sofrer o estômago, pela longa espera do tão esperado pitéu. Numa mão a marmita, na outra o copo de vinho fresco, enquanto a cerveja (complemento mais que necessário) se escondia no bolso e o IN à espreita, junto ao arame farpado.

Os postos de sentinela foram desguarnecidos. Apenas o Silva algarvio ficara no seu abrigo, devido a forte dose de paludismo. Os putos, pulavam a nossa volta de olhos arregalados. Também eles iam ter restos melhorados, como paga por nos lavarem as marmitas. A população (*) escondia-se do sol dentro das moranças e espreitava a festa que o branco fazia.

Chegam convidados indesejáveis

De repente os putos desaparecem. O silêncio impera. Apenas a nossa algazarra de gente feliz, que antevia um lauto banquete.

Começa a distribuição com o Valente a resmungar_
- Calma, que chega para todos!

Eu esperava pacientemente com a Maimuna ao colo, que chegasse a minha vez. Tinha já surripado umas febras e bebido uns copos (vantagem de enfermeiro).

Os primeiros felizardos, contrariamente ao que sempre faziam – irem de imediato para o seu posto de sentinela – sentam-se à sombra do gigante poilão e começam a saborear o petisco, quando se houve uma rajada de G3 e logo de seguida, como que por encanto, de todos os lados da tabanca, surgem costureirinhas a vomitar o seu temido trac-trac, seguindo-se o troar dos rebentamentos do morteiro 60 e das bazucadas

Os bifes e as batatas fritas voaram pelo ar. Toda a gente a correr para os postos. Há que correr com os malandros que nos querem estragar o almoço.

Felizmente o Silva algarvio, deitado à porta do abrigo, esperava que alguém lhe levasse o seu almoço, para o qual não teria apetite tal era o seu estado de saúde. Estranhamente vê uns vultos, de uniforme diferente, aproximarem-se da cancela em arame farpado, abri-la e tentarem esconder-se por detrás de uma morança. Nem hesita em abrir fogo, provocando a enorme barafunda que se seguiu.

Eles tinham o esquema bem montado. Concentraram as suas forças de penetração na entrada da picada para Buba e na entrada da picada para Cumbijã. Do lado de Aldeia Formosa, estavam emboscados perto de Bakar Dado, para impedir a chegada de eventuais reforços. Em redor de toda a Tabanca estavam atiradores isolados que faziam fogo de costureirinha, com balas incendiárias, para desviar as atenções, enquanto outros forçavam a entrada nos portões.

Atingiram onze moranças que de imediato começaram a arder aumentando a confusão. Atingiram também o paiol das munições, o que naturalmente originou um festival de rebentamentos.




Mampatá > 3 de Novembro de 1968 > Rescaldo do ataque da hora de almoço

Tal como entraram, rapidamente tiveram de sair, ao sentirem-se descobertos, perante a reacção da nossa gente bem apoiada no Pelotão de Milícia, comandado pelo Chefe de Tabanca, Alferes Aliú Baldé (**) que coordenou de peito aberto a defesa, do portão de Cumbijã, de morteiro 60 na mão (***). Logo de seguida dirigiu-se ao portão de Buba e continuou a festa. Um verdadeiro herói, que tanto quanto soube, viria a falecer em combate cerca de dois anos depois, também na defesa de Mampatá, quando a zona aqueceu, com a reabertura de frente de Colibuia e Cumbijã.

Estranha foi a minha reacção. Assustado com o fogachal e as labaredas que surgiam de todos os lados das moranças a arder, em lugar de me proteger e aguardar pelo fim da contenda, como era e continuou a ser, meu hábito, larguei a bebé, no abrigo do posto de rádio e desatei a correr pela tabanca, perguntando aos gritos, se havia feridos.

Recordo-me bem da razão do meu estado de espírito: Tinha comigo apenas dois frascos de soro, algumas agulhas e linha de sutura, meia dúzia de Zimema K e pouco mais. Entrei em pânico. A estrada para Aldeia Formosa, estava cortada pelo IN e eu senti-me sem nada para poder valer aos colegas e à população.

Foram vinte minutos terríveis, que se saldaram num grande susto e... moranças queimadas, pois nem um ferido para amostra.
- Já estou apanhado! - Foi o meu pensamento íntimo, logo depois e que me obrigou a rever a forma de estar nos teatros de guerra que se seguiriam.

A nossa reacção obrigou o IN a refugiar-se rapidamente na mata e continuar a flagelação, mas um tanto descontrolada. Tudo acabou em bem. Apenas se atrasou um pouco a hora da petiscada, repetida nos dias seguintes, mas agora com cuidados redobrados.

Afinal tivemos a vaca da sorte a proteger-nos para que pudéssemos saborear a vaca verdadeira.


Mampatá > 3 de Novembro de 1968 > Eu e a minha Maimuna no rescaldo da morança queimada

Fotos: © Zé Teixeira (2007). Direitos reservados.

Subida de popularidade

Como resultado extremamente positivo para a minha pessoa, foi a forma como a partir daquela altura a população em geral me acolheu e o carinho com que me tratavam. Se já era bom, ficou excelente.

Tempos mais tarde, quando a Companhia recebeu ordens para seguir para Buba, ficando apenas um Grupo de Combate na Chamarra, por mais algum tempo, enquanto Mampatá Forreá era reforçado com o 2º Pelotão de Milícia e tropa estacionada seguia também para Buba. O Chefe de Tabanca foi pedir ao Comando em Aldeia Formosa a minha continuidade em Mampatá, o que foi recusado. No entanto fui colocado na Chamarra com o compromisso de vir duas vezes por semana a Mampatá, tratar a população e ensinar o enfermeiro africano que lá foi colocado.

Ao procurar saber das razões do interesse em mim, a Jobo (Maria) disse-me:
- Naquele dia em que fomos atacados na hora do almoço, vimos fermero a correr debaixo de fogo, para junto dos abrigos da população a perguntar se havia feridos. Fermero é amigo da gente.

Quando cerca de mês e meio depois, deixei definitivamente a zona, ao passar por Mampatá, deixei algumas emocionadas lágrimas para regar aquela terra tão linda, ao receber as despedidas com abraços beijos e cânticos e uma população amorosa, com quem tanto aprendi em cerca de meio ano de convivência.

... E lá ficou a minha Maimuna, a bébé que ensinei a andar, que me seguia para todo o lado e que partilhou este drama comigo. Também lá ficou a outra bébé, a quem salvei a vida quando, regressada de Bissau com 42 graus de temperatura e desenganada pelo médico, eu a recuperei. A Mudjer de fermero como a mãe teimava em afirmar. Veio trazer-ma na despedida. Queria que a levasse comigo:
- Tua mudjer, leva minina.

Quantas vezes me levou uma caneca de água fresquinha, trazida da fonte, que ficava para além do perímetro de segurança da Tabanca´:
-Mudjer de fermero na bai buská água pra fermero.

Quantas vezes vinha com um cacho de bananas à cabeça;:
-Mudjer de fermero, parte banana.

Se à noite me descuidava e não ia dar um beijinho à bebé, quando passava à porta, a caminho do meu abrigo, fosse a que horas fosse, lá estava a mãe:
Fermero tu ká na vem parte mantenha a tua mudjer! - Entrava dava um beijo e ficava conversar até às tantas, em família.

