Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os antigos combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961/74). Iniciado em 23 Abr 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024
Guiné 61/74 - P25225: (In)citações (265): A Guerra. Nos últimos tempos as notícias tendem a ser brutais e deprimentes (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)
A GUERRA
Dia 24/11/2023
Nos últimos tempos as notícias tendem a ser brutais e deprimentes, são dias de nevoeiro, em que os olhos reflectem para dentro imagens negras e tristes. Para me libertar delas, apetecia-me banhar corpo e alma com a água límpida, transparente, saborosa e pura das fontes que conheci, quando menino e adolescente na minha aldeia, já adulto, com bom vinho, tal como os meus avós, o meu padrinho José Baptista, Fernando Pessoa, Luís de Camões, grande boémio, um e outro, os maiores poetas de Portugal, meus ídolos e heróis. O vinho bebido, sem toldar as capacidades sensoriais e intelectuais, dá alimento ao espírito, melhora o gosto estético e facilita a comunicação entre as pessoas.
Há mais de um ano temos sido bombardeados com notícias catastróficas.
- Há pouco mais de um mês reacendeu-se o conflito entre árabes e judeus na Palestina, com o ataque desumano do Hamas a civis judeus, com muitas mortes e reféns capturados. Por sua vez os israelitas responderam com um ataque desmedido e desumano porque o seu poderio militar é muito superior e o respeito pelas vidas humanas desses povos inimigos é idêntico. Esse ataque sobre a faixa de Gaza, que não tem poupado habitações, escolas e hospitais e já terá matado muitos milhares de inocentes. Guerras sanguinárias alimentadas pelo ódio de ocupações de territórios que povos milenares diferentes reclamam como seus há muitos séculos e a quem a comunidade das nações no último século não tem sabido dar a melhor ajuda a bem da paz entre eles e da paz mundial.
Judeus e árabes palestinianos, tutelados por dois deuses únicos e omnipotentes, eles e os seus crentes os mesmos templos e terras sagradas, que foram de uns, mais tarde de outros, depois dos mesmos num vaivém trágico de guerras, sangue, dor e morte, que tem alimentado um ódio infernal, que torna difícil o diálogo e a paz. Os cristãos, seguidores de Jesus Cristo, um judeu, (um Deus, um Profeta?) da outra grande religião monoteista, há séculos com as Cruzadas para conquistar e manter os seus lugares sagrados, também já entraram nessas orgias de sangue e de morte.
- A Invasão da Ucrânia, agora menos audível, pelo estrondear das bombas aéreas, mísseis e granadas de canhões e carros de combate, israelitas sobre a Faixa de Gaza, continua a fazer muitos mortos militares russos e ucranianos e a espalhar a destruição e a morte na Ucrânia, uma Pátria mártir.
Infelizmente Vladimir Putin, esse ditador sanguinário e megalómano, que quer restaurar o Império da Rússia, não morre, enquanto mulheres, meninos, velhos e outros morrem todos os dias.
Dia 18/12/2023
A tragédia dos homens é olhar o mundo com todo o rol de desastres, guerras, acontecimentos fastos e nefastos e não saberem as palavras melhores e mais adequadas para formar uma corrente de pensamento, que os transporte pelos caminhos da Paz Universal.
Falo desta quadra com horror, em que os cristãos, eu também o sou, por nascimento e formação, se aliaram aos judeus para matar os palestinianos da Faixa de Gaza, futuramente haverá outros. Matam velhos, mulheres e meninos. Matam os meninos com intenção de extirpar as sementes de ódio que estão a alimentar nesta guerra cruel que poderá alimentar outras guerras contra eles. Mas haverá sempre meninos que se salvam e com a sua memória magoada irão lutar para se libertarem e o ciclo de guerra continuará.
Os meninos cristãos do ocidente felizes com excessos alimentares e excessos de brinquedos, não têm culpa da morte, da doença, da sede, da fome, e da desgraça que grassa entre os meninos do médio-oriente e muitos outros milhões de meninos lindos de toda a Terra. Os seus pais e os seus avós terão culpas pelo egoísmo, alheamento e indiferença, os políticos que eles elegeram são cúmplices também desses assassínios em massa. As religiões orientam os homens para o bem, outras vezes no caminho do mal, mas os meninos quando nascem são todos inocentes e iguais.
Longa vida para os meninos de toda a Terra e que cada vez mais sejam dadas oportunidades de vida, de alimentação, de saúde, de educação e diversão a todos eles.
Ver é melhor que pensar mas só o pensamento activa e dá calor ao cérebro cria o novo e o belo, o horrível.
Está frio e sentimos uma sensação térmica desconfortável.
Na Europa festeja-se o Natal, uma festa religiosa, capitalista e pagã nos excessos e desperdícios, tal como os romanos, os grandes arquitectos deste continente, festejavam as bacanais.
Dia 15/02/2024
A música do silêncio percorre estrelas, planetas, constelações, galáxias, e faz-se ouvir em mensagens sonhadas entre as almas presas nos corpos humanos ou libertas deles.
Cronos é o deus grego do tempo, minutos, horas, dias, anos, que sem nos dar a vida nem a morte, estará sempre presente nessa contagem, entre o princípio e o fim. Os romanos que foram copiar a mitologia e a filosofia a essa civilização mais antiga e culturalmente mais avançada, deram-lhe o nome de Saturno. O que nos desgasta e envelhece é o poder dos deuses que controlam o tempo do nosso viver.
