terça-feira, 16 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)


Guiné > Voz da Guiné > Folha de rosto da Separata do nº 203, de 30 de Junho de 1973, dedicada ao Dia dos Comandos. Na primeira página vêem-se duas fotos: à direita, do major João de Almeida Bruno, que cessava funções como comandante do Batalhão de Comandos da Guiné; e à esquerda, o novo comandante, o major Raul Miguel Socorro Folques.

Foto: Eduardo Ribeiro (2006). Direitos reservados.


1. Texto enviado, em 13 de Janeiro corrente, pelo Amilcar Mendes (ex-1º cabo, 38ª Companhia de Comandos, Guiné, Brá, 1972/74; hoje, taxista da praça de Lisboa):

A Guerra da Guiné e os Direitos Humanos
por A. Mendes

Vitor Junqueira, Luís Graça e demais membros da nossa tertúlia:

De há uns tempos a esta parte tenho sido mais leitor que interveniente, porque algumas coisas que vou lendo no Blogue, sobre o tempo da guerra da Guiné, me obrigam a estar calado. De facto, os comentários que vou lendo confundem-me ao ponto de não saber se falamos da mesma guerra e da mesma Guiné.

Primeiro que tudo estou no Blogue porque sou um ex-combatente da Guiné e é essa a razão deste Blogue. Trocarmos impressões sobre o que passámos é saudável. A razão por que é que passámos, isso é já história política. Para isso existem os letrados e iluminados que escrevem sobre as causas e consequências.

Vem isto a propósito dos comentários que aqui li sobre a Convenção de Genebra, Operação Mar Verde, Massacres, Direitos dos Combatentes e dos coitadinhos dos guerrilheiros do PAIGC! (1)

Por favor, não insultemos a memória dos que morreram em combate. Alguém que lá esteve pode achar que os turras eram meninos de coro? Será que o Vitor Junqueira e eu estivemos na mesma guerra ?

No ano de 1973, na estrada de Mansoa -Mansabá, numa emboscada a uma coluna junto ao chamado Carreiro da Morte, os senhores guerrilheiros do PAIGC apanharam à mão três agressores militares portugueses e, cagando para direitos ou convenções de guerra, cortaram-lhe o sexo e enfiaram-lho na boca depois de os matarem a sangue frio!

Se tal, como nós, cumpriam o direito defendendo a Pátria (não sei se a minha ou a deles), expliquem-me por favor quem é que era santo?

Fui combatente, como vocês, matei para não ser morto. A forma como, não tem a ver. Ou será que o Vitor ia para a mata com a Bíblia numa mão e a arma noutra ?

Enfim, relembremos Guidaje, Guileje, Canquelifá, Boruntuma, Gandamael, etc. porque o PAIGC não se limitou a defender a sua (deles) Pátria.

O Vitor fala em stresse de guerra, mas já tentou saber se tem a ver com a forma ou o conteúdo? Quem sabe o que se passou em Wiriamu ? Vamos condenar à pena de morte quem lá esteve? Para expiarmos todas nossas culpas, como combatentes, vamos ter que julgar toda a humanidade? Eu posso apresentar ex-comandos que lá estiveram, para o Vitor, o Luís e os demais tertulianos ouvirem a outra parte da história...

Já agora, e a propósito de direitos, olhemos para o que está a acontecer na Guiné e com a herança do PAIGC.

Vitor, Luís e restantes tertulianos, um abraço.

A. Mendes

2. Comentário do editor do blogue:

Meu caro Amílcar:

A gente ainda não se conhece pessoalmente mas já temos falado várias vezes ao telefone, e até lá temos apalavrada uma ida à sede dos Associação dos Deficientes das Forças Armadas, aqui mesmo ao lado da minha chafarrica, para dar um abraço a um amigo comum, o Patuleia...

Há muitas feridas de guerra, no corpo e na alma, que não saram e que vão morrer connosco. É o caso do Patuleia, que é uma figura conhecida, que dá a cara (e que cara!) pela ADFA, e por todos nós. É uma problemática dolorosa, essa, a do deve-e-haver da nossa guerra em África (sem esquecer a Índia, Timor, etc., como muito bem nos chamava ontem à atenção o António Rosinha) (2).

Como qualquer membro da nossa tertúlia, tu tens direito à palavra. Não preciso de te dizer que o teu testemunho, como homem e como operacional, me sensibilizou, e tem enriquecido o nosso esforço colectivo para reconstruir e divulgar a nossa memória da guerra na Guiné.

Como sabes, aqui - naquilo a que eu chamo a nossa caserma virtual - tratamo-nos por tu, o que não quer dizer menos respeito uns pelos outros, respeito pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (assumindo o que fomos ontem e o que somos hoje, sem culpa, sem complexos, sem acusações). Mas também sendo capazes de manifestar, de maneira franca e serena, os nossos pontos de vista, e sobretudo as discordâncias... Saudavelmente, como amigos, como camaradas... Na prática, como sabes, estas regras não fáceis de aplicar... Mas esforçamo-nos por consegui-lo...

Nunca escondemos uns dos outros que não pensamos todos pela mesma cabeça, nem sentimos todos pelo mesmo coração... A nossa riqueza está justamente no nosso pluralismo e na capacidade de gerir as nossas diferenças... É certo que nem sempre lemos o que outro escreve... Tu, por exemplo, se calhar não entendeste bem o que o Vitor quis dizer, ou então foi o Vitor que não comunicou bem... Compete a ele esclarecer-te, se for caso disso. Mas eu insisto: temos que aprender a ouvir os outros...

Para trás ficaram, entretanto, as velhas rivalidades entre infantaria, cavalaria e artilharia, entre a terra, o mar e o ar, entre a tropa-macaca e a elite da tropa, entre tropas africanas e metropolitanas, entre pessoal do quadro, do contigente geral e milicianos, entre operacionais e pessoal de apoio...

Aqui também não há bons nem maus, heróis ou cobardes, gente politicamente correcta ou incorrecta, letrados e iletrados... Somos camaradas, ponto final. A mim, compete-me dar igualdade de oportunidades a todos os que me escrevem, o que nem sempre seguramente consigo.

Não me compete tomar posição a favor de A ou B. Não sou juiz nem fiel da balança. Mas, confesso, que não gostaria que o nosso blogue fosse uma arena de combate. Não cultivo nem gosto de cultivar a polémica. Acho que podemos (e devemos) dizer olhos nos olhos (neste caso, no ecrã do computador) o que nos divide, o que nos separa... De preferência, com elegância, sem insultos, e com factos a fundamentar o que escrevemos... Esta pedagogia tem funcionado. E eu acho que podemos orgulhar-nos do nosso blogue, da nossa convivivência, e até da gente da nossa geração.

Não temos de estar acordo sobre questões dolorosas, dolorosíssimas (e ainda polémicas), do nosso passado recente (para não falar da nossa vasta e riquíssima história enquanto povo, estado e nação): os massacres de 1961 (em que morreram milhares de portugueses e angolanos, inocentes), os excessos (e crimes) que se cometem em todas as guerras, de um lado e de outro, Nambuangongo, Mar Verde, Wiriamu, Nó Górdio... Não estaremos de acordo seguramente sobre as razões por que fomos parar à Guiné, a Angola ou a Moçambique. Ou sobre a descolonização. Como a guerra foi conduzida pelos nossos chefes, políticos e militares.

Não podemos evitar falar de tudo isso, dessas e doutras questões ditas fracturantes. Podemos fazê-lo, mas de preferência evocando a nossa condição de protagonistas, testemunhas ou historiógrafos... Por exemplo, eu não estive em Wiriamu, nem estou suficientemente documentado para ter opinar sobre o que lá se passou... Eu nunca passei no Carreiro da Morte, na estrada de Mansoa-Mansabá e já não estava na Guiné, em 1973, mas gostava de saber quem (do lado do PAIGC e das NT) esteve envolvido nessa macabra cena que tu relatas...

Eu também não estive no chão manjaco mas quem lá esteve (o Afonso M.F.Sousa, o João Tunes) pode dar o seu testemunho (ou opinar) sobre o massacre do PAIGC que vitimou três dos nossos três melhores oficiais superiores do tempo do Spínola... Um historiador, como o Leopoldo Amado, também tem autoridade para falar sobre esse assunto, porque fez investigação de arquivo ou entrevistou dirigentes do PAIGC... Eu, confesso, que não tenho autoridade para o fazer, é uma questão de honestidade intelectual... (E a propósio, vamos abrir em breve um dossiê sobre este melindroso e doloroso tópico da guerra da Guiné, sob a direcção do Afonso M.F. Sousa)...

Por fim, queria só lembrar que também é nosso apanágio respeitar (ou tentar respeitar) o nosso inimigo de ontem... Eles, de facto, não eram meninos de coro. Mas não nós também não éramos turistas. Dito isto, concordo com o Pedro Lauret e o Vitor Junqueira: a guerra, todas as guerras, têm regras. E quanto ao Amílcar, queria só acrescentar: Todos matámos para não morrer... Afinal, todos fomos para a Guiné com "licença para matar e morrer"...

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

13 de Janeiro de 2006 < Guiné 63/74 - P1425: Questões politicamente (in)correctas (16): na guerra, de facto, não vale tudo, também há regras (Vitor Junqueira)

12 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1423: Questões politicamente (in)correctas (15): Na guerra não vale tudo (Pedro Lauret)

(2) Vd. post de 15 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1432: Pensamento do dia (10): Honrar os que morreram no Ultramar (António Rosinha)

segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1434: Artilharia em Guileje: a peça 11.4 e o obus 14 (Nuno Rubim)

Vendas Novas > Museu da Escola Prática de Artilharia > 1998 > Duas peças de artilharia usadas no Guiné, e que os leigos confundem com frequência : a peça 11,4 e o obus 14.


Texto e foto: © Nuno Rubim (2007). Direitos reservados.

Caro Luís:

Continua a haver grande confusão sobre o material de artilharia (português ) que esteve em Guileje.

Fala-se indistintamente da Peça de 11, 4 cm e do Obús de 14 cm. Pode ser que, em data a averiguar, os segundos tenham substituído os primeiros.

Eram parecidos (mesmo reparo ) só que o 11, 4 cm era de menor calibre e com o tubo mais comprido ( ver imagem acima)

Será que é possível colocar esta questão no teu blogue ?

Também interessaria saber quando foram para lá e quais os comandantes dos pelotões de artilharia que lá prestaram serviço.

Um abraço

Nuno Rubim (1)

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 18 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1189: O tertuliano Nuno Rubim, especialista em história militar

Guiné 63/74 - P1433: Bissau, cidade de terra quente e argilosa (Álvaro Mendonça de Sousa, Manutenção Militar)

Guiné > Rio Geba > A caminho de Bissau > 1968 ou 1969 > O Fur Mil Carlos Marques dos Santos, da CART 2339, Mansambo, 1968/69, num dos típicos barcos civis de transporte de pessoal e de mercadoria. Estes barcos (alguns ligados a empresas comerciais, como a Casa Gouveia) tinha, como principal cliente a Manutenção Militar.

Foto: © Carlos Marques dos Santos (2006). Direitos reservados.