Os pesadelos que me perseguiam, de arame farpado, sinal impeditivo de liberdade e de perigo que rodeava as aldeias, das emboscadas, dos ataques dirigidos a nós, tugas, mas que afectavam aquela gente indefesa, dos feridos que tratei e dos que vi morrer sem poder ajudar, dos que morreram sem a mais pequena hipótese de se safarem, dos momentos de ansiedade que vivi, tudo se tem vindo a dissipar, mas a imagem das duas crianças no meu colo, com as mães abraçadas a mim, vai-me acompanhar sempre, porque retrata e reflecte os momentos mais belos da minha passagem pela guerra.
__________

Notas do autor:

(*) Creio bem que a população estava avisada e refugiou-se nos abrigos e, só tal facto impediu que houvesse mortos e feridos, tal a proximidade.

(**) Tive o grato prazer de reavivar a sua memória, quando em 2005 reencontrei a sua filha Naná, mudjer do actual Régulo da Tabanca de Sinchã Shambel (ele mesmo, também milícia em Mampatá no meu tempo), que resultou do reordenamento de Contabane, após a destruição desta tabanca na noite de S. João em 1968.

(***) Na minha louca corrida à procura de eventuais feridos, pude testemunhar a acção deste homem, na contenção do ataque.
________________

Nota do editor:

(1) Vd. último post desta série> 5 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2030: Estórias do Zé Teixeira (18): A G3ertrudes encravada que salvou duas vidas.

sábado, 11 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2041: Da Suécia com saudade (4) (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (4): Aventuras de Maiorais

1. Da Suécia, com saudade, como sempre pelas mãos do nosso camarada José Teixeira, chegou até nós mais esta estória do ex-Alf Mil José Belo (que vive na Suécia desde os anos 70). Quase não dá para acreditar que seja verdadeira, de tão louca que é. Ao nível das melhores comédias inglesas.
Os Maiorais da CCAÇ 2381 (1968/70) estiveram em Buba, Quebo, Mampatá e Empada .(CV)

2. Aventuras de MAIORAIS

Gandembel tinha-se tornado nome tristemente célebre na Guiné de 1968/69.
Verdadeiro quartel mártir, era atacado dia sim, dia sim, por tudo o que era armamento pesado na posse do inimigo. Este, pretendia a todo o custo, obrigar as nossas tropas a abandonar uma área que já então controlava.

Os abastecimentos ao isolado aquartelamento, eram efectuados por "colunas de sacrifício", em condições de difícil descrição, quanto a perigos e esforços.

Em tentativa de aliviar o crescente estrangulamento que o inimigo ia exercendo sobre a guarnição mártir, foi decidido o desencadear de algumas espectaculares operações de tropas Pára-quedistas.

Os guerrilheiros foram apanhados em total surpresa. Nas acções iniciais obtiveram-se avultados êxitos, tanto em material capturado, como em acampamentos destruídos, assim como elevado número de baixas causadas.

Houve então um período de curtas semanas em que a área acalmou, enquanto o inimigo procurava reagrupar-se.

A ocasião, e o facto das tropas pára-quedistas continuarem estacionadas na zona, foi aproveitado para inesperada visita à mesma, por parte do (salvo erro) Comandante da Região Aérea da Guiné e Cabo Verde (ou seria o Chefe do Estado Maior da Força Aérea? Confesso que à distancia de quase quarenta anos não recordo o detalhe!). Era, no entanto, uma visita a ser explorada em termos políticos, como evidente demonstração do controlo efectivo da zona(?) por parte das nossas forças.

O senhor Brigadeiro(?) realmente apareceu na data marcada, sendo desembarcado de um helicóptero em Aldeia Formosa. Daí, seguiu em coluna auto para Gandembel, que se situava a umas dezenas de quilómetros a Sul. Duas Companhias de Páras, mais duas Companhias de Atiradores, mais uma Companhia de Milícias Nativas, foram utilizadas na escolta e cobertura desta simples deslocação do senhor General.

Dos destacamentos isolados, e que se situavam entre Aldeia Formosa e Gandembel, (1) também foram destacadas forças para montarem emboscadas de protecção ao itinerário.

Como seria de esperar, o apoio aéreo não faltou ao chefe da FA, tanto em helicópteros-canhão como em parelhas de jactos Fiat e velhos T6. Nunca víramos tantos, nem a zona fora tão assiduamente sobrevoada como nesse dia. A coluna não foi atacada no seu deslocamento, apesar de terem sido levantadas dezenas de armadilhas e minas.

Dois apanhados na Feira Popular

Num dos isolados destacamentos, um alferes e um furriel, sentados sob frondoso mangueiro, olhavam num misto de ironia e incredibilidade todo o circo aéreo que se verificava já há longas horas.

"Isto parece a Feira Popular!" - Disse um deles.

"Não vamos perder esta oportunidade de cumprimentar o nosso General!"

Dirigiram-se para o jeep, e arrancaram calmamente pela picada em direcção a Gandembel.

O que conduzia, seguia desarmado. O outro, empunhava impressionante machado Fula utilizado em cerimónias da etnia.
Ao chegarem ao último destacamento da zona controlada, (2) ninguém queria acreditar na história de que iam sozinhos, estrada fora, para cumprimentarem o... senhor General!
Daí para a frente ninguém passava sem se fazer acompanhar, pelo menos, de duas Companhias reforçadas, e de apoio aéreo ou de artilharia de Aldeia Formosa. Mas eles, rindo à gargalhada, aceleraram o jeep e desapareceram na picada.

Foram quilómetros em que o jeep voava sempre que a estrada o permitia, ou, em lentidão de desespero, contornava buracos de explosões anteriores de minas.

Passada mais de uma hora de percurso, começaram a ouvir os motores das viaturas da coluna que regressava já de Gandembel com o ilustre visitante.

Foi com espanto, mas também com alívio, que os picadores descobriram o jeep e os dois senhores nele sentados. O comandante da coluna decidiu então, visto o jeep ter passado há tão pouco, colocar todo o exausto pessoal nas viaturas e arrancar de imediato.

Invertendo o jeep, o alferes e o furriel estavam agora à cabeça da coluna.

Oportunidade única para cumprimentar o senhor General

Quando se preparavam para arrancar, o senhor General num impecável camuflado, engomado e ainda cheirando a armazém, e que até então tinha seguido numa viatura pesada, das últimas da coluna... por questões óbvias de segurança pessoal... dirigiu-se-lhes dizendo: - "Estou farto de apanhar pó da picada e o banco do vosso jeep sempre é mais confortável!"
Sentou-se de imediato no jeep ao lado do condutor.

"Pois com certeza meu General!" - Foi a resposta do alferes, com um sorriso amplo, e continuando a empunhar o descomunal machado Fula. E o jeep arrancou, a boa velocidade, à cabeça da coluna, em direcção a Aldeia Formosa.

Foi só quando já tinha atingido os primeiros destacamentos, largas dezenas de quilómetros depois, e perante alguns comentários apoplécticos quanto à inconsciência criminosa dos dois subalternos, por parte do responsável operacional, que o senhor General aparentou ter tido consciência de que tinha viajado todo o percurso de um dos mais perigosos itinerários da Guiné de 68, na posição de rebenta minas e protegido, unicamente, por um machado Fula... de cerimónias!

Escusado será dizer que o jeep, manobrando mais facilmente na picada esburacada, de imediato tinha deixado muito para trás as restantes viaturas com a escolta especial do senhor General!

Stockolm.Jan.80.
Aquele abraço
Joseph Belo

(1)Mampatá Forreá e Chamarra
(2)Chamarra

3. Nota do Zé Teixeira:

Esta era mais uma das estórias que eu tinha em preparação para enviar ao nosso blogue. Sou uma testemunha real de todo o acontecimento, pois estava em Mampatá Forreá de onde partiram os dois apanhados do clima.

