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segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23871: Notas de leitura (1531): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
O guevarismo e o seu foco insurrecional veio a revelar-se uma aplicação desastrosa da guerrilha na Américas do Sul e Central, era uma conceção desinserida de um processo histórico de alianças de classe e de forças ditas contestatárias que agiam taticamente, incapazes de pegar em armas - daí os falhanços na Colômbia, na Venezuela, no Uruguai, na Bolívia. Amílcar Cabral declarou um dia que encetara o processo revolucionário na Guiné só conhecendo uns rudimentos da maoismo, contudo, como está historicamente comprovado, instituiu uma teoria e uma prática revolucionárias ajustadas às aspirações de população que não se identificava com a potência colonial, cuja presença, aliás, era muito frágil. Cabral teve suficiente astúcia para nunca se confrontar com as teorias cubanas, Guevara e Fidel Castro admiravam-no e Cuba, como é de todos sabido, apoiou a luta armada na Guiné. Cabral também não se impressionou muito com o foco insurrecional, apostou na longa duração e numa possível boa simbiose entre a população e os guerrilheiros. Revelou-se um marxista flexível, embora intransigente na ditadura da direção política; jamais se pronunciou a favor de um futuro desenvolvimentista para a Guiné assente na ajuda humanitária, aspirava a uma agricultura próspera como matriz do desenvolvimento, queria que a Guiné não sobrevivesse à custa de dádivas, sem contestar que recebera apoio da cooperação. Foi um teórico que conduziu até às últimas consequências o processo de independência e estabeleceu balizas, sobretudo na fase inicial, desde o segundo semestre de 1962 até ao processo de consolidação de 1964, para os atos de terror e de intimidação, conhecia as etnias e as suas cumplicidades e nunca ignorou que o PAIGC não podia contar com os Fulas, conhecia muito bem as razões históricas da aliança entre os Fulas e os portugueses.

Um abraço do
Mário



Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (2)

Mário Beja Santos

É do senso comum que a luta armada desencadeada pelo PAIGC obedecia a uma estratégia de guerrilha. É um dado curioso como se aborda amiúde este fenómeno nacionalista sempre no enquadramento de descolonização, passando-se, de um modo geral, ao lado dos pontos concordantes e discordantes do pensamento de Cabral com outras estratégias de guerrilha.

Gérard Chaliand, porventura o principal historiador francófono dos movimentos revolucionários à escala mundial, e que acompanhou Cabral no interior da Guiné em 1966, escrevendo depois uma obra no ano seguinte, para além de artigos, releva os fatores históricos das guerras populares na época contemporânea: a crescente intervenção dos camponeses na luta armada (como força combatente ou infraestrutura política clandestina ou local de abastecimento); o facto de a luta passar a dispor de uma vanguarda ideológica mobilizadora orientada pela coesão, disciplina e espírito de sacrifício. Não se pode contestar a importância do pós-II Guerra Mundial, que operou ruturas de equilíbrio entre as grandes potências e que fez despertar nacionalismos, muitos deles em estado latente. Há que ter em conta o gradual desaparecimento dos impérios europeus, as elites nacionalistas iam amadurecendo as vias mais adequadas para chegar ao poder e gerar novas pátrias. Havia populações amadurecidas para a insurreição e houve diferentes modos de encarar a guerrilha. Como se observou no texto anterior, Che Guevara, após a tomada do poder em Havana, não escondia a sua inquietação quanto à necessidade de fazer a disseminação revolucionária do continente. Outro pensador revolucionário, Frantz Fanon, talvez dominado pela guerrilha de cariz sanguinário que se desenvolveu na Argélia, era apologista do ferro e fogo, a qualquer preço.

Em 1974, portanto numa fase já muito amadurecida do quadro das independências em África e na Ásia, Régis Debray passou a escrito a sua análise sobre as lutas armadas da América Latina, fixou-se em grandes atores como Fidel Castro, Che Guevara e Salvador Allende, procedeu a um balanço crítico desses fenómenos revolucionários ou subversivos que ocorreram na Venezuela, em Cuba, na Bolívia ou no Chile. Nunca escondendo a sua admiração pelo guevarismo, preocupou-se em refletir sobre as razões que conduziam a uma revolução nacional vitoriosa, nunca esquecendo a China, o Vietname e Cuba. Dissecando as classes médias da América do Sul e Central, foi-lhes encontrando mais intenção do que determinação pela luta armada, com a agravante que os partidos comunistas, no período estalinista, eram única e exclusivamente incentivados a trabalhar para que se formassem governos de unidade nacional. É nesse contexto que Debray enuncia metodicamente as razões para o triunfo cubano, não desvaloriza a vanguarda constituída por elementos da classe média, mas que souberam doutrinar os agrupamentos da guerrilha e a boa comunicação que estabeleceram com os grupos camponeses.

Medindo cuidadosamente a estratégia desencadeada em Cuba, recorda que num quadro de desigualdade inicial nas relações de forças entre o exército regular e a guerrilha, havendo que incorporar progressivamente a população na luta, é fundamental preparar os militantes para um combate longo, para o tempo que for preciso, saber definir a retaguarda, atender rigorosamente à natureza do terreno, e no caso de Cuba perceber que era uma ilha, de onde não se punha qualquer eventualidade de atravessar fronteiras. Daí a importância do estabelecimento de bases, sem o caráter de fixação, de programar ações num contexto de descontinuidade operacional, nunca descurar a questões ideológica, adotando uma teoria de organização e estabelecer as regras de uma democracia revolucionária.

Não é para aqui chamada a narrativa do processo histórico que levou este movimento revolucionário cubano até à definição do Partido Comunista. O pano de fundo é tentar perceber o que distinguiu Amílcar Cabral dos outros teóricos. E não será pura casualidade que Gérard Chaliand na sua obra monumental Estratégias da Guerrilha, Payot, 1994, distinguir a intervenção de Cabral na Conferência Intercontinental de Havana, em 1966, como o contributo mais original, senão o único contributo original daquelas décadas sobre a estratégia revolucionária dos movimentos de libertação, e sobretudo o papel da pequena burguesia. Perante uma assembleia que aos poucos ficou boquiaberta, Cabral começou por dizer que a maneira mais eficaz de criticar o imperialismo é pelas armas, desde que a motivação ideológica se insira perfeitamente num povo que aceita fazer a causa libertadora de ter que pegar em armas para expulsar a potência colonial. Numa linguagem frontal, Cabral referiu nessa intervenção que passou à história com o título da arma da teoria de que um revolucionário deve saber lutar contra as suas próprias fraquezas, e uma delas poderá ser a falta total de ideologia de um movimento de libertação nacional. E por isso propõe-se contribuir para o debate sobre os fundamentos que os objetivos da libertação nacional em relação à estrutura social. Questiona o conceito de luta de classes e não esconde os equívocos que ele comporta, esquecendo povos que por razões históricas não evoluíram para quadros de industrialização. Não se pode iludir o papel da pequena burguesia, ela é fulcral tanto na situação colonial como pós-colonial. Há segmentos da pequena burguesia que aderem ao chamamento revolucionário enquanto outros se mantêm aliados, talvez com a ilusão de que estão a defender a sua situação social, ao colonialismo. E faz comentários proféticos, observando que a situação neocolonial, que exige a liquidação da pseudoburguesia autóctone para que se realize a libertação nacional, dá também à pequena burguesia a oportunidade de um desempenho decisivo na luta pela liquidação do domínio estrangeiro. Enfatiza o papel desta pequena burguesia na situação neocolonial, ou ela possui consciência revolucionária e a capacidade de interpretar fielmente as aspirações das massas nas sucessivas fases da luta, identificando-se cada vez mais com elas, ou aceita o aburguesamento. E diz abertamente que a pequena burguesia revolucionária deve ser capaz de se suicidar como classe ou então trair a revolução, tornando-se cúmplice de um qualquer processo neocolonialista, cada vez mais distante das profundas aspirações populares.

Cabral, como veremos no próximo e último texto, deliberou, a partir de 1959, que o PAIGC entrava num processo de clandestinidade, com subversão interna conducente à preparação de quadros militares, com uma direção no exterior apta a dar formação, a acolher os novos quadros militares e a consciencializá-los para a natureza da luta armada que se avizinhava, a obter apoios internacionais, e gradualmente instalar a subversão em zonas do território extremamente ásperas para a mobilidade das tropas regulares. O que veio a acontecer, como Gérard Chaliand comprovou no terreno, em 1966.

(continua)

Amílcar Cabral, Maria Helena Rodrigues e a sua filha Ana Luísa Cabral, 1964
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Nota do editor

Poste anterior de 5 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23848: Notas de leitura (1528): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23859: Notas de leitura (1530): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (7) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23848: Notas de leitura (1528): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
O assunto não é de sua menos importância, as estratégias de guerrilha, ao tempo em que foram desencadeadas pelos nacionalistas das colónias portuguesas, tinham como referência o Vietname, a Argélia, Cuba; havia o contexto ideológico, podemos falar nos fatores históricos destas lutas pela independência, o papel dos camponeses e agricultores sem terra, a organização da vanguarda ideológica mobilizadora e o imperativo da sua coesão, a ligação do guerrilheiro às populações. Quem conduzia essas lutas armadas tinha consciência de que o fim da II Guerra Mundial trouxera a rutura de equilíbrios, que houvera guerrilha na própria Europa, caso da Jugoslávia e da Albânia, e os impérios coloniais europeus estavam em desagregação. Havia que saber conduzir a guerra revolucionária, Guevara tornou-se uma referência, tal como Frantz Fanon. Acontece que Amílcar Cabral tinha uma tipologia sobre a condução da luta, a organização da guerrilha e as finalidades da luta de libertação um tanto distintas do que Guevara e Fanon propuseram. É a contextualização dessas concordâncias e divergências que aqui se ponderam para se avaliar como o pensamento revolucionário de Cabral se ajustou à realidade da luta que conduziu.

Um abraço do
Mário



Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (1)

Mário Beja Santos

Para se situar o conceito de guerrilha preconizado por Guevara, e mais adiante pô-lo em confronto com a estratégia de Amílcar Cabral aplicada à Guiné, e tentar medir a distância que separou os modos de aplicação preconizados pelos dois revolucionários, é indispensável procurar enquadrar as condições de lugar em que ocorreu a revolução cubana e um pouco mais adiante se forjou a luta armada na Guiné colonial. O território cubano parecia adverso à guerrilha, o tempo era-lhe favorável, mudara a relação de forças à escala mundial no então designado “campo socialista”. Quando os EUA bloquearam Cuba, subtraindo-lhe energia, matérias-primas, peças de substituição para os tratores, trigo e sabão, a URSS estava em condições, mesmo que estivesse posto numa linha vermelha da chamada coexistência pacífica, de apoiar Cuba. Como escreveu Régis Debray, um acérrimo defensor da doutrina guevarista, e que a impulsionou com o conceito de foco, vivia-se um período fasto para o socialismo. A doutrina estalinista fora posta no sótão, não era imperioso a defesa do “socialismo num só país”, análise que bloqueara a generalidade dos partidos comunistas das Américas do Sul e Central. Nikita Kruschev abraçou as causas do Terceiro Mundo, estamos num período de afundamento dos sistemas coloniais, é o tempo de vitórias na Indochina e na Argélia, há ainda repercussões das conferências de Bandung e de Belgrado, o Sputnik e Gagarin eram vedetas – foi assim o período entre 1956 e 1962, a cisão entre a China e a URSS ainda não provocou mossas monumentais, o socialismo parece estar na ofensiva no mundo ocidental; Kennedy e o desastre da Baía dos Porcos não estavam esquecidos, este quadro idílico só se alterará com a crise dos mísseis, que custará a prazo o afastamento de Kruschev, mas a linha dita de apoio ao movimento revolucionário, a partir de Moscovo, a que se juntava o apoio do apoio incondicional de Pequim ao fim do colonialismo na Ásia e na África manter-se-á.