Mensagem de Álvaro Mendonça, que esteve em Bissau, como furriel miliciano, na Manutenção Militar, em 1966/68, e que mora em Ermesinde:

Caro Humberto Reis:

Permita-me que lhe dirija a carta que envio em anexo, pois não resisti àtentação de o fazer, depois de ver as fotos e as lembranças da cidade deBissau que ambos percorremos em situações semelhantes, muito embora eu seja mais velhinho. Recordo que fui dos primeiros a usar farda verde dos periquitos que substituiua farda amarela dos chamados maçaricos.

Álvaro Mendonça
Ermesinde
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Bissau - Cidade de terra quente e argilosa
por Álvaro Mendonça de Sousa

Caro Humberto Reis,

Foi com um misto de saudade e de emoção que visionei, casualmente, as fotos da Guiné editadas na vossa página sobre a história da guerra colonial, e em especial sobre Bissau, pois são raras as imagens que nos chegam daquele país.

Saudade, porque ali fiz muitos amigos. Saudade porque ali vivi dois anos da minha juventude. Saudade das minhas irreverências, das quais, insisto em me desculpabilizar porque tinha então 23/25 anos. Irreverências de quem, felizmente, nunca sentiu na pele os horrores das emboscadas, dos tiros, dos sobressaltos. Diversões próprias de quem, como eu, nunca sentiu a dor de assistir à tragédia dos camaradas que pereceram tombados no combate que Lisboa impôs a uma geração de guerrilheiros à força, durante longos 13 anos.

Não assisti a todo esse trágico cortejo de corpos evacuados em helicópteros porque estive sempre longe do cenário de guerra e porque me calhou em sorte iniciar e terminar a minha comissão (1966/ 1968), como furriel miliciano na Manutenção Militar, em Bissau.

Emoção, por ter passado em revista todos aqueles lugares, agora desoladamente degradados, por onde vagueei:

- a Praça do Império
- o Palácio do Governador nas traseiras do qual se situava a messe da MM [Manutenção Militar]
- o lugar onde ficava a esplanada do Café Bento, agora transformado em posto de venda de combustíveis
- o Mercado Central que exalava aquele cheiro pestilento do peixe a secar ao Sol
- o próprio edifício da MM, que se vê numa das fotos e ao lado do qual está o Pelicano, do qual não me recordo, porque deveria ter sido construído já depois do meu regresso à metrópole
- a antiga Avenida do Império, onde se situava a catedral e o cinema da UDIB, que eu frequentei com alguma assiduidade, para assistir às sessões de cinema, às vezes interrompidas, quando chamado com urgência para abastecer os Unimogs ou as lanchas para partirem à noite para o mato.

E as escapadelas ao Bairro do Cupelon [u Pilão], e as noitadas da cerveja e das ostras no Café Portugal? E as codornizes fritas do Zé da Amura?

Que será feito do célebre Hotel Berta, onde se comiam os melhores gelados do Mundo?
Mas o que mais me emocionou foi ver, através das fotos, o estado de ruína desta cidade de terra vermelha.

Ao lembrar-me de tudo isto e ao escrever estas linhas não consegui travar algumas lágrimas. Sobretudo, porque à distância de quarenta anos no tempo, não mais consegui reunir todos os camaradas desse tempo, todos esses amigos que, como muito bem sabe, eram a nossa família de afinidade durante 24 os 25 meses de comissão.

Não tenho o prazer de o conhecer, mas julgo que o Humberto comungará dos mesmos sentimentos!

Aceite um abraço de camaradagem e obrigado pelas fotos editadas no site que me proporcionaram reviver dois anos da minha vida!

Álvaro Mendonça de Sousa
Ermesinde

Guiné 63/74 - P1432: Pensamento do dia (10): Honrar os que morreram no Ultramar (António Rosinha)

Guiné-Bissau > Bissau > 1984 > TECNIL: Projecto de construção do novo cais... Dos portugueses e de Portugal (da nossa engenhaia, história, cultura, língua, etc.), o que é que ficou na Guiné, pergunta o Tó Rosinha, antigo topógrafo da TECNIL no período do pós-independência.

Texto e foto: © António Rosinha (2006). Direitos reservados.


Texto do António Rosinha (1), inserir na série Pensamento do Dia (2):

Já se passaram mais de 30 anos sobre o fim das várias frentes de guerra, Guiné, Angola, Moçambique, Índia (também aqui morreram militares), e Timor (onde igualmente morreram militares). Não falemos de Macau, Cabo Verde, São Tomé, São João Batista de Ajudá...

Chamemos-lhe guerra do Ultramar, Colonial, de África... Foi uma guerra de tal dimensão, que quando os nossos filhos e netos souberem que em Guileje, Guidaje e Madina do Boé,já nem o português/crioulo se fala, e que foi principalmente nessas terras que se deu o desenlace final, (com intervenção internacional, inclusive mensalmente debatido na ONU), dirão os netos e dizemos nós, tanto suor e NEM O CRIOULO FICOU?

É verdade, qualquer político guineense que vá àquelas terras, ou fala Francês ou leva um tradutor da lingua étnica.

Uma maneira de honrar os que morreram no Ultramar, era Portugal não deixar morrer a língua. Mas parece que fica muito caro. Eu mesmo já conheci um bom professor de português, em Bissau, de nacionalidade russa, porque Portugal não garantia alojamento para professores portugueses .

Outra maneira de honrar os que morreram no Ultramar, era imitar o que se fez na I Grande Guerra, em que tambem morreram militares nossos, no Norte de Moçambique, Sul de Angola e La Lis em França. E parece que a Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra, pelo menos no concelho onde moro, quer tentar fazer alguma coisa (Vila Franca de Xira).

Como praticamente em todos os concelhos morreram militares no Ultramar, é convencer as autarquias a proporcionar uma praça , praceta ou jardim, onde colocar um monumento para nele figurar o nome, posto, freguesia e colónia, onde o militar morreu. E, neste caso, parece ser pacífico os autarcas abraçarem esta causa com simpatia.

Se repararmos nas sedes de concelho onde existe o monumento aos mortos da Grande Guerra, é uma homenagem muito conseguida, principalmente para os familiares, descendentes e conhecidos. O monumento em Belem a nível nacional tambem está perfeito, mas não tem a mesma aproximação e o mesmo impacto para a história.

Penso que da pirâmede humana desta tertúlia, e a nível local, pode surgir um empurrão. Só aos empurrões e carolices é que em Portugal se faz alguma coisa.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)
(2) Vd. último pensamento do dia: 24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1209: Pensamento do dia (9): O nosso humor de caserna (João Tunes)

Guiné 63/74 - P1431: Guileje: Quem (e quando) construiu os abrigos de cimento armado (Pepito / Nuno Rubim)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 2410 (Junho de 1969/Março de 1970) > Abastecimento de água



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 2410 (Junho de 1969/Março de 1970) > Actuação do Duo Ouro Negro .
Fotos: © Armindo Batata (2006) (1) & AD - Acção para o Desenvolvimento (2006) (com a devida vénia...).


1. Mensagem do Pepito:


Amigo Luís

Votos de um Feliz Ano Novo.

Depois de regressar de Varela (onde fui passar o Natal) confrontei-me com um caos na nossa internet devido a substituição de material por parte do nosso servidor. Perdi muitos emails. Adiante.

Agradeço a tua conversa com o Nuno Rubim pois foi de extrema utilidade. Voltámos a cooperar, ele a 300 Km/h e eu a mazoute (?), e está outra vez empenhadíssimo no projecto Guiledje.

Queria pedir-te dois apoios, embora saiba que tempo é o que tens menos:

(i) Quando aí estive no verão 2006, conheci o Coronel Jorge Parracho que me forneceu excelentes fotos, algumas das quais te enviei. Nessa altura, e por seu intermédio conheci o ex-enfermeiro de Guiledje, Vitor Manuel Rodrigues Fernandes (C. Caçadores 3325) que estava na altura a digitalizar o Livro da Unidade, tendo-mo prometido logo que acabasse (em finais de Setembro). O favor que te pedia era o de, se possível, dares-lhe uma chamada (933323135) para saber se ele já concluiu o trabalho e se te poderia dar esse documento, para tu mo dares.

(ii) Como vou aí na 3ª semana de Fevereiro, gostaria de contactar com o [Coronel] Coutinho Lima, último Comandante do quartel de Guiledje [ou, melhor, do COP 5], elemento determinante do nosso projecto.

Seria possível identificares as coordenadas (email e telefone) dele?
abraços
pepito

2. Mensagem do Nuno Rubim:


Caro Luís:

Obrigado por teres colocado no teu blogue a informação sobre a Liga dos Amigos do Arquivo Histórico Militar (2).

Um dos problemas que agora se me coloca é o da data da construção dos abrigos em cimento armado em Guileje e saber quem os construiu (3).

As unidades que terão estado sediadas parecem ter sido as seguintes (indico também os contactos obtidos no teu blogue):

CCAÇ 495 (Fev 1964/Jan 1965)
CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966) (contactos: Teco e Nuno Rubim)
CCAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966) ( contacto: Nuno Rubim )
CCAÇ 1477 (Dez 1966/Jul 1967) (contacto: Cap Rino)
CART 1613 (Jun 1967/Mai 1968) (contacto: Cap Neto)
CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969) (contacto: Cap Vasconcelos)
CART 2410 (Jun 1969/Mar 1970) (contacto: Armindo Batata)
CCAÇ 2617 ( Mar 1970/Fev 1971) > Os Magriços (contacto: Abílio)
CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971) (contacto: Jorge Parracho)
CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje (contacto: Amaro Munhoz Samúdio)
CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) > Os Piratas de Guileje (contacto: José Casimiro Carvalho )

Nalgumas intervenções parece transparecer que eles tivessem sido edificados por volta de 1970/71.

Pedia-te pois o favor de me forneceres os endereços (aqueles que souberes ) dos camaradas Batata, Abílio e Parracho.

Um destes dias vou-te pedir os restantes.

Ainda não consegui estabelecer contacto com o Cor Coutinho e Lima.

Continua ainda o mistério da CCAÇ 495, mas estou a tentar obter informações. O Ten Cor Aniceto Afonso disponibilizou-se para me ajudar. (Em Fevereiro próximo deixa o Arquivo Histórico Militar, com grande mágoa de muitos dos que com ele conviveram e trabalharam).

Um abraço

Nuno Rubim

3. Comentário de L.G.: Infelizmente, ainda não consegui tempo para fazer os contactos que o Pepito me pede. Pode ser que algum dos nossos amigos e camaradas dê entretanto mais uma ajudinha...

Em contrapartida, descobri - vagueando pela Net - mais um camarada que esteje em Guileje até ao 1º trimestre de 1973, embora desconhecendo a sua unidade: trata-se do Antonio da Cruz de Sousa, natural de Ninho do Açor, Fundão, irmão de Manuel da Cruz de Sousa, que anima um blogue, dedicado à sua terra > Ninho do Açor, freguesia de Castelo Branco. O Manuel Sousa, professor prfimário, matemático, astrónomo amador, historiógrafo, folclorista, latinista, especialista de descida de rios em kayak, etc., é ainda autor de vários blogues, além daquele:
Amen dico vobis
Gente da minha terra

Vanitas Vanitarum

Com a devida vénia, reproduzo alguns excertos do post de 26 de Janeiro de 2006 > António da Cruz de Sousa - "Quando a terra treme"
Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1973 > Foto do António da Cruz de Sousa, cujo posto se desconhece. Especialidade: transmissões. Deverá ter estado na Guiné em rendição individual (1971/73). Mas em que unidade ?