Mais tarde os nossos grandes aliados americanos, grandes guerreiros tal como os romanos, viriam alimentar-se da vasta cultura e da religião europeia, para dar forma, alma e palavra, à grande nação que tais como os romanos fundaram em grandes batalhas de independência contra nações colonizadoras e de conquista contra os povos indígenas, que em grande parte dizimaram.
A história dos homens quando não fala do seu esforço e suor para conseguir alimentos e conforto, fala da dor, do sangue e das lágrimas derramadas, pelas guerras selvagens e desumanas, que povos bem armados provocaram ou povos mal armados sofreram.
Enfim, a nossa civilização judaico-cristã tem um verniz moderno e enganador que não nos liberta, da pré-história em que os homens em luta podiam matar famílias e até comer guerreiros inimigos.
Em Gaza não se comem guerreiros, mas matam-se famílias inteiras indiscriminadamente, com as armas fornecidas pela grande América e o beneplácito ou cobardia da Europa Ocidental. Conheci os lobos, mais pacíficos do que os cães, uivavam à distância, em noites escuras ou de luar, os cães seus primos ou irmãos, aliados aos homens, respondiam num ladrar prolongado, que se assemelhava ao uivar deles.
Ouvi-os muitas vezes, já na cama, aconchegado debaixo de lençóis e cobertores, em noites frias, quando a chuva caía e o vento assobiava entre as telhas, ou em noites de aguaceiros e trovoadas. Os lobos, animais inteligentes, que nunca atacavam os homens, no seu uivar, que parecia um lamento, queixavam-se dos homens por eles terem matado todos os animais herbívoros selvagens e não lhes permitirem comer uma cabra ou ovelha.
Os animais mais sanguinários da Terra são os homens. Nem consigo entender como ainda há deuses que os queiram salvar.
Dia 22/02/2024 - "O Observador"
"Edgar Morin, o famoso filósofo francês e filho de judeus sefarditas, acusa "o silêncio do mundo" perante a onda de violência massiva que atinge a população de Gaza."
Deste grande pensador e estudioso de várias áreas do conhecimento, que já tem 103 anos, muita experiência de vida e conhecimentos vastos em ciências humanas, que na França ocupada lutou contra os ocupantes nazis, continua lúcido e atento aos males presentes e futuros. Dele li, há mais de trinta anos, o Paradigma Perdido e o Homem e a Morte, leituras que me marcaram. Escreveu muitos outros livros.
Sinto-me confortado pelas suas palavras acusatórias. Finalmente encontro um pensador universal que sempre admirei, que projecta para toda a terra, com a autoridade que eu não tenho, a minha raiva e a minha angústia contra os senhores da guerra, os seus apaniguados, os políticos sem coragem e carácter e os pensadores menores que comem à mesa dos financeiros e dos capitalistas russos, judeus, americanos.
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Nota do editor
Último poste da série de 9 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25151: (In)citações (264): Adjarama, Amadu Bailo Djaló, por essa lição de vida (Cherno Baldé)
sexta-feira, 8 de setembro de 2023
Guiné 61/74 - P24632: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (10): ex-alf mil cav Jaime Machado, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70) - Parte VII: beldades de Bambadinca
Foto nº 1
Foto nº 1A
Foto nº 3
Foto nº 3A
Guiné > Zona leste > Região de Bafatá _ Setor L1 > Bambadinca > BCAÇ 2852 (1968/70) > Pel Rec Daimler 2046 (1968/1970) > Fevereiro de 1970 > "Eu com um belo conjunto de bajudas junto à capela"... Se não é uma foto de despedida, até parece; mas não, nenhuma delas era conhecida do fotógrafo; dias mais tarde, finda a comissão, em fevereiro de 1970, o Pel Rec Daimler 2046, comandado pelo alf mil cav Jaime Machado, partiria para Bissau donde regressaria à metrópole, no T/T Niassa, em abril de 1970.
Fotos (e legenda): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]
[Foto atual, à direita, do Jaime Machado, que reside em Senhora da Hora, Matosinhos; sua avó paterna era moçambicana; mantém com a Guiné-Bissau uma forte relação afetiva e de solidariedade, através do Lions Clube; voltou à Guine-Bissau em 2010]
2. Comentário do editor:
Ao tempo do BART 2917 (1970/72), que o Jaime já não conheceu (veio render o BCAÇ 2852, 1968/70), havia só no regulado de Badora (que incluía, Bambadinca, o principal núcleo populacional com c. de 1500 habitantes), uma população total (recenseada e controlada pelas NT) de c. de 12 mil, metade dos quais de etnia fula.
Os restantes eram mandingas (20%), balantas (20%) e outros (10%), onde se incluíam mansoanques, manjacos e alguns cabo-verdianos e metropolitanos, cristãos.
No conjunto do setor L1 (que incluia ainda os regulados do Xime, Corubal, Enxalé e Cuor), o total da população sob o nosso controlo não ia além dos 15200. Segundo a mesma fonte (a história do BART 2917), a população sob controlo do IN, andaria à volta das "5400 pessoas, na sua maioria de etnia Balanta, Beafada ou Mandinga" (nos regulados do Corubal, Xime, Enxalé e Cuor).