Guevara deixou um apreciável número de escritos, logo as recordações da guerra revolucionária, tinha a sua própria interpretação do que tinha sido a guerrilha em Cuba, desde o falhanço de Moncada, analisa toda a progressão da guerrilha de 1957 até à entrada em Havana em janeiro de 1959. E tece comentários que podem ser úteis para as concordâncias e divergências com a atuação de Amílcar Cabral. Ele cola a palavra guerrilheiro à luta cubana, a palavra guerrilheiro era símbolo de um desejo de liberdade, e apreciava a revolução cubana pela sua ação libertadora, propulsora da reforma agrária. O exército de guerrilha, exército popular por excelência, era constituído por indivíduos virtuosos, disciplinados, ágeis, física e mentalmente. O guerrilheiro deve procurar esgotar o inimigo, desmotivá-lo, fazê-lo perder a tranquilidade. Para que a tática resulte, o conhecimento do terreno deve ser perfeito, ter um conhecimento rigoroso da aproximação e da retirada, do esquema ofensivo e defensivo do inimigo. O guerrilheiro é um reformador social, pega nas armas contra a opressão, reclama uma pátria e a mudança de regime social e económico, é um intérprete das aspirações da grande massa camponesa.

Guevara pronuncia-se igualmente sobre o método guerrilheiro, lembra a diversidade de aplicações na Ásia, na África e nas Américas, discreteia se o método da guerrilha é a única fórmula para a tomada do poder em toda a América e põe uma questão muito dura se a revolução cubana poderá sobreviver se o movimento revolucionário não se expandir pelas Américas. Na esteira de outras correntes revolucionárias, refere a necessidade da classe operária, observa que a América vivia num estado de equilíbrio instável entre a ditadura das oligarquias e a pressão popular. Tanto ele como Régis Debray não esconderão a sua profunda desilusão com o comportamento seguidor do estalinismo da generalidade dos partidos comunistas das Américas. Vaticina uma luta longa e sangrenta no continente americano, haverá numerosas frentes, custará muitas vidas. Está plenamente convicto da vitória, as burguesias nacionais estavam mancomunadas com o imperialismo. Em dado passo, Guevara dá o parecer que o crescimento do mercado comum europeu iria acarretar o desenvolvimento de contradições fundamentais, acentuar mesmo a eclosão da luta americana, e refere que há já indícios seguros na Venezuela, Guatemala, Colômbia, Peru e Equador. Curiosamente, não fala na Bolívia, em cuja guerrilha se inseriu, em 1965, e onde foi assassinado, dois anos depois.

Guevara sentia-se na obrigação de procurar sistematizar a experiência cubana e o processo revolucionário cubano, definindo o cânon do guerrilheiro e a estratégia de guerrilha. Em tudo quanto escrevia deixava claro que a revolução cubana era o simples prelúdio da onda revolucionária que iria varrer todo o continente latino-americano. Dava como certo e seguro que as forças seculares podiam ganhar uma guerra de guerrilhas contra um exército institucional; que nem sempre se podem esperar todas as condições para a revolução, poderá ser imperativo criar um foco insurrecional e o terreno da luta armada deve ser fundamentalmente o campo. Nunca perde de vista a crítica à inoperância dos partidos comunistas e depois detalha o princípio, o desenvolvimento e o fim da guerra de guerrilhas: “No início há um grupo mais ou menos armado, mais ou menos homogéneo, que se dedica quase exclusivamente a esconder-se nos lugares mais agrestes, mantendo raros contatos com os camponeses, esse núcleo de guerrilheiros pode viver isolado, embrenhado na mata, mas a luta não pode avançar sem o apoio dos camponeses, daí o papel determinante do trabalho político”. E enfatiza de novo o guerrilheiro como um reformador social. Nos seus escritos, Guevara não ignora a existência de contradições na massa dos agricultores e camponeses, a propriedade da terra, a existência de oligarcas possuidores de grandes propriedades, o que gera aproximações interclassistas e interdependências que podem fazer hesitar a massa de agricultores e camponeses em aderir à guerrilha.

Também os seus escritos fazem uma clara apologia ao internacionalismo, e observa que o imperialismo é um sistema mundial, a última etapa do capitalismo, por isso é preciso derrotá-lo numa grande confrontação mundial. Todos os estudiosos do guevarismo não iludem que Che tinha plena consciência que a revolução cubana não poderia permanecer isolada. O seu confronto com os partidos comunistas latino-americanos foi extremamente duro. Ainda preponderava a sombra de Estaline que dava como seguro que os países latino-americanos pelo seu atraso precisavam de modelos de governação de unidade nacional, Guevara achava-os cristalizados, totalmente incapazes de detonar focos insurrecionais, por estrita obediência a um princípio estalinista que já estava no caixote do lixo da História. Guevara também não iludia o princípio marxista do proletariado, respondendo que o camponês era o verdadeiro agente revolucionário, o que contrariava o que Marx dissera, que o camponês constituía uma “massa de produtores não envolvidos diretamente na luta entre capital e trabalho”. Guevara reconhecia as diferenças existentes sobretudo naqueles países com grandes centros urbanos, como era o caso do Brasil, da Argentina, Chile e Uruguai. Mas Guevara não aceitava a necessidade de haver guerras de guerrilha diferenciadas, postulava que a influência ideológica dos centros urbanos inibe a luta guerrilheira e incentiva as lutas de massas organizadas pacificamente, isto para regressar à ideia de que se devia contar com uma guerrilha de camponeses.

Como é evidente, Guevara cometeu inúmeros erros de apreciação da realidade socioeconómica e cultural dos países latino-americanos, esteve no Congo a procurar estimular focos insurrecionais, foi um fracasso total, encontrou-se em Conacri com Amílcar Cabral, não há documentação de Cabral sobre tudo o que se passou nesse encontro, mas que teve resultados promissores. Primeiro, Guevara considerou Cabral o único dirigente revolucionário com consistência e linha organizativa bem delineada. Cabral pediu apoio a Cuba e recebeu. Em 1966, em janeiro, na cidade de Havana, Amílcar Cabral exporá as linhas norteadoras do movimento revolucionário que dirige, incomodará muita gente quanto ao conceito de luta de classes e ao significado do proletariado. Fidel Castro admirou a ousadia da exposição de Cabral. Passeiam-se por Cuba, garante-lhe mais apoio. Será em Cuba que se irão formar os cabo-verdianos que era suposto promoverem a luta armada no arquipélago. Tal não aconteceu, mas esse grupo cabo-verdiano irá ser determinante em território guineense.

(continua)

Che Guevara no Congo
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23840: Notas de leitura (1527): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte VI: 25 de Abril ? 25 de Novembro ? E descolonização ? Acho que consigo compreender tudo no caso português. Isto parece uma gabarolice, mas não é. A mim, não há nenhum acontecimento que me cause perplexidade" (VPV)

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23039: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (12): Murcus (aquele que cortava o dedo polegar para se isentar do serviço militar) poderá estar na origem da palavra morcão


Capa do livro de Teófilo Braga (Ponta Delgada, 1843- Lisboa, 1924), "O Povo Português nos seus Costumes, Crença e Tradiçºoes", Vol I (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1994, Colecção "Portugal de Perto", 10) ( a edição original é de 1885) (Obra esgotada)


1. Já tínhamos (e ainda temos) a pandemia provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2. Vai fazer dois anos, no princípio de março, que apareceram os primeiros casos em Portugal... Provocou até há data 3,25 milhões de casos (infecções) e mais de 21 mil mortos, apesar de tudo dez vezes menos que a pandemia da "pneumónica" que matou 2% da população portuguesa em 1918/19. (Éramos então 6 milhões.)

Quase 8,9 milhões de portugueses receberam até agora a vacinção primária completa... No mundo morreram já cerca de 6 mlhões de pessoas e o número de casos aproxima-se dos 435 milhões... A Covid-19, doença respiratória cujos primeiros casos apareceram no final de 2019 na cidade chinesa de Wuhan, ainda estará longe de se tornar endémica (localizada)....

Já tínhamos a pandemia, faltava-nos agora a maldita guerra na velha Europa... e o pesadelo do terror nuclear. Portanto, o ano de 2022 vai continuar a ser um "annus horribilis"... E daí mantermos em aberto esta série dos "Usados & Achados" (*)...

2. Há dias, ao relermos o Teófilo Braga (Ponta Delgada, 1843-Lisboa, 1924), "O Povo Português nos seus Costumes, Crença e Tradições", Vol I (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1994, Colecção "Portugal de Perto", 10) (a edição original é de 1885), demos com um apontamento interessante sobre guerra e guerrilha, no capítulo II (Rudimentos da actividade espontânea), que inclui ainda temas como a caça, a pesca, bm como as hostiliades nacionais, locais e individuais...

Aqui vai, expurgada das referências bibliográficas, sempre pesadas, uma primeira parte do texto, sobre a "guerra defensiva" (pp. 84/85). Não fica mal em segunda feira de Carnaval, sempre de má memória para mim e os meus camaradas da CCAÇ  12.

(...) A guerra defensiva. – Um capitão do nosso exército, falando do recrutamento num jornal, confessou que a ninguém repugnava tanto o serviço militar como aos Portugueses. De facto, para não ser soldado o aldeão ainda corta os dedos da mão com o machado, para não poder puxar o gatilho da espingarda; este costume acha-se entre os Gauleses, que davam o nome de Murcus àquele que cortava o dedo polegar para se isentar do serviço militar. (...)

No Minho temos ouvido a palavra Murcão empregada como injúria à pessoa desajeitada; de facto, o murcus não podia sustentar a besta. 

Com este carácter os povos antigos da Lusitânia recorriam à guerra como defesa, dando-lhe a forma de emboscadas; a nacionalidade portuguesa, acabado o período das guerras defensivas da sua independência, acentuou-se na História pela actividade das grandes navegações.

Nenhum povo se soube defender com mais bravura do que o português, repelindo a ocupação espanhola e a invasão francesa. Diz Estrabão: «Os Lusitanos, segundo contam, são excelentes para armar emboscadas e descobrir pistas; são ágeis, rápidos, dextros. Armam-se de punhal ou grande faca; alguns servem-se de lanças com pontas de bronze ...» Eram assim os chuços na época da invasão francesa. A guerra defensiva apresenta uma forma peculiar.

A forma das batalhas por meio de guerrilhas, que tanto tem distinguido o povo espanhol e português nas lutas pela sua independência, é um costume das primitivas tribos germânicas. César nos seus Comentários diz destas escaramuças: «Género de combate no qual os Germanos alcançaram uma grande habilidade.» (...)

