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quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25108: O segredo de...(42): Patrício Ribeiro, "filho da escola", fuzileiro uma vez, fuzileiro para sempre... Numa canoa nhominca, em Varela, pelo mar dentro mar, com os útimos 10 portugueses e outros estrangeiros fugidos da guerra civil de 7 de junho de 1998


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Praia de Varela > Maio de 2021 > Praia sul >  A minha cana de pesca


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Praia de Varela > Maio de 2021 > Praia sul > Quilómetros de praia, que continua a ser bela e aprazível, apesar das alterações climáticas e da erosão.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Varela > Tabanca de Iale >  Maio de 2021 > A minha casa ao entardecer, às 6h30

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Não é fácil arrancar "segredos" aos antigos combatentes que passaram pelo TO da Guiné entre 1961 e 1974. Esta série, "O segredo de..." (*), não pretende ser sensacionalista ou voyeurista. Tem apenas como objetivo facilitar a partilha de memórias, mais recalcadas, mais distantes ou já esquecidas, nalguns casos, ou mais difíceis de contar em público, com receio de censura social ou de grupo, noutros casos... Achamos, por outro lado, que devemos também dar visibilidade e  pu
blicidade a ações relevantes, praticadas por amigos e camaradas nossos, cuja modéstia os inibe de falar delas...

Um dos exemplos é o  Patrício Ribeiro que cultiva o "low profile", é discreto, vivendo há quatro décadas na Guiné-Bissau, onde é empresário e... estrangeiro. 

Na guerra civil de 1998/99 ele  estava lá. E teve um comportamento de grande coragem e nobreza, tendo socorrido e ajudado alguns compatriotas e outros estrangeiros, que lá viviam ou foram apanhados pelos acontecimentos.

Recorde-se que ele nasceu em Águeda, em 1947, foi levado pequeno para Angola, cresceu em Nova Lisboa (hoje Huambo). Aqui casou, viveu e trabalhou. Fez a tropa como fuzileiro (1969/72). 

Veio depois para Portugal na véspera da independência, na 23.ª hora (**); mas nunca gostou da sua condição de "retornado":  em 1984, decidiu ir viver e trabalhar, na Guiné-Bissau, primeiro como cooperante, e depois estabecendo-se como empresário: fundou uma empresa ligada à energia, a Impar Lda...  Agora, aos  76 anos, recusa-se a reformar-se, está cá e lá (sobretudo quando cá faz frio, e chuva, e é inverno). 

Vai dando, por outro lado, uma mãozinha ao filho que lhe sucedeu nos negócios, continua a gostar de viajar pelo interior da Guiné  (e nomeadamente de canoa nhominca, pelos Bijagós)... E, quando cá vem, dedica-se também à sua agricultura em Águeda.   

Membro da nossa Tabanca Grande desde 2/1/2006, é  autor da série "Bom dia desde Bissau" mostrando-nos pontos desconhecidos ou já esquecidos daquela terra verde-rubra...  

É nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau; tem já cerca de 150 referências no blogue...

Ainda não "abriu o livro todo" das memórias de Angola e da Guiné-Bissau. Mas já nos contou aqui um dos seus "segredos" (*). 

De um outro viemos a sabê-lo, há uns largos anos,  por intermédio de um amigo comum, infelizmente já falecido, o eng. agrónomo  Carlos Schwarz da Silva, mais conhecido por "Pepito"  (1949-2012).

Esse "segredo", em boa verdade já não o é, foi divulgado há anos no blogue (***), merece todavia figurar nesta série... para "memória futura"


O segredo de...(41): Patrício Ribeiro, "filho da escola", fuzileiro uma vez, fuzileiro para sempre... Numa canoa nhominca,  em Varela, pelo mar dentro, com os útimos 10 portugueses  e outros estrangeiros fugidos da guerra civil de 7 de junho de 1998, até ao NRP Vasco da Gama

Tenho aqui perto, em Varela, uma pequena palhota para passar alguns fins de semana (vd. fotos acima). Há 20 anos estava a mais de 250 metros do mar, agora o mar já está muito mais perto; dentro de algum tempo, já posso pescar com a cana, a partir da minha varanda…

Neste mesmo local, numa clareira, aterraram os helicópteros da fragata Vasco da Gama, para recolher os Portugueses que aqui estavam encurralados na guerra de 1998.  Foi num destes helis que o nosso saudoso Pepito, saiu.