Perguntei ao Jaime Machado o que é que estas beldades, bem arranjadas, "bem produzidas" (como se diz no Norte), fariam aqui, junto à capela de Bambadinca, em fevereiro de 1970 ? Era dia de festa ? Era domingo ? Seriam cristãs ? Seriam fulas, seriam mandingas ?
Apesar da sua "memória de elefante", o Jaime confessou que não se recorda de mais pormenores:
O Jaime admite que elas fossem cristãs, estavam com ar domimngueiro, bem vestidas e calçadas. (De facto, não há nenhuma descalça, até por que o chefe de posto não autorizava "pés-descalços" ali nas imediações da "cibilização"...).
Quanto a mim, seriam mandingas, a avaliar pelas feições, pelo vestuário e pelos adornos... Embora houvesse de facto uma pequena comunidade cristã em Bambadinca, não vejo crucifixos ao peito, mas sim colares, e numa delas com um amuleto (talvez em prata, uma figa, que é de origem europeia, etrusca e romana, e não africana, estando associada originalmente ao erotismo e à fertiliddae, e hoje à proteção contra o mau olhado) (foto nº 1 A)...
Por outro lado, a porta da capela está fechada... Fica a dúvida: seriam bajudas cristãs ou fulas e/ou mandingas, islamizadas ? Um certeza: para estas lindas, amorosas, bajudas, era um "dia de ronco", talvez elas fossem, frescas, alegres e divertidas, para algum casamento, ali em Bambadinca ou em Bambadincazinho.
3. Comentário do Cherno Baldé (**):
A postura e o olhar algo envergonhados, a indumentária, os penteados e os enfeites na cabeça e no corpo, dizem isso mesmo.
Ainda seriam solteiras mas, nesta idade estariam todas comprometidas (com casamentos arranjados entre os pais) e aproveitam os últimos meses de liberdade antes do casamento.
A presença de elementos ou símbolos estranhos usados como adornos pode ser explicada por razões de urbanização e da crescente mistura/influência de outros hábitos e culturas em Bambadinca (centro urbano e importante elo de ligação ao resto do país) e arredores, devido à guerra e ao movimento das populações.
(...) A expressao "islamizado/a" não é correcta, seria mais correcto dizer "islâmico/a", pois já nasceram dentro de uma familia, meio e cultura islâmicas, mesmo que superficial. Islamizados seriam os seus bisavos que, de facto foram coagidos (de forma voluntária ou não) a uma conversão, muitas vezes forçaada, nos séculos. XVIII/XIX.
De notar que os portugueses nunca utilizam a expressão "cristianizados" quando se referem aos guineenses de confissão cristã.
(*) Último poste da série > 4 de setembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24617: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (9): ex-alf mil cav Jaime Machado, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70) - Parte VI: o porto fluvial de Bambadinca, uma das portas de entrada no Leste, a par do porto fluvial do Xime
(**) Vd. poste de 7 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15215: Fotos à procura de... uma legenda (63): Bajudas de Bambadinca, fevereiro de 1970: um "grupo de idade" da etnia fula num dia de festa tradicional (Cherno Baldé, Bissau)
sexta-feira, 7 de abril de 2023
Guiné 61/74 - P24207: Fotos à procura de... uma legenda (173): O Ramadão de 1971 na tabanca de Saliquinhedim (K3) (José Carvalho, ex-Alf Mil Inf)
Caríssimos Luís Graça e Carlos Vinhal
Formulo votos de boa saúde.
Decorrendo o Ramadão, lembrei-me que no meu baú das memórias da nossa Guiné, existiam diapositivos sobre este período, celebrado pelos povos muçulmanos.
Estas fotos foram tiradas em Saliquinhedim (K3) no ano de 1971.
Na altura e mesmo agora os meus conhecimentos sobre o Ramadão são muito escassos, pelo que a sequência das fotos é perfeitamente intuitiva.
Assim, envio-vos estas fotos para se entenderem que se revela interessante a sua publicação, até com eventuais acréscimos de comentários de entendidos no assunto, fica à vossa consideração.
Desejo-vos uma Boa Páscoa.
Abraço,
José Carvalho
Comentário do editor:
Talvez o nosso amigo Cherno Baldé, especialista em assuntos étnico-linguísticos da Guiné-Bissau, nos possa legendar as fotos quanto aos momentos de oração aqui retratados, especialmente o momento da foto 8A.
Fotos: © José Carvalho, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2753
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Nota do editor
Último poste da série de 2 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24185: Fotos à procura de...uma legenda (172): Ainda a tragédia do Quirafo, de 17 de abril de 1972: comparando as fotos da GMC destruída, de 2005 (Paulo / João Santiago) e de 2010 (Rogério Paupério / José António Sousa)
quarta-feira, 18 de janeiro de 2023
Guiné 61/74 - P23992: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte XVII: Breve história do império do Mali
A história do Império do Mali começa com a queda do Império do Gana no Século XI.
“(…) O sultão preside no seu palácio numa grande varanda onde se encontra um enorme trono de ébano feito para uma pessoa alta e corpulenta; o sultão é ladeado por duas presas de elefante viradas uma para a outra, e as suas armas todas em ouro, são colocadas ao pé dele: sabre, lanças, carcás, arco e flechas (…) (42)”.