Por outro lado, o costume das almenaras, ou fogos de aviso, já se encontrava também nos costumes da milícia romana; diz César, nos seus Comentários: «Do nosso lado, tendo-se dado o alarme por grandes fogueiras, que era o sinal prescrito e acostumado". (...)

Por estes dois factos se conhecem os caracteres do romano-gótico nos costumes peninsulares. Mas nos usos consuetudinários, o fogo é sinal de paz, tal como se acha no provérbio jurídico Fogo e logo; também nos monumentos egípcios, nas esculturas das batalhas, o fogo é o sinal da fortaleza sitiada quando pede paz; é portanto o mais antigo, e de origem turaniana." (...) (Teófilo Braga, op cit., pp. 84/85).


3. Chamou-me a atenção a palavra Murcão. Que não vem grafada nos dicionários como tal, mas sim como Morcão, de resto muito utilizada no Norte (, a começar por Candoz...). Fomos ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, e encontrámos esta consulta, que reproduzimos para os nossos leitores, com a devida vénia:

Pergunta: 

Sei que a palavra ‘murcus’, em latim, significa «palerma» ou «estúpido» (Santo Agostinho usa o termo na Cidade de Deus, no quarto livro, capítulo 16). Já li aqui no Ciberdúvidas que a única etimologia registada do regionalismo morcão, com o significado de indivíduo estúpido ou mandrião, é "morcón", do castelhano, referente a «morcela». No entanto, parece-me uma coincidência demasiado grande para ser ignorada. Seria possível contactar algum etimologista que verificasse esta conjectura?

Manuel Anastácio  Professor do ensino básico  Guimarães, 

Resposta:

Morcão parece, de facto, assentar directamente no espanhol “morcón”, baseado num latim mǔrcōne. Isto não é impedido, na realidade, por existir em latim murcus, no sentido de «cobarde» e de «preguiçoso», cuja terminação em -cus ocorre em certos adjectivos que marcam defeitos físicos. Os dois vocábulos latinos parecem, sim, intimamente relacionados.

F. V. Peixoto da Fonseca  31 mar. 2006

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-origem-da-palavra-morcao/17410 [consultado em 27-02-2022]
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 14 de fevereiro de  2022 > Guiné 61/74 - P22999: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (11): em dia de namorados, relembrando uma peça do falar alentejano que é uma obra-prima de marotice e de saudável bom humor... (Manuel Gonçalves, ex-alf mil manut, CCS/ BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73)

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4197: FAP (23): O poder aéreo no CTIG, 'case study' numa tese de doutoramento nos EUA (Matt Hurley / Luís Graça)


Vídeo (2' 35''): Jorge Félix / You Tube (2008). (com a devida autorização do autor...).

Agradecimentos são devidos: (i) ao Bana, ao Luís Morais e ao extinto grupo musical, fabuloso, mítico,
Voz de Cabo Verde... De um lado e doutro da barricada, se calhar ouvíamos a mesma música... Pelo menos, os tugas e os caboverdianos do PAIGC... É um privilégio poder ouvir (e dar a ouvir...) a música destes grandes nomes da música de Cabo Verde (que eu aprendi a gostar na Guiné, durante a guerra...)
;

(ii) Ao nosso camarada, membro da Tabanca Grande e da Tabanca de Matosinhos, Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil AL III (BA 12, Bissalanca, 1968/70) (*).

No espaço de um ano, este vídeo já teve mais de 3500 visualizações. Parabéns ao Jorge, que eu tive o grato prazer de conhecer pessoalmente na véspera da Páscoa, em Matosinhos, no Restaurante Milho Rei, sede da Tabanca de Matosinhos.... Boa saúde, Jorge! (LG)

1. Mensagem que foi enviada em 30 de Março último ao Ten Cor Matt Hurley, da Força Aérea dos EUA (*):

Meu caro Matt:

Já encaminhei o pedido para o meu camarada Miguel Pessoa, coronel piloto aviador, reformado... Ele terá, por certo, todo o gosto em colaborar no seu projecto... Permita-me uma ou duas perguntas: (i) o Matt é de origem portuguesa, ou descendente de portugueses ? (ii) domina o português escrito... e falado ?; (iii) porquê o seu interesse pela guerra colonial na Guiné e em especial a guerra do ar/air warfare ?

Disponha do nosso blog, inclusive para publicar algum texto que entenda poder disponibilizar, sobre o tema da sua pesquisa, para os antigos "camaradas da Guiné"... Em português ou em inglês.

Best regards, Luis Graça, blogmaster
2. Resposta (em inglês) do nosso leitor, com data de 6 de Abril:

Exmo. Senhor Professor Graça,

Thank you for the reply, and also for the opportunity to write in English. I can read Portuguese much better than I speak or write it.

To answer your other questions, I am not of Portuguese descent; my people are Irish and Italian. However, I have studied subversive war and counter-insurgency for many years. I first became aware of the Portuguese experience in Africa when I was an instructor at the NATO Tactical Leadership Programme, during discussions with FAP pilots there. The case of Guinea is, in my opinion, a very important and illuminating example fo the uses and vulnerabilities of airpower against guerrillas and terrorists.

For more than two years, I have been studying the war in Guinea for my PhD dissertation. Therefore, I was familiar with Miguel Pessoa's name and story before they appeared on your blog. However, I wanted to make contact with him in order to verify his identity to satisfy my examiners.

Overall, I have found your blog to be a very useful source of information about the war. Whenever I use information in my paper, I will of course give the proper credit and thanks to the authors and to you as editor.

Muito obrigado!
- Lt Col Matt Hurley, USAF

3. Tradução de L.G. (c/ uma ajudinha do... Google Traslator, uma preciosa ferramenta para os bloguistas)


Exmo. Senhor Professor Graça,

Obrigado pela sua resposta, e também pela oportunidade que me dá de escrever em Inglês. Leio melhor do que falo ou escrevo o Português.

Respondendo às suas outras perguntas, não sou descendente de portugueses, mas sim de irlandeses e italianos. No entanto, estudei durante muitos anos a guerra subversiva e a contra-subversão. Tive um primeiro contacto com a experiência portuguesa em África quando era instrutor do OTAN Tactical Leadership Programme [Programa de Comando Táctico, da NATO], na sequência de debates com pilotos da FAP - Força Aérea Portuguesa. O caso da Guiné é, em minha opinião, um exemplo muito importante e esclarecedor dos pontos fortes e fracos do uso da força aérea contra guerrilheiros e terroristas.

Durante mais de dois anos, estudei a guerra na Guiné no âmbito da minha tese de dissertação para obtenção do Grau de Doutor. Por essa razão, o nome e a história do Miguel Pessoa eram-me familiares, mesmo antes de ele aparecer no vosso blogue. No entanto, quis contactá-lo a fim de confirmar a sua identidade junto do meu orientador e do meu júri de provas públicas.

Em termos gerais, considero ser o vosso blogue uma fonte de informação muito útil sobre a guerra. No caso de usar informação retirada do blogue, irei obviamente citá-lo e agraceder tanto aos autores como ao editor.

(a) Tenente Coronel Matt Hurley, Força Aérea Norte-Americana

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Notas de L.G.

(*) Vd. poste de 12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2627: Vídeos da Guerra (8): Nha Bolanha (Jorge Félix, ex-Alf Mil Piloto Aviador, 1968/70)

(**) 2 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4127: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (1): 4 anos, um milhão de páginas visitadas... (Luís Graça / Carlos Vinhal)

quinta-feira, 12 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4018: As abelhinhas, nossas amigas (3): As lassas e os Lassas: a colmeia-armadilha, a morte do 2º Srgt Madeira... (Mário Fitas)

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66), Os Lassas > A Secção de cães ...

Foto: © Mário Fitas (2008). Direitos reservados.

As abelhas lassas e os Lassas (*)

por Mário Fitas (Ex-Fur Mil Op Esp, CCAÇ 763, Cufar, Março de 1965/Novembro 1966)

Trechos (corrigidos) de Putos, Gandulos e Guerra, de Mário Vicente

Pag. 75:

Por informações recolhidas a CCAÇ 763 será conhecida no PAIGC com a alcunha de Lassas(1). Pelo que se veio a saber, “lassa” será uma espécie de abelha existente na Guiné, a qual não sendo molestada não tem problemas, mas se for atacada é terrivelmente perigosa tornando-se fortemente enraivecida.

Esta alcunha resultaria da actuação da CCAÇ, pois ao chegar a uma povoação em que a população não fugisse, não haveria problemas, falava-se com a mesma e tentava-se resolver os problemas que houvesse. Em caso contrário, se a população fugisse e abandonasse as suas moranças, estas eram literalmente destruídas.

Pelo que ficou assim com este procedimento, a CCAÇ crismada de Lassas.
...................

Pag. 94

Voltamos a Cabolol. O guia enviado pelo Batalhão garante-nos haver um novo Acampamento na mata de Cabolol.

Não encontramos nada, leva-nos ao antigo que verificamos continua destruído, desde a Operaçºão Saturno de 10 de Junho. Dirigimo-nos para Cantumane que verificamos se encontra deserta.

Quando procedíamos à sua destruição, fomos violentamente atacados pelo IN que se encontrava emboscado na mata. Três ataques sucessivos, e aqui entramos em contacto com outro truque da Guerrilha: a utilização de abelhas.

Colocam os cortiços em locais estratégicos, fazendo fogo sobre eles, à nossa passagem. As abelhas lassas saem enfurecidas e desarticulam completamente as NT, ficando muita gente incapacitada para o combate.

A CCAÇ sofre mais um ferido grave que não resiste. O sargento Madeira (2) não se aguentou e morreu no dia seguinte no Hospital Militar de Bissau. Com picadas de abelhas e em estado grave, foram evacuadas mais três praças para o HM de Bissau. Acaba assim a operação Trovão.
............

Pag. 101

Na operação Rastilho, a CCAÇ volta a Camaiupa e Cantomane, da mesma forma que acontecera na operação Trovão e no mesmo local, fomos novamente emboscados e atacados com o sistema das abelhas.

O grupo de Combate que seguia em primeiro escalão, é obrigado a recuar. Só depois do envolvimento feito pela CCAÇ e após mais de uma hora de fogo intenso e ajuda da FAP (3) se conseguiu repelir o IN.

O soldado Marinho (4) regressou à sua terra, para nela repousar eternamente. Alguém irá ao Terreiro do Paço, a medalha postumamente atribuída. Para além deste morto, houve que evacuar mais oito feridos, pelo que a CCAÇ se teve de deslocar para a bolanha para o efeito.

Continua a cobrança!...
.................

Foi assim a experiência da CCAÇ 763 com as Abelhas na Guiné. Felizmente só participei bem como os meus homens nesta festança, como combatentes. Picados fomos por mosquitos e formigas, daquelas grandes, que se arrancavam, mas só o corpo, pois a cabeça ficava segura à carne pelas pinças.

Para toda a Tabanca, o velho abraço do tamanho do Cumbijã! Bonito e tão comprido.

Mario Fitas
__________


Notas de M.F.:

(1) Informação fornecida pelo guerrilheiro SUZA NA MONE, desertor do PAIGC

(2) 2º. Sargento Leandro Vieira Barcelos, natural da Madeira.

