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segunda-feira, 11 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25261: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (21): O pão que o diabo amassou

Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Setor de Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da Ponte de Caium, guarnecido pelo 3º grupo de combate, "Os fantasmas do leste". Na foto, o sold Cristina, municiador do morteiro 81, que as circunstâncias obrigaram a tornar-se padeiro... Como muitos outros, espalhados pelos duzentos e tal aquartelamenntos e destacamentos da Guiné..."A necessidade faz o órgão"... Mas esta história que aqui se conta não tem nada a ver  diretamente com ele..., apesar de ter descoberto na ponte Caium a sua vocação e ter continuado  a ser padeiro pela vida fora.


Foto: © Jacinto Cristina (2010). Todos  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Contos com mural ao fundo (21) >  O pão que o diabo amassou 


por Luís Graça


− “Duque de Palmela”, imaginem!,  foi a alcunha que me puseram na tropa.

Muitos militares tinham como alcunhas os nomes das terras donde provinham. Assim era mais rápido distinguir os Silva, os Santos, os Ferreiras, os Carvalhos, etc. , em cada pelotão ou companhia. E sempre era mais fácil do que fixar o número mecanográfico, que na realidade ninguém sabia de cor, nem o próprio… Andava-se com ele ao pescoço numa medalha metálica, picotada:

− Em caso de um tipo lerpar, cortavam uma metade e entregavam-na ao cangalheiro..., não fosse mais tarde haver troca de urnas − esclareceu o meu interlocutor.

Santos era o seu nome, um antigo 1º cabo atrador de infantaria, que se emocionava uando falava  da Guiné:  dos camaradas que lá ficaram, uma boa meia dúzia; dos que regressaram e que ele nunca mais voltou a ver:  "da fome e da sede que raparam"; dos “embrulhanços”, das emboscadas no mato, das minas nas colunas logísticas, dos ataques e flagelações aos aquartelamentos,  destacamentos e tabancas… 

Emocionava-se ao falar do pão que amassou e cozeu em fornos, quase sempre improvisados… E, claro, das “beijudas”… E ainda da sorte que, afinal, só teve na guerra, ao trocar a G3 pela amassadeira e a pá de padeiro...

Ainda se emocionava, enfim, quando falava da sua infância e adolescência, marcadas pela pobreza e pela orfandade.

− Camarada, comi o pão que o diabo amassou!... Pode escrever aí!

Nasceu nas faldas da serra da Arrábida, perto da Quinta do Anjo, no concelho de Palmela. O pai, J. Santos, era de origem beirã, nascido "lá para as bandas da Serra da Estrela", em Gouveia. Fixou-se por ali, com a família, no início dos anos 30. Era pastor, quando, no período da II Guerra Mundial, foi chamado a cumprir o serviço militar obrigatório. Mobilizado pelo RI 11, em Setúbal, esteve como expedicionário, na ilha do Sal, em Cabo Verde. 

− Rapou fome e sede, apanhou o escorbuto por falta de fruta e legumes frescos, e nunca mais ficou bom dos pulmões. Regressou em 1943, casou em 1944, e teve o seu primeiro filho em 1945, que fui eu. 

Filho e neto de pastores, o J. Santos pastor continuou a ser, em regime de "parceria pecuária": tinha um rebanho de ovelhas que não era seu, era do patrão, um fabricante de queijo de Azeitão, um dos fundadores da cooperativa local nos anos 40.

No final do ano tinha direito a algumas crias que podia vender, mais tarde, como borregos, machos, em especial na altura da Páscoa, em que havia maior procura. O seu salário-base era uma miséria. Nunca conseguiu chegar a ter um rebanho seu.

Analfabeto, descobrirá, por si mesmo, a importância que era saber ler, escrever e contar. Em Cabo Verde, tinha que pedir ao seu 1º cabo, um rapaz do seu distrito, para lhe ler as cartas que recebia da namorada e dar-lhe a resposta na volta do correio (que só era de tantos em tantos meses, quando o barco lá passava).

De regresso à terra, casou e jurou a si mesmo que os seus filhos, se os tivesse e  fossem machos, teriam que ir à escola, custasse o que custasse. Só teve rapazes e todos fizeram a 4ª classe, ou andavam na escola quando ele morreu, cedo, aos 38 anos... De uma pneumia, mal curada. 

− Nunca ficou bom da 'doença dos pulmões' que trouxera da ilha do Sal, dizia-nos a nossa mãe.

Deixou viúva e 4 filhos menores. Estamos em 1958, o ano do ciclone político chamado general Humberto Delgado. Salazar continuaria sentado na cadeira do poder, mas o país nunca mais voltaria a ser o mesmo: no final dos anos 50 tinha começado a grande debandada rural…(Um em cada dois portuguesees ainda vivia na sua aldeia.)

O “Duque de Palmela”, o M. Santos, era o mais velho dos quatro irmãos. Tinha 13 anos. A mãe, viúva, ficou desamparada. Pouco ou nada tinha de seu. Vivia num casebre, com cobertura de colmo (como nase tabancas da  Guiné!), paredes meias com o rebanho, numa propriedade do patrão e, por esmola, lá continuou a viver com um pequeno pedaço de horta que lhe dava uma mancheia de batatas e couves…

Naquele tempo não havia Segurança Social. A não ser para uma minoria privilegiada de trabalhadores da indústria e serviços, cobertos pelas caixas de previdência, criadas no âmbito do sistema corporativo do Estado Novo. 

Os portugueses estavam então divididos em três categorias sociais, conforme o rendimento: pensionistas, porcionistas e… indigentes. Só estes, uma espécie de párias, tinham direito a internamento hospitalar gratuito nos hospitais públicos  que de resto se contavam pelos dedos (Hospitais Civis de Lisboa e poucos mais...). 

Hospital queria dizer, até então, local onde se acolhiam doentes pobres. Só os pobres iam para os hospitais para serem tratados e, em muitos casos, morrer. Os ricos tratavam-se e morriam... em casa.

O “Duque de Palmela” pegou numa sacola de serapilheira e aos treze anos, “homem já feito”, não teve outro remédio senão o de estender a mão à caridade dos ricos e remediados, metendo-se ao caminho para arranjar o sustento da família.

− Não tenho vergonha de o contar aos meus netos que hoje vestem roupas de marca, e têm, cada um, o seu belo carro: uma rapariga que ainda anda na universidade e um rapaz, que já ajuda o pai, na administração da Panificadora, depois de tirar o curso de gestão hoteleira ou coisa parecida.

Bateu casais e aldeias nas faldas da serra, desde Azeitão e Quinta do Anjo até à vila de Palmela, "estendendo a mão à caridade". Ao fim do dia sempre havia algum pão, queijo, chouriço, toucinho, etc., para fazer o caldo, e meia dúzia de tostões, para além da fruta e legumes que ia surripiando, aqui e acolá, à beira dos caminhos.

− Roubar para matar a fome não é  
crime, camarada... Os meus netos, uma vez, espantados, perguntaram-me se eu tinha passado fome… E eu respondi-lhes: ‘Não, meus queridos, eu, a vossa avó e os vossos tios não morremos de fome, graças a Deus… mas passámos muitas necessidades’… O que é diferente.

E, em jeito de conclusão, acrescentou:

− A roupa que tínhamos no corpo, aos mais novos, que ainda andavam na escola, valeu-nos a distribuição do pão, queijo e leite da Cáritas, para além do vestuário e do calçado em 2ª mão. Mas eu, aos 13 anos, fiquei conhecido como o “pé descalço”, porque as únicas botas que tinha, no tempo do meu pai, deixaram-me de servir…

− Camarada Santos, quantas histórias iguais à tua (vamos lá tratarmo-nos por tu como camaradas que fomos,  pode ser ?!) não poderiam contar muitos de nós que passámos pela Guiné ? Éramos um país de pobreza envergonhada! – interrompi eu.

− Diz bem, ou dizes bem, camarada: pobreza envergonhada!... Nos primeiros dias e semanas, custa muito um gajo estender a mão à caridade dos outros.. E eu já não era uma criança inocente… Corava de vergonha e baixava os olhos quando eram raparigas ou jovens mulheres que me vinham abrir a porta…

Depois a mãe pô-lo a trabalhar, por volta dos 14 anos. Teve vários ofícios. Andou a trabalhar à jorna no campo, na debulha do trigo, e foi aprendiz de moleiro. Só não quis ser pastor como o pai. Na altura cultivava-se muito cereal por aquelas bandas, e não faltavam também moinhos de vento.

Até que por volta dos 16 anos arranjou trabalho como ajudante de forneiro numa panificadora, num dos  concelhos vizinhos. Comprou uma “pasteleira” em segunda mão, ia e vinha todos os dias de bicicleta, fizesse sol ou chuva… Cerca de 20 e tal quilómetros, ida e volta.

Ainda se cozia o pão a lenha, nessa época, só mais tarde vieram os fornos a eletricidade e depois a gás. A ver os colegas a amassar, a estender a massa, a cortar e a enfornar, depressa aprendeu o ofício de padeiro. De resto, a sua mãe também fazia pão em casa, com sobras da farinha do moleiro  ou da Cáritas. Foi com ela que aprendeu mais alguns pequenos segredos da arte de padeiro.

Aos vinte anos foi chamado para a tropa. Pela primeira vez, saiu da região: a viagem que tinha feito mais longe fora até Setúbal. Lisboa ficava na outra margem do rio Tejo, e ele nunca tinha andado de barco. Mais longe era ainda o Porto, aonde se chegava de comboio.