A famosa peregrinação levada a cabo por Mansa Mussa, seria composta por uma caravana com 60 mil pessoas, entre elas 12 mil servos, e 500 escravos cada um transportando ouro, e 80 camelos carregados com mais de duas toneladas de ouro para serem distribuídas entre os pobres (43).
A peregrinação colocou literalmente o Mali nos mapas do mundo medieval, pois Mansa Mussa surge com uma pepita de ouro na mão, no mapa do catalão Abraão Cresques, em 1375.
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Notas do CF:
(38) Al-Bakri - pag. 69 da “História da África” de J. D. Fage. Al-Bakri escreveu o livro “Descrição de África” em 1087, que serve de fonte a muitas obras literárias.
exemplo na pag, 167 em História da África Negra, de Joseph Ki-Zerbo, o seu nome é Sumaoro Kanté, na pag, 27 de Sundiata – An Epic of Old Mali, de Djibril Tamsir Niane, o seu nome é Soumaoro Kanté.
(41) Guiné-Conacri - oficialmente designa-se República da Guiné, mas vulgarmente também é chamada de Guiné-Conacri, para se distinguir da Guiné-Bissau.
sábado, 17 de setembro de 2022
Guiné 61/74 - P23623: (Ex)citações (416): Bedanda, erros e abusos, adesão dos balantas, biafadas e nalus ao PAIGC, batizado muçulmano. etnocentrismo... (Luís Graça / Cherno Baldé / António Rosinha)
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > 10h25 > Festa de baptizado muçulmano: Preparação da comida (II)... Há também o sacrifício de um carneiro nesta cerimónia destinada a escolher nome da criança.
Nunca houve uma autocrítica das autoridades portuguesas (nem mesmo no tempo do Spínola, que reconheceu "erros e abusos" do passado...) em relação à aparentemente "tão fácil" adesão das populações do sul da Guiné à luta pela independência, sob a bandeira do PAIGC (balantas, biafadas, nalus...).
Mamadu Djaló, futa-fula, mulçulmano, um homem crente, sábio, tolerante, com valores, não gostou do que viu em Bedanda... E Bedanda não lhe deixou saudades. O mesmo Mamadu que deu o seu melhor (tinha cicatrizes no corpo), nomeadamente nos Comandos e na CCAÇ 21, pelo Portugal em que ele acreditava... O mesmo Mamadu que morreu, sozinho, no Hospital das Forças Armadas sem que Portugal alguma vez lhe tivesse reconhecido o seu sacrifício.
14 de setembro de 2022 às 14:01
(ii) Cherno Baldé:
Com estes testemunhos, começa a ficar claro, para quem ainda não sabia, porque é que a população do Sul, designadamente Balanta, foi obrigada a escolher o outro lado da guerra, onde ninguém podia ficar neutro e/ou indiferente.
Todavia o Amadu Jaló deu alguns sinais de etnocentrismo ao julgar a comunidade Balanta segundo a tradição Fula e muçulmana do baptismo de uma criança, quando pensa que, necessariamente, devia haver bolinhos de farinha de arroz e nozes de cola num baptismo de Balantas, quando, na verdade, não tem nada a ver uma e outra coisa.
Também, suponho que o nome do prisioneiro de Cacine seria Mutna e não Mutna.
De resto, foi uma leitura bastante aprazível, esperando mais notícias deste fabuloso livro da vida bem movimentada de um valoroso Comando, Guineense e Português.
15 de setembro de 2022 às 00:55
(iii) António Rosinha:
Nunca houve autocrítica das autoridades portuguesas, dizes tu, Luís Graça.
Talvez de facto Spínola como Presidente da República no 25 de Abril soubesse de alguns erros e abusos, mas não devia ser nem Spínola nem quem lhe sucedeu que devia mencionar os abusos, quem devia mencionar e seleccionar os abusos foi quem os sofreu.
Lembrou-me este pormenor uma intervenção de declaração na Internet de uma senhora nigeriana, súbdita de Isabel II, que a propósito de tantas loas a sua majestade, simplesmente diz que foi no reinado dela que se deu a terrível guerra civil na Nigéria...(e assim por diante).
Ora, estava ela a referir-se aquela que nós chamamos a Guerra do Biafra, que foi tremenda, talvez só em Angola com os 28 anos de guerra se assemelhe, estava essa senhora a atribuir responsabilidades à Inglaterra nessa guerra, e já haviam passado sete ou oito anos após a independência, como sabemos, quem tenha acompanhado.
Luís Graça, o povo africano, não os políticos, o povo africano é que vai julgar a Europa. Vai julgar e responsabilizar. E já o está fazendo, lentamente, mas já o está fazendo.