Foto: Manuel da Cruz de Sousa (2006), autor do blogue Ninho do Açor (com a devida vénia...)


"A minha geração, senhores, andou na guerra...

"Quando remexia nos papéis do meu arquivo, descobri uma velha foto do tempo da guerra colonial. A dita foto, reproduzida ao lado, retrata o meu irmão quando se encontrava na Guiné a cumprir o serviço militar.

"Numa época em que muitos portugueses desertavam ou davam o salto para o estrangeiro, a fim de se esquivarem à guerra, este nosso conterrâneo levado por um espírito quixotesco de aventura, cometeu a intemeridade de se oferecer como voluntário para a Guiné, a província ultramarina onde a situação político-militar era mais grave.

"Quem se ficou a rir foi um seu camarada do regimento de transmissões do Porto que estava mobilizado para aquele teatro de operações, cuja comissão o meu irmão foi cumprir em sua substituição a troco dum prato de lentilhas, permitam-me a expressão bíblica.

"Depois de um breve périplo por Bissau, Teixeira Pinto, Nhacra e Catió acabou por ir parar a um cu de judas chamado Guileje, um aquartelamento no sul da Guiné, junto à fronteira com a Guiné-Conacri. Guileje gozava de má fama entre a tropa. Era uma espécie de couto de homiziados para onde o general Spínola despachava as companhias mais aguerridas ou então os militares punidos disciplinarmente, cuja transferência para aquela zona correspondia assim a uma espécie de degredo. Compreende-se porquê. Guileje era um lugar mítico considerado por muitos como a posição mais martirizada e mais isolada em toda a Guiné.

"O alferes de transmissões João Tunes, que se encontrava na sede do batalhão, em Catió, quase todos os meses ia lá passar uma semana, 'a fim de trocar os códigos das cifras da criptografia' e conta como era difícil encontrar um piloto da força aérea que estivesse disposto a levá-lo lá. Numa das suas viagens faz uma descrição muito impressiva da paisagem, referindo 'as matas luxuriantes de verde intenso, atravessadas por enormes e serpenteantes cursos de água.' A chegada ao destino descreve-a assim: 'As palmeiras da periferia do quartel de Guileje perfilaram-se na frente do Dornier. À frente delas, distinguia-se o que parecia ser um quartel em estado degradado e meio despedaçado com uma bandeira portuguesa comida pelo sol e rota nos cantos, içada no meio dos casinhotos.'

"Conta ainda que os soldados, de 'rostos fechados e olhares distantes', nem pareciam pessoas, 'mas ratos metidos dentro duma ratoeira, destinados a apanhar porrada' ou 'um bando de humanóides sem vontade de viver.' E mais adiante conclui: 'Os militares de Guileje sentiam-se mais perto de outra vida que da vida vivida. Os que não estavam malucos por lá andavam perto.'

"O que valia àqueles infelizes eram os seis abrigos subterrâneos para onde se precipitavam sempre que havia festival, isto é, bombardeamento. Os morteiros e os RPG 7 (lança granadas-foguete) eram armas especialmente temidas e com potencial para provocar numerosas baixas, mas acontece que os turras nem sempre eram muito precisos no que respeita à pontaria, caso contrário seria uma desgraça. (Mais tarde viriam a corrigir essa falha colocando vigias na copa das árvores para orientar o tiro da artilharia.) Para fazer face aos ataques inimigos as nossas tropas contavam principalmente com morteiros 11,4 e obuses 14, além de campos de minas anti-pessoal à volta do quartel, o que dissuadia os guerrilheiros mais temerários de ultrapassar o arame farpado assim à primeira…

"O troar dos canhões

"Enquanto o meu irmão esteve em Guileje o quartel era atacado com frequência , mas normalmente não havia baixas mortais.

"Os abrigos subterrâneos, dum modo geral, constituíam uma boa protecção além de que os nossos morteiros e obuses chegavam e sobravam para eles. Não obstante esta relativa segurança, tal não impedia que uma vez por outra houvesse cenas de verdadeiro pânico. Certa vez a malta tinha acabado de se sentar no refeitório para almoçar quando, de súbito, os RPG 7 estoirando no ar projectaram uma saraivada de estilhaços sobre os telhados de zinco que pôs tudo em debandada. A maioria dos sitiados precipitou-se para os bunkers de coração aos pulos e com calafrios na espinha, enquanto à superfície um punhado de bravos respondia ao fogo inimigo com o troar das nossas armas pesadas, num frémito que fazia tremer o chão.

"Um cabo escriturário tremia como varas verdes e chorava como uma mulher. Quando o ataque cessou, ainda mal refeito do susto, disse com voz emocionada: - Foda-se, não sei como há chicos que escolhem esta vida!

"Dentro do abrigo ressoou uma gargalhada geral. O ambiente no quartel decorria com um certa normalidade quando, no primeiro trimestre de1973, o nosso conterrâneo recebe uma guia de marcha para se apresentar no Quartel-General, em Bissau. Avizinhava-se o tão ansiado regresso à metrópole" (...).

__________

Notas de L.G.:

(1) O Armindo Batata foi Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70). Vd. post de 28 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCX: Ex- Alferes Miliciano Batata (Guileje e Cufar, 1969/70): Pel Caç Nat 51, presente!


(2) Vd. post de 7 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1408: Vamos salvaguardar a(s) nossa(s) memória(s), apoiando a Liga dos Amigos do Arquivo Histórico Militar (Luís Graça / Nuno Rubim)

(3) O Samúdio (dos Gringos de Guileje) diz que foram feitos pela Engenharia, por volta de 1966/67: vd. post de 18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1293: Guileje: do chimpanzé-bébé aos abrigos à prova do 122 mm (Amaro Munhoz Samúdio, CCAÇ 3477)

(...) "Sobre uma questão que foi posta - se a engenharia esteve em Guileje -, posso garantir que esteve. Além dos abrigos feitos artesanalmente com aqueles troncos de árvores e chapas dos bidões, existiam pelo menos quatro abrigos que se constava serem à prova de 122 perfurante, construídos pela engenharia.

"Não foram construídos no tempo dos Gringos (Guileje, 21 de Novembro de 1971/ 22 de Dezembro de 1972), nem na companhia de madeirenses que nos antecedeu [, CCAÇ 3325 Jan 1971/Dez 1971] e o aspecto deles era bom.

"As companhias em Guileje estavam, no máximo treze meses, pelo que os abrigos construídos pela engenharia devem ter sido construídos em 1966/67" (...).

domingo, 14 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1430: Blogoterapia (14): O testemunho de quem viveu (Anamargens)

Alguém (uma mulher, Anamargens) deixou em tempos este comentário a um dos nossos posts (1):

Eu tive um tio na Guiné, marido e cunhado em Angola, irmão em Moçambique, na(s) Guerra(s).
Nunca vi nada.
Pouco ouvi de relatos.
Não esqueci.
E continuo a achar que não pode ser esquecido.
Aprecio que quem viveu, deixe o seu testemunho.

________

Nota de L..G.

(1) Vd. post de 4 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXVIII: Pensando... A Guiné que eu (vi)vi (1968/70) (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P1429: Lusofonia: este cá fala próprio heróis do mar... (Amaro Samúdio)

1. Há tempos (1 de Dezembro de 2006) recebi uma mensagem do Brasil que rezava assim:

Caro Luís Graça (e seus camaradas):

Estava procurando na internet algum lugar que me pudesse informar a respeito das características peculiares do português que é utilizado na Guiné-Bissau e encontrei seu maravilhoso blog.

Dou meus parabéns a você pelo estupendo trabalho e solicito que me ajude a conseguir informações a respeito do tema de minha pesquisa [Características do português da Guiné-Bissau] Desde já agradeço.

Amilton de Sousa Júnior

Salvador/Bahia/Brasil.



2. O Amaro Samúdio, de Matosinhos, nosso camarada de tertúlia, veio dar uma ajudinha, dizendo-me:

Caro Luís Graça

Não conheço nenhum sítio que possa ajudar o Amilton. Não resisto,no entanto, a transmitir-te o hino nacional em crioulo que me cantava um balanta.

Este cá fala próprio heróis do mar.......

Que é nobre povo.........

Que está fugí........

Que está morrí........

Em Conacrí .......



Um abraço

Amaro Munhoz Samúdio

Ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 3477 (1971/73)
Os Gringos de Guileje

Guiné 63/74 - P1428: Vídeo jockey do Porto à procura de material sobre a guerra colonial (Luís Sarmento)

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 . Foto de Hugo Costa (filho do nosso camarada Albano Costa, natural de Guifões, Matosinhos).

Foto: © Albano Costa (2005). Direitos reservados.

1. Mensagem do Luís Sarmento, que não tenho o prazer de conhecer, e que está ligado à Faculdade de Economia da Universidade do Porto, a avaliar pelo endereço do seu e-mail...

Caro Professor,

Sou um interessado nos assuntos de guerra colonial já que como quase todos os portugueses nascidos na década de 70 tive um avô, um tio avô e um pai na guerra colonial.

Sou também um video jockey amador e tenho trabalhado com vários temas mas nunca um tema com a profundidade da guerra colonial, que gostaria de trazer a público na sessões que faço em alguns bares do Porto.

Eu sei que parece talvez um pouco estranho a mistura de certos assuntos com certos ambientes, mas trata-se de um projecto de intervenção que venho desenvolvendo em locais habitualmente destinados à diversão que é onde as pessoas acabam por estar mais permeáveis à mensagem que pretendo passar.

Por outro lado, e apesar de estar há imenso tempo a pesquisar na rede à procura de vídeos sobre o assunto (isto é a minha matéria-prima que depois decomponho / desconstruo), não encontro qualquer registo videográfico (convertido de película) sobre o assunto, o que é extremamente curioso e demonstrativo de como lidamos mal com o nosso passado recente (e o que reforça a minha vontade de puxar o assunto).

Por isso dirijo-me a si, através do sítio que mantêm e que me parece de uma relevância enorme, no sentido de eventualmente me indicar onde posso obter tal registo. Qualquer tipo de ficheiro videográfico serviria. Será que me pode dar tal informação?

Desde já agradeço o tempo despendido.

Obrigado e parabéns pelo sítio web.

Luís Sarmento

2. Meu caro Luís Sarmento:

Esse é um projecto de intervenção muito original e que pode vir a entusiasmar alguns de nós... Nunca tinha realizado (não é assim que se diz agora ?) o potencial alcance, importância e interesse do trabalho de um video jockey...

Prometo, desde já, ajudá-lo, apelando à colaboração dos membros da nossa tertúlia e divulgando, dentro de dias, alguns links com registos videográficos (estrangeiros) sobre a guerra colonial na Guiné, em colaboração com o nosso camarada Virgínio Briote. Infelizmente, no nosso tempo ainda não havia os meios de registo de som e imagem que há hoje.

Poderá usar, entretanto, o nosso material fotográfico, disponibilizado nas nossas páginas, desde que: (i) nos dê conhecimento do material seleccionado; (ii) obtenha autorização, através do editor do blogue, dos autores das imagens; e (iii) cite o nosso blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné.
A sua contribuição para preservar a memória de uma geração que foi mobilizada para uma longa guerra em três frentes, a milhares de quilómetros da pátria, será devidamente apreciada. L.G.