Eu também aqui estava… Mas tinha por missão ajudar a sair outros Portugueses que se encontravam no interior, em Canchungo (antiga Teixeira Pinto) e Cacheu. Como não apareceram às horas combinadas, estive em S. Domingos e depois em Ingoré (sem combustível e em situação de guerra),  à procura deles… E de onde, a partir dos rádios da Missão Católica, comuniquei com a fragata a informar que estavam atrasados para a sua evacuação…

Ao fim do dia, também saí desta praia de Varela, numa canoa nhominca, acompanhando os últimos 10 portugueses que quiseram sair, assim como de outras nacionalidades, a quem a fragata autorizou o embarque… 

Como destino, “o pôr do sol”, o poente… Passados 18 milhas, mar adentro, lá encontramos a nossa frota com 3 navios dos “filhos da escola” que na parte final nos vierem cumprimentar nos botes e mandar subir pela escada de corda, para a fragata Vasco da Gama.

Já não foi possível os helis da fragata Vasco da Gama voltarem a aterrar na praia, havia quem os quisesse deitar abaixo… mas fomos acompanhados pelo ar, de onde recebíamos ordens, por vezes mandavam-nos, à nossa canoa, desviar de alguns obstáculos, que havia no mar …

Gosto de falar da minha praia de Varela de que adoro; dos banhos na água quente a 30º, das minhas pescarias diretamente para o grelhador, acompanhadas por umas bacias de ostras, etc…

O que escrevi,  num comentário, é um pequeno resumo dos diversos capítulos vividos naquela época, mas muitos deles ainda os considero 'classificados'.

Quando nos voluntariamos a ajudar os outros, quando pessoas a chorar nos pedem para não os deixar para trás..., a “formação militar não o permite", vem ao de cima...

E, por força das circunstâncias, passamos a ser o elo de ligação entre o resto do mundo e o interior de um país em guerra, de onde não é possível informar os familiares: onde estamos, que estamos vivos…  E, repara, não havia telefones e as fronteiras estavam fechadas, quer internamente, quer com os países vizinhos e estas últimas estavam a ser bombardeadas. Bissau ficava longe e não se sabia o que se passava no interior.

E quando do exterior… nos pedem a colaboração, através do nosso “bombolom”, para encontrar esta e aquela pessoa de quem não se tem notícias há muitas semanas, certamente qualquer um de nós ajudaria, se tivesse condições...

Os restantes capítulos vão saindo, quando alguém tocar na "ferida".

Luís, depois de ter saído na canoa nhominca, que, no regresso, na minha presença, carregou da fragata Vasco da Gama a primeira ajuda humanitária para a Guiné, destinada à Missão Católica de Suzana, eu voltei para Portugal. Não, não fiquei lá...

Mas, passados 2 meses regressei à Guiné, via Dakar e táxi aéreo para Bubaque, dali para Bissau em vedeta de guerra, que foi construída no Alfeite e que estava na mão dos militares senegaleses.

De Bissau por vezes saía para Varela, quando recebia um 'papelinho',  avisando que era melhor ir dar uma volta… Pegava na minha mochila com uma lata de atum, atravessava a pé as bolanhas e lá ia eu para banhos.

O aeroporto de Bissau esteve fechado quase um ano… Quando da morte do 'Nino', tinha ido passar o fim de semana à ilha de  Orango…

Na morte do Ansumane Mané, estava fora de Bissau... Ao reentrar em Bissau encontrei quase uma centena de milhares de pessoas, a saírem a pé. Algumas já iam para lá de Nhacra. Fiz um apelo na rádio RTP África, para mandarem transporte, a fim de apanharem as pessoas que estavam a dormir à beira da estrada, sem quaisquer condições.

Ao mínimo problema, a estrada principal era fechada a viaturas, em Safim.

Assim, como da morte dos restantes altos dirigentes do país..., estava fora, por Varela, Contuboel, etc.  