Deram-lhe a especialidade de atirador de infantaria, foi mobilizado para a Guiné, formou companhia no Campo Militar de Santa Margarida. E numa madrugada fria de inícios do ano de 1966 chegou de comboio ao Cais da Rocha Conde de Óbidos para embarcar, com a sua companhia, independente.

Na instrução da especialidade, o M. Santos foi o primeiro classificado em quase tudo. Ninguém o batia na carreira de tiro, com a G3, nem os oficiais do quadro permanente que vinham da Academia Militar, e que tinham muito mais treino. 

Nas provas físicas, era o campeão. Fazia uma marcha  de 30 quilómetros, quase a brincar, deixando a “concorrência” a grande distância. Baixo, entroncado, com um boa caixa de ar, era o típico militar português, de origem rural, capaz de sobreviver a muitas provações e até desaires.

Vaticinava o segundo comandante da companhia, que tinha feito o “curso de operações especiais” em Lamego, ao mesmo tempo que evocava o exemplo do "Palmela" (mais tarde, já na Guiné, "Duque de Palmela"):

− Na hora do combate, debaixo de fogo inimigo, o “Palmela” será o primeiro a reagir, de pé, sem medo, o peito feito às balas… Nos ataques ao quartel, será o primeiro a saltar para as valas e a varrer o inimigo na orla da mata, ou junto ao arame farpado… À bazucada ou com tudo o que tiver à mão!...

− E assim foi – confirmou o “Duque de Palmela” −, na primeira emboscada que tivemos, logo numa das primeiras colunas logísticas, uma vez que fomos buscar mantimentos a Buba, eu fui o único que fiz fogo de pé, a varrer o capim… Valeu-me o capitão, a meu lado, que me obrigou a amochar os cornos… 

− Ah!, valente!...

− E no primeiro ataque a um dos nossos destacamentos, fui eu e o capitão que manobrámos o morteiro 81, o capitão punha as granadas, descavilhadas,  e eu aguentava o tubo com o ombro… No meio daquela confusão toda, não tínhamos o tripé, só o prato.

Ainda chegou a ser "aliciado" para os comandos:

− Chumbaram-me nos psicotécnicos, não sei porquê. Com números e letras é que nunca fui bom na tropa. Tirei a 4ª classe à rasquinha, não tenho vergonha de o dizer.

− E para os paraquedistas ? – atrevi-me eu a sugerir.

− Para os paraquedistas, nem pensar. Nunca me deu bem com as alturas! – explicou ele.

Ainda em Santa Margarida foi abordado por um oficial, português, com brilhante currículo em África, um dos heróis de Angola em 1961. O Santos disse-me o nome, mas por razões óbvias não o vou aqui citar. Andava ele, mais um cabo miliciano, e um primeiro sargento, a recrutar futuros voluntários para a Rodésia, a África do Sul e até para o  Vietname.

− 'No caso de regressares com vida e saúde, como esperamos, finda a tua comissão na Guiné, tens aqui o meu contacto. Podemos fazer um pré-contrato. Se quiseres, assinas já, sem compromisso’… Esperamos por ti! − disseram-me eles, à despedida.

Para o “Duque de Palmela” era a sua independência económica, " o prémio da lotaria" que nunca lhe calhara, porque também "nunca tivera dinheiro para jogar”!, exclamou ele, com um brilhozinho nos olhos.

Sobretudo, no Vietname, um 1º cabo de infantaria era capaz de ganhar tanto ou mais do que um capitão na Guiné, garantia-lhe um dos engajadores.

Começou a fazer contas por alto, e a ficar baralhado com os números. A cabeça nunca mais teve sossego. O risco era “um gajo lerpar e ficar por lá”. Mas isso também podia acontecer na Guiné, logo aos primeiros tiros. Era só preciso “confiar na estrelinha da sorte” e “rezar, todas noites, ao anjo da guarda", conforme a mãe lhe recomendara.

Confessou-me que nessa altura nunca ou raramente pensava na morte.

− Quando um gajo tem 20 ou 21 anos, não pensa sequer na morte. Tem a vida toda à frente dele. 

− É verdade... E nem sequer é capaz também de imaginar o sofrimento daqueles que o amam… e que estão longe, à espera de uma carta ou de um aerograma!

Por outro lado, quando embarcou em Lisboa, com destino à Guiné, os seus sentimentos eram muitos diferentes de boa parte dos seus camaradas:

− Para alguns deles
 era como ir para a forca! Outros iam com cara de enterro. 
Havia até quem chorasse baba e ranho. Havia-os já casados e já com filhos… Eu até compreendia, Mas, para mim, não!... Solteiro, sem compromissos...
 
E explicou-se melhor: 

 Não vou dizer que fiz uma festa a bordo, longe disso... Mas não conseguia esconder que estava algo excitado com a ideia de ir para a a guerra, a milhares de quilómetros de casa.

− Excitado ?!... Mas também com saudades, não ?!...

− Claro, tive saudades da minha mãe e irmãos, ficaram cá dois para ajudá-la. O outro, a seguir a mim, já tinha cavado para França, a salto, e mandava-nos algum dinheiro.

E depois fez-me uma confidência:

− Nunca contei isto a ninguém, muito menos à família. Eu parecia um puto a quem deram um brinquedo, neste caso a G3. Mal comparado, era como o cão de caça,  um perdigueiro, excitado pela algazarra dos homens e animais, antes dos caçadores e das matilhas largarem para a caça…

−És ou foste caçador ?

− Tenho poucos vícios, mas este é um deles…

− Em suma, convenceram-te que eras um bom soldado e um grande português!

− E era, sem peneiras! Oxalá todos fossem como eu, ontem e ainda hoje! A vida foi-me madrasta até aos vinte e tal anos, mas depois compensou-me. 

− ... Compensou-te ?!

− Sim, posso bem dizê-lo: passei um terço da minha vida, até aos vinte e tal anos, a viver mal e porcamente,  a comer o pão que o diabo amassou… E os outros dois terços a viver menos mal, graças a Deus. Claro, a trabalhar 12 horas e mais por dia na Panificadora…

A sua ideia fixa era ganhar dinheiro, "manga de patacão",  para depois montar o seu negócio quando voltasse:

− Estava a apontar lá para os 30 anos… Nessa altura, arrumava a farda, a espingarda automática, as cartucheiras e as botas… Juntava o pé-de-meia de soldado da fortuna e regressava à terra, casava-me, constituía família, tornava-me um gajo decente, comprava um carro… Abria um café com fabrico próprio de pastelaria, em Palmela ou nas terras próximas…

Está grato a duas pessoas que lhe tiraram da cabeça “essa maldita ideia de ir para a África do Sul ou para o  Vietname”. 

Estava a ser uma obsessão. Nos primeiros tempos de Guiné, não se coibiu de partilhar o “segredo” com alguns dos seus camaradas mais próximos. Não sabe bem porquê, nem exatamente quando, começou a convencer-se de que poderia ficar “rico” se enveredasse pela vida de “mercenário” ou “legionário”. Impacientava-se, ainda tinha quase dois anos pela frente até acabar o raio da comissão na Guiné. 

Chegou a mesmo a arquitetar um plano para “desertar”, fugindo para a Guiné-Conacri. Afinal, a fronteira era ali tão perto. Bastava, numa noite de luar, ir à tabanca, e não voltar ao quartel, despedir-se da sua “beijuda” e, por volta das 3 da madrugada, rezar ao seu anjo da guarda e… zarpar!

Começou a estudar os trilhos que levavam à fronteira, em Aldeia Formosa, e que eram conhecidos dos gilas, os comerciantes ambulantes. O problema é que não tinha nenhum mapa do país vizinho. E depois havia a língua, as comunicações, os transportes, os papéis, o risco de ser apanhado pelo PAIGC ou pelas autoridades da Guiné-Conacri… 

− E, claro, encostado a um poilão para me limparem o sebo, como fizeram a alguns desgraçados depois da independência!

Por outro lado, interrogava-se ele, como é que voltaria a contactar o grupo dos engajadores, que de resto eram portugueses e militares do exército português?!... Que história é que ele lhes iria contar ? … 

A par disso,  ele sabia que a estadia na Guiné, em zona de guerra, era fundamental para fazer currículo, "ganhar calo", e se poder depois  alistar num exército estrangeiro… E, por certo, eles não iriam querer um “desertor" no seu lote...

O seu sonho começou a cair por terra, como um castelo de cartas, à medida que se avolumavam as dificuldades para pôr em prática os seus planos de fuga… Começou a ter problemas de “consciência” e a “dormir mal”: desertar era, afinal, virar as costas aos seus camaradas de armas, alguns dos quais eram já seus amigos do peito. 

E, depois, se fosse apanhado, pelo lado português, tinha a vida estragada, apanhava uma porrada, uns bons anos  em presídio militar… Até o poderiam fuzilar, alguém lhe tinha dito que, numa situação de guerra, podiam levar um desertor a um tribunal marcial, condená-lo à morte e fuzilá-lo, sem apelo nem agravo…

Enfim, a coisa estava a tornar-se feia…


Na altura tinha várias madrinhas de guerra, mas havia uma com quem simpatizava mais. Era alentejana, “ali de Santiago do Cacém”.

− Olhe, acabaria por ser a minha senhora… Casámo-nos passado um ano e tal, depois do meu regresso da Guiné. Foi ela quem me tirou da cabeça essa “ideia maluca” de ir para a África do Sul ou para o Vietname... Também me falavam da Legião Estrangeira’mas os sacanas dos franceses pagavam pior que os sul-africanos e os americanos...