Claro que jamais descreveria com tanto e tão rico pormenor, pois fui apenas testemunha ocular do aparato montado, no terreno, nos céus, da partida dos dois e da chegada do jeep, com mais um, este, periquito e com cara de quem se tinha borrado todo.

O autor do texto, o ex alferes José Belo, foi, com o Furriel Esteves os aventureiros, pelo que a estória verdadeira tem outro sabor.

Creio que foi a única coluna que se fez sem que o inimigo desse a cara, na picada, passada a pente fino pelos picadores da minha Companhia, quer em pleno dia como era hábito ao chegarmos a Gandembel ou a Ponte Balana.

No entanto recordo que na primeira coluna que fizemos, vimos um FIAT a deixar um rasto de fumo e cair - o primeiro, como há pouco se constatou no blogue, e, quando chegamos ao Gandembel, fomos recebidos à morteirada, pelo In.

Na Segunda, tivemos de recuar por falta de condições, depois da CCAÇ 2317, estacionada no local, que tinha vindo ao nosso encontro ter recuado com feridos e mortos.

Na terceira, levantamos 57 minas, desmontamos três fornilhos, tendo rebentado uma mina AP e quando estávamos quase a chegar, entre Chamarra e Mampatá Forreá tivemos uma espera, onde já ninguém contava, que nos provocou cinco feridos.

A quarta coluna teve o desfecho que o Belo tão bem descreve.

Outras houve, até que surgiu a última para trazer de regresso os Camaradas da CCAÇ 2317 e abandonar Gandembel definitivamente, ficando Guileje e Gadamael Porto e Mejo mais desprotegidas, pois o célebre corredor da morte ficou sem tampão.

José Teixeira
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Vd. post anterior desta série:

Guiné 63/74-P2029: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (3): Soldado Salvaterra ou mais uma peça de carne para canhão

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2040: No almoço da tertúlia de Matosinhos com o António Batista, o nosso morto-vivo do Quirafo (Paulo Santiago)

Mensagem do Paulo Santiago, em viagem até Matosinhos, para um almoço-convívio com os Camaradas da minitertúlia, como eles se auto-designam e, já agora, à mesa com uns belos chocos grelhados. (Co-editor: vb):

Hoje foi dia de almoço especial, juntei-me à Minitertúlia de Matosinhos, faltando o Marques Lopes, em viagem para Lisboa.

Tivemos como convidado o António Batista. Ele merece.

A Casa da Teresa, local do encontro, fica bem situada, junto ao cais e os choquinhos grelhados que comi, estavam muito bons.

O convivio foi óptimo e o Xico Allen convenceu-me a ir até à Guiné de carro. Saída de Portugal a 21 ou 22 de Fevereiro de 2008, chegada a Bissau a 1 de Março, regressando dia 7 de avião a Portugal.

Deve ser uma bela viagem. Se já estivesse reformado,regressava de carro, como não estou terei que utilizar o meio aéreo para o regresso.

Seguem as fotos do encontro de hoje.

Vinhal, Álvaro Basto, Pimentel, Pires, Xico Allen, Zé Teixeira (sem a G3ertrudes), Batista, e o filho do Pires

O Zé Teixeira, o Batista e o filho do Pires.

Paulo Santiago, Vinhal, Álvaro Basto e Pimentel.

Guiné 63/74 - P2039: Recordações do Grupo de Pauliteiros de Cércio (Ana Maria Vaqueiro / Beja Santos)

1. Mensagem de Beja Santos com data de 9 de Julho:

Assunto: Recordações - Grupo de Pauliteiros de Cércio

Prezada Ana Maria Vaqueiro (1), obrigado pela sua carta. A demora em responder-lhe deve-se ao facto de eu ter andado à procura do manuscrito do meu Padrinho, Felipe da Nazareth Fernandes. Nunca passei a texto este documento, cheguei mesmo a contactar O Mensageiro de Bragança, mas a preguiça venceu-me. O apontamento que se segue é só para responder ao seu amável pedido, que me sensibilizou.

O meu Padrinho estagiou em Londres, creio eu em 1937 e 1938. Ainda é vivo, tem 91 anos, reside num lar no Bairro da Serafina, em Lisboa. Os Pauliteiros de Cércio foram exibir-se no Folk-Dancing-Festival no Royal Albert Hall, ainda hoje uma das mais prestigiadas casas da música à escala mundial (basta pensar nos Promes, difundidos no Verão para todas as estações de rádio, também à escala mundial).

Nessa altura, na Casa de Portugal em Londres, situada em Piccadilly, pediram-lhe para aconpanhar um grupo fólclórico de mirandeses que vinham actuar no referido festival. Ele e um amigo, Jaime da Silva Dray, receberam-nos cheios de curiosidade. A imprensa Britânica elogiou-os. O meu Padrinho guardou fotografias e um recorte do jornal The Daily Express.

O passeio com eles em Londres foi inesquecível. As pessoas paravam no metro para ver aqueles homens de bigodes com chapéus floridos, com estranhas saias e umas perneiras cheias de rendas. Actuaram por duas vezes, e agradeciam erguendo os enormes chapéus na vertical acima da cabeça, rodando o corpo a 360º. No intervalo, o director da Casa de Portugal veio dizer-lhes que deviam agradecer fazendo vénias ao que eles responderam que não, um português nunca dobrava a cerviz, agradece sempre de cabeça levantada. Os oito mil lugares do Royal Albert Hall estavam completamente esgotados.

Foram filmados nos estudios da BBC para uma curta-metragem que apareceu em todos os cinemas do Reino Unido. O director de cena queria só algumas passagens de cada dança, eles disseram-lhe que não, um pauliteiro dança do princípio ao fim, dá tudo com amor pela arte.

O Embaixador português em Londres, Prof. Rui Ulrich, ofereu-lhes um beberete na companhia da sua mulher, a escritora Veva de Lima. O meu Padrinho não esqueceu a dignidade dos pauliteiros que a tudo respondiam de maneira apropriada e sóbria. Eles sofriam muito com a comida inglesa e pediam a toda a hora bacalhau e produtos de fumeiro. No Soho, bairro tipico de Londres, lá se encontrou bacalhau salgado seco que uma cozinheira preparou com batatas e couves.

Quando chegaram a Lisboa, e perguntados sobre o que haviam mais gostado em Londres, logo responderam fora o bacalhau em casa da Srª Cabral...

Prometo voltar a escrever sobre esta viagem memorável e hei-de pedir aos filhos do meu Padrinho se me deixam copiar as fotografias e o recorte desses pauliteiros de Cércio.

Agora uma recordação da Guiné. Um dos meus camaradas de quarto em Bambadinca era o Abel Rodrigues, que vive em Miranda, que me prometeu que dançaria a dança dos paulitos, o que nunca fez. Tenho por ele uma grande amizade e dentro em breve ele vai aparecer na Operação Macaréu à Vista. Conto com a retribuição do seu marido, falando-nos dessa povoação de Geba, de que Missirá estava relativamente próxima.

Cordiais cumprimentos do Mário Beja Santos.
__________

Notas dos editores:


Os Pauliteiros de Cércio, hoje
Foto: Portal do Nordeste
Transmontano > Pauliteiros >
(com a devida vénia...)




(1) Mensagem, de 23 de Junho último, da esposa de Belmiro Vaqueiro, nosso tertuliano, para Beja Santos

Assunto: Recordações - Grupo de Pauliteiros de Cércio

Dr Beja Santos:

Sou esposa do tertuliano Belmiro Vaqueiro, ex-furriel miliciano que fez parte da Companhia de Caçadores 1426, sediada em Geba-Bafatá, nos anos de 1965 a 1967.