Parece-me a mim, talvez eu esteja a ver erradamente. Mas aquela súbdita de sua majestade penso que não está sozinha nas suas ideias.15 de setembro de 2022 às 15:34 (***)
Notas do editor:
(**) Vd. poste de 14 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23615: Bedanda, região de Tombali, no início da guerra - Parte I: Testemunho de Amadu Djaló (1940-2015), relativo ao período de dezembro de 1962 a junho de 1963
(***) Último poste da série > 15 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23620: (Ex)citações (415): Hoje decidi fazer mais uma pequena viagem ao passado, em Cobumba (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)
quinta-feira, 3 de março de 2022
Guiné 61/74 - P23046: Memórias do Chico no Império dos Sovietes (Cherno Baldé) - Parte VI: Com a Ucrânia hoje a ferro e fogo, o meu coração está dilacerado
Voltará ao seu país, em 1990, com uma licenciatura em Planificação e Gestão Económica, pela Universidade de Kiev, já depois da queda do muro de Berlim e do fim da URSS.(*)
Sobre o tempo de Kiev (1986/90), só temos alguns poemas, que republicamos, juntamente com alguns comentários sobre essa época, de que ele guarda, naturalmente, boas e más recordações,
(...) Neste preciso momento a Ucrânia está a ferro e fogo. O meu coração está dilacerado e lamento que gente boa e pacífica que aprendi a gostar e admirar, esteja a sofrer por motivos que os ultrapassam.
Choro por Ucrânia, mas compreendo a Rússia. É uma guerra entre irmãos da mesma mãe, a Kievski Rush. A Russia tem suas raízes enterradas terras ucranianas apelidada nostálgicamente de "Ukraína" a nossa terra distante, longínqua.
Não há palavras para expressar nem de justificar (...)
(...) Eu estudei na antiga URSS, sim, onde, juntamente com o leite e mel servido na cama individual, também nos serviam expressões agradáveis como " Ó macaco preto, volta para a tua terra!".
Uma vez, em Kiev, conversando entre amigos e colegas de turma de várias nacionalidades, um Russo nos interpelou cheio de curiosidade:- Disseram-me que vocês, africanos, nos vossos países, vivem em cima das árvores, mas como é que conseguem montar as camas ?
E alguém dos nossos respondeu-lhe:
-Sim, é verdade, e se queres saber mais digo-te que o vosso embaixador que vive lá connosco, está hospedado e dorme na árvore mais alta da nossa floresta. (...)
(...) Para aqueles que não sabem (o que é pouco provável) quero informar que, também, nós, Africanos (Pretos, se quiserem), tivemos a oportunidade de viver em terras da Europa, esta velha Europa, orgulhosa e racista, mas que também sabe ser, às vezes, acolhedora e bondosa. E também nós tivemos, temos e teremos as nossas experiências não menos dramáticas com as Marias e as Natachas.
Diz um ditado popular que "o mundo é como o rabo de uma pomba" que faz viragens permanentes. Eu nunca utilizarei o termo puta porque penso que o não foram e aí o Jorge Cabral é bem explícito. Se todos os homens fossem tão humanos como o são as mulheres (todas as mulheres), o mundo seria mais justo e a vida mais fácil de viver. (...)
Da mesma forma que nunca aceitou a ideia da chegada do homem a lua, também não aceitava a teoria da terra redonda. Não discutia isso com as outras pessoas fora do circuito restrito da família, mas não admitia que os seus filhos metessem na cabeça muitas fantasias. Uma vez, ameaçou mesmo retirar-me da escola se continuasse a falar dessas coisas anti-religiosas que nos ensinavam na escola. Isso aconteceu quando ainda estudava no ciclo preparatório e depois no Liceu de Bafatá (1975/79).
Um dia, depois do meu regresso da URSS em 1990, numa conversa em família, inadvertidamente falei de uma viagem que tinha feito às cidades históricas de Samarcanda e Bucara (Uzbequistão), no âmbito de uma excursão escolar, pensando que ele ficaria satisfeito por ter perdido o meu tempo a visitar localidades islâmicas históricas. No fim, o meu pai perguntou-me onde estavam situadas. Respondi que estas cidades eram da Ásia Central, para lá da cidade santa de Meca.
Não devia ter falado. O velho levantou-se visivelmente irritado e foi para a sua casa, sem dizer mais nada. No dia seguinte atirou-me à socapa : "Tu, Cherno, não sei o que a tua escola te serviu, pois ainda continuas a mesma criança idiota que saiu daqui há mais de 15 anos e nem consegues entender que Meca é o fim do mundo?!... Como podes afirmar que há outro mundo para lá de Meca e que tu estiveste lá?!"
Era assim o meu pai, muito corajoso e sensato, mas completamente irascível nas suas crenças, de tal modo que não valorizava muito os nossos estudos na escola dos brancos, exceptuando, claro, a contrapartida monetária que podíamos fornecer.
Ao que parece e por aquilo que aprendi das suas relações, os brancos (portugueses e franceses) desconfiavam sempre dos fulas e da sua religião islâmica, da mesma forma que os homens grandes fulas (como bem disse o Mário Migueis) aceitavam e suportavam com dignidade o domínio dos brancos, mas sempre desconfiados da sua comida, da sua ciência e das suas reais intenções a longo prazo. (...)
Acontece-me pensar…Pensar…pensar…
Como aos poetas, sonhar.
No denso sepulcro da memória
No despertar inadiável da vida
O caminho ainda longo.
Acontece-me querer voltar ao passado longínquo da origem
Sempre presente em silêncio.
No passo das minhas pegadas, mal varridas pela erosão do tempo
Medir a força das lianas, razões de tropeço na caminhada.