Guiné 63/74 - P1427: Boas vindas ao coronel Ayala Botto e anúncio do próximo encontro do pessoal da CCAÇ 6 em Junho de 2007 (Hugo Moura Ferreira)

Guiné > Região de > Cufar > CCAÇ 1621 > s/d > Coluna de Sangonhá para Cacine> Foto disponibilizada por pessoal da CCAÇ 1621, por ocasião do último convívio (Junho de 2006).

Foto: © Hugo Moura Ferreira (2006). ) (com a devida vénia...) (1)


Caro Coronel:

Verifiquei a sua chegada à nossa Tertúlia e tomei conhecimento da sua mensagem para o Luís Graça (2).

Assim, quero desde já dar-lhe as Boas Vindas e desejar que entre de pleno neste grupo de pessoas admiráveis que nutrem uma paixão enorme pela Guiné e por aquelas Gentes.

Tomarei oportunamente a iniciativa de o convidar para um encontro a fim de poder conversar pessoalmente com alguém que viveu, tal como eu, uns largos meses, com aqueles naturais da Guiné de tão gratas recordações. Desde já lhe posso afirmar que tenho tentado por todas as formas imagináveis, embora sem resultados práticos, o que me traz uma certa tristeza e frustração, juntar o máximo de camaradas, europeus e africanos, que tenham passado por aquela Companhia desde o tempo em que ela era a 4ª CC até que foi à sua extinção.

Mesmo assim continuarei, mesmo publicando uma convocatória, mas sem resultado, para um eventual almoço de confraternização, que aparece no sítio Guerra Colonial > Convívios > 2007,
com o seguinte texto:

4ª CC Indígenas, depois CCAÇ 6, Guiné (Bedanda, 1962/1974):

Em Junho de 2007 realiza-se o Convívio em local a definir até Dezembro de 2006.
Deseja-se a presença de todos os Europeus e Africanos.
Contacto: Moura Ferreira (67/68)

Terminando, e já que este é o primeiro contacto do ano, quero desejar-lhe um excelente 2007.

Cumprimentos.

Hugo Moura Ferreira
Ex-Alf Mil (Mec 5409564)
Guiné 1966/1968
CCAÇ 1621-Cufar / CCAÇ 6-Bedanda

Telefones: 969922669 / 218681014
SKYPE: hugomouraferreira

Windows Live Messenger: mouraferreira@hotmail.com
Sítio na Net: http://mouraferreira.spaces.live.com/
Álbum fotográfico: http://picasaweb.google.com/mouraferreira



__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. Sítio do Moura Ferreira > Fotos

(2) Vd. post de 6 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1407: Tertúlia: apresenta-se o Coronel de Cavalaria Carlos Ayala Botto, ajudante de campo do General Spínola

(3) Vd. posts de

22 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXCV: CCAÇ 16121 (Cufar); CCAÇ 6 (Bedanda) (1966/68)

6 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1155: Álbum fotográfico (Hugo Moura Ferreira) (1): Bedanda, CCAÇ 6, 1970: O Obus 14 contra o foguete Katiusha

8 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1159: Álbum fotográfico (Hugo Moura Ferreira) (2): Bedanda, ontem (CCAÇ 6, 1970) e hoje

sábado, 13 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1425: Questões politicamente (in)correctas (16): na guerra, de facto, não vale tudo, também há regras (Vitor Junqueira)

Mensagem do Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), médico, residente em Pombal, comentando o último post do Pedro Lauret (1):

Caro Luís Graça,

Acabo de ler no Blogue um comentário do Pedro Lauret que de uma forma sucinta aborda a questão da ética na frente de combate, invocando preceitos que relevam do Direito Internacional e das Convenções, em particular a SOLAS 1974 ( Salvaguarda da Vida Humana no Mar), e as de Genebra que são quatro e não apenas uma como muitos supõem, e respectivos protocolos. Como exemplos, o Pedro Lauret apresenta o caso geral do combate marítimo entre forças embarcadas e concretiza uma situação de envolvimento terrestre com a Operação Mar Verde.

A minha reacção a quente a este comentário é a seguinte:

Em primeiro lugar e como ser humano, sinto-me feliz por constatar que, nesta caserna, alguém com autoridade e firmeza vem lembrar que, em qualquer guerra, passada ou presente, há barreiras que jamais podem ser ultrapassadas independentemente de ordens ou circunstancialismos. Isto é: não vale tudo, há regras.

E em segundo lugar, meus caros amigos, porque andando eu um pouco às aranhas, reencontrei-me finalmente! Sim, posso dizer que foi nesta guerra, a do Pedro, que eu participei. Porque foi esta conduta que me foi ensinada desde o berço até às salas de aula da EPI. Porque nunca recebi nenhuma ordem de operações em que o principal item fosse "matar" e menos ainda torturar ou seviciar.

Porque não faz parte da tradição das (modernas) forças armadas de Portugal atentar contra os direitos humanos de quem quer que seja, ainda que do IN se trate. Porque é na frente de batalha que a verdadeira estatura do homem se revela e sabemos (eu sei) que abnegação, magnanimidade e generosidade produzem altíssimos dividendos.

E finalmente porque todos temos uma consciência que, uma vez violentada, nunca mais nos deixa em paz. Será por isso que entre nós, como em outros povos (devidamente estudados), envolvidos em guerras recentes, há tantos inadaptados, psicopatas, suicidas, criminosos, stressados de guerra? Não se ofendam, porque a relação está provada!

E já agora, permitam-me um último desabafo. Eu não sou tão ingénuo como pareço. Tontos, sempre os houve na população em geral. Mais tonto ainda foi quem permitiu a sua incorporação e lhes entregou funções de comando. Casos como aquele de que Wiriamu é um terrível exemplo, não sendo porventura o pior, e muitos outros que a História silenciará, talvez pudessem ter sido prevenidos através de adequado filtro médico(?). Mas se não estão ou estavam doentes, estes indivíduos deveriam ser julgados, sendo o único caso em que admito a reintrodução da pena de morte. Não pode haver desculpas, estes casos não ficam resolvidos com peregrinações patéticas aos locais do crime por parte dos seu autores, com um batalhão de repórteres de TV atrás, como eu já vi. Um milhão de ex-combatentes sentem-se enxovalhados por estes indivíduos.

Às minhas mãos e às minhas ordens, com dignidade, muito respeito e uma profunda dor no meu coração, morreram seres humanos. MAS NUNCA NINGUÉM TEVE QUE MORRER. Nem foi maltratado ou humilhado.

E já agora, deixemo-nos de desvalorizar os direitos do adversário, chamando-lhes Turras. Eram soldados do PAIGC que tal, como nós, cumpriam o seu dever defendendo a Pátria. Tal como eu e outros.

Um abração e p. f. passa ao Pedro.

Vitor Junqueira

________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 12 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1423: Questões politicamente (in)correctas (15): Na guerra não vale tudo (Pedro Lauret)

Guiné 63/74 - P1424: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (6): amigos do peito da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)

Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > 1971 > Da esquerda para a direita: tripulação do heli, Alf Mota (CCAÇ 2701), Alf Santiago (Pel caç Nat 53), Spínola, Cap Clemente (cmdt da CCAÇ 2701), Cap Tomás (ajudante de campo do Spínola), sendo o último da direita o Alf Médico Faria (do BCAÇ 3872).

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > 1971 > "Alf Mil Mota, eu, armado em tocador de guitarra, e o Alf Mil Valentim Oliveira. Atrás existe um cartaz que diz EM 71 MUITA FLOR E AMOR" (Paulo Santiago).

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.


Continuação da publicação das memórias do Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho , 1970/72). Texto enviado em 12 de Dezembro de 2006.


Luís:

Segue a parte nº 6 das minhas memórias. Acrescento que o Carlos Clemente foi um dos militares enviados para os Açores, juntamente com o Vasco Lourenço, um mês antes do 25 de Abril.

Um abraço
Paulo




Hoje vou falar pouco do 53 e debruçar-me sobre alguns camaradas da 2701 e também sobre o ambiente respirado naquela Companhia.

O comandante da CCAÇ 2701, capitão Carlos Clemente, hoje coronel reformado, continua a ser um dos meus grandes amigos. Era uma pessoa, e também um militar, de excepção.Cultivava as boas relações com a população, fundamental naquele tipo de guerra, e zelava, de uma forma não vulgar, pelo bem estar dos homens sobre o seu comando.

Naquela altura havia uma messe conjunta, alteração mais tarde efectuada pelo proveta (2), para sargentos e oficiais, onde se consumiam grandes quantidades de cerveja e uísque. Apesar das várias arcas e frigoríficos que havia, por vezes o gelo não chegava, pediu por isso, supremo requinte, uma máquina para fazer gelo, que veio quase de seguida.

O comandante de batalhão estava-se marimbando para a qualidade de vida dos homens sobre o seu comando, andando sempre a reclamar com o Clemente sobre os pedidos que ele fazia,
dizendo que o Saltinho estava a ser beneficiado em relação à sede de batalhão em Galomaro e às companhias de Cancolim e Dulombi. Claro, o Clemente contornara a questão, fazendo os pedidos de material de frio e outros, directamente a Bissau, com CC ao tenente-coronel, comandante do batalhão. Este também não concordava com a existência de arcas-frigorificas nos destacamentos, mas elas estavam lá.

Operacionalmente, o Carlos Clemente também tinha grandes qualidades, tinha feito uma comissão, como tenente, em Moçambique, onde fora ferido em combate,e nas vezes em que saí com ele para operações, fiquei convencido que era um militar líder, ncom óptimas qualidades de comando.

Havia depois o Alf Julião, como mais antigo, substituía o Clemente, nas ausências deste. Já é conhecido da Tertúlia, esteve na Ameira (3), e todos sabem termos uma amizade de aço, vinda dos matos da Guiné.

O Alf Mil Op Esp Fernando Mota, transmontano de gema, era o mais operacional, aquele com que mais vezes saí para o mato.Com ele inaugurei, no início de Abril de 71, a picada que seguindo o carreiro dos djilas [vendedores ambulantes]ía até Galomaro, passando o rio Pulom. Foi um grande dia de comes e bebes em Bafatá, principalmente para mim, que estava no Saltinho desde Outubro de 70.

O Mota foi gravemente ferido, em fins de Novembro de 71, último dia do Ramadão, na picada que ligava Saltinho a Aldeia Formosa, quando deu de caras com um bi-grupo do IN, que viria atacar o Reordenamento de Contabane e, simultaneamente, o quartel. Ainda hoje anda com estilhaços numa perna.

Na altura desta emboscada eu estava em Bambadinca na instrução de Milícias. Fazia parte do
grupo de combate do Mota, outro amigo do peito, o Fur Mil Carlos Santos, presente também na Ameira (3) e outro grande operacional.

O Valentim Oliveira, portista ferrenho, era outro dos alferes, estudante de Arquitetura, foi o supervisor e responsável pela construção de Contabane, hoje Sinchã Sambel.

Há noite no bar, acompanhado pelo Mário Rui, dedilhavam cada um a sua viola, enquanto o resto do pessoal ía bebendo e jogando o King. Doença traiçoeira levou-o há onze anos.