Há dias o meu marido chamou-me a atenção para um extracto de uma sua carta que endereçou ao seu Padrinho onde focava alguns episódios, por ele testemunhados, ao acompanhar em Londres o Grupo de Pauliteiros de Cércio (2). É que eu sou natural do lugar de Cércio, [Miranda do Douro,] e familiar muito chegada de alguns dos componentes desse grupo, infelizmente já
falecidos.

Os factos que relata na sua carta e que muito me sensibilizaram,em parte eram para mim desconhecidos. Na aldeia apenas se comenta que foram muito aplaudidos.

Dr Beja Santos, gostaria de saber se as recordações do seu Padrinho, acerca da ida do Grupo de Pauliteiros de Cércio a Londres chegaram a ser publicadas e, no caso afirmativo, onde poderão ser adquiridas.

Desculpe a minha ousadia mas ficar-lhe-ía muito grato por uma resposta. Cumprimenta-o. Ana Maria Vaqueiro.

(2) Vd. post de 22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1870: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (51): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)

Guiné 63/74 - P2038: Os pára-quedistas no mítico Cantanhez: Operação Tigre Poderoso (I parte) (Victor Tavares, CCP 121 / BCP 12)

Guiné > Algures > O 1º Cabo Pára-quedista Tavares, da CCP 121/BCP 12 (1972/74). Sob a capa do duro e eficiente operacional, um grande homem, generoso e sensível, ontem como hoje...


Foto: © Victor Tavares (2007). Direitos reservados.


I parte do texto enviado em 2 de Julho de 2007 pelo nosso camarada Victor Tavares (ex-1º Cabo Pára-quedista, CCP 121/BCP 12, Brá, 1972/74). Fixação do texto e subtítulos, da responsabilidade do editor L.G.


Cantanhez > Operação Grande Empresa (Comando Chefe) / Operação Tigre Poderoso (BCP 12) > De 12 Dezembro de 1972 a 19 de Janeiro de 1973 (1)


Um grande aparato bélico para frustrar as intenções da ONU

Esta operação foi planeada e realizada na sequência da visita de uma delegação de observadores da ONU à região do Cantanhez, a qual o PAIGC considerava zona libertada. A existência de regiões libertadas era condição essencial, no âmbito neste órgão internacional, para que a Guiné viesse a ser reconhecidA tornasse como estado independente.

Com o tempo de permanência no Cantanhez, fomo-nos apercebendo que na realidade o PAIGC tinha uma forte componente militar na zona e nas regiões próximas (Bedanda, Cabolol, Tombali, Guilje)e aonde dispunha de fortes unidades de reserva, em número bastante considerável.

Em resposta a este organismo internacional e para provar o contrário o Comando Chefe decidiu demonstrar que o controlo daquela região era nosso, o que na realidade era mentira.

A partir daqui só com uma grande intervenção militar é que se justificaria o domínio do Cantanhez, o que até aí não acontecia.

O Comando Chefe entrega então esta dura e epinhosa missão ao BCP - Batalão de Caçadores Pára-quedistsas nº 12, Comando e duas companhias, as CCP 121 e 123, tendo ainda sob o seu comando outras unidades terrestres, navais e aéreas.

No início desta grande operação e quando de Cufar nos deslocávamos helitransportados para o objectivo, o espectáculo visto do ar era impressionante: no rio, várias lanchas de desembarque, intercaladas com navios patrulhas e botes dos Fuzileiros que protegiam as embarcações; havia Sintex em grande quantidade; os aviões e os helicópteros uns iam para Cadique. outros para Caboxanque; os FIAT 91 bombardeavam os objectivos... Enfim, foi a operação mais espectacular e não menos perigosa, das muitas em que participei.

No mês de Novembro, antes do início desta Operação as Companhias de Pára-quedistas fizeram vários heliassaltos a objectivos nesta região, tendo tido alguns contactos de alguma dimensão que por vezes nos obrigavam a recorrer ao pedido de apoio aéreo do helicanhão. Capturámos então vário armamento e também um comandante de um grupo de artilharia do PAIGC, mais concretamente de canhão sem recuo, o qual veio a ser utilizado como guia para nos levar a alguns objectivos.

Ao tomar a decisão de reocupar o Cantanhez, o Comando Chefe quis dar a entender que as nossas forças controlavam toda a província, o que não era verdade. Tal como aqui, muitas outras zonas eram na realidade controladas pelos guerrilheiros do PAIGC. Quem, de resto, percorreu aquela Província nos vários sectores e zonas operacionais, sabe perfeitamente qual era a realidade.

Pouco se tem falado do Cantanhez, no entanto esta operação embora não empregando muitos efectivos militares na reocupação efectiva da região, foi em minha opinião a de maior envergadura realizada na Guiné e talvez em todas as nossas províncias na altura em guerra.

A par da amplitude da missão, e a sua muito longa duração, houve que ter em conta a complexidade da manobra, a força do Inimigo no terreno, as clareiras, as muitas linhas de água com imensas e dificílimas zonas de tarrafo nas quais tínhamos obrigatoriamente que passar.

Um desembarque desastroso em Cadique

Em Cufar antes de partir para Cadique, o primeiro bigrupo, e para Caboxanque, o segundo, fomos informados pelos nossos comandantes de pelotão que nesta operação iriam estar envolvidas outras forças alem dos Pára-quedistas e que as mesmas desembarcavam em três locais diferentes, Cadique, Cafine e Caboxanque. Nestes dois últimos os desembarques correram bem, as bolanhas que separavam o rio da orla da mata eram grandes e propícias à actuação do IN, o que felizmente não veio a acontecer, isto também derivado aos patrulhamentos que tínhamos aí executado.

Em Cadique o desembarque foi bem mais complicado, não houve resistência do IN porque já patrulhávamos há alguns dias aquelas zonas, mas o local escolhido para o efeito não foi o melhor, era bastante alagadiço e era também numa bolanha, onde apenas deu para descarregar o pessoal de uma companhia do exército. As viaturas e tractores da engenharia que iriam abrir caminho, logo que saíram das lanchas ficaram atoladas, o que veio a complicar bastante a manobra da acção planeada. O material só veio a ser desenterrado, com grande dificuldade, tendo atingido terreno seguro ao fim de três dias.

A CCP 123 no ataque a um quartel do PAIGC: à terceira foi de vez


Ao mesmo tempo desenrolava-se o ataque a um quartel do PAIGC, executado por uma Companhia de Pára-quedistas, a 123, aonde se encontravam os comandantes da Guerrilha daquele sector e estavam concentradas bastantes forças. Este quartel foi bombardeado pelos FIAT 91 e logo de seguida foi colocado um bigrupo helitransportado que foi ao assalto encontrando forte resistência dos ocupantes do quartel, e não tendo conseguido a sua ocupação nesta primeira tentativa. Por isso novo bombardeamento foi feito e nova tentativa fizeram os Pára-quedistas, mesmo assim ainda não foi desta que o assalto se concretizou.

Só após nova tentativa, a terceira, é que foi de vez, embora com as nossas forças já reforçadas por mais um grupo de combate que para ali foi deslocado. A luta para entrar neste quartel foi terrível: não fosse a coragem a determinação e a disciplina de fogo dos Pára-quedistas e poderia aqui acontecer uma enorme tragédia e uma grande derrota para as nossas forças e um revés enorme para o Comando Chefe que apregoava aquela zona como estando sobre o nosso domínio.

Aqui os Pára-quedistas sofreram um morto e vários feridos, incluindo o Comandante de companhia que só aceitou ser evacuado depois da tomada do aquartelamento se consolidar.