Acontece-me pensar, acontece-me querer voltar
Aos tempos primeiros da infância
A altura daquelas montanhas agrestes, sulcadas pela corrente de suor,
Do meu corpo na luta
Uma vista de olhos passar a Baobab que eterniza a tabanca
Berço dos meus sonhos
Sentir no corpo e na alma, a brisa que embalou a infância
A voz da floresta em pranto e o gosto amargo das raízes violadas
Lá, mais para oeste …
De El-miná ou Ouida
De Badagry ou N´goré
O caminho do mar,
Em ondas lacrimosas da viagem sem regresso
(Kiev, Dezembro de 1987)
OBSERVADOR
Observador
Espectador
Nos parques
O mundo a renascer
Em cada primavera
Nas ruelas,
Em compassos lentos
Dos pares e dos sonhos floridos
E tu desvairado, aonde vais? Ao “magazin" (1)
Antes do voo e das vozes do mundo,
Que estão por nascer.
(Kiev, Abril de 1990)
1- Magazin – Loja, mercearia de produtos de primeira necessidade
2- Magadan – Localidade Russa situada algures na Sibéria oriental
3- Buran – Vaivém Espacial Soviético inaugurado em finais da década de 80
[Seleção, fixação e revisão de texto / negritos / título e subtítulo: LG]
(*) Último poste da série > 27 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - 23037: Memórias do Chico no império dos Sovietes (Cherno Baldé) - Parte V: No campo de férias de um Sovkhoze, a apanhar maçãs, damascos, abóboras... Um 'desastre', que acabou sem diploma de mérito nem contrapartida financeira
quinta-feira, 13 de janeiro de 2022
Guiné 61/74 - P22902: (Ex)citações (398): Topónimos de origem árabe: Missirá, Amedalai, Medina, Meca... Curiosidades, controvérsias (Cherno Baldé, Bissau / Fernando Ribeiro, Porto)
Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Regulado do Cuor > Missirá > Pel Caç Nat 52 > c. 1968/69.
"Um momento de Missirá: à esquerda. Madiu Colubali, baixo de corpo, grande de coragem. Grande conhecedor do Corão e da escrita marabu; à direita, o régulo Malã Soncó, em perfeito traje de chefe mandinga - figura bíblica, bravura sem igual. Atrás, o pequeno monumento que os rebeldes destruíram e nós reconstruímos. Ao fundo, à esquerda, a mesquita. À direita, cubata destruída no ataque de [6 de ] setembro [de 1968]. Tudo tão belo"...
Foto (e legenda): © Mário Beja Santos (2006). Todos os Direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Caros amigos,
Com a partida do "Alfero" Jorge Cabral, o unico, o Blogue, os Veteranos da Guerra da Guiné e todos nós, perdemos um Homem bom e invulgar, um excelente Humorista e Comediante nato. Aproveito esta oportunidade para endereçar os meus sentimentos de pesar à familia enlutada e aos amigos mais próximos.
Sobre o Poste de hoje (*), gostaria de apresentar algumas notas, a titulo de curiosidades, que, certamente, o "Alfero" e todos os que passaram pela região, gostariam de saber.
No último parágrafo do seu Conto de Natal o "Alfero" Cabral escreve:
Num comentario a um dos Postes anteriores escrevi, mais ou menos isto: Não era o menino Jesus, mas estava o menino Braima que é o maior dos Profetas das trés religiões conhecidas. Braima ou Ibrahima vem do Árabe "Ibrahim" e que corresponde ao Abrão ou Abraham dos Cristãos.
O topónimo Missirá (nas línguas dos povos muçulmanos da Senegâmbia) vem, também, do Árabe "Misr" ou "Misra", ou seja o nome dado, pelos árabes, ao Egipto.
Na região da Africa Ocidental, especialmente nos paises de maioria muçulmana, são muitos os topónimos de origem Árabe devido influência da religião islâmica que aconteceu nos séculos anteriores à colonizaçao europeia, e fundamentalmente no século XIX com a entrada em cena dos povos Fulbés ou fulanis (fulas, em português) e a fundação de importantes reinos teocráticos que alteraram radicalmente o cenário politico, demográfico e sócio-cultural da região, desde o Oceano Atlântico (Senegal/Mauritânia) até à África Central (Camarões e RCA).
Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
9 de janeiro de 2022 às 13:51
(ii) Fernando de Sousa Ribeiro
Caro amigo Cherno Baldé e restante pessoal
Existe em Portugal uma localidade chamada Meca. É uma pequena aldeia situada a norte de Alenquer. Fui lá uma vez há muitos anos e deparei-me com uma grande e imponente igreja, grande e imponente demais para uma aldeia tão pequena, o que não é caso único em Portugal. Todos os anos realiza-se no adro fronteiro à igreja uma cerimónia de bênção do gado. Os criadores de gado da região reunem as suas ovelhas, cabras e bois no largo, para que o padre abençoe os animais, aspegindo-os com água benta.
Embora a igreja e o ritual sejam católicos, o nome Meca pode ter origem muçulmana, pois os árabes ocuparam a região durante cerca de quatro séculos e deixaram numerosos vestígios. O topónimo Alenquer, por exemplo, é de origem árabe. Por outro lado, um vulcão extinto existente nas proximidades da aldeia poderia ter sido um local para rituais pagãos realizados muitos séculos atrás, dos quais a bênção do gado poderia ser um sobrevivente.