Não posso esquecer o Médico, Martins Faria, de Guimarães, excelente clínico e excelente pessoa.

Havia no Saltinho uma regra, não escrita, mas era cumprida. Quando vinham as colunas, vinham várias caixas de uísque, por vezes havia desvios, e penso que em muitas companhias era costume fazer uma distribuição daquelas marcas mais conceituadas, ficando para beber as mais vulgares. Ali não havia distribuição, primeiro bebia-se, quando chegasse nova coluna, caso ainda sobrasse alguma das tais garrafas, vendia-se, prioritariamente, a quem estivesse para vir de férias, fosse oficial, sargento ou soldado.

Dentro das possibilidades, também se comia bem na 2701 e, outro requinte, havia talheres de peixe para todos.

Termino por hoje, voltando a falar de alguns destes camaradas em próximas memórias.

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post anterior > 4 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1338: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (5): estreia dos Órgãos de Estaline, os Katiusha

(2) Referência ao Capitão da CCAÇ 3490 (Saltinhgo), pertencente ao BCAÇ 3871 (Galomaro, 1971/74). Vd. posts de:

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P985: CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)

(3) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)

sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1423: Questões politicamente (in)correctas (15): Na guerra não vale tudo (Pedro Lauret)

Guiné > Regiãop do Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > Um prisioneiro do PAIGC.

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.


Mensagem do Pedro Lauret (1), com data de 20 de Outubro de 2006, respondendo a um pedido do editor do blogue para opinar sobre algumas questões potencialmente fracturantes no seio dos antigos combatentes da guerra colonial (2):

A guerra tem regras. Existe direito internacional e convenções que a regulamentam. Cabe às Forças Armadas, em especial aos oficiais dos quadros permanentes fazer cumprir esses procedimentos, quer divulgando-os na formação dos que integram as fileiras, quer principalmente na acção.

A Marinha tem especial atenção a estas matérias, até porque o combate naval tem características diferentes do que é travado em terra. Um militar da Marinha é também um marinheiro, os marinheiros, por longa tradição naval, e por legislação, adoptam um conjunto de princípios que se designam por "salvaguarda da vida humana no mar". Este conjunto de princípios caros a quem anda no mar reflectem a consciência de alguma precariedade e impotência relativamente ao meio levando-os a abraçar aqueles princípios com convicção.

Num combate naval tradicional, o vencedor, ao afundar navios inimigos, vai provocar náufragos, que devem ser socorridos e tratados segundo as leis do mar. Cria-se assim uma dupla situação de prisioneiros náufragos.

Nunca os fuzileiros adoptaram lemas do tipo: "...nós não fazemos prisioneiros". Na guerra não vale tudo. O julgamento de Nuremberga vem claramente provar esta afirmação, retirando legitimidade àqueles que pensam que obedecer a ordens os absolve da responsabilidade de actos praticados.

Há individualidades em que é indiscutível a sua coragem e determinação, merecendo nalgumas circunstâncias a nossa admiração . No entanto o problema que se põe é a forma como alguns deles lutaram como quadros das Forças Armadas.

Para mim é intolerável, por exemplo, a Operação Mar Verde: As Forças Armadas prestaram-se a entrar em águas territoriais de uma potência vizinha, reconhecida internacionalmente e membro das Nações Unidas, com navios sem os símbolos nacionais, com os números de costado pintados; desembarcaram forças militares, com uniformes do PAIGC, armas soviéticas, sem qualquer identificação e com a informação que em caso de ficarem prisioneiros Portugal não os reconheceria. Em terra mataram indiscriminadamente civis, assaltaram o palácio do governo matando e pilhando-o, atacaram a casa de Amílcar Cabral, mataram familiares, pilharam lojas e cidadãos. A isto chama-se Terrorismo. Os actos praticados constituem, muito provavelmente, crimes contra a humanidade.

Muitas outras acções deste tipo tiveram lugar. Para mim são inaceitáveis e condeno-as firmemente. Estas acções poderiam ter sido levadas à prática pela PIDE, nunca pelas Forças Armadas.

Hoje, quando se fala de Conakri todos falam dos prisioneiros libertados, único objectivo atingido na operação. As Forças Armadas poderiam há muito tempo ter feito uma operação para os resgatar. Poderiam ter desembarcado um grupo de comandos, eventualmente embarcados num submarino, e de surpresa fariam um golpe de mão e libertariam os prisioneiros. Mesmo que a operação fracassasse e alguns militares fossem capturados mereceriam da comunidade internacional compreensão e protecção do direito internacional.

Não posso deixar, ao analisar certas personalidades [que se evidenciaram na guerra colonial], de as enquadrar nestas realidades. Penso que trazer estas matérias para o blogue é complicado, mas se o fizermos teremos que evidenciar toda a realidade. Será o blogue o espaço mais indicado para aprofundar estas matérias? Não poderemos nós com a nossa tertúlia debatermos estes temas doutra forma?

Um abraço
Pedro Lauret

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Nota de L.G.:

(1) Vd. alguns dos post do actual capitão de mar-e-guerra, na reforma, Pedro Lauret, que foi imediato da NRP Orion, na Guiné (1972/73):


29 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1393: Saudações tertulianas na chegada do novo ano de 2007 (1) : Luís Graça / Pedro Lauret

12 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1362: Encontro: guerra colonial e descolonização (Pedro Lauret)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)

31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1231: Estórias avulsas (5): Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial (Pedro Lauret)


22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1202: Ganturé, Rio Cacheu, Maio de 1973 (Pedro Lauret)

1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)

(2) Vd. último post desta série: 4 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1400: Questões politicamente (in)correctas (14): Os Zés da Desordem deste País (Albano Costa / Torcato Mendonça)

Guiné 63/74 - P1422: A derrocada do Leste e a mina que desgraçou o meu amigo de infância André, da CCAV 3864 (A. Santos)

Guiné > Zona Leste > Sector L3 > Nova Lamego > O António Santos no seu posto de rádio, acompanhado de dois camaradas. Operador de mensagens, por ele passavam muitas notícias da guerra. Ele acompanhou, à distância, a progressiva derrocada militar da região de Gabu.
Foto: © António Santos(2006). Direitos reservados.


Mensagem do nosso camarada A. Santos, Ex-Sold Trms, Pel Mort 4574/72, Zona Leste, Sector L3, Nova Lamego,1972/74:

Camarada, Luís Graça.

Boa saúde.

Os posts P1409 e P1410 em que se faz a recensão do livro de Benigno Fernando (1), tem referências a acontecimentos (verídicos) que se passaram na Zona Leste, sector L6. Este assunto a que se refere este post do Beja Santos, é só a confirmação do que te falei no nosso primeiro encontro, na tua faculdade (2).

Nessa altura referi também outra localidade que acabou por ser o alvo que mais embrulhos sofreu, Canquelifá, que pertenceu ao Sector L4. Já fiz uma abordagem ao tema no post 1216 (2).

O Cap Cruz, cmdt da 1ª companhia do BCAV 8323, de seu nome Angelo César Pires Moreira da Cruz (não sei se posso ditar o nome completo, mas aqui está, conforme é referido nos canhenhos da guerra) foi substituído pelo Cap Fernando Loureiro.

Isto tudo traz-me à memória um outro caso em tudo idêntico, que eu tenho feito por não lembrar desde 1973. Durante algum tempo penso ter conseguido, mas periodicamente vêm ao de cima, tento de novo esquecer mas em vão, este post do Beja Santos veio definitivamente obrigar-me a não esquecer.

No Batalhão anterior ao BCAV 8323, dois elementos que o compunham, são rapazes da minha infância, um na CCS outro na CCAV 3864, o André. Durante os 6 meses finais de 1972 e o ano de 1973 quase todo, quando passavam por Nova Lamego os meus amigos vinham ter comigo para a confraternização da praxe, conversar sobre a vidinha, e beber umas cervejas. Isto aconteceu repetidas vezes, até que um dia quando eles faziam 22 meses de comissão, o meu amigo André pisou uma maldita mina, num maldito trilho, que o desgraçou para todo o sempre, nunca mais foi o mesmo.

No nosso almoço, na Ameira, distribuí um CD onde no ficheiro em formato Excel com o título lista_unidades na célula H-773, está a palavra Sissaucunda a vermelho. Não foi por acaso, esse vermelho simbolizava o azar do nosso camarada e meu amigo de escola, das brincadeiras de há 50 anos.

Como ja contei, o Leste nesta fase terminal da guerra estava a ser muito apertado, outra nova, amigo Luís, Nova Lamego nesse tempo foi sobrevoada à noite por diversas vezes e os aviões não descolavam de Bissalanca.

Desculpa ter tomado algum do teu tempo, mas o post P1410 teve este efeito em mim, porque normalmente sou mais de ler do que escrever ou falar, talvez defeito da passagem pelas trms.

Um Alfa Bravo

A. Santos
SPM 2558

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Notas de L.G:

(1) Vd posts de:

8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1410: Antologia (57): O Natal de 1973 em Copá (Benigno Fernando)

8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1409: Bibliografia de uma guerra (16): Pirada, Bajocunda, Canquelifá, Copá: o princípio do fim (Beja Santos)

(2) Vd. post de 27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1216: A batalha (esquecida) de Canquelifá, em Março de 1974 (A. Santos)

(...) Copá foi extinto em 14 de Fevereiro de 1974, após violentas flagelações, Mareué idem em 11 de Março de 1974, mas o aquartelamento mais sacrificado foi o de Canquelifá, que sofreu flagelações a toda a hora. Neste caso a arma mais utilizada foi o morteiro 120, e houve abrigos que não resistiram.

"A 20 de Março de 1974, entrou em cena o Batalhão de Comandos Africanos, com as três companhias que dele faziam parte integrante. Saíram de Nova Lamego em coluna composta por viaturas militares e civis e dirigiram-se para o local. A operação durou 3 dias, de 21 a 23 de Março 1974. Segundo os canhenhos militares, capturaram 3 Mort. 120, 1 RPG, 2 espingardas, 367 granadas de Morteiro e deixaram 26 mortos do lado IN (do nosso lado nada dizem)...

"Mas cá o rapaz, no dia 22 [de Março de 1974], como não fazia nada, e porque o condutor da ambulância era do meu pelotão e foi chamado à pista, eu fui com ele. Chegados ao local, era um vaivém de helicópteros que traziam mortos e feridos. Eu dei uma mãozinha para pegar nas macas. Retirava dos Helis e, segundo instruções do médico, ora pousava na pista (estava morto), ora colocava num Dakota que estava logo ali (estava muito ferido)... Vi pernas destroçadas por estilhaços de não sei de quê!" (...).

quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1421: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (14): Um final com homenagem a um homem grande, Fernando Sani

Guiné-Bissau > Bissau > Hospital Nacional Simão Mendes > 2006 > O Fernando Sani é o que está de pé, ao centro, junto da restante equipa de apoio à cólera. A cólera, felizmente foi extinta, pouco tempo depois.

Foto e texto: © Paulo Salgado (2007). Direitos reservados

Caro Luís,

Soubera eu que tinhas estado aqui, na minitertúlia (1), e teria aparecido, com todo o prazer.