E a outra pessoa a quem ele ficou “grato para o resto da vida”, foi o capitão, o seu comandante de companhia.

− Um pai, um amigo!,,,

Era miliciano, teria pelo menos dez ou  doze anos a mais do que a maioria dos graduados da companhia, os alferes e os furriéis. Nunca confessou a ninguém o que pensava daquela guerra, mas estava lá porque fora “obrigado como a grande maioria do pessoal”… 


Aceitou a missão de comandar aqueles 160 homens e jurou, perante eles, todos formados na parada do Campo Militar de Santa Margarida, na véspera de partirem de comnboio, para o embarque no Cais da Rocha Conde de Óbidos, fazer tudo para os trazer de volta, "sãos e salvos", de regresso a casa e às suas famílias…

Sabia-se pouco sobre ele e a sua vida, se era casado, se tinha filhos, o que fazia na vida civil… Não era pessoa de muitas falas… Mas a verdade é que nunca se deixou intimidar quer pelo inimigo quer pelos superiores hierárquicos. Soube sempre defender, tanto quanto possível, os interesses e os bem-estar dos seus homens, pese embora a companhia ter feito uma boa parte da comissão às ordens do batalhão de Aldeia Formosa.

− E lá, fomos carne para canhão!... O primeiro ano foi duro… E tivemos os primeiros mortos… Depois ficámos em quadrícula, espalhados por alguns destacamentos e a ajudar a reforçar a autodefesa de algumas tabancas fulas da região do Forreá.

O capitão acabou por saber do “segredo de Polichinelo” do “Duque de Palmela”… Às tantas só faltava publicar na “ordem de serviço” um requerimento dele a pedir a autorização para se alistar nas tropas do Tio Sam…

Como o capitão o achava “temerário”, para não dizer "maluco" ou  "prematuramente apanhado do clima”, na melhor ocasião retirou-o do 1º pelotão, com o acordo expresso do respetivo alferes com quem, de resto, o nosso 1º cabo Santos, o “Duque de Palmela”, não fazia “farinha”…

− ‘Antes que o gajo faça alguma maluqueira e nos estrague a vida a todos’... – terá dito, na altura, o capitão.

Sabendo da sua profissão na vida civil, pôs o “Duque de Palmela” na padaria. Para qualquer outro no seu lugar, seria um prémio, uma promoção, um alívio.  Mas, não,  para o nosso homem, foi uma tremenda desconsideração, quase uma despromoção… 

− Padeiro era básico, tal como o cozinheiro… Nessa noite apanhei uma 'cadela de todo o tamanho'…

− Básico ?!... O pãozinho de todos os dias é que não podia faltar, ó  Santos!

− … Foi isso que acabou por me convencer... E no dia aprazado já lá estou eu, no meu posto, bem ataviado, a substituir o padeiro da companhia que, vim a saber mais tarde, tinha sido transferido para Bissau… 


De facto, o rapaz, que o Santos foi substituir,  fora pai, e logo de dois gémeos. Alguém meteu uma cunha à Cilinha, a patroa do Movimento Nacional Feminino. E o rapaz lá foi para o “bem bom” do quartel de Santa Luzia, em Bissau. Apesar de continuar a exercer a sua especialidade, que era a de fazer pão para a tropa...  
 
O “Duque de Palmela” não se deu mal com a “nova vida”, a de padeiro ... Deixou de fazer colunas, operações e serviço de guarda, etc.,  mas tinha que trabalhar de noite para ter pão fresco todas as manhãs para cerca de bocas, entre militares e civis, incluindo o chefe de posto e a família...

E a verdade é que a malta se habituou ao pão fresco todas as manhãs. E isso também ajudou a levantar o moral da tropa. 

O "casqueiro" era, reconhecidamente,  um parte importante da ração a que cada homem tinha direito. Cabia nos 24 escudos e 50 centavos que eram atribuídos a cada militar, do soldado básico ao general, para efeitos de alimentação. Quem era arranchado, recebia em géneros, quem era desarranchado recebia em espécie, sendo no caso dos africanos, muçulmanos ou animistas, que não comiam a comida dos brancos, um importante complemento do salário: dava para comprar um saco de arroz de 100 kg ou mais.

− Comia-se mal e porcamente. Faltavam as batatas. E os frescos só os havia quando, uma vez por outra, vinha uma avioneta de Bissau. Massa com cavala era o prato do dia. O vinho era pouco e 'batizado'. Que não faltasse, ao menos, o pão nosso de cada dia…

O Zé Soldado era "pãozeiro", como qualquer bom português de origem rural. O padeiro, por sua vez, em conjunto com o vagomestre, responsável pelos géneros,  tinha que saber gerir muito bem o “stock” de farinha (e fermento…), sobretudo no tempo das chuvas em que as picadas no sul da Guiné se tornavam autênticos rios. O  abastecimento era então irregular e incerto. 

− Em Buba, quando lá estivemos, apesar de tudo, tínhamos a lancha da marinha a abastecer-nos.

Na realidade, ficavam isolados muitos aquartelamentos, destacamentos e tabancas. As colunas tornavam-se um pesadelo, às vezes chegava-se a andar um quilómetro por hora (!) e praticamente não se fazia mais nada do que tentar assegurar, a todo o custo, no final do tempo seco e no início do tempo das chuvas, a autossuficiência da tropa em matéria de abastecimentos (munições, comes & bebes, outros géneros de primeira necessidade, etc.). 

A farinha e a cerveja era dois géneros alimentares de “primeiríssima necessidade”… Ainda bem que a atividade operacional ficava mais reduzida, sobretudo de julho a setembro, meses de maior pluviosidiade, tanto para as NT como para o PAIGC. Em boa verdade, a guerra parava...

O nosso homem tinha, nesse aspeto, um bom entendimento com o vagomestre e com o capitão. E nunca houve, até ao primeiro ano, falta de farinha para fazer o pão.

− No novo 'posto', eu tinha durante o dia tempo e vagar para ir passear à tabanca, fazer a 'psico',  e, ao lusco-fusco, ir caçar galinhas do mato e lebres, na orla da bolanha. Arranjei uma espingarda de caça e ganhei um vício que não tinha…


− A caça ?!...

− Sim, a caça... Dava para fazer o gosto ao dedo e sempre se arranjava carne para o petisco. Matei a malvada a muita gente, incluindo alferes e furriéis… Uma vez por outra convidava o capitão, mas ele nunca aceitava… Acho que não se queria misturar com os subordinados, o que eu hoje entendo... 

− Não queria dar confiança aos subordinados, compreende-se... 

− Por outro lado, ele não gostava nada que eu saísse fora do arame farpado, mas lá ia fechando os olhos… E eu também não era mau cozinheiro, diga-se em abono da verdade… Uma vez por outro fazia-lhe uns miminhos, como um cabritinho assado para a messe. Ou um leitão, iguaria que era mais difícil de arranjar, só indo roubá-la aos 'turras'...

A coroa de glória do “Duque de Palmela” foi quando a companhia, a dois grupos de combate, ficou com as calças na mão, mum medonho ataque a um dos seus destacamentos, lá para os lados de Aldeia Formosa, já na segunda parte da comissão, em inícios de 1967, em  plena época das chuvas.

− Os gajos atacaram-nos,  às tantas da noite, e usaram metralhadoras pesadas 12.7, com balas incendiárias. Acordei sobressaltado. Em pouco tempo, a tabanca, fula, com as palhotas muito juntas umas às outras, foi pasto das chamas. Nunca tinha visto um incêndio como aquele, a não ser quando se deitava fogo ao capim, no tempo seco. Valeram-nos as valas onde o pessoal se entrincheirou e resistiu até de madrugada. Eu, mais o capitão que teve o azar de lá estar nessa semana, agarrámo-nos com unhas e dentes ao morteiro 81. A companhia tinha apenas uma secção de morteiros. E dessa vez estava colocada, em reforço, noutro destacamento, não muito longe do nosso. Mas tínhamos, aqui, um morteiro 81. Foi o que nos valeu.  Apoio de artilharia não havia.

O nosso padeiro conta que ia ficando com as mãos queimadas se não fora as luvas que apareceram no espaldão, "por milagre".

− Granadas não faltavam, graças a Deus. E foi a nossa sorte. Os gajos retiraram com mortos e feridos, a avaliar pelos rastos de sangue que deixaram nos abrigos individuais junto ao arame farpado. Até mioleira lá deixaram!... Por minha conta, devo ter mandado alguns para o inferno. Em contrapartida, tivemos dois mortos e vários feridos graves. 

E só por milagre, é que a população se safou. Teve apenas alguns feridos ligeiros.  Mas a tabanca ficou praticamente calcinada. 

− E com ela perdemos também os nossos haveres e os improvisados abrigos onde tínhamos os géneros alimentícios, bem como as outras palhotas que tinham sido cedidas à tropa. Ficámos só com a roupa que trazíamos no pêlo.

A descrição não poderia ser mais pormenorizada:

− A tabanca estava sobrelotada. Era pressuposto ficarmos ali temporariamente em reforço do sistema de autodefesa.  Havia suspeitas, fundadas, de colaboração com o inimigo, por parte de alguns elementos da população, 'puta-fulas', e que por isso estavam de debaixo de olho do comandante do pelotão de milícias e do régulo.

− 'Puta-fulas' ?!... Queres dizer futa-fulas... Os fulas eram leais à nossa tropa…

− Nem todos, junto à fronteira, eram mais permeáveis à propaganda e às ameaças do PAIGC – respondeu-me o M. Santos.