(3) O saudoso Comandante Zeferino da TAP que já não se encontra entre nós.

Ao ler Putos, Gandulos e Guerra telefonou-me a falar deste caso, informando- me ter assistido do ar, pois era um PILAV da parelha de T6 que nos ajudou. Em Pami na Dondo a Guerrilheira, existe uma história com este PILAV cujo alcunha seria Seca-Adegas.

(4) Soldado 1881/64 Diamantino Jorge Martinho

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior > 12 de Março de 2009 > Guine 63/74 - P4017: As abelhinhas, nossas amigas (2): Desbaratavam uma coluna, uma companhia, um batalhão... (Rui Silva)

segunda-feira, 2 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3957: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (10): José Brás, autor de "Vindimas no Capim" (1986)

1. Mensagem, de 25 de Fevereiro último, de José Brás, ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, autor do romance "Vindimas no Capim", que lhe valeu o Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura.


1.1. Luís: Completa e profundamente contigo, com Vasco da Gama que não conheço senão do (muito bem) que escreve e dos lugares por onde andámos os dois, eu em 67/68, ele mais tarde (Aldeia, Mampatá, Colibuía, Cumbijã, 72/74).

Acabo de enviar isto à Visão sabendo, embora, que irá para o caixote do lixo, não apenas porque tem mais de 60 palavras (poucas palavras para a indignação). Queimei as mãos nos canos das G3 que disparava, sabendo que as balas matam mas não me sentia nem sinto um assassino nem sequer má pessoa.

Também não admito que nos ofenda, embora possa ter atenuantes o que nem sabe do que fala.

Um abraço, José Brás.

1.2. Senhor Luís Almeida Martins (*)
Revista VISÃO
visao@edimpresa.pt

Deixe citar-lhe uma velha canção do excelente brasileiro Raul Seixas:

“quem sabe sabe/quem não sabe sobra/cobra caminha sem ter direcção/que sabe a cabra das barbas do bode/a ave avoa sem ser avião”

E quem é que sobra aqui, senhor Almeida Martins? Quem é que sabe do combate que havia e não havia; dos acidentes que também vitimavam; das minas que matavam e salvavam (não acredita que também salvavam?).

Que “não se tratava de uma guerra de frentes”, diz você e com isso descobriu a pólvora, quarenta anos depois de milhares de jovens portugueses e guineenses (neste caso) lhe terem descoberto o calor da reacção química e o cheiro que ficava no ar, nas entranhas e nos membros decepados.

Na verdade o que a mim parece que o que você quer dizer é que era uma “guerrazeca” onde mais se morria de acidentes de viação do que do combate, e, às vezes numa mina ou outra, numa azelhice de comandante ou de soldado, que (de novo neste caso), que o IN (meus irmãos do PAIGC) eram uns pobres subdesenvolvidos sem arte nem engenho para “guerras a sério” e escassos de material.

Ora, amigo!

Voltaria eu à questão da cabra e do bode, se não soubesse que a vida está também muito difícil para jornalistas, enredados na falta de emprego, nos contratos a prazo e recibos verdes, nos interesses dos proprietários dos órgãos de Comunicação, na “política do chefe de redacção”, etc.

No entanto, não posso aceitar que se escreva à toa para milhares de pessoas e sobre um assunto complexo e pesado da sociedade portuguesa, beliscando (e não sei se foi isso que quis ou apenas lhe saiu como podia sair o contrário) a gente que sofridamente cumpriu aquilo que aceitou ser seu dever, uns apenas porque lhe diziam que a Pátria estava a ser atacada e, se estava, por ela dava a vida, outros já num estágio cultural e de consciência mais avançados mas amando a sua terra e os seus compatriotas e não se esquivavam ao combate.

Foi de guerrilha, sim senhor, como no Vietname e no Afeganistão, salvaguardando evidentes diferenças e protagonistas.

Sabe o que é uma guerra destas, sabe? Não sabe porque nem lá esteve nem a estudou como devia. Apenas descobriu a pólvora.

Eu estive e conheci verdadeiros heróis. Uns a quem não aprovava a bravura (mas que o eram), outros que apenas cumpriam um dever que era o de combater, sabendo que num combate destes sempre se mata e morre um pouco.

Uma guerra de frentes?

Sabe ou imagina a você o que foi a ocupação de Gadamael?

Sabe você o que é ter de aguentar dias e dias, semanas, meses, dentro de valas, aguentar a investida de centenas de guerrilheiros determinados e bem armados?

Sabe o que era ter de fazer a estrada Gadamae-Guileje-Gadamael, cerca de quinze quilómetros de emboscadas e minas (as tais minas), numa mata onde os pilotos da FA nos diziam “tá bem, vou despejar ali, mas não vejo ninguém”?

Conheceu o Banharia, homem do Porto que disparava a MG em corrida e gritando “sanguinho e molho” a proteger o Alf Ávila que, desarmado carregava companheiros, um em cada braço, retirando os seus corpos da zona de morte?

Não os conhece porque nunca os viu chorar os amigos mortos e, penso eu, a própria violência da trama em que tinham de agir.

Portanto, amigo (outra vez), estude um pouco a coisa, pergunte sem complexos e…escreva uma coisa séria.

Porque eu sei que daqui a cinquenta anos alguém ainda escreverá sobre o tema, uns como você, a esmo e apenas porque tem de manter o emprego, outros estudando, lendo…trabalhando e, nisto, talvez sofrendo as tristezas e as alegrias dos que o viveram no tempo e no lugar.

Confesso que não me agrada o que lhe digo aqui, imaginando que o estou a dizer a um dessas centenas de jovens que saem das Universidades com necessidade de trabalho e pouco conhecimento da vida, quer dizer, mal preparados culturalmente.
As minhas desculpas, então.

José Brás

Nota - Sei que nem lerão esta prosa, quanto mais considerá-la para publicação. Ainda assim aqui fica, provavelmente para outras serventias, porque a indignação é um direito que quero guardar.
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3956: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assasinos (9): João Melo e Carlos Machado, Tigres do Cumbijã

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2738: Exército Português: Manual do Oficial Miliciano (2): A Selva: Struggle for Life... (A. Marques Lopes)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > 3 de Março de 2008 > Vista da margem direita do Rio Corubal > Rápidos de Cusselinta, entre o Saltinho e o Xitole, no único verdadeiro rio da Guiné - como chamava Amílcar Cabral ao Corubal... Na sua bacia hidrográfica , havia uma das mais luxuriantes paisagens que eu conheci, na Guiné... Ao longo das suas margens, o PAIGC tinha importantes bases e controlava populações balantas e beafadas que cultivavam férteis bolanhas de arroz. Eram sítios onde só se ia na época seca, com apoio aéreo e com efectivos no mínimo a nível de um batalhão (vd. por exemplo, Op Lança Afiada, Março de 1969).
Fotos: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > 2001 > Os rápidos de Cusselinta, no Rio Corubal... Comparando a Guiné de há 40 anos, verifica-se que tem havido uma progressiva desflorestação, por razões várias: (i) aumento da população (que duplicou); (ii) exploração (extensiva) da floresta; (iii) mudanças climatéricas e progressiva desertificacção da África sub-saariana... A época seca não é, porém, a melhor altura para conhecer a Guiné, verde e pujante, das florestas-galeria, e da savana arbustiva, que ficou na nossa retina, aos 22/23 anos...


Foto: © David Guimarães /
Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.



II e última parte do Capítulo VII (O Combate na Selva), do Manual do Oficial Miliciano, Parte Geral, 1º Volume . Cortesia do A. Marques Lopes, coronel DFA na situação de reforma: "Foi escrito em 1965 e foi-me dado quando estive no COM (Curso de Oficiais Milicianos) em 1966. Este texto vem nas páginas 300 a 331 desse volume".



Capº VII (Continuação)

148. OPERAÇÕES NA SELVA

a) Generalidades


(1) Segurança

Em geral, a segurança na selva faz-se da mesma maneira que na maioria das zonas abertas, excepto naquelas zonas em que a reduzida visibilidade impõe a diminuição da dispersão dos elementos de segurança.

A segurança na selva deve ser contínua, é um erro julgar o contrário. Na selva não há front [frente]. Deve ter-se em atenção que o inimigo pode aparecer de qualquer direcção.

A melhor forma de manter a segurança é conservar a iniciativa. O inimigo é então forçado a conformar-se com os nossos movimentos. Outra forma é realizada por meio de patrulhas fortes e agressivas. O contra-reconhecimento é de pouca utilidade, por permitir que o inimigo se infiltre através dele.

Todas as posições, qualquer que seja a distância até às primeiras linhas, podem ser atacadas em qualquer altura. Deve estabelecer-se uma segurança periférica capaz de assegurar a defesa em todas as direcções. Todo o pessoal deve ter um ponto de reunião e todos devem estar prontos para entrar imediatamente em combate. Isto estende-se a todo o pessoal do comando e instalações de serviços.

As posições nocturnas devem oferecer segurança, principalmente durante a escuridão e ao alvorecer, facilitar a distribuição de abastecimentos e servir de linhas de partida para as operações do dia seguinte. Quando se pretende ocupar posições de noite, os elementos de reconhecimento devem reconhecer as áreas durante o dia; porém, as tropas não devem ser levadas para essas áreas antes que anoiteça.

(2) Reconhecimento

Qualquer movimento na selva deve ser precedido de um estudo na carta, caso haja carta. Os reconhecimentos por fotografias aéreas são valiosos porque os acidentes naturais do terreno, como rios, lagoas, enseadas e os trabalhos do homem, como plantações, jardins nativos e povoações, são claramente delineados. As fotografias verticais, contudo, não revelam os detalhes do terreno escondidos por uma forte cobertura de vegetação.

Um ataque na selva deve, sempre que possível, ser precedido por um reconhecimento no terreno. Tal reconhecimento é muitas vezes possível se os exploradores estiverem convenientemente instruídos. Não será sempre possível determinar o grau de desenvolvimento da defesa inimiga, mas normalmente, com um patrulhamento activo, inteligente e agressivo, pode determinar-se a extensão da área defensiva. O patrulhamento deve ser contínuo, porque o inimigo é capaz de fazer mudanças no seu dispositivo tal como nós próprios.

b) Armas


(l) Infantaria

A infantaria toma parte em larga escala no combate da selva. A luta é normalmente caracterizada pelo combate próximo. Sempre que possível a infantaria deve ser apoiada pelas outras armas.

Antes de se iniciarem as operações nas áreas da selva, deve ser feita uma análise cuidadosa do terreno, para determinar a praticabilidade de transportes e o emprego das várias armas orgânicas de infantaria dentro de cada área de operações. Com base nesta análise e na missão, organizam-se agrupamentos tácticos de modo a obter-se a máxima liberdade táctica e eficiente do combate.


(2) Artilharia

Os princípios do emprego da artilharia nas áreas abertas são igualmente aplicáveis na selva, apresentando esse emprego, contudo, muitas dificuldades. O valor da artilharia é tão grande que se devem fazer todos os esforços para tornar o seu fogo possível e eficiente. Todos os calibres da artilharia são convenientes. A densidade da vegetação restringe o raio de acção efectivo do rebentamento da granada, de modo que, em geral, são necessárias granadas de calibres maiores em objectivos que tal não necessitariam se estivessem em terreno aberto.