Esta acção foi uma dura machadada nas hostes do PAIGC naquela zona, tirando-lhe alguma margem de manobra e capacidade de actuação.

No entanto as forças que o PAIGC tinha em todo aquele sector eram em elevado número como se viria a confirmar durante o tempo em que nós lá permanecemos, atendendo à quantidade de contactos que viemos a ter durante os patrulhamentos diários que executávamos.

Eis o filme dos acontecimentos:

12 de dezembro de 1972:

A CCP 121 embarca na Base Aéra 12, em Bissalanca, em NordAtlas, com destino a Cufar.

Daqui partiu o primeiro bigrupo composto pelos primeiro e segundo pelotões. depois de recebermos informação sobre o tipo de acção e os moldes como iria ser desenvolvida no terreno. O destino do meu bigrupo era Cadique para onde fomos helitransportados em equipas de 5, sendo colocados em locais estratégicos isoladamente e batendo a zona indicada até ao ponto de reunião, local onde veio a nascer o destacamento.

Durante toda esta acção nenhuma das equipas teve contacto com o IN, apenas encontrámos população desarmada que conduzimos para o ponto de reunião, aonde foram interrogados pelos nossos guias – intérpretes.

Aqui neste local existiam várias Tabancas, a zona era aberta e dali partiam picadas em várias direcções, bastante utilizadas. Bem perto deste local os residentes tinham lavras onde semeavam os seus alimentos, milho, mandioca, mancarra e várias qualidades de hortaliça. Também aqui havia algumas bananeiras, mangueiras, a partir desta horta no sentido de Caboxanque existiam varias ruínas de grandes habitações que tudo indicava serem de grandes senhores que por lá passaram antes do abandono desta zona. Até a carcaça de um automóvel lá se encontrava, estacionada no meio de um arvoredo. Aqui as picadas eram algumas delas já bastante largas embora sem utilização a muito tempo.

Entretanto iniciámos um patrulhamento a nível de pelotão até junto a uma picada pedonal que dava para Jemberem e que era bastante utilizada , aonde emboscámos durante cerca de uma hora sem que o IN se tivesse revelado. Regressámos ao ponto de encontro e foram-nos dadas indicações das posições onde ficariam instaladas as secções e os dois pelotões. Foi aí que pernoitámos, sendo pedido o bombardeamento da zona pelos obuses de Cufar, para no dia seguinte se abrirem valas e descapinar a área mais próxima das nossas posições e tentarmos arranjar as melhores condições para podermos passar e sobreviver da melhor forma o tempo que nos estava destinado ali passar.

Quero também referir que o segundo bigrupo da CCP121 formados pelos terceiro e quarto pelotões, foi também colocado em Caboxanque com o mesmo tipo de missão.

13 de Dezembro de 1972

Patrulhamento feito pelo 2º Pelotão: a registar, que fizemos vários km ultrapassando a picada que dava para Jemberem, indo na direcção de Cadique Nalu e chegando até à bolanha que antecedia este lugar aonde nos emboscámos durante algum tempo, perto de uma picada que ladeava a bolanha e que era bastante utilizada. No entanto não referenciámos qualquer elemento IN, armado.Posto isto levantámos a emboscada fazendo o regresso pelo lado das Caxambas Balantas.

Passados pouco tempo, 20 a 30 minutos, o Pára-quedista Domingos que seguia na frente, apercebeu-se da aproximação de algo que não se estava a espera, por não ter sido ainda referenciado. Porque a mata era tremendamente densa, fazíamos a deslocação a corta mato, e netão deparámos com várias Tabancas ordenadas em círculo, e bem construídas.

Um revés para o PAIGC ... que continou a controlar o Cantanhez

Instalámo-nos,embrenhados na mata sem sermos detectados. Estaríamos a cerca de 50 metros deste objectivo. Formámos em linha, aguardando ordens para o assalto com uma frente de 10 a 12 homens. O movimento de pessoas era pequeno dentro do círculo referido. Foi dada ordem para avançarmos com redobradas cautelas, até sermos referenciados. A partir desse momento os elementos do grupo de assalto ultrapassaram todas as tabancas, instalando-se depois delas e montando segurança enquantp os restantes elementps passavam revista às moranças. Foram encontradas várias peças de fardamento de tipo cubano e algumas munições.

É de referir que aqui encontrámos varias pessoas, todas de idade avançada, que sendo interrogadas nada de importante disseram como já era habitual. Abandonámos então este local por uma de várias picadas que partiam deste aldeamento em várias direcções e que nos levaria até à margem de um rio antecedido por uma pequena bolanha.

A partir daqui continuávamos o patrulhamento por picada que nos levou até junto de uma pequena lavra, onde trabalhava uma mulher de 30 e poucos anos e dois meninos entre os 6 e os 10 anos. Foi interrogada pelo Baldé, nosso intérprete, o resultado foi o mesmo: Mi ca sibe, nunca sabiam de nada.

Entretanto à nossa esquerda, não muito distante, é dada uma rajada curta, seguida de mais uns tiros isolados. Eram os guerrilheiros que estavam por perto e que tentavam desviar-nos as atenções e ver se mudávamos de direcção perseguindo-os. Não foi o caso, seguimos embora ainda com mais atenção, prontos para o que desse e viesse.

Já há algum tempo ouvíamos uns batimentos em algo que nos metia espécie, batimentos contínuos e compassados, mais pareciam o bater de um relógio. Este som ia aumentando quanto mais nos aproximávamos.

Fizémos uma pequena paragem para passado pouco tempo continuarmos a marcha agora a corta mato, em zona de difícil progressão. Esta era a forma mais segura de chegar ao local de onde vinha o som que teimava em continuar cada vez mais intenso.

Além deste som começámos a ouvir o cacarejar de galinhas. Era sinal que perto existiriam Tabancas. Já perto destas mas ainda sem as ver, o som entoava cada vez com mais e mais intensidade, os homens da frente chegam a uma picada que se apresentava na nossa perpendicular.

Já a uma escassa centena de metros do objectivo transpusemos esta picada e logo de seguida outra nos aparece, parámos durante alguns minutos para receber ordens para fazer a entrada no aldeamento do qual não se sabia a dimensão.

É dada ordem para avançar em linha em direcção ao som, andados nesta direcção mais ou menos 50 metros conseguimos ver algumas das Tabancas. Parámos mais um pouco e o movimento de algumas pessoas era notório, faltava saber era se estavam armados.

Demorou pouco, pela nossa retaguarda por uma das picadas que davam acesso ao aldeamento aparece um grupo de Guerrilheiros que se estimavam na ordem de 15 a 20 - pelo menos 11 contei eu pelas as pernas, a mata era como digo atrás muito fechada , daí a dificuldade de ver todo o grupo que ainda por cima se deslocava paralelamente à nossa posição.

Segundos depois a escassos 20 metros de nós, o primeiro homem deste grupo abrandou o andamento e parou ao mesmo tempo que abriu fogo na nossa direcção , recebendo de imediato uma forte reacção dos Pára-quedistas que abateram este e mais dois guerrilheiros.

Depois de um contacto que durou vários minutos, capturámos 1 Degtyarev, 1 Kalachnikov, 2 RPG 2, várias fitas de transporte e 5 granadas de RPG 2, além de uma mochila com livros e documentos.

Durante este contacto os Guerrilheiros do PAIGC utilizaram vários RPG. É de referir que a utilização destas armas aqui nesta zona em maiores quantidades tinha a sua justificação. De facto, a mata as bolanhas e os rios que éramos obrigados a atravessar eram sítios propícios para ataques a uma distância considerável. Os guerrilheiros sabiam perfeitamente isso e tiravam daí algum partido, pelo menos em termos psicológicos, porque o efeito dos seus rebentamentos metia respeito e por vezes fazia ronco.