Como sabes, a minha relação com o Povo da Guiné é de grande simpatia e carinho.

O que se segue - já nem sei se escrevi algo sobre isto anteriormente - já foi produzido na Gestão Hospitalar [, revista da Associação Portuguesesa dos Adminisytradoires Hospitalares]. Dei-lhe um retoque e eu penso que não vai mal ao mundo se for reproduzida aqui para os queridos tertulianos saberem que há alguns camaradas que andaram pela Guiné depois da guerra e que os Homens se entendem quando querem...

Fazes o arranjo como quiseres e se quiseres.

Um abraço de estima,

Paulo Salgado

Comentário de L.G.: Paulo Salgado é administrador hospitalar no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia. Acaba de regressar de um mais um ano de cooperação na Guiné-Bissau, onde esteve à frente do Hospital Nacional Simão Mendes. Com esta crónica, e com o regresso do Paulo (e da Conceição) a casa, podemos dar por finda a crónica que ele alimentou ao longo de mais de um ano (2). E acaba bem: é o testemunho de um homem da saúde e um cidadão do mundo, o Paulo Salgado, de grande sensibilidade e generosidade, a outro homem, grande, o Fernando Sani, que trabalhou com ele no Hospital Nacional Simão Mendes e que a morte já levou. Claro que o Paulo e o seu 'bombolom' não vão ficar mudos... Um retemperador regresso a casa, à pátria, aos nossos hospitais, é o que lhe desejo (com um beijinho para a São). E, à volta, cá o(s) espero.
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Camaradas Tertulianos:

Desejo transmitir-vos um dos factos que vivi nesta minha comissão de 12 meses (tudo somado são cerca de seis anos na Guiné que me dão força para poder dizer: quando querem, os Homens entendem-se…). Isto para vos significar o apreço e carinho que tenho pelo POVO da Guiné-Bissau. Hoje e antanho.

Fernando Sani – homenagem a um Guineense

Conheci o Sr. Fernando Sani há cerca de quatro anos, nas minhas actividades no Hospital Nacional Simão Mendes. Não são muitos anos se considerarmos que os homens vivem muitos mais; todavia, foram os suficientes para construirmos uma sã convivência, e para eu me aperceber que estava lidando com um homem superior.

Durante estes anos, tive oportunidade de colher dele: a humildade intelectual – ele que fora um homem viajado e culto; a solidariedade – ele que partilhava o magro salário que auferia com muitos familiares e amigos; a bondade – que irradiava através dos actos praticados junto dos que ainda eram mais carenciados; a educação fina – que dele brotava em gestos de simpatia de homem habituado a falar nhô ou nhá quando tratava com alguém, homem ou mulher, que lhe merecia respeito segundo as tradições da Guiné-Bissau, que ele prezava. Um Homi Garandi.

Muitas vezes conversámos de diversos assuntos, e havia sempre alguma novidade que me surpreendia agradavelmente.

Numa das conversas, falou-me dos tugas e daquilo que com eles aprendeu quando jovem: fora apadrinhado por um médico que fizera a sua vida profissional clínica no Hospital Militar e no Hospital Civil, e dele recebeu incentivos na sua via escolar, em Bissau, já no tempo da guerra.

Compreendeu, todavia que o rumo da sua Terra era outro e foi bolseiro no Leste onde adquiriu bagagem múltipla que não desejo referir, por honra da sua memória.

Assumindo a chefia do sector de saneamento do HNSM, detinha conhecimentos que o colocavam no lugar cimeiro da profissão: dominava os conceitos de higiene e limpeza que deveriam ser praticados; sabia dirigir os funcionários que lhe estavam adstritos com palavras amigas e não com modos agrestes; era capaz de dar o exemplo carregando às costas – admito que já cansadas pelo sofrimento – o pulverizador e, protegido e sabedor das regras de utilização, e com os instrumentos adequados, desinfectar as salas, as enfermarias, para, de seguida, com muito profissionalismo, limpar os materiais e guardá-los de novo.

Foi no período da cólera que ocorreu entre Julho de 2005 e Fevereiro de 2006, durante meses, que este homem se revelou ainda mais aos meus olhos: incansável, encaminhava os doentes para a enfermaria, de noite e de dia, entregando-os ao pessoal de enfermagem; solícito e zeloso, ia buscar os soros e outros produtos de hidratação oral para aplicação e tratamento dos doentes; imperturbável face ao cheiro nauseabundo provocado pelas diarreias, caminhava pela enfermaria, protegido, para acudir a um ou outro doente; atento às informações e ensinamentos que a equipa de Médicos Sem Fronteiras lhe indicavam, e que nele viam um Profissional conhecedor e interveniente.

Neste período da cólera, outras mulheres e homens estiveram na frente da luta contra o perigo escondido, mas ali bem visível no sofrimento de crianças, velhos e adultos. Para esses homens e mulheres que permaneceram ao lado dos doentes, também a minha amizade.
O Sr. Sani veio, um dia, dizer-me:
- Amigo, estou muito cansado. - E eu li-lhe no rosto esse cansaço.

Com outros amigos, o visitei ao longo das semanas que sobreviveu. Mas sempre um leve sorriso lhe esmorecia a face magra à medida que a doença o fustigava. Da última vez, apenas balbuciou o meu nome.

Cá fora, eu chorei. Chorei pelo Homi Garandi. Pelo Amigo.

Que os Deuses, o teu e o meu, Querido Amigo, te coloquem no lugar mais bonito que existe nos céus, pois tu, Fernando Sani, mereces como poucos.

No seu funeral, os seus Familiares, muçulmanos piedosos, chamaram-me para acompanhar o corpo até ao repouso final.

Obrigado, meu Amigo, por aquilo que me ensinaste, nesta Terra que não é minha, mas que aprendi a amar através das crianças, dos homens e mulheres que sempre têm um sorriso de esperança.

Paulo Salgado
Abril de 2006

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 9 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1412: A minitertúlia de Matosinhos e... Leça da Palmeira (Carlos Vinhal / Xico Allen)

(2) . posts anteriores:

5 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXX: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (1)

(...) "Vou tentar relatar (narrar, contar, ficcionar quanto baste) as minhas vivências nesta terceira (ou quarta?) comissão / presença demorada... (Agora estamos numa Missão que é um termo muito divulgado por quem passa aqui curtas ou mais longas estadias em nome de alguém a fazer qualquer coisa – confesso-vos que tenho visto muita coisa mal feitinha)"(...).


13 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXL: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (2)

19 de utubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLVII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (3)


(...) "Hoje, sábado, fomos até ao Saltinho, com os cooperantes da Saúde que chegaram ontem no avião (já agora: a Dra. Adelaide, ginecologista; o Dr. Justiça, hematologista e que também fez a guerra em Angola) e ainda o João Faria, engenheiro hospitalar (que já cá está há oito dias… Manga di tempu! , que esteve em Angola, e que se está a aguentar com brio e companheirismo nas lides do Hospital Civil... Todos eles emprestaram à viagem de 350 km um sabor especial)" (...).

5 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXI: Crónicas de Bissau ou o 'bombolom' do Paulo Salgado (4)

29 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (5): para onde ?

3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXIII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (6): HN Simão Mendes

5 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXVIII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' de Paulo Salgado) (7): Suleiman Seidi

30 de Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CDIII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (8): novos tertulianos

18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (9): História e estórias


30 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXXV: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (10): ontem e hoje em Uaque

1 de Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 -CDXC: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado)(11): Beethoven e batuque no Olossato

2 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCI: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (12): reviver o passado em Olossato

13 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1069: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (13): Para quando África ?

(...) "Quem está aqui em trabalho intenso, meses a fio, deixa coisas para contar num amanhã, escrevinha outras para uma memória que há-de ser escrita, agora e sempre falando da Guiné sob outros ângulos e com outras visões e tu perguntarás e os camaradas perguntarão:- Por que razão não bombolaste?

(...) Lá no Hospital há traumatizados há meses à espera de intervenção. Era isto que eu ia contar? Mas hoje apeteceu-me. 10 de Setembro de 2006. (Ouvi passar uma ambulância uivando - o que irá fazer ao Hospital com o doente?)" (...).

Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)


A caminho da Guiné > A bordo do Niassa > Maio de 1969 > Quadros metropolitanos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), na viagem de Lisboa-Bissau (24 a 29 de Maio de 1969). Da esquerda para a direita: 2º sargento Videira, furriéis milicianos Branquinho, Levezinho, Reis, Fernandes, Henriques e Almeida (este último já falecido). Na mesa de trás, ao fundo, receonhece-se o furriel miliciano enfermeiro Martins.

Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados.

Texto enviado pelo Manuel Lema Santos:


Ainda a viagem do TT Niassa: Guiné 1969 - CCAÇ 2590 (1)

Texto e fotos: © Lema Santos (2007). Direitos reservados

Caros Luís Graça e restantes Tertulianos,

Lido atentamente que foi o teu post P1366 (2), com o decorrer do tempo fui atraído pelo meu vício terrível de revolver e investigar papelada, bem no meio de pó e potenciais rinites alérgicas, na tentativa de acrescentar algo de inovador e interessante ao puzzle que, pedra atrás de pedra, se vai armando pela tua mão.

Uma já crónica doença de que passei a sofrer, como se tivesse começado a ganhar algum respeito a conceitos históricos, diametralmente opostos aos conceitos tecnicistas e pragmáticos por que sempre me tenho regido.

Num perfecciosismo que muitas vezes me impede de ser atempado no que escrevo ou comento, quase certamente impelido pela necessidade de participar construtivamente num projecto notável, fui embrulhar algumas achegas que deixo para tua análise e dos tertulianos interessados.

A escassa panóplia de marinheiros participantes, ainda que venha a ser classificada de qualidade extra, enfrenta igualmente as dificuldades próprias de um Ramo diferente e da ausência generalizada e comum de interesse político pela História recente deste país.

Uma tarde afundado em dossiers atados, como se de autos se tratassem, bastou para que me sentisse naquela de ter levado uma Carta a Garcia.

Neste caso pessoal, tratando-se da CCAÇ 2590 [, futura CCAÇ 12], pareceram-me interessantes as achegas que junto. Pertencer-te-á a ti, Luís e também aos Camaradas de Unidade, dispensarem-lhes a atenção que vos merecerem alguns pormenores.

Por mim e se algo for de interesse, considerem-na um complemento de colaboração deste tertuliano.

- O TT Niassa (3), em Maio de 1969 e conforme reza a Ordem de Transporte nº 20 do ME, transportou a CCAÇ 2590 e também as Unidades indicadas no seguinte quadro, com o itinerário e horários que mais abaixo se discriminam.



- Tratou- se de uma dupla viagem Lisboa–Bissau–Lisboa–Funchal–Bissau–Lisboa.

- Teve início a 5 de Maio, em Lisboa, e terminou, novamente em Lisboa, a 13 de Junho de 1969.