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 9 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22891: Antologia (80): O Natal, mesmo na guerra, é quando um homem quiser (e puder)... (Jorge Cabral, 1944-2021)
(**) Último poste da série > 8 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22888: (Ex)citações (397): Surpreendido com o aumento do nº de leitores do blogue, a partir da Suécia (José Belo, Key West, Florida, EUA)
quarta-feira, 24 de novembro de 2021
Guiné 61/74 - P22747: Memória dos lugares (432): Tabatô, a tabanca da utopia, a 10 km, a nordeste de Bafatá - Parte III
Guiné-Bissau > Bissau > Dezembro de 2009 > Hotel SPA Coimbra, sito na Av Amílcar Cabral > Da esquerda para a direita, o João Graça, músico e médico, português, o Mamadu Baio (músico da tabanca mandinga de Tabatô,), Victor Puerta (cooperante espanhol / Barcelona, ONG Intercanvi), Catarina Meireles (médica portuguesa), Jandira (só se vê o rosto, guineense, à data era namorada do Alexandre Lopes um dos donos do Hotel SPA Coimbra)...
A última pessoa sentada é a Enf Luísa, de Coimbra, no mesmo projeto que eu - ONG Saúde em Português. Éramos como D. Quixote e Sancho Pança (não sei quem era o quê... ehehe) e auto-batizamo-nos de Catarina Sanhá e Luísa Baldé .... ehehehehe.
O último senhor em pé é o Dr. Miguel Lopes - dono/proprietário do Hotel (com o irmão Alexandre e a mãe, D. Francelina).
Local: lobbi bar do restaurante do Hotel Spa Coimbra (recentemente inaugurado). Este jantar foi-nos oferecido, a mim e à Luisa, em gratidão à alegria que levávamos à Casa (e despedida antes de Natal... também)!
Foi-nos permitido convidar amigos e, de entre aqueles que estavam em Bissau e podiam vir... resultou esta fabulosa moldura humana.
Guiné-Bissau > Região de Bissau > Tabatô > 28 de Novembro de 2009 > A cerimónia do Tabaski... em que pela 1ª vez participaram três europeus, não-muçulmanos, duas portuguesas e um espanhol... Uma das portuguesas foi a Catarina Meireles, médica, que aparece nas fotos a seguir, nas fso (a 3ª, a contar de cima), com uma criança mandinga ao colo; e na 2ª, partilhando a refeição)... Na 1ª foto, de cima a temos uma vista geral da assembleia, durante a cerimónia do Tabaski, na aldeia mandinga de Tabatô, a ea nordeste de Bafatá, a escassos 10 km.
Guiné-Bissau > Região de Bissau > Tabatô > 28 de Novembro de 2009 > Festa do Tabaski > O Mamadu Baio ,. à esquerda, partilhando a refeição do dia com a Catarina Meireles e um putro estrangeiro
Fotos (e legendas): © Catarina Meireles (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemenetar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Tabatô > 16 de dezembro de 2009 > 9h30 > O chefe da aldeia, Mutar Djabaté, pai do músico Kimi Djabaté, e ele próprio um grande balofonista (tocador de balafon)... É um dos atores principais do filme do João Viana, "A batalha de Tabatô" (2013), juntamente com Fatu Djabaté e Mamadu Baio. Sinopse do filme: "Depois de anos a viver em Portugal, o pai de Fatu regressa a África para assistir ao casamento da filha com Idrissa Djebaté. Ela é professora universitária e seu futuro marido é um músico conhecido. A festa de casamento é em Tabatô, um lugar extraordinário onde todos os seus habitantes são, há 500 anos, músicos djidius, cantores-poetas que narram contos e lendas representativos da vida africana. No caminho até lá, à medida que as recordações se avivam, o velho senhor começa a revelar traumas esquecidos da sua juventude, enquanto soldado mandinga na guerra colonial, décadas antes.
Filmado na Guiné- Bissau, é a primeira longa-metragem de ficção de João Viana, que foi distinguido com uma menção honrosa na edição de 2012 do Festival Internacional de Cinema de Berlim." CineCartaz / Público.
(...) Está localizada a 12 km de Bafatá, na zona leste do país, e (...) é conhecida pela sua população ser maioritariamente de griots ["djidius"] , apesar de ser dividida em duas metades.
(...) A segunda metade é habitada pelos descendentes do régulo fula. Há ainda em Tabato uma família que é tida como de cativos, sendo o patriarca destes o homem mais velho da tabanka, mas que não tem a autoridade do patriarca de apelido griot.
(...) Embora considerada uma tabanca mandinga, Tabatô está sob o regulado de um homem fula, que mantém uma certa autoridade sobre os mandingas que ali vivem, como podemos ver na maneira como exerce a sua autoridade nas reuniões na mesquita, em que se fala fula, e nas reuniões sobre assuntos da tabanca, como foi a dos preparativos para o Festival de Cultura Tradicional do Balafon, realizado em Março de 2010 [e que deu grande visibilidade nacional e até internacional a Tabatô].
Naquela altura, era imprescindível o aval do régulo fula como também de um guia de visitas, que foi preparado para receber a comitiva vinda de Bissau. A casa do régulo antigo estava entre os outros pontos de interesse, como o polón (a grande árvore em que está enterrado o patriarca), o mato sagrado, a casa-museu. (pág. 63)
(...) Tabato é uma pequena aldeia formada por uma moransa de descendentes do régulo fula
responsável pela vinda da família de Bundunka Djabaté para aquela zona do país. Estas casas foram construídas na primeira metade da aldeia, ao passo que os descendentes do griot mandinga ocupam a segunda metade das terras.