− Quer então dizer que, dessa vez, vocês ficaram de tanga…

− Ficámos de calções e chanatas. Só com a G3 na mão, e as cartucheiras à cintura… Alguns ficaram só em cuecas!... A malta dormia prtaicamente nua, por causa do calor... A minha mala ardeu. Houve malta que perdeu tudo, tinham trazido os parcos pertences com eles, convencidos que iam passar ali umas ricas e merecidas férias… O tanas!... 

− Medonho, hã?!

−  O mais grave é que ficámos sem comes e bebes, incluindo as rações de combate. Lá se aproveitou uma ou outra maldita lata de cavalas ou de conservas de pêssego da África do Sul… Claro que a população também pilhou o que não ardeu... Nestas situações, os seres humanos são todos iguais, sejam brancos ou pretos: há sempre uns tantos que tiram partido da desgraça dos outros...

De Bissau vieram, de helicóptero, trazer alguns reabastecimentos mais urgentes: caixas de munições, por exemplo. A coluna só chegou ao fim do segundo ou terceiro dia. E trazia alguns sacos de farinha. Mas como fazer pão se até o pequeno forno do destacamento, em adobe, também tinha sido destruído?

− Com bidões cortados ao meio, na vertical, improvisei um forno e fiz o milagre dos pães, para meia centena de homens esfomeados… mais a as milicias e a população. Tive um louvor do Schulz, e outro do comandante do batalhão, sob proposta do meu capitão. Mandei ampliar e emoldurar o louvor do general Schulz. Está no escritório. Ou estava, agora já passei a pasta ao meu filho mais velho. Reformei-me da Panificadora.

A padaria a que o “Duque de Palmela" se refere, foi a que ele criou, depois do seu regresso da Guiné em finais de 1967, e que ajudou a crescer, nos últimos 50 anos, "com mais algumas dezenas de colaboradores" (sic).

Com a construção e a inauguração da Ponte Salazar, unindo finalmente as duas margens do Tejo, entre Lisboa e Almada, o distrito de Setúbal conheceu um enorme surto de desenvolvimento, em termos urbanísticos, industriais, económicos e demográficos.

 Com algum dinheiro que poupou em África e um pequeno empréstimo bancário e mais uma ajuda de um dos irmãos que fora 'a salto' para França, fugindo à tropa, e que agora estava lá bem, perto de Paris, o “Duque de Palmela" comprou a quota de um seu antigo patrão, que se reformara, e que fazia parte de uma cooperativa de panificação num dos concelhos vizinhos. Essa Panificadora deu muitas voltas, depois do 25 de Abril, passou a sociedade anónima, até que o M. Santos se tornou o acionista principal, com o filho e com o irmão que estava em França.

Hoje é uma empresa de referência, no seu ramo, faturando  "manga de patacão" , e tendo uma razoável rede de clientes, incluindo superfícies comerciais, em todo o distrito de Setúbal. O “Duque de Palmela”, outrora o “pé descalço”, o 1º cabo que queria "ser mercenário e ir para o Vietname", tem hoje motivo de orgulho no legado que deixa aos filhos e netos.

− É sobretudo um exemplo de vida, tenho pena que o meu velhote já não esteja cá, há muito, para ainda poder ver a obra do filho. Ou dos filhos, há um irmão meu que também é sócio, minoritário.... O meu velhote e minha pobre mãe que ficou viúva tão cedo...

Enxuga uma lágrima furtiva… Pediu-me uns minutos para ir a casa, uma bela vivenda ali ao lado das instalações fabris da Panificadora, para ir buscar uma foto que tinha com o general Schulz e mostrar-me o louvor, emoldurado.

− Não conheci o Spínola, o meu comandante foi o Schulz. Só tenho a dizer bem dele. Visitou-nos por duas vezes. Esta é a foto dele comigo, eu a enfornar o pão. E chegou a levar do meu pão para o palácio do Governador, em Bissau. Em troca deixou-me uma caixa de cerveja “para os padeiros e cozinheiros”...

Infelizmente, o “Duque de Palmela” tinha enviuvado há dois ou três anos e lamentava não poder partilhar, com a “duquesa” (como ele, carinhosamente, tratava a sua alentejana de Santiago do Cacém), a alegria que fora a “transferência de poderes” para o filho, seu sucessor, e agora o maior acionista da Panificadora e seu administrador.

− Afinal, é a ela que eu devo tudo ou quase tudo. A ela e ao meu capitão. Foi, na Guiné, um pai para mim. Fiquei-lhe grato para o resto da vida. Vim a descobrir, entretanto,  que trabalhava nas Alfândegas de Lisboa, há uns dez anos atrás, quando ele se reformou. Nessa altura, fiz-lhe uma grande homenagem. Fizemos aqui o convívio anual da companhia. Foi memorável. Faltaram muitos mas mesmo assim consegui juntar uns sessenta camaradas. Com as mulheres, filhos e netos, éramos quase um centena de convivas. Fiz questão de ser eu a oferecer o almoço. Arranjei uma empresa de “catering” e o borreguinho assado foi feito cá nos fornos da Panificadora. Por coincidência, comemorávamos também nesse ano os 40 anos do regresso da Guiné.

E acrescenta, com alguma euforia:

− Foi um dia de alegria, um dos maiores da minha vida. Esse convívio ficou na memória da malta toda. E quem não veio, ficou com pena… Infelizmente, o capitão morreria uns tempos depois, ainda a minha mulher era viva.


Falando do seu sucesso empresarial, disse-me em tom de confidência:

− Tive sorte nos negócios, não vou dizer que não. Mas fui sempre um homem decidido e determinado. Umas "furão" ... Tinha pouco a perder e tudo a ganhar. Se fosse alferes ou furriel, com estudos, teria arranjado um reles emprego,  num banco, num escritório, nas finanças, nas caixas de previdência, aqui ou em Setúbal. Hoje sou patrão, ajudei a criar cinquenta postos de trabalho, são outras tantas famílias que dependem do bom andamento da empresa. Não tenho luxos, tirando a caça, que é  a minha  amante (mais cara que uma amante!), continuo a ser um gajo simples…

 Pelo que vejo e pelo que me contam...

−  O que é queres que eu te diga mais, camarada ?!... Põe aí, no teu canhenho,  que sei dar valor ao dinheiro e ao trabalho, e sou amigo do meu amigo, camarada do meu camarada!

Curiosamente, eu conhecera este homem, não na Guiné, mas por ocasião de um estudo europeu sobre condições de trabalho e absentismo por doença, nos anos 90.

 A Panificadora tinha então ganho um prémio de segurança no trabalho, e poderia ser um potencial estudo de caso de “boas práticas”… Conheci o pai e o filho através do médico do trabalho que tinha uma avença com a empresa e que fora meu aluno. Conversa puxa conversa, acabei por saber que o "patrão velho" tinha estado na Guiné, antes de mim, mas não longe dos sítios por onde passei e penei…

Já nessa altura eu gostava de dizer que o mundo é pequeno e que um dia voltaria a tropeçar na guerra da Guiné. Também eu, como muita gente, precisava de exorcizar os fantasmas do passado.

− Chegou a hora do repouso do guerreiro, camarada! – disse-lhe eu, da última vez que estivera com ele, já depois de enviuvar.

− Esse é um dos problemas da malta da nossa geração… Muitos nunca tiraram férias, passaram a vida a trabalhar e a poupar, não gozaram a vida… Falo por mim… Como saber que estamos a chegar ao fim da picada ? Ainda gostava de lá ir, à Guiné, antes de me dar uma macacoa, mas não sei se tenho força nas canetas…

− Mas já agora diz-me porquê e para quê voltar à Guiné?!... Se a pergunta, claro, não te ofender… – pedi-lhe eu.  

Pesou a pergunta antes de responder:

− Porquê ?... O criminoso gosta sempre de voltar ao local do crime – respondeu-me com  um misto de bonomia e malícia. 


− E para quê, já agora ? – voltei a insistir.

− Olha, sempre ouvi falar do Saltinho e dos rápidos do Corubal, até se dizia que era a parte mais bonita da Guiné… Andei por lá perto, mas nunca lá fui, nunca vi sequer o rio Corubal. O rio Grande de Buba, o Geba também, mas não o raio do Corubal... Era um dos sítios da Guiné que gostava de visitar… E, depois, se conseguir fazer alguma coisa por aquela gente, tanto melhor.

Demos um grande abraço de despedida… e eu prometi a mim mesmo  escrever a história de vida deste homem…  


Soube depois, pelo médico do trabalho meu conhecido,  que o Santos acabara por concretizar o seu sonho de voltar à agora Guiné-Bissau e ainda encontrara gente do seu tempo, nas tabancas por onde andara… 

E, ao que parece, deixou, a uma ONGD, a operar na zona, uma "nota preta" para ajudar a construir uma  pequena escola na antiga tabanca onde estivera destacado, e que ardera em 1967. Julgo que quis fazer as pazes com o passado, tal como alguns de nós.

Faltou-me na altura, por lapso ou talvez por pudor, perguntar-lhe a origem da alcunha “Duque de Palmela”… Não tive lata ou faltou-me o tempo, se bem que ele nunca tivesse rejeitado, bem pelo contrário, a alcunha que lhe puseram na tropa e na guerra. 

Vim a  a saber, afinal, que era seu hábito estender a mão, muitas vezes, aos amigos dos seus amigos, quando se apresentava,  dizendo com graça: 'O Duque de Palmela, para o servir!'... Inclusive tratava a esposa por “duquesa… de Santiago do Cacém”. Tinha sentido de humor.