A artilharia deve ser de calibre suficiente para varrer a vegetação e para destruir as posições inimigas. Deve ser fornecido equipamento de engenharia para o melhoramento de caminhos, construção de posições de tiro e limpeza de campos de tiro Os observadores avançados são seriamente prejudicados pela fraca visibilidade na selva. A regulação de precisão utilizando o rebentamento no ar, granadas de-fumos ou outros meios usuais, ê preferível e deve utilizar-se sempre que possível. O tiro sem regulação e cujos elementos de tiro foram tirados de cartas ou fotografias somente se deve utilizar em áreas limitadas

A dissimulação que a selva fornece, facilita os golpes de mão inimigos às posições de artilharia, tornando-se por isso necessária uma mais forte defesa imediata em tais posições do que a necessária em terreno aberto.

(3) Forças aéreas

A eficiência da aviação, em cooperação com as tropas terrestres, é reduzida pela cobertura dos ramos, que impede os pilotos de localizar as tropas inimigas. As tropas terrestres estão também quase incapacitadas de ver os aviões. Geralmente os pilotos não têm possibilidade de observar as telas de indentificação e balizagem postas no terreno; é também difícil verem os painéis ou fitas colocadas nas árvores.

Para indicação das posições das tropas terrestres, podem usar-se potes de fumos coloridos, colocados no chão, mas por vezes as ramagens provocam uma difusão desse fumo de tal modo que os pilotos não o vêem. Granadas de fumo projectadas na vertical, para produzirem o fumo colorido por cima das ramagens, podem vencer essa dificuldade. Podem utilizar-se ainda foguetões. Outra forma é fazer um lançamento vertical com um lança-chamas.

Embora a aviação de observação tenha a sua acção limitada à descoberta e à observação dos movimentos inimigos através da selva, os observadores aéreos muitas vezes são valiosos auxiliares na regulação de tiro de artilharia.

O bombardeamento por aviões é limitado devido à dificuldade de identificação de objectivos. A falta de cartas correctas, a ausência de pontos notáveis e de pontos de referência tomam difícil a identificação de objectivos. O tiro de morteiro com granadas de fumos é um método prático para assinalar os objectivos.

(4) Engenharia

A engenharia é uma tropa indispensável a qualquer força na selva. É utilizada principalmente no melhoramento e manutenção de itinerários, construção de pontes, demolições, preparação e desobstrução de obstáculos, purificação de águas e na coordenação de obras de organização de terreno. O equipamento de engenharia e as suas ferramentas serão limitados, devido aos problemas de reabastecimento e transporte; contudo, a própria selva fornecerá muito do material que, por improvisação, poderá ser usado na construção.

Uma das principais missões desta arma na selva é a construção e manutenção de itinerários que permitam a passagem de viaturas de 1/4 de tonelada, para reabastecimentos e evacuações, e os deslocamentos de artilharia de apoio. A engenharia dispondo de moderno equipamento de construção de estradas pode muitas vezes afectar profundamente a velocidade e o fim das operações na selva. É de primordial importância que a engenharia efectue minuciosos reconhecimentos, não só para facilitar ao comandante a escolha das melhores linhas de progressão, como também para localizar os materiais nativos e recursos de água.

(5) Cavalaria

Unidades mecanisadas — A não ser que se tenham construído previamente estradas, o movimento dos carros de combate é impossível na selva cerrada. Quando o terreno o permita, os carros podem ser usados com vantagem contra objectivos limitados e bem definidos. Para o perfeito emprego dos carros é necessário fazer sempre reconhecimentos. Normalmente os carros estão restringidos a operar em terrenos onde constituem alvos vulneráveis para defesas anticarro bem organizadas. Frequentemente os carros reforçam as companhias de atiradores, operando os dois elementos intimamente ligados.

Enquanto a infantaria dá aos carros a protecção imediata, estes dão-lhe a sua potência de fogo e peso de esmagamento na destruição das trincheiras inimigas e outras fortificações de campanha.

c) Marcha e bivaque

(1) Marchas

Na selva, as tropas deslocando-se em bons caminhos raramente excederão a velocidade de 2 km por hora; quando em maus caminhos esta velocidade pode ser reduzida a menos de l km por hora.

Na selva são extremamente difíceis as marchas de noite, pelo que devem ser evitadas, sempre que possível.

Os caminhos na selva geralmente restringem as formações à coluna. Devem ser destacadas guardas avançadas e de retaguarda. Cada unidade deve diminuir, tanto quanto possível, a sua profundidade, a fim de entrar mais rapidamente em combate, facilitar o controle e aumentar a segurança da coluna. Os esclarecedores mantêm as ligações dentro do grosso e entre este e as guardas avançadas e de retaguarda. Estas devem ser mudadas duas a quatro vezes por dia, trocando-as entre si sempre que possível. Como a missão de flecha é muito fatigante, a mesma secção de atiradores não a deve desempenhar mais do que duas horas.

Devem destacar-se guardas de flanco quando a situação o imponha e o terreno o permita.

Todos os caminhos laterais devem ser explorados até algumas centenas de metros e cobertos por patrulhas de combate até a coluna ter passado completamente. Estas patrulhas são destacadas da guarda avançada. Depois de a coluna ter ultrapassado os caminhos laterais, as patrulhas reúnem-se à coluna, na sua retaguarda e incorporando-se na guarda avançada no primeiro alto.

As comunicações rádio com a coluna podem ou não ser permitidas de acordo com a necessidade de segredo. Os estafetas serão muitas vezes os principais meios de comunicação. Outro método consiste em utilizar equipas de telefonistas que acompanham as unidades avançadas, montando a linha enquanto se movem, assegurando assim as comunicações para a retaguarda em todas as ocasiões.

Todo o pessoal deve observar uma rigorosa disciplina de marcha. A disciplina de marcha é de particular importância na selva, porquanto o inimigo tem oportunidade de fazer emboscadas. Exige vigilância e conduta ordenada no itinerário. São de salientar os seguintes pontos:

- as distâncias prescritas devem ser mantidas na marcha itinerária;
- é proibido falar, excepto para transmitir, murmurando, as ordens e instruções;
- os homens devem abandonar os caminhos e ficar imóveis à aproximação de aviões suspeitos;
- nos altos, os homens devem abandonar-se fisicamente, nunca mentalmente;
- os homens que não puderem aguentar devem ser deixados para trás.

A velocidade da coluna dependerá largamente do terreno, temperatura, humidade e estado dos caminhos. A velocidade de marcha deve ser ajustada à velocidade permitida pelos homens dos pelotões de acompanhamento que têm de transportar às costas metralhadoras, morteiros e munições pesadas.

Em alguns terrenos a coluna pode marchar 40 a 45 minutos e descansar o restante para l hora. Em más condições a coluna pode marchar 15 minutos e descansar 10.

ntes de se iniciar a marcha todas as armas devem ser completamente limpas e oleadas e as munições inspeccionadas.

(2) Bivaques

As áreas de bivaque devem ser escolhidas e preparadas de modo a possuírem campos de tiro convenientes que permitam a defesa em todas as direcções. Devem destacar-se patrulhas, até à distância de 800 a 1000 metros, sobre todos os itinerários que conduzam ao bivaque, a fim de explorarem se há ou não Inimigos nas imediações. Em todas as estradas, caminhos e leitos de rios que conduzam à zona do bivaque ou suas proximidades, devem estacionar elementos de postos avançados.

O local de bivaque deve, em primeiro lugar, ser defensável e, em segundo lugar, ser próximo de água fresca. O terreno elevado é mais conveniente para bivaque, não só por ser de mais fácil defesa, mas também por estar mais livre de moscas, mosquitos e outros insectos, ser melhor drenado e mais fresco.

As povoações nativas não devem nunca ser escolhidas para bivaque. Deve tornar-se esta precaução não só por o inimigo ter as povoações referenciadas e poder haver lá dentro nativos inimigos, mas também devido às precárias condições sanitárias da maior parte das povoações, que podem contagiar as tropas de doenças.

O alto da noite deve ser feito a tempo de permitir o seguinte :

- um breve reconhecimento, ainda de dia, da área do bivaque e a atribuição às unidades de sectores de defesa em todas as direcções;
- movimento das tropas para os seus sectores;
- o desembaraçamento dos limitados campos de tiro para as armas automáticas;
- a preparação de uma defesa rápida em todas as direcções. Abertura de abrigos (de 2 a 3 homens), posições para metralhadoras e outras armas automáticas, cons-
trução de abrigos pouco profundos, construção de armadilhas e dispositivos de alarme em volta do perímetro.Distribuição de granadas de mão;
- escavação de trincheiras;
- a preparação e distribuição de uma refeição;
- a execução dos trabalhos necessários para dormir.

Um batalhão necessita aproximadamente de 3 horas para fazer estes preparativos.
Todos os fogos e outras luzes devem ser extintos ao pôr do Sol. Depois de as tropas estarem no local onde bivacam, o pessoal dos serviços de saúde examina e trata aqueles que têm lesões nos pés ou que tenham sido arranhados pelos arbustos da selva.

Dá-se o santo e a senha. As palavras escolhidas devem ter sons que não sejam usados pelo inimigo e por isso difíceis de pronunciar por ele.
As metralhadoras devem ser colocadas de modo a que possam fazer fogo flanqueante em volta de todo o perímetro do bivaque.

Os morteiros devem ser montados dentro da área do bivaque de modo a que possam fazer barragem de apoio à defesa. Todas as armas se devem limpar e inspeccionar.

Durante a noite, um terço do comando deve estar acordado. Todos os homens estarão vigilantes por um período de cerca de uma hora ao anoitecer e outra vez cerca de l hora antes do nascer do Sol. Deve manter-se uma rigorosa disciplina de fogo. O fogo só se justifica quando se verifique um ataque contra a posição.

À noite, na selva, há uma grande tendência para começar a «ver coisas». Deste facto resultará um indiscriminado tiroteio, a não ser que se tomem medidas preventivas para o evitar. Tal fogo «cego» não só tem um péssimo efeito moral, como também revela ao inimigo o nosso dispositivo. As melhores armas para repelir um ataque de noite são as granadas de mão, facas, baionetas e catanas porque não revelam as posições individuais.

Antes de se poder iniciar a marcha no dia seguinte, necessita-se, aproximadamente, de uma hora de luz do dia para que os homens possam preparar e comer a primeira refeição e verificar e ajustar o equipamento. Os destacamentos de segurança são os últimos a sair da área.

A segurança da área do bivaque é assegurada por postos de vigilância colocados ao longo da orla exterior da defesa periférica. Podem ainda instalar-se dispositivos de alarme, do tipo de armadilhas, improvisados com granadas de mão, em volta do perímetro do bivaque.

d) Ataque

(1) Generalidades


Os princípios do combate ofensivo na selva não diferem dos do combate ofensivo nas outras áreas; contudo, como em todas as outras operações na selva, os métodos de aplicação destes princípios são especiais.

A forma de ataque na selva não difere da normal. Penetrações, infiltrações, envolvimentos próximos e profundos e duplos envolvimentos usam-se na selva como nos outros lugares.