Estava-se nos fins do século XIX, quando Bundunka Djabaté chegou a Tabatô com as
suas esposas e os seus dois filhos, partindo de Kankan na Guiné-Conakry, a chamado de um
régulo fula cuja família, pouco a pouco, se foi espalhando por outras tabancas que pudessem nomear em língua fula, ao contrário do que se passou em Tabatô, uma das poucas localidades com nome mandinga que restaram depois da Guerra de Kansalá, quando o Império do Futa- Djalon se instalou onde antes estava o Reino do Gabu, última fronteira do Império do Mande (...).
Tabatô é uma referência também para griots de outras famílias na Guiné-Bissau, que
foram até lá para estudar com Ba Djabaté, e outros “grandes”, a arte do balafon e da djaliá. (pág. 214).
(...) Mutar Djabaté é hoje o homem grande de Tabatô, descendente do fundador da tabanca e, como chefe de família, ele é papesinho (pai pequeno) das gerações mais jovens, razão pela qual lhe devem respeito e sempre lhe apresentam, a ele e ao Conselho da família, as suas vontades, projectos e ideias. (...) (pág. 75)
(...) Até ao fim dos anos 1970 [, ou seja, desde a administração portuguesa até ao fim do regime de Luís Cabral ], os griots [ leia-se "djidius", em crioulo ] que ali estavam [ em Tabatô] viviam quase exclusivamente da sua arte [, atuando em festas, casamentos, choros...] o que ao longo do tempo se tornou insustentável pela própria conjuntura do país, obrigando muitas famílias a voltarem-se para a agricultura de exportação [ ,caso do caju, em particular], (e não apenas de subsistência, como acontecia até então), e entrando também nos grandes circuitos do êxodo rural [, estabelecendo-se em Bissau, por exemplo] e da migração internacional [, países vizinhos, Lisboa, Paris, Londres...] (...) (pág, 214).
No passado fim de semana (26-27 de nivembro de 2009) fui ao Tabaski - cerimónia de imolação do carneiro (por analogia: Páscoa dos Muçulmanos).
Depois de muitas resistências, dúvidas, declinações... lá consegui que me deixassem assistir ao ritual ("eucaristia") numa tabanca perto de Bafatá, de seu nome Tabatô - muito especial, particularmente pela sua forma de vida comunitária, que assenta na música e dança étnicas. São fabulosos!
Fui com mais uma amiga (portuguesa) e um amigo (espanhol). Vestimos roupas típicas, ocupamos as posições indicadas (segundo a ordem social vigente) e imitamos tudo o que nos diziam para fazer... E não me senti diferente... ao contrário, até me senti mais especial!
No fim do ritual, chamaram-nos (aos 3 brancos) para junto dos Homens Grandes e ajoelhámos em círculo.
Para quê? Para dar graças a Alá por esta dávida - pela primeira vez 3 brancos visitaram aquela tabanca no dia do Tabaski. Era um sinal divino de prosperidade e de vida longa (incluindo para nós!)
As explicações foram reforçadas várias vezes para que percebessemos o quão importante e bem-vinda era a visita dos 3 brancos.
Eu disse...
- Sim, 3 é número sagrado!
Eles rejubilaram com o entendimento do misticismo!
Foi-me pedido que falasse... e falei. Pedi uma cadeia de união - corrente de mãos dadas. Expliquei como fazer e disse:
- Não há preto, não há branco, somos todos irmãos... daí esta cadeia de união.
E do meu lado esquerdo soou uma voz meiga, dum dos homens que me acolheu nas 3 vezes que fui a essa tabanca:
- Obrigado, Fátima de Portugal!
Catarina Meireles
Bafatá, 1 de Dezembro de 2009
3. Mensagem da Catarina Meireles (que foi minha aluna em 2007, na ENSP / Universidade NOVA de Lisboa), com data de 22 do corrente (, respondendo a uma mensagem minha, e ao meu comentário: "Catarina, que bom saber de si, ter notícias suas, sentir que continua a ser o mesmo maravilhoso ser humano que eu conheci há de mais uma boa dúzia de anos, não ?!"):
(...) Bom dia a todos! Estive lá, na mesma altura com do seu filho João. Fui algumas vezes, a Tabatô, por ser realmente perto de Bafatá. Lá vivi o Tabaski (matança do carneiro) de 2009... E partilhei consigo, Professor. Aldeia verdadeiramente especial, Pessoas incríveis... Ainda hoje as sinto.
E sabe o curioso? Em 2010 fui a Cabo Verde, à ilha da Boavista... E num dia a passear pela rua se vendedores de artesanato encontrei alguém... Um homem dessa aldeia de Tabatô - uma Alegria imensa para ambos!!!
Eu dei-lhe "notícias da terra", pois não ia lá há anos... Contei-lhe do terreiro, festas para turistas, do novo poço da aldeia, da escola, das filhas do primo Figgi...
Manga di Mantenhas!
Que bom recordar depois de tantos anos... (parece que foi ontem)
Ana Catarina Meireles (...)
22 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22741: Memória dos lugares (431): Tabatô, a tabanca da utopia, a 10 km, a nordeste de Bafatá - Parte II