( Excertos  de vários textos e comentários, revisão / fixação de texto / negritos:  LG)


2. Comentário do nosso editor LG:
 
Patrício Ribeiro, português,
nascido em Águeda, em 1947,
criadoe casado em Angola,
com família no Huambo,
ex-fuzileiro em Angola de 1969
a 1972, a viver na Guiné-Bssau
desde 1984,
fundador, sócio-gerente
e director técnico
da firma Impar, Lda-


Patrício,  não é por acaso que eras conhecido em Bissau, ainda até há pouco tempo, como o "pai dos tugas"... Os jovens, cooperantes, rapazes e raparigas, tinham por ti um enorme respeito e admiração na altura em que o meu filho, João Graça, te conheceu em dezembro de 2009, em Bissau...

Esta história do resgaste de diversos portugueses e 
outros, em plena guerra civil (que começou com o golpe de  Estado de 7 de junho de 1998), perdidos em Varela, Canchungo  e Cacheu, devia merecer honras de título de caixa alta nos jornais da época e nas parangonas dos telejornais... Não me dei conta que isso tenha acontecido... Mas é uma verdadeira história de heroísmo que te honra e nos honra a todos nós, portugueses, teus amigos e camaradas!...

Deixa-me recordar, para os nossos leitores mais recentes, que na sequência daquele conflito, foi  montada pelo Governo Português uma operação de resgaste de cidadãos portugueses e de outras nacionalidades. 

Essa operação, com o nome de código Crocodilo, envolveu uma força conjunta dos três ramos das Forças Armadas. A componente naval foi  constituída pela fragata Vasco da Gama, com dois helicópteros Lynx Mk95 embarcados, pelas corvetas Honório Barreto e João Coutinho e o navio reabastecedor Bérrio

A atuação dos dois helicópteros foi fundamental para o êxito da missão. A força naval foi comandada pelo capitão-de-mar e guerra Melo Gomes. 

(Vd. P. Conceição Lopes, CFR: Operação Crocodilo. "Revista da Armada", julho de 2013, pág. 20).

A história do resgate, efectuado por tua conta e risco, em Varela, já a tinha ouvido contar, na tabanca de São Martinho do Porto, há uns largos anos atrás, talvez em 2012, da boca do nosso saudoso Pepito (1949-2012), um dos "encurralados", em junho de 1998, em Varela, onde também tinha casa de praia, já do tempo dos pais, e que era portanto teu vizinho.

Conseguiste metê-lo, a ele e à família, e a mais cidadãos, num dos helis da fragata Vasco da Gama, ancorada ao largo, a 18 milhas, fora das águas territoriais do país, com mais os dois ou três avios de apoio...

Eu já sabia, além disso, que, na impossibilidade de voltar o heli a Varela, tu já te havias metido na tua canoa nhominca, levando mais um grupo (10 pessoas, de nacionalidade portuguesa, e outros estrangerios...) ao fim da tarde, pelo mar fora, até à fragata salvadora!...

Camaradas e amigos, 18 milhas náuticas numa canoa nhominca (embarcação em que tu és perito e que muito admiras!), são mais do que 33 km pelo mar adentro... Não é para todos, é para quem aprendeu a amar e respeitar o mar, como tu, que foste "filho da escola" da Armada... Afinal, fuzileiro uma vez, fuzileiro para sempre!

Volto a escrever o que já repeti aqui: esta tua história incrível merece ser contada uma e outra vez. Sei que és um homem discreto e modesto, mas ainda espero ir ao 10 de junho, se não for longe, para te ver ser condecoradao por este feito de grande coragem, altruísmo e patriotismo!...

Patrício, se isto não é heroísmo, então eu nunca vi nenhum herói ao vivo e a cores!

Registo, para mais, este facto: durante o conflito político-militar, sangrento, de 1998/99, tu foste incapaz de estar longe da tua/nossa Guiné mais do que dois meses... Ao fim de dois meses, voltaste a entrar no país via Dacar, Senegal.


Carlos Schwarz da Silva, "Pepito",
 Lisboa, campus
da ENSP/NOVA. 6/9/2007.
Foto de Luís Graça
O Pepito e a família, cuja casa no bairro do Quelélé, em Bissau, foi pilhada e destruída pela 
soldadesca senegalesa, que apoiava o 'Nino' Vieira, estiveram refugiados em Cabo Verde, à volta de um ano (se bem me lembro)... 

O Pepito tinha nacionalidade guineense, e este foi um dos acontecimentos mais marcantes (e traumatizantes) da sua vida (segundo me confidenciou em São Martinho do Porto)... Voltou à Guiné, para recomeçar a sua vida, uma vida nova, nunca escondendo a sua gratidão para contigo. 