Na selva, como em toda a parte, fazem-se todos os esforços para obter a surpresa. Para este fim adoptam-se todas as medidas que aumentem a mobilidade.

Devido à dificuldade de manter o controle, é fundamental que a missão e o plano de ataque sejam compreendidos por todo o pessoal.

O ataque contra o inimigo na selva pode resultar num ataque de encontro. Pode ser um ataque coordenado contra uma posição sumariamente organizada ou um ataque ordenado contra uma posição fortemente organizada.

(2) Combate de encontro

Se o inimigo tiver iguais possibilidades, aquele que mais rapidamente estudar a situação, tomar uma decisão, distribuir as suas ordens e executar o seu plano ganha a iniciativa das operações e, pela rapidez da acção, obtém a surpresa e a vitória.
Se a artilharia já se encontrar em posição, em apoio ou em reforço da coluna, e se o inimigo atacar, deve abrir fogo o mais rapidamente possível.

Os morteiros de 60 mm devem fazer fogo a curta distância, tão rapidamente quanto possível. O controle é pela voz.Logo que os morteiros de 81 mm se instalem, devem começar a bater os seus objectivos.

Nem sempre é possível ao comandante fazer um reconhecimento, mas desde que haja oportunidade, mesmo que seja muito limitado, não deve deixar de o fazer. Utilizando patrulhas deve procurar determinar o efectivo e o contorno aparente da posição. É preferível que um comandante tome a iniciativa, mesmo com informações muito diminutas, a perdê-la enquanto aguarda por outras mais completas.

Se o comandante decidiu fazer um envolvimento, a força envolvente deve sair rapidamente. As ordens são sempre verbais.

A força envolvente deve sempre indicar, por sinais convencionais, quando está em posição e pronta para atacar. Depois de iniciado o combate as mensagens podem ser transmitidas em claro. Se não for possível lançar cabo telefónico, o sinal de ataque pode ser dado por foguetões, pistolas de sinais ou outros meios visuais disponíveis; estes sinais são, necessariamente, para que os fogos das tropas amigas sejam levantados e as forças atacantes se possam lançar ao ataque.

O principal inconveniente da sinalização por foguetões ou por tiros das armas é a denúncia da posição ocupada pelas forças envolventes e a consequente perda da surpresa total, que frequentemente se pode obter na selva.

O combate de encontro tem as seguintes características:

- Não existe fase de desenvolvimento da coluna;
- As tropas passam directamente da coluna de marcha para as posições de partida;
- Os fogos de artilharia dos morteiros lançam-se sobre o inimigo imediatamente após o contacto e, se possível, mantêm-se em regime de eficácia durante o movimento
da força envolvente;
- Esta deve mover-se rapidamente, devendo, no entanto, o pessoal chegar à posição de partida em condições de entrar em combate;
- No combate de encontro pode não ser possível usar aviação de apoio, mesmo que a sua intervenção tenha sido pedida. Devido à impossibilidade de observação
dos pilotos, o comandante das forças terrestres pode não ser capaz de lhes indicar a sua posição e progressão com precisão nem referenciar as instalações inimigas
que deseja que sejam batidas.
- Devem tomar-se precauções para proteger a retaguarda e para a defesa contra as forças inimigas do contra-envolvimento, utilizando para esse fim a reserva. Caso
não seja assim utilizada, esta pode ser empregada na exploração do sucesso ou no prolongamento do envolvimento; contudo, deve sempre, inicialmente, manter-se
fora de acção até esclarecimento da situação.

(3) Ataques coordenados contra posições sumariamente organizadas

Estes ataques não diferem, na execução, dos atrás descritos. Sempre que possível empregam-se envolvimentos simples e duplos e movimentos torneantes. Devem fixar-se os seguintes pontos:

- Os reconhecimentos podem muitas vezes determinar a localização das armas automáticas. Por pequenas patrulhas também se pode determinar, com um aceitável grau
de precisão, a frente e a profundidade da posição inimiga;
- Quando houver boa observação, a artilharia pode regular o seu tiro e preparar as concentrações para os bombardeamentos preliminares;
- Desde que haja tempo para definir e localizar a posição inimiga, pode utilizar-se a aviação de apoio para a bombardear e metralhar antes da hora H;
- O tempo pode ainda permitir que se desloquem para a posição armas pesadas de apoio;
- O ataque deve ser conduzido de objectivo em objectivo, de modo a permitir aos comandantes e aos comandos subalternos reagruparem as suas tropas e recuperarem
o controle para o avanço seguinte. Para uma unidade do tipo «pelotão» a distância entre dois objectivos consecutivos é pequena, podendo não exceder 100 metros. A visibilidade é o factor predominante.

(4) Ataques coordenados contra defesas organizadas

Todos os métodos para reduzir defesas organizadas necessitam da aplicação de potência de fogo. O movimento só por si não é suficiente para forçar o inimigo a abandonar os seus abrigos e casamatas. Deve ser forçado a render-se, a ser queimado ou a sair de lá. Os ataques a estas posições devem fazer-se em frentes curtas, permitindo assim uma maior concentração de fogos. Como em todos os ataques na selva, deve estabelecer-se objectivos limitados para evitar perder-se o controle.

Deve haver o máximo cuidado na preparação da artilharia e depois, na continuação do apoio, de acordo com o horário ou a pedido. A artilharia pode necessitar vários dias para se reagrupar, se mover para novas posições e regular o seu tiro.

Os oficiais de ligação com as forças aéreas fazem o reconhecimento dó terreno empregando todos os meios possíveis para localizarem os objectivos com bastante precisão, a fim de posteriormente se fazerem os bombardeamentos e os metralhamentos em voo a picar.

Para reunir todas as informações possíveis acerca do terreno fazem-se reconhecimentos contínuos e estudos sobre fotografias aéreas. Os modelos de terreno ou caixa de areia com a área do ataque são bons auxiliares.

Devem fazer-se todos os esforços para capturar prisioneiros antes do ataque. As patrulhas diárias devem ser continuas e terem atitude agressiva. As patrulhas asseguram a informação, mantêm o inimigo na defensiva, infligem-lhe baixas e não o deixam lançar patrulhas.

Depois do levantamento dos fogos das armas pesadas, entram em acção os morteiros que acompanham os atiradores. Os morteiros devem actuar por concentração de fogos. Logo que os tiros sejam levantados as tropas devem atacar. Devem tomar-se precauções para que as unidades destinadas à limpeza das organizações inimigas sigam em ondas de assalto umas após outras. Tais unidades, além de limparem as organizações inimigas, procuram os extraviados. Durante o período de organização e preparação de novas acções, as tropas de assalto garantem a posse do terreno conquistado.

O segundo objectivo não deve ser muito distante do primeiro. Depois da conquista de um objectivo e antes do assalto ao seguinte, as tropas devem ser reorganizadas.
Deve permitir-se aos comandantes, subalternos e comandantes de secção a máxima latitude possível na execução das ordens.

(5) Emprego de carros de combate

As operações com carros de combate são limitadas. Como o terreno na selva canaliza o movimento dos carros, o perigo dos fogos anticarro e das emboscadas é multo grande, pelo que os carros devem ser protegidos de perto pela infantaria. Frequentemente, um ou mais carros podem dar-se como reforço a uma pequena unidade de infantaria, para a redução de abrigos ou de outras resistências, pelo tiro a curtas distâncias. Em tais casos o carro ou carros devem ser rodeados por patrulhas de infantaria que reconheçam os itinerários e os protejam contra as armas anticarro e contra as equipas de caçadores de carros. Porém, é essencial uma intima ligação entre o comando dos carros e da infantaria.

(6) Ataque nocturno

Os ataques nocturnos na selva são pouco convenientes devido à extrema dificuldade de controle. Contudo, em alguns casos, o possível efeito da surpresa de um ataque nocturno pode justificar o seu emprego.

O número de colunas em que se fraccionam as unidades de assalto depende normalmente do número de caminhos que dentro da zona de acção conduzem à posição inimiga. A abertura de novos caminhos é um processo não só vagaroso como também ruidoso, que alertará o inimigo na posição a atacar.

As condições da selva aumentam as dificuldades de coordenação do momento em que as colunas devem atacar. Se o ataque for efectuado a horário, deve contar-se com grandes folgas para demora, principalmente se as colunas se moverem em trilhos. Pontos notáveis do terreno e acidentes facilmente identificados são raros ou inexistentes. Em virtude da densa vegetação os sinais pirotécnicos podem não ser vistos por todos os comandantes das colunas e, além disso, a humidade e calor podem inutilizá-los. Os reconhecimentos preliminares e a análise cuidadosa das condições em que se vai efectuar o ataque permitirão ao comandante efectuá-lo em coordenação.
Os ataques nocturnos na selva, com mais forte razão nas áreas abertas, devem fazer-se em pequeno número e lançados contra objectivos limitados.

Os reconhecimentos preliminares, a utilização de guias, a identificação de marcas de sinalização e a manutenção do silêncio, tudo será mais difícil do que de dia. Por outro lado, o assalto não terá o perigo de ser observado, mesmo em noites de luar, desde que se não atravessam clareiras, campos ou estradas.

Quando as unidades de apoio estão colocadas à retaguarda, para cobrirem uma possível retirada, devem estar perto dos eixos de retirada.

e) Defesa

O combate defensivo na selva não difere, em princípio, do combate defensivo em outros terrenos. A instalação e a organização de uma posição defensiva são função do tempo disponível para a sua construção, do tempo que se espera ocupá-la, do material, do equipamento e das tropas disponíveis.

(1) Organização do terreno

O princípio da defesa em todas as direcções é de suma importância nas operações na selva. Os campos de observaçãolimitados facilitam a aproximação do inimigo até curtas distâncias e sem serem vistos. A infiltração fácil aumenta o perigo dum ataque de qualquer direcção.

Sempre que possível, um ou os dois flancos devem ser apoiados em obstáculos naturais, como rios. lagoas, pântanos. escarpados ou mar. Apesar de estes acidentes constituírem obstáculos para o atacante, não devem ser considerados como intransponíveis e devem ser tomadas precauções para deter pelo fogo qualquer inimigo que atacar por ali. Todo o terreno é transponível; não há selva impenetrável, pântanos que não se possam transpor, rios que não se possam atravessar ou encostas que não se possam escalar.

Os factores a considerar na escolha do tipo de defesa a adoptar são: a força da unidade, o terreno e a situação do inimigo.

As posições defensivas devem organizar-se, sempre que possível, apoiando-se mutuamente. Na selva, com os campos de tiro e de observação reduzidos, são quase impossíveis as posições deste tipo. Se o terreno não permite tal disposição, deve organizar-se uma defesa perimétrica cerrada (ombro a ombro) onde a infiltração inimiga seja bastante difícil.

(2) Segurança

Para evitar surpresa pelo inimigo, devem montar-se postos avançados em volta da posição de combate. Os postos avançados devem ser suficientemente fortes para retardarem ao inimigo a sua aproximação e evitarem o ataque antes que os seus componentes sejam alertados. A dificuldade do movimento nocturno obriga, normalmente, os postos avançados a recolherem-se dentro do polígono defendido antes que anoiteça.

De noite, à volta da posição, como dispositivo de alarme à aproximação do inimigo, podem instalar-se fios ligados a sistemas que façam barulho, armadilhas, etc. Podem ainda improvisar-se meios para, de noite, iluminarem o campo de tiro.