Um antigo camarada, furriel, da sua companhia, explicou-me, ao telefone, a origem da alcunha:

− Em Santa Margarida, no IAO, já toda a gente o tratava por “Palmela”… Acho que não havia mais ninguém daquelas bandas… Ao que parece, no barco, quando fomos para a Guiné, é que apareceu o “Duque”… Ele gostava de jogar às cartas, para passar o tempo, como boa parte dos militares embarcados. Mas não tinha sorte ao jogo… ‘Só me saem duques’, queixava-se sempre que perdia… 

− Afinal, foi um camarada com azar ao jogo e sorte aos amores e aos negócios  − conclui eu.

− Quando chegou a Bissau, já toda a malta o tratava por “Duque de Palmela”… E acho que é também uma justa homenagem, visto o filme ao contrário, da frente para trás…

− E, olha, é uma figura ilustre da nossa história, o 1º Duque de Palmela, político, militar e diplomata, um patriota do tempo do liberalismo − acrescentei eu. − Não nasceu em Palmela, mas para o caso pouco importa. No tempo da nossa monarquia constitucional davam-se títulos nobiliárquicos honoríficos por razões nem sempre nobres...  aos amigos e correligionários. Homenageavam-se homens e terras.  Dizia o povo, com sarcasmo: "Foge, cão, que te fazem barão!... Mas para onde se me fazem visconde?!"... 


Aqui para o leitor, que ninguém nos ouve: não me admirava nada que num próximo 10 de Junho a gente ainda vá a tempo de ver, na televisão, o nosso ex- camarada M. Santos a receber a Comenda da Ordem do Mérito... 

Não seria nada de mais justo, de resto, ver um antigo "pé descalço" (que não tinha vergonha do seu passado!), um  ex-combatente da Guiné, um antigo padeiro e agora  um industrial de panificação  de sucesso  a ser tratado pelos "grandes do Reino" como  comendador,  depois de ter comido o pão que o diabo amassou.  

Afinal, mudam-se os tempos, mudam-se  as vontades, as honrarias e as mercês...

© Luís Graça (2019). Revisto em 10 de março de 2024.

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sexta-feira, 8 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25250: 20.º aniversário do nosso blogue: Alguns dos nossos melhores postes de sempre (2): Rosa Serra, história de vida de uma enfermeira paraquedista

Guiné > Região do Oio > Jumbembem > CART 730 (1964/66) e CCAÇ 1565 (1966/68) > Domingo, 10 de julho de 1966 > Um dia trágico: pormenor da evacuação do cap mil inf Rui Romero, na foto a ser transferido para a maca do helicóptero Alouette II... A enfermeira paraquedista era a alf Maria Rosa Exposto.

Foto (e legenda): © Artur Conceição (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro de que a Rosa Serra foi coautora e coordenadora,
"Nós, enfermeiras paraquedistas" (Porto, Fronteira do Caos, 2014, 
439 pp., Prefácio de Adriano Moreira)... Tinha, entretanto, em 2022
um livro,  de teor autobiográfica, à espera de ser  editado... 
Em princípio o livro deveria ter por título a divisa do BCP 21, 
"Que Nunca Por Vencidos Se conheçam"... Algums das melhores 
memórias da Rosa, como enfermeira paraquedista, 
estão intimamemte ligadas à hstória desta unidade.
 

Mão amiga, a do Jaime Bonifácio Marques da Silva (ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72, e membro da nossa Tabanca Grande) fez-nos chegar, por volta de dezembro de 2022,  uns excertos (cerca de  duas de folhas) do manuscrito do livro de memórias que a Rosa Serra estava a acabar de escrever,  com autorização da parte dela para, depois de serem revistos por nós,  os publicarmos no nosso blogue.

O Jaime e a Rosa ficaram amigos, estiveram juntos no BCP 21, em Angola: o livro da Rosa tem conhecido, entretanto, algumas peripécias, tendo estado inclusive agendado para ser "lançado... de paraquedas"... Infelizmente,  e até por razões de saúde, ela ainda não arranjou um sítio seguro e confortável para  "saltar"...com este "seu filho"...

Minhota de Vila Nova de Famalicão,  vive aqui no Sul, em Paço de Arcos, Oeiras... Membro da nossa Tabanca Grande desde 25/5/2010, foi alf graduada enfermeira paraquedista, tendo passado pelos três TO: Guiné 1969-70, Angola 1970-71 e Moçambique 1973.

No Dia Internacional da Mulher e nos 20 anos do nosso blogue, que já estamos a celebrar (*), aqui vai a republicaçáo, num só, de très postes que publicámos  em finais de 2022 (Postes P23858, P23862,  e P3874). Voltámos a falar com ela ao telefone e obtivemos, de novo,  a sua plena autorização para juntar num só poste estes três excertos. 

Não é preciso lembrar que as enfermeiras paraquedistas são as únicas mulheres a quem, "de jure" e "de facto", podemos chamar camaradas. no sentido puro e duro da etimologia da palavra...


Rosa Serra, ex-alf enf paraquedista
(Guiné, 1969/70; Angola, 1970/71;
Moçambique, 1973)


História de vida: sinto-me muito realizada e feliz por ter sido uma simples enfermeira e, durante a guerra, enfermeira paraquedista (Rosa Serra)


(i) A minha mãe achava que eu tinha jeito para ser enfermeira


Muito recentemente, ao sair do Serviço de Urgência para o internamento do Hospital de Cascais, uma enfermeira jovem fez-me as seguintes perguntas: (i) quando resolveu ser enfermeira?;  (ii) nunca se arrependeu por ter escolhido enfermagem?;  (iii) onde trabalhou? (iv) quantos anos exerceu essa profissão?;  e (v) teve alguma desilusão ou desilusões?

Após a minha narrativa dos vários locais onde exerci a minha profissão, logicamente também referi que fui enfermeira paraquedista. A jovem, de olhos abertos de espanto, informou-me:

– O meu marido é militar paraquedista.

Sorri…

– Só conheço paraquedistas velhotes como eu – respondi.

Continuei com as minhas explicações.

– Quando fui para a Escola de enfermagem, e até muito depois disso, ouvi muitas colegas dizerem que foram para a enfermagem por vocação. Várias dessas enfermeiras faziam questão de acrescentar que queriam muito ajudar e cuidar as criancinhas, os velhinhos, os doentinhos e até os pobrezinhos. Ouvi de tudo... ao ponto de me interrogar se eu algum dia seria boa enfermeira.

Diz-me ela:

– Hoje ninguém vem para enfermagem por vocação.

E continuou:

– Nós vamos para a enfermagem porque não entramos em medicina, farmácia ou outro qualquer curso mais de nosso agrado.

Eu respondi:

– Eu também não fui. No meu caso foi por conveniência familiar. Eu fui porque um dia um dia a minha mãe, que eu já tinha reparado andar muito pensativa, disse-me que o dinheiro era pouco para pagar o meu Externato, que era particular, porque não havia liceu na minha Vila. E assim sendo, talvez fosse melhor eu interromper e ir para um curso para que me permitisse, ao fim de 3 anos ter uma profissão, um ordenado e logicamente ser independente monetariamente. Respondi, à minha mãe, que gostava de ir para a Universidade.

– Que curso gostavas de fazer? – perguntou ela.

– Não sei…

Pegou-me nas mãos e continuou:

– Sabes que eu acho que tinhas jeito para seres enfermeira ... Penso que era bom para ti...

E acrescentou:

– Verás que vais gostar.

Ficou logo ali, definido o meu destino.

Apesar das minhas dificuldades, sobretudo económicas, lá fui aprender a ser enfermeira sem saber muito bem o que me esperava.

Fui para o Porto estudar. Na minha primeira escola, adquiri obrigatoriamente um livro; Técnica de Enfermagem, que era da Escola da Imaculada Conceição (Casa de Saúde da Boavista no Porto) que alguém informou a minha mãe ser uma boa escola, e foi aí que fiz o primeiro ano.

Os dois anos seguintes foram feitos numa outra escola que, passado pouco tempo descobri, que ficava mais económica.

Uma coisa que pesou muito era haver nesta segunda escola, um lar onde residiam as alunas que não eram da cidade do Porto, isso não acontecia com a Escola da Boavista, ficando assim bem mais barato.

Dessa primeira escola, não esqueci os desenhos logo na primeira folha do livro de Técnica de Enfermagem. O primeiro era uma cabeça feminina, com uma touca de enfermeira da época, sobre cabelos curtos e várias setas apontando para os mais diversos pontos da mesma, onde estavam enumeradas as qualidades indispensáveis de uma boa enfermeira: inteligência, memória, conhecimento, espírito de observação autodomínio, reserva.

Um pouco abaixo, mais dois desenhos. Um deles era um coração (forma humana), com três setinhas apontando para as palavras: compreensão, sensibilidade, bondade.

Do outro lado mais um desenho, duas mãos segurando uma seringa com mais três setas indicando: segurança, desembaraço, leveza.

Estas eram as qualidades indispensáveis a uma boa enfermeira no Ano de 1963. Dessa mesma Escola de Enfermagem.

Com a continuação do tempo, fui interiorizando estes conceitos e aceitei-os como compromisso. Mesmo quando me deparava com determinada tarefa que me custasse fazer, sempre pensava nas setinhas do coração e nunca deixei de as executar e muito menos pedir a alguém que a fizesse por mim, por mais que me custasse ou até mesmo me enfastiasse...

A minha vocação se calhar só a minha mãe a viu...! O certo é que sempre vivi a minha profissão com gosto, com proximidade daqueles que em determinado momento precisavam de uma enfermeira que se entregasse em plenitude.