Tu, por sua vez, eras/és português, aliás o português mais guineense da Guiné-Bissau que eu conheço... e a Guiné-Bissau está-te grata pelo trabalho que lá tens feito, levando a energia elétrica a muitas tabancas mas também hotéis, escolas, hospitais....

És um homem que sabe muito da história recente da Guiné-Bissau, saberás até demais, pelos círculos em que te moves, o que te torna também um pessoa cautelosa, discreta, diplomática, sem deixares de ser fiável, afável, prestável, solidário e generoso.

Quem está há 40 anos na Guiné-Bissau, não se imaginando já capaz de viver e trabalhar noutro sítio do planeta, é um sobrevivente nato, capaz de enfrentar e resistir a tudo o que apoquenta, chateia e mata naquela terra (a sida, o paludismo, a cólera, as infecções nosocomiais, as canoas inhomincas, as armas, o tráfico de droga, a violência, a droga de vida, os golpes de Estado, a ausência de Estado, as picadas mal alcatroadas, o tempo seco, o tempo das chuvas, a pobreza, etc....).

Felizmente Águeda não está longe: tu também sabes que tens aqui uma retaguarda segura, à entrada da velha Europa, onde podes 'carregar baterias', revisitar família e amigos, fazer as teus exames de saúde, as tuas consultas médicas... É bom ter uma retaguarda segura, é bom ter uma Pátria, senão mesmo 
duas ou três... 

Tiro-te chapéu pela tua longevidade na Guiné, pela tua história de vida, pela tua sabedoria de verdadeiro africanista. 

Que Deus, Alá e os bons irãs te continuem a proteger  sempre!...
LG

PS1- Espero que no relatório da Op Crocodilo também apareça o teu nome e as tuas boas ações. Nunca chegarás a almirante, mas foste um bravo fuzileiro. 

PS2 - A RPT1, na"Sociedade Civil", ainda recentemente, dedicou a esta operação dois programas num total de cerca de 2 horas e meia. Os vídeos estão disponíves em RTP Play:

24 de julho de 2023 > Operação Crocodilo / Falcão (Parte 1) (1h 12m 08s)
25 de julho de 2023 > Operação Crocodilo / Falcão (Parte 2) (1h 20m 31s)

  

NRP Vasco da Gama (F330) na sua visita a Tallinn, capital da Estónia, entre 27 e 31 de março de 2008. Pormenor, imagem editada pelo nosso Blogue, da autoria de Ivo Kruusamägi da Wikipedia estoniana (2008) (Com a devia vénia ao autor e à Wikimedia Commons)
____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 18 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25083: O segredo de... (41): António Rosinha (ex-fur mil, Angola, 1961/62; topógrafo da TECNIL, Bissau, 1987/1993): Luís Cabral, a camarada Milanka, eu e o 'mau agoiro' do meu patrão

(***) Vd. poste de 18 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23090: (In)citações (198): a atuação de Patrício Ribeiro, durante a guerra civil de 1998/99, e nomeadamente em Varela, em articulação com o NRP Vasco da Gama..."Se isto não é heroísmo, então eu nunca vi nenhum herói ao vivo e a cores" (Luís Graça)

Ver ainda postes de:

31 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3101: Histórias de vida (13): Desistir é perder, recomeçar é vencer (Carlos Schwarz, 'Pepito', para os amigos)




18 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23088: (In)citações (197): Mais recordações do conflito político-militar de 1998-1999, por parte de quem o viveu por perto, o Cherno Baldé e o Patrício Ribeiro

terça-feira, 22 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23100: In Memoriam (433): Joaquim Bonifácio Brito (1950-2022), um Tigre do Cumbijã (CCAV 8351, 1972/74), que ficou em Bissau até à guerra civil de 1998, como empresário na área da restauração, e que agora vivia no Algarve (Joaquim Costa)



Joaquim Bonifácio Brito (1950 - 2022)


1. Mensagem do Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74, autor do livro "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74" (Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.)

Data - 22 mar 2022 00h42
Assunto - Mais um Tigre do Cumbijã que nos deixou

Amigo Luís, 

Recebi hoje a triste notícia que mais um dos bravos Tigres de Cumbijã. Joaquim Bonifácio Brito (*), a viver no Algarve, acabou de falecer.