- Capitão de Bandeira: CFR Abel da Costa Campos de Oliveira

- Comandante do Niassa – Cmte Arnaldo Manuel Sanches Soares

- As partidas e chegadas em cada escala fizeram-se de acordo com as seguintes datas e horários:

Lisboa (Cais da Rocha) - partida > 071110Z MAI69
Bissau (Fundeado no Geba) - chegada > 121605Z MAI69
Bissau (Atracado) > 121835Z MAI69
Bissau (Atracado) - partida > 150733Z MAI69
Lisboa (Atracado) – chegada > 210645Z MAI69
Lisboa (Cais da Rocha) – partida > 241105Z MAI69
Funchal (Atracado) – chegada > 252357Z MAI69
Funchal (Atracado) – partida > 260135Z MAI69
Bissau (Fundeado) – chegada > 292250Z MAI69
Bissau (Atracado) – chegada > 300800Z MAI69
Bissau (Fundeado) > 021100Z JUN69
Bissau (Atracado) > 05????? JUN69 (não definido)
Bissau (Atracado) – partida > 070135Z JUN69
Caió (Fundeado) – chegada > 080135Z JUN69
Caió (Fundeado) – partida > 080830Z JUN69
Lisboa (Atracado) – chegada > 131110Z JUN69

- Transportou de Lisboa, na totalidade, 52 oficiais, 187 sargentos e 1299 praças além de 1727 toneladas de carga, depois de corrigidos alguns desvios de última hora à previsão acima feita e conforme a seguinte listagem do quadro abaixo.

- No Funchal embarcou a CCAÇ 2529.

Guiné > 1966 > A LFG Cassiopeia entrando a barra do Rio Cacheu com um DFE a bordo

- O TT Niassa Foi escoltado na ida e na volta, entre Bissau e o Farol do Caió, pela LFG Cassiopeia



- Foram normalmente distribuídas as ementas das refeições servidas a Oficiais, Sargentos e Praças, sendo que havia alguma diferença nas qualidades das refeições respectivas, correspondentes às classes em que viajaram.



TT Niassa > Maio de 1969 > A capa e contracapa de um dos tipos de ementas, a de 1ª classe



TT Niassa > Maio de 1969 > A capa e contracapa de outro dos tipo de ementas, a de 2ª classe

- Durante a viagem foram exibidos, nos passatempos habituais, os seguintes filmes:

- Harper, O Detective Privado
- Ninguém Foi Tão Valente
- D. Camilo na Rússia
- Três Vezes Mulher
- A Cidade Submarina
- A Rapariga das Violetas


- Foi sorteado um transistor, oferta do MNF, no dia 28 de Maio, à chegada a Bissau.

- Foi servido um jantar de despedida oferecido em nome do Comandante do Navio e do Capitão de Bandeira a todas as forças embarcadas, quer na ida quer no regresso, com ementas especiais.

TT Niassa > Junho de 1969 > A capa da ementa do jantar de regresso a Lisboa.




TT Niassa > Maio de 1969 > A capa da ementas do jantar de despedida antes da chegada a Bissau.

Sem efectuar qualquer comentário - todos os de que me lembrei eram jocosos ou sórdidos - apeteceu-me perguntar:
- Alguém sabe a quem saiu o transistor?

Um abraço para todos,

Manuel Lema Santos
1º TEN RN 1965/72
Guiné, NRP Orion, 1966/68

Nota - Não sei se omiti algum tertuliano da CCAÇ2590 mas a suceder foi por puro desconhecimento (4)
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Notas de L.G.:

(1) Vd posts anteriores sobre esta série:

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)

19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

(2) Vd. post de 13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1366: A galeria dos meus heróis (6): Por este rio acima, com o Bolha d'Água, o Furriel Enfermeiro Martins (Luís Graça)

(3) Vds. post de 21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)

(4) Obrigado, Lema Santos. Como é bom recordar!... São deliciosos os pormenores da tua reconstituição da nossa viagem... que foi naturalmente inequescível.
Além de mim, do António Levezinho, do Humberto Reis e do Joaquim Fernandes, fazem ainda parte da tertúlia, nesta data, os seguintes ex-camaradas da CCAÇ 2590/CCAÇ 12: Abel Rodrigues (ex-Alf Mil), João Carreiro Martins (ex-Fur Mil Enf) e José de Sousa (ex-Fur Mil)...

Sobre a nossa viagem de regresso, em Março de 1971, no TT Uíge, vd. post de 9 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Amigos para sempre (Tony Levezinho, CCAÇ 12)

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1419: Estórias cabralianas (17): Tirem-me daqui, quero andar de comboio (Jorge Cabral)

A 17ª estória do Jorge Cabral, ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71 (1)


Ainda o Amaral, mas desta vez, Mestre – Escola : Quero andar de Comboio!

Creio que foi em Fevereiro de 1971, que em Missirá, recebi a ordem de Bissau – um dos furriéis passava a ser Professor, com dispensa de toda e qualquer actividade operacional. Ponderada a situação, optei pelo Amaral (2), cujo porte rechonchudo e as maçãs do rosto vermelhuscas, lhe davam um ar prazenteiro e bonacheirão, nada condizente com as funções de comandante de secção combatente.

Por outro lado, pesou na minha decisão, o facto de ele ser filho de professores primários… pois filho de peixe, pensava eu, saberia nadar…

Enquanto Professor, ao Amaral, competia ensinar não só as crianças, mas também os Soldados Africanos, que deviam completar a terceira e quarta classes. Arranjado o espaço, preocupou-se logo o nóvel Professor em obter dois instrumentos, segundo ele, indispensáveis à sua actividade – um longo ponteiro e uma régua, que ele denominava “menina dos cinco olhos”.

Às oito horas, o Amaral formava as crianças, as quais em marcha acelerada entravam na escola, clamando em coro:
– Bom dia, Senhor Furriel Professor.- Depois permaneciam toda a manhã em afinada ladainha:
– Um mais um dois, dois mais dois quatro, ba, bá, ca, cá, da, dá, etc, etc.

Qualquer erro ou desatenção, dava lugar a castigo, que para isso servia a “menina dos cinco olhos”, gabando-se o Mestre, do seu exemplar método pedagógico, exactamente igual ao que fora utilizado na sua escola primária. À tarde, era a vez dos Soldados e eu de vez em quando ia assistir.

Porém, talvez pela maior complexidade da matéria ou pela idade dos discípulos, o Amaral sentia muitas dificuldades. Recordo uma aula, na qual o Professor explicava aritmética, enunciando problemas:
-Tu, Sambaro, diz-me lá? Se gastas 300 quilos de arroz por mês, quantos gastas em 15 dias? - Aqui, o Sambaro começava a discutir, afirmando que lhe chegavam 100 quilos, retorquindo o Amaral:
- Faz de conta, isto é um problema!
- Mas eu nunca comprei 300 quilos - teimava o Soldado. Quase apopléctico o Amaral desistia… Também na História de Portugal, as coisas corriam mal. Castelhanos sem ser turras, era difícil de entender, e quanto a D. Afonso Henriques, fora transformado em pai do Almirante Américo Tomás…

Um dia o Amaral todo ufano, convidou-me para ir à aula. O Mamadu tinha feito progressos. Era o melhor aluno. Lá fui, tendo presenciado o interrogatório sobre as linhas de caminho de ferro e respectivas estações. Mamadu tinha decorado tudo!

Linha do Norte, do Sul, do Oeste… Todos os ramais, estações e apeadeiros. Como ir da Pampilhosa ao Entroncamento, e de Faro à Covilhã.

Radiantes, Professor e Aluno, esperavam o meu elogio. Lembrei-me porém, de perguntar:
- Sabes o que é um Comboio?
- Alfero, nunca n´ca ódja um! – respondeu , Mamadu.

Foi a partir de então que acrescentámos o nosso desabafo de chatisse:
-Tirem-me daqui! Quero andar de Comboio”! – passámos a gritar.

Jorge Cabral

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Notas de L.G.:

(1) Vd. último post > 14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa

(2) Vd. post de 6 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P1418: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (28): Sol e sangue em Gambiel

Capa do romance Barranco de Cegos, de Alves Redol. Lisboa: Portugal Editora, 1961. (Contemporânea, 29). Capa de João da Câmara Leme (Digitalização a partir de uma exemplar, autografado pelo autor, e gentilmente cedido pelo escritor Mário Braga, amigo do Mário Beja Santos).

Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1968 > O Furriel Miliciano Casanova. "O Casanova é um dos meus mais agudos problemas de consciência. Chegou no final de Agosto a Missirá e, progressivamente, tornou-se o meu interino. Chegou muito triste, procurando estudar seres humanos e situações. Depois levantou voo, foi imaginativo e um grande colaborador. Distrai-me e não dei pela sua exaustão. Quando partiu com um colapso nervoso é que me apercebi do peso da sua ausência. Ele foi a minha rectaguarda, confiei-lhe as contas e a sorte dos aquartelamentos sempre que estava no mato" (BS).


Texto e foto: © Beja Santos (2006). (Com os nossos agradecimentos ao ex-furriel miliciano Luís Casanova que disponibilizou esta e outras fotos). Direitos reservados.


Texto enviado pelo Mário Beja Santos em 19 de Dezembro de 2006:

Aqui vai o primeiro texto referente a 1969. Foi uma semana agitada, aquela que preludia a primeira visita de Spínola a Missirá. Creio que com as fotografias do Casanova tu ganhaste um novo fôlego ilustrativo. Por exemplo, podias aqui recorrer à fotografia do bazuqueiro Adulai Djaló. Seguirá por correio o livro Barranco de Cegos, de Alves Redol, com dedicatória do autor a Mário Braga. Eu já desesperava de o encontrar nas minhas andanças pela Feira da Ladra, e em conversa com o Mário Braga ele disse-me que cedia a obra, seguramente o grande livro do Redol. Enviar-te-ei em breve o original da minha punição, que ficará a teu cargo, como tudo mais. Tudo farei para que esta semana recebas dois textos, já que na semana de Natal vou reorganizar os primeiros 6 meses de 1969 e procurar preencher lacunas com o Casanova, o Queta Baldé e o Fodé Dahaba. Depois fujo para a floresta, para Casal dos Matos. A saga continua. Recebe um abraço do Mário.



Nas margens do rio Gambiel, fogo imprevisto entre os palmeirais
por Beja Santos



A 1 de Janeiro, a pretexto de uma coluna e acompanhamento de obras em Finete, fui à missa a Bambadinca. Mas em Canturé, bem expostas à evidência, encontrámos sinal da cabança de bovinos de Mero a caminho de Madina: as bostas, por azar de quem viajou de noite, era um eloquente testemunho bem exposto na picada.

Reorganizei o programa, o Furriel Pires (recém-chegado a Missirá para substituir o Saiegh) ficou em Finete e fui patrulhar a bolanha entre Gambicilai e Boa Esperança. A colheita não foi despicienda: três carregadores de PPSH perdidos e sinais evidentes da cambança do rio em frente da bolanha de Mero.

Um RVIS sobre um dos santuários da guerrilha

Regressámos a Missirá onde já nos esperava uma mensagem para me apresentar na manhã seguinte ao oficial de operações em Bambadinca. É então que vou ouvir pela primeira vez a palavra RVIS, ou seja fazer um patrulhamento aéreo à procura de sinais da vida militar e civil dos rebeldes.

Subimos para uma DO, atravessámos os Nhabijões, cruzámos o Geba e subimos Mato de Cão, depois Sinchã Corubal e então Madina. Sem saber ao que vinha (ou fingindo ignorar que estava a ver do ar a guerra que outros preparavam nos gabinetes), pedi ao major de operações para examinarmos mais ao pormenor o terreno a partir da região do Enxalé, e adiante de Madina, subindo em direcção ao Oio.