A enfermagem, para mim, passou a ser vivida com grande rigor ético e com permanente desafio na aquisição de saberes, para melhor cuidar.

Hoje mais que adulta, penso: é impressionante como sempre me apercebi da mutabilidade dos conceitos, da sua significação ao longo dos tempos, da importância do progresso e da evolução da enfermagem.

É um gosto ver o enriquecimento que, ano após ano, se verifica na formação dos enfermeiros, na perceção da necessidade da existência das especialidades em enfermagem, do avanço científico da mesma. Orgulha-me ver o patamar que atingiu a enfermagem de hoje, e a respeitabilidade que os países estrangeiros manifestam ter pelos Enfermeiros Portugueses.

Em relação a mim, sempre fui movida pelo desejo de um saber abrangente na arte do cuidar em enfermagem.

Assim para fazer frente aos mais variados desempenhos que tive durante quarenta anos, e fazê-los de forma responsável e eficaz, apostei na formação contínua durante toda a minha vida profissional.

Ainda pensei fazer uma especialidade, um pequeno grupo de enfermeiras paraquedistas a fizeram, quando estas começaram a surgir. Mas logo percebi que não encaixava na minha personalidade ter sempre o mesmo tipo desempenho e conclui que só serviria para obter mais um título.

Sempre tive uma grande vontade de um saber alargado, para dar resposta às variadas necessidades do ser humano, num período desafinado do seu estado físico ou mental.

Essa simbiose entre um crescendo desejo de experiências e o dinamismo aportado pela minha juventude, foi o motor causador para uma formação variada e contínua.

Nesta caminhada transformadora, tive um desempenho multifacetado e a formação contribuiu muito para um crescimento profissional que, embora despretensioso, foi significativo, permitindo-me para além de aquisição de vários saberes, entender melhor a alma humana e sempre me senti feliz por isso.

Não fui para nenhuma Faculdade na minha juventude, mas completei, bem mais tarde, todo o Liceu (designado hoje como Ensino Secundário).

Quando do Acordo de Bolonha, a enfermagem passou a Curso Superior, já tinha passado quarenta anos e depois de ter iniciado o antigo Curso Geral de Enfermagem, eu regressei à escola para fazer mais um ano, o que fiz na Escola Superior de Enfermagem Francisco Gentil (anexa ao IPO e hoje integreda na ESEL - Escola Superior de Enfermagem de Lisboa) sendo me conferido o grau de licenciada em enfermagem. Sou agora Licenciada em Enfermagem desde 2003, quando ainda eu estava a exercer funções.

Por graça costumo dizer que iniciei o meu Curso de Enfermagem e só o terminei quarenta anos depois.

Também confesso que a obtenção de várias competências, e tão variados desempenhos que tive no contato direto com doentes, proporcionou-me um sentimento de realização muito intenso, e ainda hoje me sinto orgulhosa pelo percurso que tive e, muito, muito feliz, por ter sido uma simples Enfermeira Generalista (sem especialidade). (...)



Rosa Serra, hoje (2020)


(ii) A guerra e a sua violência... mas também havia situações  "engraçadas" (como, por exemplo, quando "eles", em Tancos, tentavam esconder a revista "Playboy" quando eu chegava ao bar de oficiais...) 


No Hospital de Cascais onde há tempos estive  internada,  ficaram admiradas, as jovens  enfermeiras, quando, ao responder a uma pergunta delas,  comecei a desfiar os vários locais e as experiências de trabalho que tive durante quarenta anos.

Há um que deixou todas ainda com mais espanto. Foi o período em que estive na Força Aérea, como enfermeira paraquedista.

Naturalmente que não escondi que foi uma experiência profissional interessante, mas acrescento sempre que essa realidade foi muito específica e muito diferente da prestação de cuidados em outros contextos, mas talvez não superior aos desempenhos como enfermeira, antes e depois, dos anos que estive ao serviço da Força Aérea.

A Arte do Cuidar é muito variável e sempre adaptada ao contexto onde se exerce. A nossa ação, como enfermeiras paraquedistas, foi num palco de guerra, que desencadeava estados de stresse elevado, sendo necessário geri-lo com mestria, para que a nossa intervenção fosse útil e eficaz. Tínhamos de ter atenção ao nosso estado emocional, pois ele refletia-se naqueles que eram socorridos por nós.

Foi uma mais valia fazermos o curso de paraquedismo, que não nos ensinou a ser enfermeiras, pois já o eramos antes de entrar no RCP - Regimento de Caçadores Paraquedistas, mas foi durante o curso de paraquedismo que aprendemos a controlar os nossos medos e emoções, para que aterrássemos em segurança. Esse treino repercutiu-se na nossa ação, que passou a ser mais calma e mais eficaz.

Os nossos combatentes tinham uma confiança ilimitada nas enfermeiras paraquedistas, foram eles que nos apelidaram de “Anjos“ que desciam do céu para os socorrer. Acredito que a maioria de nós, se não todas, se via como seres espirituais, mas foi uma expressão carinhosa, utilizada pelos nossos combatentes.

Com os pilotos, quando alguma coisa os preocupava, nós, mesmo não entendendo nada de aviões, tentávamos acalmá-los.

Recordo de uma vez na Guiné. O sr. capitão, piloto aviador Cartaxo, ao atravessar o Rio Geba, o maior rio da Guiné, que ficava em frente à cidade de Bissau, par irmos buscar um paraquedista à outra margem desse rio, deparou-se com um inesperado nevoeiro que, sem qualquer “aviso”, fechou o nosso caminho, impedindo que o rumo que estava traçado inicialmente, teria de ser alterado ou adiada a missão. Já estávamos a sobrevoar Tite quando esta alteração climática aconteceu.

De início, o piloto tentou ultrapassar as nuvens, e eu também fiquei atenta ao comportamento das mesmas e andamos ali um bom bocado a sobrevoar Tite, na expetativa de não ser necessário regressamos a Bissau, sem a nossa missão cumprida que era trazer o nosso ferido.

– Olha ali, as nuvens estão a abrir e a nosso favor – disse eu, mas o Capitão mexia na manche,  alheio à minha informação.

Eu sem perceber por que razão o seu foco era apenas os instrumentos da aeronave. Só no fim de uns bons minutos, acedeu ao meu pedido e acabámos por aterrar no aldeamento donde vinha o pedido.

A pista que nos recebeu era de terra batida, cujas pedrinhas batiam na fuselagem da frágil avioneta, uma DO-27. O ferido que íamos buscar era um paraquedista da companhia do, na altura,  capitão paraquedista Terras Marques [CCP 121 / BCP 12],   que na noite anterior pernoitara nesse quartel do Exército, vindo de uma operação.

Quando aterrámos, chegou até nós o militar ferido,  que já apresentava alguma dificuldade respiratória, porque ao cair da tarde foi tomar banho a um pequeno rio, mergulhando numa parte baixa e lesionou a coluna cervical, razão suficiente para eu pedir ao capitão que pedisse à BA 12, em Bissalanca, para ter um helicóptero disponível na pista à nossa chegada.

O hospital militar [ o HM 241, em Bissau, ficava relativamente perto da BA 12, mas não seria indicado ser transportado por terra, percorrendo uma estrada de piso degradado até lá.

O sr. capitão piloto aviador acedeu ao meu pedido e, quando aterrámos na BA 12, lá estava o Alouette III à espera. Fez-se transferência do ferido para o helicóptero e, antes de ele descolar, coloquei dois frascos de soro em cada lado do seu pescoço, para o manter minimamente estável e já não o acompanhei até ao hospital. O trajeto era demasiado curto, não justificava minha presença durante a viajem.

Depois do helicópetero levantar voo rumo ao Hospital Militar de Bissau, virei-me para o aviãozinho, para perguntar ao capitão se queria acompanhar-me ao bar dos pilotos para tomarmos o pequeno almoço, e qual não é o meu espanto quando vi num buraco na asa do avião, e em cima dela estava um cabo mecânico da Força Aérea que, com ar animado, informa:

– Meu capitão, já a encontrei.

Foi quando vi o furo no DO-27 e ingenuamente disse ao capitão:

– Eu,  quando ouvia as pedras a bater na barriga do avião,  pensei que estas iriam criar moça ao nosso aviãozinho. 

Ele não reagiu à minha observação. Só no bar dos pilotos, não ele, mas quem ouviu a sua narrativa, ria descaradamente na minha cara. Até eu ri pela minha ignorância e estupidez.

Por vezes parecia que vivíamos num mundo de “anedotas”, estou a lembrar-me de outra reação que os pilotos tinham quando chegava um avião da TAP, com passageiros idos de Lisboa.

Após o almoço no Bar dos Pilotos, onde geralmente eu tomava café, de repente alguém me segura por um braço e diz:

– Vamos já para a pista.

E um deles arrasta-me me para dentro de um jipe que já estava à espera dos meninos pilotos, nesse dia acompanhados por uma enfermeira paraquedista. Explicaram-me:

– Vamos ver as miúdas que vêm de Lisboa.

Quando chegamos muito perto da pista, e na distância permitida, estacionaram o jipe e lá ficamos a olhar o belo avião TAP, de portas abertas com um assistente de bordo à espera da colocação das escadas, por onde desceriam os passageiros que chegavam de Lisboa.

Colocada a escada, os passageiros aparecem começando a descer os passageiros e iniciou-se o alvoroço:

– Olha a loiraça que aí vem, é o máximo – diz outro.

E eu pensava:

– Estão todos apanhados pelo clima, o que é que eu tenho a ver com isto?!