Terminado o contacto foi feito o reconhecimento ao local onde os guerrilheiros estavam instalados, recolhendo o material atrás referido.

Simultaneamente um grupo de Pára-quedistas avançou para o aldeamento aonde se encontrou peças de fardamento e munições de armas ligeiras e algumas granadas de RPG 2 e 7.

Quando nos encontrávamos a passar revista as palhotas que eram em grande quantidade, entre 20 a 30, fomos atacados à distância por lança-granadas que os Guerrilheiros apontavam aos troncos e ramos das árvores, escavacando as mesmas de forma que alguns ramos caíam acompanhados de chuva de folhas que se soltavam com as fortes explosões. Aqui por sorte não tivemos qualquer problema , aqui também se verificou então a origem do som que se ouvia anteriormente, era a construção de uma canoa feita de uma enorme árvore com 6, 7 metros de comprimento. Dos construtores, nem vê-los aqui, apenas encontrámos população idosa e alguns garotos. De dentro do aldeamento ainda fizeram alguns tiros na nossa direcção talvez protegendo a fuga de pessoal que lá se encontrava.

Fizemos a retirada deste local através de uma das picadas existentes que nos levaria até junto de um rio o qual viemos a atravessar com grande dificuldade uma vez que a água se encontrava a subir, o que nos surpreendeu pela rapidez, tendo em alguns locais a água chegado até ao peito.

Saindo da Bolanha , dirigimo-nos para Cadique Nalu seguindo por um pequeno trilho até a um pequeno aldeamento abandonado. Daqui rumámos em direcção a Cadique City onde chegamos perto do anoitecer.

(Continua)

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 27 de Junho de 2007 Guiné 63/74 - P1891: O Cantanhez (Cadique, Caboxanque, Cafine...) e os paraquedistas do BCP 12 (1972/74) (Victor Tavares, CCP 121)

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2037: Memória dos Lugares (2): de Elvas a Bissorã e de Lamego a Biambe, com a CART 730 (Parte II) (João Parreira)

1. Segunda e última parte do texto do João Parreira, evocativo do seu reencontro com os antigos camaradas da CART 730

Metrópole – Biambe- II Parte (1)

O tempo foi-se passando em Bissorã. O Capitão de Artilharia Aníbal Celestino Rocha, Oficial de Operações do Batalhão, deslocou-se a Bissorã por razões que desconheço, e falou-me dos Comandos, dizendo-me que um dos Grupos em Brá precisava de pessoal.

Várias diligêncis depois, ofereci-me. Por motivos que não vêm ao caso agora, perdi a coluna militar para Bissau,para prestar provas. O meu comandante aproveitou o facto de ainda ali estar para me dizer que eu iria participar na operação à base de Biambe e que o Gomes, o meu substituto, não ia.

Era costume estarmos presentes nos briefings que antecediam as operações, em que nos era permitido expôr as nossas opiniões sobre os pormenores das mesmas, e eu não me acanhava, alvitrava uma ou outra alternativa à que era exposta, por me parecer que seria mais viável e menos perigosa. Por hábito, ia sempre no quarto ou quinto lugar da frente, dependia se levámos prisioneiro ou não.
Nem sempre as minhas sugestões eram do agrado do comandante de Companhia (capitão de Artilharia, que não duvido seria óptimo naquela arma, mas não tanto a comandar pela 1ª vez no terreno uma companhia de Infantaria).

Neste curto briefing relativo ao golpe de mão àquela base, o Comandante da Companhia, indicou-nos que iam 4 africanos mas cujas funções não foram claramente mencionadas pelo que segui para a operação com a impressão de que eram 3 guias e 1 guia prisioneio, por ser o único que se encontrava amarrado. Só depois de ler o relatório é que fiquei a saber que afinal eram 2 guias e 2 guias prisioneiros.

Embora a minha seccção, a 1ª do 1º Pelotão, seguisse sempre à testa da Companhia (da 2ª era o Cruz e da 3ª o Bragança), naquele dia, devido à ausência do meu comandante de Pelotão, o Alferes Ferreira que, tal como eu, tinha sido ferido, na operação em Cancongo, encontrando-se ainda hospitalizado, parti do princípio que no final da reunião o Comandante da Companhia ia dar ordem para um oficial seguir à frente com o respectivo pelotão.

Estava enganado pois deu-me instruções para seguir à frente da coluna, levar um dos guia e o prisioneiro que estava amarrado, acrescentando que quando chegasse a altura devia tomar as decisões que fossem necessárias. Assim partimos para a operação às 23,15h.

Furriéis da CART 730 – Da esq para a dir: Venda, Vira, Alcides, Cruz (minas e armadilhas , à frente), Almeida, Passos (transmissões), Parreira (oe), Reis (manutenção auto) e Ribeiro (sapador).

Esta operação, embora o resultado esteja correcto não foi exactamente, nem podia ser, como consta no relatório. Na realidade apenas 5 homens incorporados na Companhia estiveram nas 12 casas de mato que faziam parte da referida base, conforme passo a descrever.



Seguíamos há várias horas pelo trilho em direcção ao que pensávamos ser o objectivo quando, num certo ponto, o guia, que ia à frente da coluna precedido pelo prisioneiro que ia amarrado com uma corda pela cintura e que estava ao cuidado do Leitão, colocou-se ao lado do prisioneiro, trocou umas breves palavras e depois disse-me que nos estávamos a aproximar de uma tabanca.

Dei ordem para prosseguir e quando a mesma estivesse visível que me avisasse. Passado algum tempo apontou-me a direcção de uma enorme tabanca que se podia avistar, não muito ao longe, e disse-me que devia estar abandonada.

Nesse momento parámos, pelo que não querendo assumir a responsabilidade que me tinha sido dada por não se tratar da Base de Biambe, disse ao soldado que seguia atrás de mim para informar o Capitão, que se estava a avistar uma tabanca que, pelo silêncio, devia estar abandonada, e assim ficava a aguardar instruções, no pressuposto que o Comandante me ia chamar para trocar impressões ou então mandar dizer para evitar a Tabanca e seguir por outro trilho na direcção do objectivo.

Fiquei algum tempo à espera das instruções quando para minha surpresa sou ultrapassado por soldados que se encontravam atrás, pensando possivelmente que aquele era o objectivo e por ordem não sei de quem avançaram na direcção da tabanca. Por outro lado, não compreendi a razão pela qual o Cruz e o Bragança também avançaram com as suas secções.

Continuei no mesmo sítio com a minha secção até que, juntamente com os camaradas que passavam por mim dirigindo-se à tabanca, apareceram os outros 2 guias que vinham algures na coluna (afinal, um era guia prisioneiro, muito embora se encontrasse com liberdade de movimentos) que não avançaram e ficaram também ali parados a meu lado.

Com os 4 africanos na minha presença, disse aos guias que perguntassem aos prisioneiros onde ficava a base. Falaram entre eles e um deles disse-me que um dos prisioneiros lhe garantira que a base de Biambe ficava a pouca distância dali, mas numa direcção diferente.

Na posse desta informação, e inconformado com a atitude do pessoal e pela pacifidade dos restantes graduados face à distorção da missão, disse à minha secção que aguardasse pois ia lá atrás falar com o Capitão Garcia.