As companhias responsáveis pela defesa das áreas exteriores enviam patrulhas para explorarem o terreno à frente das suas posições. Estas patrulhas devem sair da posição pouco antes do Sol nascer e regressar uma hora depois. A tarde, as patrulhas devem sair uma hora antes do pôr do Sol e recolher imediatamente antes de cerrar a noite.

Os pelotões e unidades maiores estabelecem sempre reservas dentro da posição, tendo em vista as possibilidades de infiltração de tropas inimigas, áreas que possam vir a sofrer forte pressão do atacante e, no caso da companhia e unidades maiores, para contra-atacar.

(3) Armas automáticas

A localização das armas automáticas na posição é da maior importância. Deve prever-se que o inimigo, durante o ataque, faça todos os esforços para as localizar e destruir. Tais armas devem mover-se com frequência das posições principais para as de alternativa e suplementares; deve ter-se sempre em vista a necessidade de manter o inimigo enganado quanto à localização das armas. As metralhadoras devem ser protegidas por elementos da sua secção, armados com carabinas.

O emprego das metralhadoras depende do terreno, da extensão dos sectores que devem ser batidos e do número de eixos de aproximação que conduzem à posição. Será muitas vezes conveniente empregar as metralhadoras por esquadras em vez de por secções, de modo a obterem-se faixas contínuas de fogos cruzados em volta da posição, cobrindo todos os eixos de aproximação.

(4) Campos de tiro

Deve cortar-se o mínimo de vegetação possível para limpar os campos de tiro. Todos os cortes devem ser cuidadosamente planeados e controlados pelos comandantes de pelotão e de secção. É necessário o máximo cuidado no melhoramento dos campos de tiro das armas automáticas. Uma área completamente limpa à frente de uma arma indica, necessariamente, a sua posição.

(5) Armas de apoio

Logo que a posição seja ocupada devem estudar-se as barragens, e a artilharia e os morteiros devem regular os seus fogos. Devem estudar-se as concentrações em massa de todos os fogos de apoio nos pontos escolhidos. Todos os comandantes de companhia devem possuir cartas e transparentes mostrando as concentrações planeadas. As informações referentes à localização das concentrações planeadas para protecção dos pelotões devem ser do conhecimento de todos os comandantes de pelotão.

(6) Controle de fogo

O desencadeamento dos tiros de protecção, para cobrir as áreas das companhias, é feito à ordem dos respectivos comandantes de companhia. A descentralização do controle de fogo é função da área da posição, do terreno e do alcance de observação do comando superior. As companhias cujas áreas defensivas não estão a ser atacadas e cujas armas não colaboram no apoio às áreas atacadas devem manter uma rigorosa disciplina para evitar denunciar as suas posições.

(7) Contra-ataques

Devem estudar-se e executarem-se planos de contra-ataque com o fim de restaurar as posições que possam ser penetradas pelo inimigo. Devem estudar-se breves mas intensas concentrações de artilharia e de morteiros na preparação de tais contra-ataques. Os contra-ataques devem ser lançados antes de o inimigo ter tempo para consolidar a posição ocupada.

(8) Defesa de noite

Para evitar um ataque de noite, deve lançar-se de dia um forte patrulhamento para evitar o reconhecimento por parte do inimigo.

Deve manter-se uma rigorosa disciplina de fogo, principalmente durante a noite. A principal arma de defesa contra os ataques de noite é a granada de mão. Também se usam facas, baionetas e catanas. As espingardas e as armas automáticas só fazem fogo numa emergência ou quando as granadas se esgotarem; pois os seus clarões denunciam as posições da defesa ao inimigo.

Os pequenos grupos inimigos que tentem infiltrar-se de noite na posição devem ser, quando possível, atacados à baioneta. As baionetas devem ser colocadas à noite.
Um cuidado a observar de noite, quando o ataque é iminente, é o de ninguém sair dos seus abrigos individuais; qualquer homem, fora do seu abrigo é tomado por um inimigo que se tenha infiltrado na posição e é objecto de ataque imediato.

Durante um ataque de noite não há retirada da posição. Outros homens se devem considerar «presos» nas suas posições, sem olhar ao ataque que possa acontecer.

f) Patrulhas

(l) Generalidades

O patrulhamento é lançado para obter informações, impedir a obtenção de informações pelo inimigo, atacar e destruir patrulhas inimigas, grupos, destacamentos isolados, postos de reabastecimentos e outras instalações importantes.

Na selva, o patrulhamento nocturno é difícil, a não ser que a patrulha se limite a um caminho ou trilho definido. Quase sempre, na selva, quer nos caminhos quer fora deles, as patrulhas operam em colunas. Não é possível, geralmente, ter simultaneamente um certo número de grupos separados abrindo destas guardas poderem não ter qualquer acção durante o movimento, contudo observam o flanco considerado e durante os altos, quando se estabelecem postos avançados, deslocam-se até 100 metros, dentro do limite da visibilidade. Quando entram em terreno normal, as guardas de flanco actuam normalmente. Na selva, as secções, quando o terreno o imponha, podem actuar com a formação de losango, mas, logo que possam, devem desenvolver-se normalmente. Os sectores onde as patrulhas vão actuar devem ser bem definidos.

O itinerário que a patrulha deve seguir escolhe-se em função da urgência da missão. Quando a vegetação o permite todas as patrulhas devem operar fora dos caminhos, mas guiadas por eles. Se a velocidade é fundamental, as patrulhas terão de operar nos caminhos ou trilhos. Neste último caso, os homens devem lembrar-se sempre que estão em constante perigo de emboscada. Devem observar disciplina de marcha e manterem-se alerta, prontos para entrar em acção. As pequenas patrulhas devem operar sempre fora dos caminhos.

Se uma patrulha estiver ausente por um período de 6 a 7 dias ou mais, deve estabelecer uma base, escondida, da qual poderá actuar. Esta base deve estar afastada dos caminhos utilizados com frequência. Se a patrulha for pequena, não é preciso deixar na base nenhum pessoal de guarda, mas à volta deve usar de cautela. Se a patrulha é grande, deve deixar um destacamento de segurança na base. O estabelecimento de uma base facilita o trabalho da patrulha, que assim, pode operar com um mínimo de equipamento e aumentar a sua mobilidade.

Durante a progressão todas as patrulhas devem ter um ou mais pontos de reunião, escolhidos pelo comandante. Tal cuidado torna-se necessário para o caso. de a patrulha encontrar forte oposição e ser forçada a dispersar. No ponto de reunião o comandante reorganiza a patrulha e dá novas instruções para o desempenho da missão.
Para os recontros de surpresa, as patrulhas, qualquer que se]a o seu efectivo, devem ter um esquema de acção planeado ou N. E. P. , para actuarem contra o inimigo pela esquerda, direita, frente ou retaguarda. Cada homem deve estar instruído na acção que automaticamente deve tomar em cada caso.

As unidades amigas, através das quais a patrulha terá de passar, serão informadas da hora e do local onde a patrulha deverá atravessar, tanto no itinerário da ida como no do regresso.

As patrulhas são armadas e equipadas de acordo com as suas missões. Todas as patrulhas da selva devem ser equipadas com catanas ou facas de mato para abrirem caminho Se a patrulha tiver de ficar fora do acampamento nem que seja uma noite, devem ser utilizados mosquiteiros.

Devem levar-se cartas e fotografias aéreas da área onde se vai actuar. Estas cartas e fotografias devem merecer o máximo cuidado, a fim de que não possam fornecer qualquer informação ao inimigo.

Se estão previstas ligações de rádio entre a patrulha e a sua unidade, os horários e as frequências devem ser cuidadosamente estabelecidos antes da patrulha sair.
Se se prevê utilizar guias nativos, devem ser colocados à disposição do comandante da patrulha o mais cedo possível a fim de que se lhes possa fazer as perguntas que necessitar.

(2) Patrulhas de combate

O efectivo, o armamento e o equipamento de uma patrulha de combate dependem da missão e das informações que houver sobre o inimigo na área onde for actuar. Uma patrulha de combate, embora não tenha como missão principal obter informações, elabora um relatório, como missão secundária de todas as informações possíveis. O efectivo duma patrulha de combate varia desde 3 ou 4 homens a um pelotão ou mais. Muitas vezes é conveniente dotar a patrulha com bastantes armas automáticas. As carabinas são mais convenientes do que as espingardas, por causa do reduzido comprimento destas armas, que as torna mais fáceis de transportar através da vegetação cerrada. Se for determinada uma missão de destruição, na patrulha deve ser incluído o pessoal técnico necessário. Em tais condições a missão do restante pessoal da patrulha pode ser só a de proteger o pessoal técnico enquanto executam o seu trabalho e quando retiram.

Todos os homens da patrulha devem estar familiarizados com a situação inimiga na área onde forem actuar. Também devem estar perfeitamente integrados da missão da patrulha, dos itinerários da ida e regresso e dos planos do comandante para cumprir a missão.

Antes da partida o comandante deve inspeccionar todos os homens para verificar, se o equipamento está completo, se conhecem os planos da patrulha e se os homens estão em boas condições físicas.

Da patrulha deve fazer parte um enfermeiro. Se a patrulha for de grande efectivo e a sua acção de vários dias, deve fazer parte dela um médico.

(3) Patrulhas de reconhecimento

As patrulhas de reconhecimento saem com o propósito especial de obterem informações do inimigo e do terreno. As patrulhas de reconhecimento são de pequeno efectivo, de tal modo que se possam mover rapidamente e em segredo. Mover-se tão rapidamente quanto possível, mas a dissimulação e a observação da actividade do inimigo são os factores determinantes.

Uma patrulha de três homens (equipa de exploradores) compõe-se, normalmente, de: um homem armado de espingarda ou carabina, actuando como flecha, seguido a 10 ou 20 metros de distância por outro armado de espingarda; entre 10 e 25 metros atrás do segundo homem marcha um terceiro armado de metralhadora ligeira. Todos os elementos da patrulha podem ser armados de pistola metralhadora. O homem da frente observa o terreno à frente e nos flancos, o segundo observa as árvores e o terceiro fornece a potência de fogo para a protecção do grupo e observa a retaguarda.

A distância entre os homens da patrulha deve ser entre 10 e 20 metros e variará com a visibilidade, a qual é condicionada pela folhagem, curvas do caminho e pelo facto de a patrulha operar de dia ou de noite Todos os homens da patrulha devem ligar-se pela vista, a fim de se poderem apoiar mutuamente. A noite as distâncias diminuem e usam-se sinais sonoros.

Os limitados campos de observação que a selva oferece obrigam as patrulhas de reconhecimento, para assegurarem e obterem as informações, a operarem muito perto do inimigo E fundamental muita prática de movimentos silenciosos.

Os comandantes de batalhão e de regimento ordenam às suas subumdades de informações para que façam sair pequenas patrulhas a fim de obterem as informações que de perto lhes interessem.

Todos os homens da patrulha de reconhecimento devem ter um perfeito conhecimento de leitura de carta de fotografias aéreas. Todos devem ter bússolas e saber utilizá-las Todos devem ter catanas e facas de mato.