Até que de repente se instala a desilusão total e começaram a lamentações, dizendo:

– Ó, pá, é a Rosa Exposto (uma enfermeira paraquedista)

Eu arregalei os olhos, pensando como é enfermeira paraquedista já não interessa!... Mas, ri com gosto, pela desilusão dos nossos amigos pilotos.

"Essa enfermeira é gira mas é... uma enfermeira paraquedista", acredito que a frase, dita à minha frente, os incomodou por considerar o comentário pouco respeitoso.

Foi bom confirmar que, para além dos paraquedistas, também os pilotos tinham alguma preocupação em terem atitudes delicadas, pelo menos na nossa presença. (...)


(iii) Relembrando o enorme prazer de saltar de paraquedas (e os meus instrutores, srgt Nogueira e cap Cordeiro)  ... O último salto que fiz,  foi em dezembro de 1973,  quatro meses antes de passar à disponibilidade

E continuei seguindo a ordem das perguntas, agora sobre as desilusões  que expliquei não ser no plano pessoal, mas que foi nesta passagem pela Força Aérea, que despertei para os interesses de algumas pessoas, uma delas que serviu mal a Força Aérea, mas aproveitou-se bem dela, com incapacidades falsas, dadas por médicos sem escrúpulos, e que todos nós pagámos com os nossos impostos, para essa pessoa estar isenta de IRS com uma alta incapacidade há mais de quarenta anos.

É a única mulher “combatente” na lista dos deficientes das Forças Armadas, dos antigos combatentes da guerra do Ultramar Português. Desculpem a expressão, é uma “ovelha tresmalhada”, para nossa tristeza e desilusão, que não pode servir de exemplo para ninguém.

É triste ver uma nossa enfermeira, sempre saudável, que ignora os princípios éticos, inerentes à sua profissão, a Enfermagem.

Foi ainda como enfermeira paraquedista que despertei para muitos outros interesses que me escandalizaram:  caso dos Açores.

Sempre achei estranho situar-se na Ilha Terceira, um minúsculo hospital, rotulado como Hospital da Força Aérea, existindo apenas nessa ilha uma única Unidade Militar (BA 4) que, se algo acontecesse aos jovens militares, poderiam recorrer ao hospital civil, de Angra do Heroísmo, enquanto que no Continente existiam várias Bases Aéreas espalhadas pelo País, e sem qualquer hospital desse Ramo.

Os militares da Força Aérea só poderiam ser tratados ou socorridos no Hospital Militar da Estrela.

Nesta ilha açoriana existia um médico, salvo erro graduado em tenente coronel, que,  ao saber da existência de enfermeiras paraquedistas e sendo amigo do Diretor do Serviço de Saúde da Força Aérea em Lisboa, pediu a este se poderia enviar duas delas aos Açores, pois gostaria de as conhecer.

O Senhor Diretor assim fez, enviou duas enfermeiras que, ao chegarem lá, arregaçaram as mangas e com o seu profissionalismo, deram uma volta tal à orgânica, dos fracos serviços de enfermagem lá prestados, que o sr. Diretor gostou tanto que avançou logo com novos pedidos, ao seu amigo de Lisboa. Como os argumentos que iria usar, acreditava ele, que o Diretor de Lisboa não iria recusar.

A primeira proposta foi para que as enfermeiras paraquedistas, após o curso de paraquedismo e como forma de adaptação aos Serviços de Saúde Militar, passassem a fazer um estágio no Hospital da Terra Chã e só depois seguiriam para o Ultramar.

(Note-se: nessa altura havia uma enfermeira que quando se candidatou a paraquedista, desempenhava as suas funções no Serviço de Urgência do Hospital Central da Cidade onde trabalhava e, pasmem-se, também essa foi fazer estágio aos Açores no pequeno hospital da Ilha Terceira. Enquanto que o primeiro curso de Enfermeiras Paraquedistas, após concluído o curso de paraquedismo, foi fazer um estágio no Serviço de Urgência do Hospital de S. José. Espantados…? Eu também.)

Voltando ao nosso Diretor da Terra Chã:  pouco tempo depois, deparou-se com um obstáculo, houve anos em que nenhuma enfermeira se candidatou a Enfermeiras Paraquedista.

Esperto como era, o Senhor Diretor dos Açores apresentou nova ideia ao seu amigo de Lisboa:  

–  Senhor Diretor do Serviço de Saúde da Força Aérea Portuguesa  argumentou ele –, coitadas das nossas enfermeiras, com um trabalho tão desgastante no Ultramar, bem merecem descansar nesta pequena, pacata e linda Ilha Açoriana durante uns tempos.

E para lá foram descansar algumas. Mas,  como em tudo, há sempre alguém que não está na Força Aérea para fazer favores a este tipo de pessoas, até que chegou o dia em que o sr. Diretor de Lisboa informou essa enfermeira que teria de ir para os Açores.

Essa senhora enfermeira foi, mas apenas para arranjar argumentos suficientes para nunca mais lá pôr os pés. Passado pouco tempo da sua estadia na bela Ilha Açoriana, a mesma enfermeira foi à BA 4,  pediu uma viagem para Lisboa e apresentou-se na Direção do Serviço de Saúde da Força Aérea em Lisboa, colocando os seus motivos para não voltar aos Açores.

Perante os argumentos apresentados,  o sr. Diretor do Serviço de Saúde da Força Aérea de Lisboa ligou logo para a  ilha, informando o seu amigo e lamentando que a dita enfermeira tinha argumentos demasiado fortes para não ir para os Açores. E acrescentava que, de facto, as enfermeiras paraquedistas, não tinham sido  criadas para essas funções.

O diretor Açoriano, com a sua prepotência, barafustou até se cansar e rematou que não era a sra. enfermeira que se recusava, era ele que não a queria lá, pelo seu mau feitio.


A então ten enf pqdt Ivone Reis, em Cacine,
12/12/1968. Nasceu em 1929, faleceu em 2022.
Foto: António J. Pereira da Costa (2013)



Como curiosidade, que eu saiba, do primeiro curso de enfermeiras paraquedistas foi esta a única enfermeira paraquedista que,  no ano seguinte após concluído o curso de enfermeiras paraquedistas, lhe foi atribuído o grau de Cavaleiro da Ordem de Benemerência,  dada pelo sr. Presidente da República Américo Tomás, visto e registado a fl. 109 L.2 Decreto de 28 de fevereiro 1962, publicado no Diário do Governo nº 73, 2ª série de 27/3/1962, Expedido pelo Chancelaria das Ordens Portuguesas aos 3 de abril, de 1962, nº 1588. Por tanto cerca 6 meses depois, do primeiro curso de Enfermeiras Paraquedistas terminar a meio de agosto de 1961.

Em cima  a foto do respetivo diploma cujo original foi oferecido para o museu do 
Regimento de Caçadores Paraquedistas (RCP), em Tancos, no dia 15 de outubro de 2022.

Entretanto o  RCP, em Tancos, que tinha uma elevada noção de guerra, sabia que os primeiros socorros em terra, mesmo antes do Helicóptero de Socorro chegar, são importantes e, como tropa organizada e inteligente que é, teria de ter sempre alguém capaz para analisar qualquer situação, como: proteção à clareira onde o Helicóptero pudesse aterrar em segurança, assim como alguém devidamente preparado, que prestasse os primeiros socorros aos seus camaradas feridos, até esta aeronave chegar e os levar para o hospital.

A Direção do Serviço de Saúde da Força Aérea apenas se preocupava com os ditos “enfermeiros” da Força Aérea, que nos Açores aprendiam a dar comprimidos, injeções e a desinfetar pequenas escoriações e com fracas noções de assepsia.

Os paraquedistas resolveram a sua questão, não deixando que a Direção de Saúde da Força Aérea de Lisboa resolvesse o seu problema. Assim, nomearam enfermeiras paraquedistas, em anos diferentes para,  no próprio Regimento,  darem um Curso Avançado de Primeiros Socorros aos seus camaradas paraquedistas, acompanhando-os no respetivo estágio feito no Hospital Militar Principal em Lisboa.  

E os socorristas Paraquedistas ficaram mais bem preparados, e de forma mais adequada e mais eficaz, para poderem cuidar dos seus camaradas quando feridos ou doentes, até o Helicóptero chegar e os levar para o hospital.

Deixaram assim os “enfermeiros” da Força Aérea, sossegados nas suas Bases Aéreas,  a fazerem precárias tarefa tal como lhes ensinaram.

Foram três enfermeiras paraquedistas que, em anos diferentes, foram nomeadas para darem formação adequada aos seus camaradas socorristas paraquedistas e os acompanharam no seu estágio no Hospital Militar da Estrela em Lisboa.

Quando chegou a minha vez, após dar à formação aos nossos socorristas paraquedistas, com respetivo acompanhamento do estágio feito no Hospital Militar da Estrela, aproveitei e formulei um pedido ao nosso comandante, sr. coronel Fausto Marques, autorização para fazer o curso de instrutores e monitores, tal como a enfermeira Manuel França o tinha feito 2 ou 3 anos antes. 

Fui autorizada e concluí-o com muito gosto. Fiz este curso apenas pelo prazer de saltar e considero ter sido mais um contributo para o meu próprio equilíbrio. Devo este prazer de saltar ao meu instrutor do curso de paraquedismo, na altura o senhor sargento pqdt Nogueira, meu querido instrutor, que me estimulou o prazer de saltar.