Uma semana atrás tinha falado com ele a propósito do meu livro e continuava entusiasmado com a vida,  dando-me a conhecer alguns projetos na área da restauração.

Este camarada, da minha companhia (CCav 8351), e do meu pelotão, não regressou com a companhia, ficando em Bissau abraçando uma nova vida como empresário da Restauração.

Manteve-se na Guiné, resiliente, não obstante os vários episódios de tentativas quase mensais de golpe de Estado.

Já não resistiu à guerra civil, entre os fiéis a Nino Vieira e Ansuname Mane, sendo resgatado com toda a família, apenas com a roupa que tinham vestido, na operação Crocodilo (junho de 1998).

Tudo lá deixou, depois de 25 anos de trabalho no país que adotou, pois segundo ele o seu restaurante servia uma média de 100 refeições por dia.

Contudo sempre manteve um carinho muito especial pela sua Guiné. Nos encontros anuais de 2007 a 2009, sempre me procurava a saber notícias de Bissau sabendo que o meu filho Tiago Costa  fazia parte da equipa que estava a construir uma ponte no Cacheu, em São Vicente.

Sendo o nosso Blogue uma fonte de informação que chega a todos os cantos do mundo, gostaria de lhe deixar, aqui, a minha pequena homenagem a um homem que amou a Guiné.

As minhas condolências à família

Camarada Tigre, Joaquim Brito, estejas lá onde estiveres, espero que estejas em Paz.(**)

Joaquim Costa

___________

Notas do editor:

Último postea da série > 

(*) 12 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23072: In Memoriam (432): António Brandão de Melo (1950-2022), ex-Fur Mil Inf da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74)

sexta-feira, 18 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23090: (In)citações (198): a atuação de Patrício Ribeiro, durante a guerra civil de 1998/99, e nomeadamente em Varela, em articulação com o NRP Vasco da Gama..."Se isto não é heroísmo, então eu nunca vi nenhum herói ao vivo e a cores" (Luís Graça)


NRP Vasco da Gama (F330) na sua visita a Tallinn, capital da Estónia, entre 27 e 31 de março de 2008. Pormenor, imagem editada pelo nosso Blogue, da autoria de Ivo Kruusamägi da Wikipedia estoniana (2008) (Com a devia vénia ao autor e à Wikimedia Commons)

Guiné > Região de Cacheu > Varela > Maio de 1968 > A extensa praia de Varela...


Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Patrício Ribeiro, Ilha de Orango, 2008. 

Membro da Tabanca Grande desde 6/1/2006.

1. O Patrício Ribeiro, que vai passar em breve a nosso colaborador permanente para as questões da geografia e economia da Guiné-Bissau,   país lusófono onde vive  desde 1984, ou seja, há quase 40 anos. Fundou uma empresa, a Impar Lda, que tem levado a água e a luz a muitas tabancas recônditas. O seu filho está a dar continuidade ao negócio, mas ele não é homem para se reformar: não se reformou aos 70, também não se vai reformar aos 75 (a completar no dia 11 de outubro de 2022). Está cá e lá, entre Águeda e Bissau, descobriu agora as delícias da vida de agricultor, além de avô.


(i) A propósito da foto acima, do Virgílio Teixeira, tirada em maio de 1968,  escreveu o Patrício Ribeiro, em 8 de janeiro de 2018 (**):

Varela... Estas árvores que se vêm na foto [, de cima,], já foram levadas pelo mar.

Tenho aqui perto [, em Varela],  uma pequena palhota para passar alguns fins de semana. Há 20 anos estava a mais de 250 metros do mar, agora o mar já está muito mais perto; dentro de algum tempo, já posso pescar com a cana, a partir da minha varanda…

Neste mesmo local, numa clareira, aterraram os helicópteros da fragata Vasco da Gama, para recolher os Portugueses que aqui estavam encurralados na guerra de 1998.  Foi num destes helis que o nosso saudoso Pepito, saiu.