As carabinas são muitas vezes preferidas às espingardas. As metralhadoras ligeiras são as armas ideais. Se for possível pelo menos um dos homens da patrulha deve conhecer e falar a língua do inimigo. Na patrulha deve haver, pelo menos, dois binóculos e dois relógios. Os comandantes da patrulha e os seus auxiliares devem levar blocos de mensagens e lápis.

Todos os homens da patrulha devem conhecer em detalhe qual e a informação que se pretende obter e quais os planos do comandante da patrulha para os obter. Devem saber onde a patrulha vai, a hora e o local de regresso e as suas missões individuais.

g) Movimentos retrógrados:


(1) Generalidades


Se a missão e a situação não requerem uma defesa estática o movimento retrógrado, particularmente na presença de um nimigo muito mais forte e agressivo, pode ser, inicialmente, o tipo de acção mais conveniente a adoptar. Impedindo o inimigo de utilizar as estradas, os caminhos e outros eixos de aproximação e flagelando-lhe as linhaà de comunicação quando ele pretenda avançar, podem-se-lhe desarticular, desencorajar e cansar as suas tropas, assim como diminuir, materialmente, a sua eficiência, permitindo assim, uma contra-ofensiva decisiva.

O fumo, em potes ou granadas, é um meio valioso que pode ser usado durante os movimentos retrógrados, especialmente nas áreas abertas e semi-abertas. Todos os abastecimentos e material, incluindo barcos e viaturas, que tenham de ser abandonados serão sistematicamente destruídos para evitar a possibilidade de serem utilizados pelo inimigo.


(2) Rotura de combate

A protecção e a dissimulação fornecidas pela selva permitem uma fácil rotura de combate pelas unidades em contacto. Pequenos grupos familiarizados com os itinerários que irão utilizar podem romper o combate rapidamente. Estes grupos colocados nos caminhos podem impedir que o inimigo os utilize, obrigá-lo a atacar uma frente estreita ou a abrir caminho, ganhando-se assim tempo suficiente para a retirada do grosso.

Nas áreas da selva, a rotura do combate de dia goza de muitas das vantagens (protecção e dissimulação) da rotura do combate de noite nas áreas abertas e permite perfeitamente o controle. Entretanto, o pessoal e o equipamento, movendo-se em longos caminhos, podem ser facilmente observados no ar e oferecem alvos fáceis à a vis cão de combate inimiga.

(3) Acção retardadora

Nas áreas da selva densa, a acção retardadora será executada, principalmente, sobre ou próximo dos caminhos. Nas áreas menos densas, a acção retardadora, normalmente, requer a necessidade de ocupar e defender uma ou mais posições de retardamento; o combate nestas áreas terá, geralmente, as características do combate das zonas arborizadas e muitas vezes será necessário estabelecer uma posição defensiva para assegurar o retardamento. Os flancos desta posição devem ser protegidos contra o envolvimento do inimigo.
Pequenos grupos bem organizados podem retardar forças muitas vezes superiores ao seu efectivo; contudo, este tipo de combate é extraordinariamente extenuante. Consequentemente, as unidades devem ser divididas em grupos que se possam alternar na ocupação das posições retardadoras, assegurando assim o descanso, enquanto o inimigo se mantém constante-mente empenhados. Tais grupos devem ser de 8 a 10 homens, dois dos quais armados de espingardas automáticas. Se for possível, os observadores avançados da artilharia devem estar junto dos grupos retardadores, a fim de regularem o tiro sobre o inimigo.

Os grupos retardadores, além do seu equipamento normal, devem transportar machados, minas e explosivos para efectuarem demolições. Os obstáculos, se forem de certo valor, devem ser batidos pelo fogo. De modo a causarem o máximo retardamento, principalmente em viaturas, devem destruir-se as pontes e, sempre que o tempo e a situação o permitam, devem colocar-se arame e outros obstáculos atravessados nas estradas e caminhos, à frente da posição retardadora.

Na selva, as minas devem ser colocadas dos dois lados do obstáculo e no próprio obstáculo, a fim de tomar perigosa a sua remoção. Nos pontos onde a selva é pouco espessa e não há obstáculos ao movimento da tropa a pé, devem utilizar-se minas antipessoal. Devem ser construídos tantos obstáculos à frente da posição retardadora quantos o tempo permitir. Devem fazer-se todos os esforços para colocar os obstáculos de forma que o inimigo se infiltre pelas zonas onde as unidades retardadoras possam colocar maior potência de fogo.

Na selva, em virtude das dificuldades de reabastecimento e de coordenação, os grupos pequenos, bem treinados e comandados, são os mais convenientes para o desempenho da missão da acção retardadora. Os reforços devem estar dispostos ao longo dos caminhos, na retaguarda de cada elemento da frente. Utilizam-se quando seja necessário libertar os elementos em primeiro escalão de recontros importantes, para patrulharem os caminhos de modo a evitarem que os elementos em primeiro escalão fiquem com a retirada cortada e também a substituírem esses elementos, caso sejam capturados.

h) Sobrevivência:

Para terminarmos este capítulo ser-nos-á ainda lícito fazer uma breve referência à necessidade que houve de reunir elementos para a estruturação de assuntos relativos a situações de Sobrevivência, designadamente no Ultramar onde os nossos militares tiveram já oportunidade de experimentar, duramente, as suas acções influentes na suprema determinação de viver.

Antecipando-se à publicação oficial, integrada em O Exército na Guerra Subversiva, a cargo duma Comissão superiormente nomeada, o CMEFED, em Mafra, publicou em 1961 um Manual sobre SOBREVIVÊNCIA, o qual constitui já um valioso e útil trabalho contendo ensinamentos considerados de muito interesse, em especial, para a Guerra Subversiva.
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Notas dos editores:

(1) Vd. 1ª parte deste documento: 3 de Abril de 2008 >Guiné 63/74 - P2717: Exército Português: Manual do Oficial Miliciano (1): A Selva, perigos, demónios e manhas (A. Marques Lopes)







(2) Referências a esta publicação, com mais de quarenta anos (que curiosamente ainda hoje não pode ser consultada numa biblioteca pública... não existindo sequer na PORBASE - Base Nacional de Dados Bibliográficos ) (Estado Maior do Exército - O Exército na guerra subversiva, Vol I, II, III, IV, V. Estado Maior do Exército, SPEME, 1966. Reservado):

Vd. Excertos de : “Portugal, anos 60: a guerra colonial”. Com a colaboração do professor Fernando Rosas e do tenente-coronel Aniceto Afonso. Programa gravado da Antena 2 no dia 21 de Novembro de 1997. Transcrição : Irineu Batista. In: Centro de Documentação 25 de Abril > Era uma vez um milénio

(...) Fernando Rosas – O senhor tenente-coronel referiu há pouco que as forças armadas portuguesas assimilaram com rapidez a problemática das novas condições desse tipo de guerra. Tinham tido, ao que sei, alguma experiência anterior ao próprio começo da guerra, na Argélia e noutros centros de instrução. Creio que os franceses e os ingleses terão sido as fontes dos conhecimentos principais. A pergunta que eu queria fazer, no entanto, era esta. Acha que a partir de algum momento da guerra da parte das chefias há a noção de que a guerra não tem solução militar e acha que por virtude dessa consciência se terá aberto uma conflitualidade com o poder político?

Tenente-coronel Aniceto Afonso
– Quase temos que separar caso a caso, pessoa a pessoa. De facto houve, em primeiro lugar, houve esse contacto prévio com outros teatros de operações, principalmente na Argélia, que trouxeram um conhecimento a esses oficiais que frequentaram.

Fernando Rosas – Antes mesmo de começar...

Tenente-coronel Aniceto Afonso – Antes mesmo de começar a guerra e o facto é que nós, em 1961, o Exército produziu um manual que se manteve em execução até ao final da guerra. Com pouquíssimas alterações que é “O Exército na guerra subversiva” e esse foi o manual de todos os militares que fizeram a guerra e como ele se manteve sempre, praticamente não precisou de alterações é porque, de facto, esses militares perceberam o que é que era essencial numa guerra de guerrilhas porque, digamos que o meio da guerra de guerrilhas não é o terreno e perceberam rapidamente que é a população. Digamos há na manobra militar, há várias manobras e a manobra militar aqui é talvez a manobra menos importante. A grande manobra é a manobra das populações.

Fernando Rosas – Da qual a militar é complementar.

Tenente-coronel Aniceto Afonso – A manobra militar é complementar e na guerra de guerrilhas, digamos, o Exército português percebeu isso. Julgo eu que percebeu isso duma forma geral muito cedo e por isso a organização do Exército em quadrícula nos teatros de operações foi fundamental para resolver esse problema do enquadramento das populações. Os militares que se situavam numa zona de acção, numa área apercebiam-se rapidamente dos problemas fundamentais dessa área e principalmente das populações dessa área e souberam, portanto arranjaram soluções para, de alguma forma, furtar a população à acção dos movimentos de libertação. Julgo que isso foi fundamental (...).

Wikipédia > Guerra colonial portuguesa:

(...) A instrução dos quadros e tropas das forças portuguesas, por normalização da estrutura da NATO, concebeu a publicação de um conjunto de manuais intitulados "O Exército na Guerra Subversiva" que serviriam de suporte para a organização das tropas durante a Guerra. Introduziam também a necessidade da guerra psicológica que se revelaria como uma frente de combate sólida para Portugal. Com efeito, a "conquista das populações" foi aplicada a níveis tácticos e estratégicos com sucesso, exceptuando as dificuldades no início e fim da guerra.

Também se revelou fundamental a especialização de grupos armados, como os Comandos, único corpo organizado especificamente para esta guerra — desmantelado pouco tempo depois de esta terminar — e adaptação dos Fuzileiros e pára-quedistas. Quanto às unidades recrutadas no próprio teatro de operações, as tropas especiais africanas, os TE, GE e GEP, Flechas e fuzileiros foram adaptadas às técnicas de combate específicas deste tipo de cenário (guerrilha) e terreno. Porém, a quase sempre deficiente instrução dos efectivos implicaria uma crescente degradação da sua eficácia, a par com o cansaço e esvaziamento dos quadros permanentes (...).






Triplov, Visor Militra, página de Francisco Garcia > Contributos para o Emprego do Batalhão de Infantaria na Luta Contra-Subversiva Actual, por Conceição Antunes e outros



(...) O esforço português de aprendizagem da luta contra-subversiva inicia-se no final da década de cinquenta do século XX, com o envio de militares sobretudo para a Argélia e para a escola de Intelligence inglesa, Maresfield Camp. Deste esforço reultam em 1963 o Regulamento “O Exército na Guerra Subversiva”, reeditado em 5 volumes (os famosos livrinhos de capa azul) em 1965. Ali reuniam-se informações recolhidas no período de 1958-60, incluindo os elementos essenciais das doutrinas britânicas e francesa, versando as experiências na Indochina, Argélia, Malásia e Quénia, constituindo as últimas duas, referências-chave, incorporando os princípios da violência mínima, da cooperação civil-militar, da coordenação das informações e das operações com pequenas unidades que tanto sucesso demonstraram na política colonial britânica. Estes princípios serviam o desejo do exército português de uma abordagem eficaz e pouco dispendiosa à contra-subversão, apropriada quer nos seus meios, quer às circunstâncias das suas colónias (...).