Os resultados foram interessantes e para mim, completamente inesperados: um entrelaçado de caminhos irradiando de Madina nas quatro direcções, quase estradas que se diluiam na floresta impenetrável, também em todas as direcções. Subindo para Norte do Cuor, pedi ao piloto para cirandar de Madina até Quebá Jilã, do rio do mesmo nome até ao rio Passa e daqui para o rio Gambiel. Não acreditava no que os meus olhos viam: as bolanhas completamente lavradas a quatro quilómetros em linha recta de Missirá. Ora, já tinhamos patrulhado Sancorlá e Salá, visto milimetricamente todo o terreno firme em direcção da Pate Gide, regressando por Cancumba, e nenhum sinal foi avistado.

Ora, saltava à evidência que toda essa grande estrada que vem de Porto Gole, passando por Enxalé, atravessando o rio Gambiel em direcção a Sare Ganã e daqui para Bafatá era muito mais utilizada pelo PAIGC do que pelas nossas tropas. Guardei para mim o assombro da revelação, sabia que aquele RVIS tinha a ver com uma operação à região de Madina para a qual não obtive nenhuma informação, parti imediatamente para Finete com um bom carregamento de materiais de construção civil e ao despontar da aurora da manhã seguinte parti com um grupo de 30 homens, dois morteiros e duas bazucas em direcção ao rio Gambiel.


A paisagem deslumbrante de Gambiel


Para quem não sabe, Gambiel é um dos sítios mais formosos do mundo. Os palmeirais estendem-se pelo rio que vai desaguar no Geba, acima da Aldeia de Cuor. São luxuriantes, de porte elevado, em declive para as bermas do rio, estendendo-se pelo horizonte desafogado. Tivemos sorte com o dia, translúcido, com pouca humidade e temperatura aceitável àquela hora. Depois de vistoriar o pontão dinamitado pelos rebeldes no início da luta armada (e que impediu as ligações directas entre Missirá e Geba e Bafatá) começámos a circundar os palmeirais do lado do Cuor, procurando identificar aquilo que na véspera vira como claramente visto na bifurcação dos regulados do Cuor, de Mansomine e Joladu.

É uma progressão dificil entre terra firme e caminhos enlameados, entre floresta cerrada e o campo descoberto. Interessava-me, em primeiro lugar, saber se a população civil que cultivava o rio Gambiel cambava em direcção a Missirá e, em segundo lugar, esclarecer se havia presença militar contínua neste recanto noroeste do Cuor. Súbito, pelo meio dia, o sol tornou-se uma fornalha, enquanto subíamos para a fronteira dos domínios do Cuor. Aí pelas 2 da tarde, ergo os binóculos e asseguro-me que os campos lavrados estão de facto no Mansomine e em toda a fronteira do Oio, não no Cuor.

Para me certificar em absoluto do que estávamos a ver, chegámos à margem da bolanha junto do rio Cuiá para depois descermos por Paté Gidé, e assim regressarmos a Missirá. É então que se ouvem três tiros de trovão e a lama despedaça-se num milhão de salpicos à nossa frente. Tínhamos sido detectados por um grupo de vigilância armada. Ou se recuava correndo o risco de estalar o pânico dentro da floresta ou se respondia com um mínimo de concerto.


E segundos decidi com o Casanova partirmos a coluna, eu responder com os morteiros para os pontos de saída do fogo rebelde, enquanto se lhes fazia saber que dispúnhamos de bazucas. Vi algum temor na tropa quando um grupo vestido de caqui amarelo correu bem à nossa frente a escassas centenas de metros, do outro lado do rio. Então, exactamente naquela direcção, descarregámos todo o potencial dos nossos morteiros. Desconheço as consequências, mas vi a força rebelde espalhar-se aos gritos em todas as direcções.

Campino, o bazuqueiro, com duas pernas estilhaçadas


Os morteiros, do outro lado, confrontavam-se com as nossas bazucas, naturalmente menos eficientes. É nessa altura que Adulai Djaló e Mamadu Djau, num ímpeto, se lançaram destemidamente para junto do rio, à procura de atingir o armamento rebelde. Nisto, uma morteirada explode entre os dois, atirando-os ao chão. Mamadu Djau levantou-se logo mas Adulai parecia inanimado e a bazuca abandonada. Fomos a correr, temendo o pior. Não era o pior mas era grave. Adulai, o nosso Campino tinha as duas pernas estilhaçadas.

Usando alguns dilagramas como cortina protectora, retirámos com o nosso ferido, daqui seguimos em marcha forçada até Missirá. Com desespero, vi o dia a caminhar para o ocaso, sem poder dimensionar a gravidade dos ferimentos. Chegados a Missirá, rasgadas as calças do ferido apurou-se que eram estilhaços superficiais e que o nosso Campino resistiria perfeitamente até ao amanhecer seguinte. Ele foi prontamente evacuado e uma semana depois apareceu orgulhoso com as suas pernas enfaixadas, mostrando-se sombranceiro, minimizando a escala do acidente, desabafando mesmo:
-Isto não são ferimentos para um bazuqueiro!. - Mal sabia ele que no dia 19, em Chicri, o seu desempenho voltaria a ser importante.

É no regresso a Missirá que confirmo a lástima em que tenho a perna direita: coxeio cada vez mais e não é a primeira vez que me estatelo no capim, na lama ou na terra seca. Em Bambadinca o David Payne já me avisou que tenho que ir rapidamente à faca, pois é a exostose será gradualmente mais dolorosa. Planeámos tudo para eu me aguentar em Missirá e Finete até fins de Fevereiro (sente-se no ar que Bambadinca e Bafatá preparam uma operação no Cuor. Temos depois as obras, embora eu confie que o Casanova as acompanhe melhor do que eu.

Morre-se de malária no Cuor

Nos solavancos da roda da fortuna há outros acontecimentos que não quero omitir. Chegou um relatório acerca daquele Amadu, o madinga saracolé de Bafatá que nos apareceu em pânico em Canturé, referido aqui há semanas atrás. Afinal o ataque dos rebeldes foi já dentro do Cuor na bolanha de S. Belchior, houve três mortos e doze feridos. O mais surpreendente é que os rebeldes tiveram ao seu dispor a escassos metros da margem uma embarcação carregada de víveres.

O Capitão Baptista Neves, Comandante da CCS [do BCAÇ 2852], visitou Missirá em inspecção amigável. Prometeu duas viaturas, muito cimento mas exige abrigos levados da breca, com tectos de betão. Todos os dias fazemos desmatações, a época das chuvas está a findar, a partir de agora a natureza vai dar sinais de viço. O Furriel Pires, não satisfeito com as paredes nuas da messe decorou-os com cartazes turísticos do Algarve, reproduções de El Greco, Matisse e Delacroix. Depois, aprimorou a decoração com afirmações de Mouzinho de Albuquerque que rodeavam uma expressiva ilustração do enterro do Conde Orgaz... achei aquilo um bocado bacoco mas não reagi.
O Setúbal, um dia destes, entrou a 100 à hora na porta de armas, uma pedra manhosa fez com que o Unimog desse uma guinada cínica, o Domingos Silva, o Jobo e o Serifo andaram pelos ares. O primeiro perdeu os sentidos, o segundo rasgou os beiços, o terceiro estava glopeado da cabeça aos pés. Felizmente, não houve consequências.

Morreu um Bacari Soncó, de 30 anos, irmãozinho do régulo, vitimado pela malária e levámos a família Soncó ao choro no Cossé. Mamadu Djau, além de bazuqueiro é um homem que sofre. Entrou-me numa madrugada destas na morança com os olhos emudecidos. Soubera que um dos seus irmãos, soldado no Moricanhe, ficara volatizado quando pisou uma mina na estrada de Mansambo. Este o nosso quotidiano tranversal.

Barranco de Cegos e outras prendas do Ruy Cinatti

Nesta época, graças às prendas que o Ruy Cinatti (2) me mandou, ando de papo cheio. São leituras marcantes e registo-as num caderno que depois mando para Lisboa. Por exemplo, do Raúl de Carvalho, em Talvez Infância: "É vergonha ser forte e dar o braço a torcer; É vergonha falar de coisas que não se entendem, ou então das cosias que a gente não confessa a ninguém; não é vergonha ser pobre, e estar calado; não se queixar, ser assim: - não vês a terra, que por mais sol que faça ou chuva que encharque, fica sempre na mesma; árida, plana a toda a sua redondeza, e por mais que a gente cave ou charrue ou a revolva, fica sempre na mesma, não acaba... a gente deve ser assim como a terra".

Ou ainda Herberto Helder: "Assim uma cidade vem de longe, cantando muito baixo- e eu recebo-a em casa, ao pé do fogo. Limpo-lhe as folhas, e digo que a sua canção, entre a poeira, era bela e terrível. Aliso as penas de uma formidável morte. Branca é a europa diante da noite, soda ocidental. Grandes barcos chegam batendo as águas. Morrer cedo é como um livro onde as pessoas passem ao fundo, dormindo. Viro as páginas de noites leves. Grandes barcos chegam, batendo o coração. Morrer cansa, ao soletrar a noite de páginas distraídas".

De um livro de poemas de René Char, que o Cinatti também me mandou, sublinho de um poema: "Pour qui oeuvrent les martyrs? La grandeur réside dans le départ qui oblige. Les êtres exemplaires sont de vapeur et de vent.". Mas a leitura mais impressiva deste tempo é Barranco de Cegos, de Alves Redol, que o meu padrinho me ofereceu. É uma epopeia ribatejana, envolvendo a família Relvas, abastados lavradores com propriedades no Ribatejo e no Alentejo.

Tudo começa à volta do Ultimatum e o colapso financeiro, em 1891. Diogo Relvas, o senhor de Aldebarã, tem uma estatura literária gigantesca. Mal sabia eu que nunca voltaria a encontrar em torno do Ribatejo uma outra criação igual. É um pouco da História de Portugal, com miguelismo, marialvismo, sanha conservadora, um tirano agrário que põe e dispõe da vida dos filhos e dos trabalhadores. Com o advento da República, já envelhecido, desaparece numa torre, um neto manda embalsemá-lo e um dia numa corrente de ar desfaz-se em pó. Seria o salazarismo que Alves Redol visava também em 1961?.

As próximas semanas irão introduzir uma reviravolta nos meus projectos. Vou emboscar frente a Mero, vou receber o Comandante Chefe numa visita estranhíssima que culminará no mês seguinte numa punição. Vai haver de novo Chicri. Arrasto cada vez mais uma perna doente. No dia 1 de Fevereiro, o pelotão 52 joga uma partida de futebol com o pelotão 53, recém-chegado do Xime. Enquanto jogamos o céu escurece-se com uma força aérea que se desloca para os lados de Bafatá. Nós não sabíamos, mas ia a começar a evacuação de Madina de Boé. E Fevereiro será o mês de muita canseira em Mato de Cão, traremos um prisioneiro de Quebá Jilã e ouvirei os gritos horríveis de Fodé Dahaba em frente a Madina. É necessário, tenho que contar.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1399: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (27): Sinopse: os meus primeiros 150 dias

(2) 10 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1032: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (5): Uma carta e um poema de Ruy Cinatti