Naquela altura já ele tinha começado a avançar e acompanhando-o disse-lhe que ali à frente não devia haver nada, conforme o tinha informado, e que o objectivo Inimigo, que era a razão da missão que ele nos tinha indicado no quartel, eram as casas de mato, a base de Biambe, que ficavam noutra direcção, segundo tinha acabado de me dizer o prisioneiro e não aquelas palhotas, e que por conseguinte poderia ser mais conveniente e proveitoso esquecer a tabanca e seguir.
Não ligou às minhas palavras, e, irritado, disse-me que ele é que era o Comandante da Cª. e que quem ordenava o que se devia fazer era ele.

A resposta seca, dura e autoritária na presença dos camaradas que estavam a seu lado, doeu-me tanto como se tivesse sido atingido por uma chicotada. Imediatamente, passou-me pela cabeça, que ia mesmo aventurar-me à procura do acampamento Inimigo,
apoiado por quem quizesse ir comigo.

Animado com a ideia que me tinha acabado de ocorrer, acompanhei-o até ele ter chegado ao lugar onde eu tinha deixado os africanos e a secção. O capitão e os militares que com ele seguiam continuaram em frente, e eu fiquei ali e disse aos africanos para me levarem à Base.

Falei com os meus soldados que ainda ali continuavam no sentido de tentar persuadi-los para avançarmos para a base Inimiga mas não se mostraram entusiasmados, dizendo-me que preferiam seguir também para a tabanca o que me causou grande frustração. Reconheci, contudo, que estavam no seu direito de recusarem.

Para não perder mais tempo, já perto das 4 horas da manhã, disse ao João Maria Leitão, a quem tinha sido entregue o prisioneiro amarrado, se se sentia com coragem para aquela digressão e ele disse-me que sim.

Foto com dois camaradas que sairam da minha secção na CART 730 e depois do 2ºCurso ficaram na 1ª equipa do Grupo cmds. Vampiros: António Paixão Ramalho “Monte Trigo” e o João Maria Leitão ao lado do Alf Mil António Vilaça (ex-CCaç 726), o Djamanca e o Justo. O João Leitão nos Comandos foi agraciado com a Medalha de Mérito Militar.

JP,Saraiva,VB,Marques em Set 65,em Brá

Da minha secção, aproveito para referir que também saiu o Cândido Tavares, o “República”, que ficou no mesmo Grupo mas noutra equipa. Sairam ainda o Furriel Joaquim Prates (que acabou por não frequentar o Curso de Comandos e foi transferido para a CCaç 763 em Cufar), o 1º Cabo Faustino dos Santos Viegas que foi para o gr. Cmds “Centuriões”, ferido em Jolmete em 3Ago65 e evacuado para o HMP, e os soldados Jacinto da Conceição Venâncio que foi para os “Apaches” e o José de Oliveira Gonçalves.

Desconheço os motivos pelos quais quizeram sair da CART 730 para frequentarem o 2ºCurso de Comandos uma vez que todos nós os que o fizemos não tínhamos qualquer problema disciplinar, pelo contrário, o Comandante da Companhia exerceu até alguma pressão para nos desencorajar, pelo que não sendo para seguirem as minhas pisadas, deduzo que deva ter sido, como todos os que foram para os Comandos, pelo espírito de aventura.

No meu caso, não foi pelo facto de ter sido ferido numa operação anterior, juntamente com outros camaradas. O Alf. Ferreira, meu Cmdt. Pelotão, também instruendo no CIOE, onde foi um dos melhores, uma vez chegado à Guiné desinteressou-se totalmente do exército, de tomar qualquer decisão ou até de dar qualquer opinião sobre as operações.

Mas continuando, a caminho de Biambe.


Embrenhados num dos trilhos do mato a caminho do acampamento, no último dia do mês de Fevereiro de 1965, fiquei convencido que os africanos não me estavam a enganar e que o guia prisioneiro que melhor sabia a localização não ia fugir, e que por isso íamos encontrar a Base que segundo a minha perspectiva o inimigo devia ter abandonado ao tomar conhecimento que a tropa andava por ali perto, e não teria tempo de se organizar para nos montar uma emboscada.

Naquela altura, a adrenalina estava ao rubro. Pelo sim pelo não, dei instruções aos guias para que a principal preocupação fosse a de avançarmos com todos os sentidos alerta e concentrados em pequenos pormenores que nos dessem a conhecer com a devida antecedência se o Inimigo se encontrava mais à frente à nossa espera. Assim, iniciámos uma lenta e cuidadosa progressão.

Segundo me tinham dito a Base situava-se perto, o que me fez pensar que me dava tempo para ir e regressar à Companhia, antes de terminarem de vasculhar e, eventualmente, como era hábito, incendiarem a tabanca, o que ia demorar algum tempo, ou que pelo menos não os faria esperar muito.

Estava redondamente enganado, pois por experiência própria fiquei a saber, durante os cerca de 20 anos que andei por países africanos, que para eles africanos era tudo perto, independentemente das distâncias. Todavia há sempre um senão, e a operação não correu exactamento como tinha previsto, já que perto do alvorecer, mas ainda escuro, vi um vulto que em frente do único soldado que ia à minha frente saiu do trilho e correu para o mato.
Apercebi-me que o guia prisioneiro tinha conseguido libertar-se da corda que o atava à cintura pelo que estando totalmente fora de questão tentar abatê-lo a tiro, como levava no bolso uma navalha espanhola, abria-a o mais depressa que pude e atirei-a com toda a força na direcção onde ele tinha entrado no mato, mas claro que não lhe acertei.
Passado pouco tempo chegámos à base de Biambe que, segundo contámos, era composta por 12 casas de mato que tinham sido recentemente abandonadas, possivelmente quando o inimigo viu as labaredas das 26 palhotas da tabanca a subirem para o céu.

Perante este panorama mandava a prudência que saíssemos dali o mais rapidamente possível, tanto mais que um prisioneiro que conhecia aquela zona tão bem como as palmas da mão tinha fugido e, caso entrasse em contacto com os seus camaradas, iria denunciar a nossa presença.

Revistámos apenas algumas casas de mato e encontrámos: 1 GMO-RG34, 4 carregadores de PM, muniçoes de 9mm, 1 bolsa de pano, 1 sabre, 1 cinto de cabedal, 1 grade para GMO e vários documentos.Regressámos com as mesmas precauções, mas por um trilho diferente.

Tendo a Companhia acabado de incendiar a tabanca e preparando-se para retirar, vim a saber depois, o Capitão mandou procurar os guias e os prisioneiros e deu então pela minha falta, altura em que lhe disseram que tinha seguido com eles para a base
inimiga.
Dada a demora em regressarmos começaram a fazer conjecturas sobre o que nos teria acontecido, tendo então decidido dar ordem para 4 Secções irem à nossa procura.

Sem nos terem encontrado pelo facto de terem seguido por uma direcção diferente, as Secções regressaram ao seio da Companhia primeiro do que nós. Quando passadas várias horas chegámos à zona da tabanca, a arder, vimos a Companhia estacionada a aguardar o nosso eventual regresso.
Os soldados da minha secção vieram ao nosso encontro, e perguntei-lhes onde se encontrava o Comandante da Cª. Quando me dirigia para ele,reparei numa bajuda, provavelmente fugida da tabanca, rodeada por soldados.

Postal com bajuda “balanta”, Mansoa

Durante o curto trajecto, alguns soldados da minha secção acompanharam-me e aproveitaram para me informar que um dos assunto badalados durante a longa espera que tiveram que fazer era que o Fur Parreira tinha saido com os guias e ninguém sabia em que direcção. Um deles, bastante agitado, referiu que esteve perto do Capitão, e que o ouviu dizer aos outros oficiais que me ia levantar um processo discipinar. Perante este facto, e devido ao perigo em que estávamos envolvidos, nem sequer me tinha passado pela cabeça essa possibilidade pelo que me deu então para perguntar se na tabanca tinham apanhado algum material de guerra ou documentos e foi-me dito que não.