Sempre me disse que eu saltava muito bem da torre e por isso podia perfeitamente tirar partido desses momentos mágicos que os saltos nos proporcionam. Dizia-me ele; 

–   Primeiro logo que larga a porta,  mantem o corpo recolhido e conta 232, 233, 234, que é o tempo para a calote se soltar do arnês e abrir. Depois é necessário verificar se todos os cordões não estão enrolados, e saber de que lado vem o vento. Com os pequenos minutos que lhe restam,  aproveita para olhar mais longe, ver o horizonte, ver a terra de cima. Depois certifica-se de que lado vem o vento e,  se necessário,  fazer trações, para que este não a leve para zonas não aconselhadas, evitando assim acidente.

Sempre fiz isso, tudo como ele me ensinou. Apenas me surpreendeu o silêncio, que o “escutei“ com surpresa e foi maravilhoso. Razão por que anos mais tarde pedi ao nosso primeiro comandante Fausto Marques, para fazer o curso de instrutores e monitores só pelo prazer de saltar. Foi meu instrutor neste curso o sr. capitão pqdt João Costa Cordeiro que, quando acabei o curso me convidou para um jantar em Abrantes com ele e com a sua esposa.

Fiquei tristíssima quando,  poucos anos depois,  ele foi para a Guiné e morreu num salto de queda livre.

Fiz vários saltos, sendo o último feito na Beira,  em Moçambique. quando de passagem para Lisboa, vinda de Mueda no fim da minha comissão, aguardando no BCP 32 pelos feridos, que vinham de Lourenço Marques. 

O primeiro foi um salto automático e,  acabada de chegar a terra e logo de seguida,  vi a filha do engenheiro Jardim, a Carmo, junto a um Helicópetro da Força Aérea,  equipada para fazer um salto manual, eu que estava junto de um paraquedista perguntei-lhe se havia um paraquedas para eu fazer um salto manual. Como foi buscar de imediato um, eu informei o piloto, que estava já dentro da aeronave,  que também eu ia saltar. 

Assim foi,  entrámos as duas, e a Carmo nem “tugiu nem mugiu", simpática pensei eu, mas ignorei a presença da dita filha do engenheiro Jardim, entrámos. Ela ficou mais perto da porta quando já estávamos numa altura suficiente,  já não sei a quantos metros de altitude, ela saltou e, de seguida, saltei eu. Foram os dois últimos saltos que dei e a última comissão que fiz. Fins de dezembro de 1973.

É de notar que nunca viemos como passageiras, mesmo em fim da comissão, sempre viemos prestando cuidados e assistência aos feridos durante toda a viagem até Lisboa. (...)

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Links / Titulo e subtítulo / Parênteses retos com notas: LG]
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Nota do editor:

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25166: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Anexos: algumas notas biográficas I


Lisboa > Mesquita Central de Lisboa  > 20 de fevereiro de 2015 > O último adeus ao Amadu Bailo Jaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015) > Da esquerda para a direita, (i) Cor Ferreira A A Silva, (ii) sobrinho e (iii) filho do Amadú [que vive em Londres], (iv) José António A Pereira (da 38ª CCmds), (v) filho mais do Amadú [que vive em Lérida, Espanha], (vi) neta do Amadu, (vii) Saiegh (do BCCmds Africanos), (viii) Mário Dias, (ix) Virgínio Briote e (x) um outro guineense não identificado.

Foto (e legenda): © Giselda Pessoa (2015).  Todos os direitos reservados. [Edição e kegendagem complemenetar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Lisboa > Mesquita Central de  de Lisboa > 20 de fevereiro de 2015 > O último adeus ao Amadu Bailo Jaló > Da esquerda para a direita, Jaquité (fur cmd BCmd da Guiné), cor cmd Raul  Folques (cmdt BCmds da Guiné), Amílcar Mendes e José António Pereira, ambos da 38ª CCmds, Virgínio Briote.

Foto (e legendagem): © José Colaço (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e kegendagem complemenetar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



 Capa do livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, il., edição esgotada) 




O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)


1. Ainda com base no manuscrito, digitalizado, do livro do Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, il., edição esgotada) (*), vamos publicar os "Anexos" (pp. 287-299)

O nosso camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra , facultou-nos uma cópia digital. (O Virgínio, com a sua santa paciência e a sua grande generosidade, gastou mais de um ano a ajudar o Amadua a pòr as suas memórias direitinhas em formato word, a pedido da Associação dos Comandos, a quem, de resto, manifestamos também o nosso apreço e gratidão...).

O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de 120 referências no nosso blogue. Tinha um 2º volume em preparação, que a doença e a morte não lhe permitaram ultimar. As folhas manuscritaas foram entregues ao Virgínio Briote com a autorização para as transcrever (e eventualmente publicar no nosso blogue). Desconhecemos o seu conteúdo, mas já incentivámos o nosso coeditor jubilado a fazer um derradeiro esforço para transcrever, em word, o manuscrito do II volume (que ficou incompleto). E ele prometei-nos que ia começar a fazê-lo, "para a semana"...

Anexos


I. Algumas Notas sobre o Amadu Bailo Djaló (pp. 288/289)

(i) Amadu Bailo Djaló nasceu em Bafatá, em 1940;

(ii) filho de Cherno Iaia Djaló e de Ana Condé;

(iii) aos 14 anos, o irmão mais velho levou-o para Boké, para casa de um tio, de onde era natural a mãe; o pai era de Fulamorie, também da República da Guiné-Conakry.

(iv) um ano depois regressou a Bafatá; aos 16 anos conheceu, pela primeira vez, Bissau e um ano depois Bolama;

(v) desde muito jovem quis ganhar dinheiro e ser independente: começou por organizar bailes e festas, juntamente com um primo, para a juventude de Bafatá, a quem cobrava as entradas; as meninas de então chamavam ao Amadu Mari Velo;

(vi) enquanto não foi incorporado, foi trabalhando na construção civil, primeiro no Gabu, como capataz, um pouco mais tarde em Bafatá (estávamos em 1958);

(vii) nos princípios de janeiro do ano seguinte, regressou a Bafatá; como sabia ler e escrever, foi para a campanha da mancarra; aos 20 anos quis dar um salto, tornar-se verdadeiramente independente: conseguiu abrir uma banca para negociar no Mercado de Bafatá;

(viii) mas a incorporação estava à porta: recenseado pelo concelho de Bafatá, sob o nº 21 em 1962, foi alistado em 04jan62, como voluntário, no Centro de Instrução Militar;

(ix) depois da recruta em Bolama, seguiu-se o CICA/BAC, em Bissau, depois Bedanda na 4ª CCaç, a 1ª CCaç em Farim;

(x) regressou à CCS/QG, depois os Comandos de 1964 a 1966, voltou à CCS/QG, depois os BCav 757, BCac1877, BCav1905 e BCac2856, todos sediados em Bafatá;

(xi) em meados de Jul69foi transferido para a 15ª CCmds, seguindo-se então a 1ª CCmds Africanos, o BCmds da Guiné e a CCaç21 (base em Bambadinca) até ao 25 de Abril de 1974;

(xii) foi promovido a 1º Cabo em 1Jan66 e louvado pelas actuações em operações no ano de 1966; novamente louvado em 1967, em OS do BCaç1877, de 30Set67, pelo seu comportamento em acções de combate durante o ano de 1967 (07Jan/24Set67);

(xiii) foi graduado em furriel em 6Fev70 e 2º Sargento em 7Nov71, tendo sido louvado pelas acções em que participou durante o ano de 1972. Condecorado com a Medalha de Cruz de Guerra de 3ª Classe em 1973[1].

(xiv) foi novamente graduado em alferes em 28Jun73; pela sua actuação nas operações durante o ano de 1973 recebeu novo louvor.

(xv) Passou à disponibilidade em 01Jan75, devido à independência do território da Guiné.

A carreira militar de Amadu Bailo Djaló em datas:

  • 1º Cabo em 1Jan66;
  • Furriel Graduado em 6Fev70;
  • 2º Sargento Graduado em 7Nov71;
  • Alferes Graduado em 28Jun73, até à passagem à disponibilidade;
  • Desgraduado (sem o seu acordo), por despacho de 18Nov86, com efeitos a partir de 1Jan75, regressando ao posto de 1º Cabo, posto que possuía antes das sucessivas graduações;
  • Presente á JHI / HMP em 19Mar87, foi julgado apto parcialmente para o trabalho, com a desvalorização de 23,5% por agravamento de ferimentos em combate. [2] 
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Notas do autor ou do editor:

[1] Nos 8 tomos 
do 5º volume da CECA - Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974  - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) (...) , não existe referência à referida condecoração.

[2] Estes dois últimos parágrafos não constam da edição em papel (pág. 289). (LG)

(Revisão / fixação de texto: LG)
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(**) Sobre a infância, adolescência e juventude antes da tropa, vd, os postes:


(...) A minha família era da Guiné Francesa. O meu pai, Tcherno Iaia Tata Djaló, nasceu em 1895, em Tata Fulamori, a meia dúzia de quilómetros de Piche, e a minha mãe, Ana Condé, que nasceu em 1904, era da vila de Boké. O meu pai amava muito os seus filhos, era um homem que estou sempre a recordar. Trabalhou muitos anos como empregado de balcão numa loja de um libanês, de nome Assad. (...)

26 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23739: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte V: a juventude antes da tropa, quando o pai sonhava para ele uma grande carreira no exército francês

(...) Dizia-me que não queria que eu fizesse tropa no exército português, pois nunca passaria de cabo. Falava-me disto como se fosse um segredo. Que, em consultas que tinha feito, tinha visto para mim um posto brilhante, com galões, que na Guiné nunca eu viria ter. Que preto não conseguia postos desses na Guiné.(...)