Quando, acompanhado pelo Leitão, pelos três africanos e também por soldados da secção me abeirei do Capitão que, juntamente com os outros oficiais, ainda se encontrava encostado à àrvore, pude constatar que a sua expressão não era nada agradável.
Sem o deixar falar perguntei-lhe de chofre se tinham apanhado algum material nas palhotas da tabanca e ele que não devia estar à espera que lhe perguntasse fosse o que fosse, muito pelo contrário, respondeu-me laconicamente que não. Não lhe dando oportunidade para falar, e sem lhe dar pormenores do que tinha acabado de fazer, disse-lhe calma e respeitosamente:
- Meu Capitão, afinal esta operação não foi de todo infrutifera, pois trazemos-lhe este material.
Foi com tristeza que de seguida lhe tive que comunicar que o prisioneiro tinha fugido, porém ignorou tal facto e não fez qualquer comentário.O material foi o mencionado no relatório, mas foi a tabanca que foi incendiada pela Companhia e não as casas de mato, que eram 12 e não 8 conforme mencionou.
Foi reconfortante verificar que sendo um oficial amável no trato era todavia um militar exigente, mas também compreensivo,já que não me criticou, limitando-se a dar de imediato ordem para a Companhia se pôr em movimento.

Seguidamente a este episódio fizemos uma batida à área de Chumbume onde localizámos um grupo com cerca de 25 elementos inimigos fardados de caqui amarelo novo, cambando a bolanha e armados de ESP Aut, PM e 1 LGF. etc.

Ataque IN a Bissorã

No dia seguinte das 00h05 as 03h00 o nosso aquartelamento e a vila de Bissorã sofreram ataques do IN. Atacaram de todas as direcções excepto do lado de Binar (tabanca “da outra banda”)e fizeram uso de quase todos os tipos de armamento: P, PM, GM, Esp.aut. e repet,, ML, LGF, Mort 60 e 82. Caíram na área do aquartelamento várias granadas de morteiro e de LGF, felizmente sem consequências.
A forte reacção e posterior perseguição levaram o combate para longe das nossas posições,principalmente do lado da granja e bolanha entre as estradas de Bissorã-Mansoa e Bissorã-Binar.
De madrugada consegui, a muito custo, convencer alguns soldados do pelotão para irmos fazer uma busca ao exterior do arame farpado, e apanhámos uma granada e um frasco de tintura.
De manhã saíu um pelotão que apanhou mais material e à tarde fomos nas Mercedes buscar palmeiras para os abrigos.

Dois dias depois deslocou-se a Bissorã, o Tenente-Coronel Braancamp Sobral(conhecido como o “Cavalo Branco”) que comandava o aquartelamento de Mansoa.
Contava que, mais dia menos dia, houvesse coluna militar para Bissau e assim não ia fazer mais operações com a Companhia. Mas isso não aconteceu. Apesar de já ter um substituto, ainda fiz mais duas operações, uma em Passe e outra em Binar.


Encontro em 5 Mai 07 com o Cmdt. CArt 730 presente


JP, Alf Orlando Valdez (Cmdt.2º.Pelotão), Capitão Garcia e outros camaradas.


Camaradas da m/secção da CART 730, no 4º. Almoço-convívio realizado a 5 de Maio de 2007, no Portal do Infante, na Marina de Lagos (de boina o República, do Grupo Vampiros)

A minha secção era composta pelos seguintes militares: 1º Cabo Francisco Dias, Soldádos José Maria de Oliveira, António Paixão Ramalho, João Maria Leitão, Francisco José Pires, Armindo Jerónimo Barrelas, Cândido P. Tavares, Jacinto Manuel Guerreiro e Custódio António Dias.

A alegria dos soldados!

Durante o período que dei instrução, ainda em Lisboa, passou-se um episódio que nunca poderei esquecer.

Aquele dia estava destinado a um dos treinos de rastejar e decidi que o mesmo fosse efectuado em cima de vários objectos nada aconselháveis, quando o tive que interromper, devido a uma dor súbita, aguda que senti na virilha direita. Chamaram um jipe para me levar de urgência para o Hospital Militar.

Perante o inesperado, eu a torcer-me com dores, e os instruendos a baterem palmas de contentamento por a instrução ter terminado. Fui submetido a uma intervençao cirúrgica e transferido a seguir para o Anexo. Quase a ter alta, fui "provocado" por outro dos internados. Saltei da cama e envolvemo-nos numa vigorosa “guerra” de almofadas. Resultado, os pontos rebentaram e voltei à estaca zero.

Durante o tempo em que estive internado, apresentaram-se do RAL 1 (unidade mobilizadora), o Alferes Ferreira, que iria ser o meu comandante de pelotão e, mais tarde, o Capitão Garcia que iria ser Comandante da Companhia 730.


2. Comentário do co-editor vb:

Completa-se assim o episódio da Metrópole ao Biambe (uma das mais faladas bases do PAIGC no Norte) do nosso Camarada João Parreira.

Estas memórias, tanto quanto me foi dado perceber, ressuscitaram quando se reformou. O Parreira, nos seus tempos de Guiné, fazia um diário, onde anotava desde acontecimentos bélicos a brincadeiras de bom e de mau gosto.

O JP é lisboeta genuíno, nasceu em Alcântara. Antes ainda de ir para a tropa, em Dezembro de 1966, ingressou no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Prestou o serviço militar entre 9 Agosto 1963 e 19 Agosto 1966. Fez a comissão na Guiné de 8 Outubro a 14 Agosto 1966, primeiro na CART 730/BART 733. Foi ferido em 9 Janeiro 1965 numa operação à base de Bafantandem, na zona de Cancongo. Depois, foi para os Comandos Fantasmas do Cap Saraiva. Foi outra vez ferido em 20 Abril 1965 na operação Açor, nas tabancas de Portugal, na zona do Incassol. E como não há duas sem três, voltou a sê-lo em 6 Maio 1965 na operação Ciao em Catungo, Cacine, mesmo ao lado do Morais, que morreu logo ali, com o JP a olhar para ele, sem nada poder fazer.

Regressou ao MNE em Setembro de 1966. Com saudades de África, foi para o Consulado Geral de Portugal em Salisbúria, para a Rodésia em 23 de Dezembro. Geriu o Consulado Geral de 1 Janeiro 1978 a Fevereiro 1980. Passou pelo Malawi entre Abril e Maio de 79 e regressou a Salisbúria. Ia de vez em quando, melhor dizendo, todos os meses a Blantyre, Malawi, fazer a gestão dos consulado. E por lá andou até Março de 80. Depois colocaram-no na Embaixada em Lusaka, Zâmbia, para ajudar a preparar uma visita presidencial e dar apoio consular à comunidade portuguesa. De novo em Lisboa, no MNE em 23 Dezembro 1981. Londres, em 30 Setembro 1982. Depois, Harare, Zimbabwe em Janeiro de 1989. Em Agosto de 1994, outra vez em Lisboa, no MNE.

E medalhas, João?

Da Guiné, as que tenho trago-as comigo, estão aqui, no corpo. Pelo meu trabalho no MNE, o Presidente da República espetou-me no peito a Ordem do Infante D. Henrique, que está guardada num estojo, em minha casa.

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Nota de v.b:

(1) Vd. post anterior > 1 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2020: Memórias dos Lugares (1): de Elvas a Bissorã, e de Lamego a Biambe, com CART 730 (Parte I) (João Parreira)