Eu também aqui estava… Mas tinha por missão ajudar a sair outros Portugueses que se encontravam no interior, em Canchungo e Cacheu. Como não apareceram às horas combinadas, estive em S. Domingos e depois em Ingoré (, sem combustível e em situação de guerra),  à procura deles… E de onde, a partir dos rádios da Missão Católica, comuniquei com a fragata a informar que estavam atrasados para a sua evacuação…

Ao fim do dia, também saí desta praia [, de Varela,] numa canoa nhominca, acompanhando os últimos 10 portugueses que quiseram sair, assim como de outras nacionalidades,  a quem a fragata autorizou o embarque… 

Como destino, “o pôr do sol”, o poente… Passados 18 milhas, mar adentro, lá encontramos a nossa frota com 3 navios dos “filhos da escola” que na parte final nos vierem cumprimentar nos botes e mandar subir pela escada de corda, para a fragata Vasco da Gama. (**)

(ii)  Informação complementar do Patrício Ribeiro sobre a sua ação heróica em Varela, logo a seguir ao golpe de Estaddo de 7 de junho de 1998 (***):

(...) Já não foi possível os helis da fragata Vasco da Gama voltarem a aterrar na praia, havia quem os quisesse deitar abaixo… mas fomos acompanhados pelo ar, de onde recebíamos ordens, por vezes mandavam-nos, à nossa canoa, desviar de alguns obstáculos, que havia no mar …

Luís, o comentário que enviei sobre as fotos da praia de Varela, foi a partir da minha lareira nas margens do Vouga [, em Águeda], onde há frio e foi com um copo de tinto na mesa …

Gosto de falar da minha praia de Varela de que adoro; dos banhos na água quente a 30º, das minhas pescarias diretamente para o grelhador, acompanhadas por umas bacias de ostras, etc…

O que escrevi no comentário, é um pequeno resumo dos diversos capítulos vividos naquela época, mas muitos deles ainda os considero 'classificados' …

Quando nos voluntariamos a ajudar os outros, quando pessoas a chorar nos pedem para não os deixar para trás …,   a “formação militar não o permite", vem ao de cima...

E, por força das condições, passamos a ser o elo de ligação entre o resto do mundo e o interior de um país em guerra, de onde não é possível informar os familiares: onde estamos, que estamos vivos … Repara, não havia telefones e as fronteiras estavam fechadas, quer internamente, quer com os países vizinhos e estas últimas estavam a ser bombardeadas. Bissau ficava longe e não  se sabia o que se passava no interior.

E quando do exterior… nos pedem a colaboração, através do nosso “bombolom”, para encontrar esta e aquela pessoa de quem não se tem notícias há muitas semanas … certamente qualquer um de nós ajudaria, se tivesse condições...

Os restantes capítulos vão saindo, quando alguém tocar na "ferida".

Luís, depois de ter saído na canoa nhominca, que, no regresso, na minha presença, carregou da fragata Vasco da Gama a primeira ajuda humanitária para a Guiné, destinada à Missão Católica de Suzana,  eu voltei para Portugal. Não, não fiquei lá...

Mas passados 2 meses regressei à Guiné, via Dakar e táxi aéreo para Bubaque, dali para Bissau em vedeta de guerra, que foi construída no Alfeite e que estava na mão dos militares senegaleses.

De Bissau por vezes saía para Varela, quando recebia um 'papelinho' avisando que era melhor ir dar uma volta… Pegava na minha mochila com uma lata de atum, atravessava a pé as bolanhas e lá ia eu para banhos.

O aeroporto de Bissau, esteve fechado quase um ano… Quando da morte do 'Nino', tinha ido passar o fim de semana à ilha de  Orango…

Na morte do Ansumane Mané, estava fora de Bissau...Ao reentrar em Bissau encontrei quase uma centena de milhares de pessoas, a saírem a pé. Algumas já iam para lá de Nhacra. Fiz um apelo na rádio RTP África, para mandarem transporte, afim de apanharem as pessoas que estavam a dormir à beira da estrada, sem qualquer condição.

Ao mínimo problema, a estrada principal era fechada a viaturas, em Safim.

Assim. como da morte dos restantes [altos dirigentes do país...], estava fora, por Varela, Contuboel, etc.

(iii) Comentário do nosso editor LG:
 
Patrício Ribeiro, português,
nascido em Águeda, em 1947,
criadoe casado em Angola,
com família no Huambo,
ex-fuzileiro em Angola de 1969
a 1972, a viver na Guiné-Bssau
desde 1984,
fundador, sócio-gerente
e director técnico
da firma Impar, Lda-


O Patrício Ribeiro não é por acaso que era conhecido em Bissau, ainda até há pouco, como o "pai dos tugas"... Os jovens, cooperantes, rapazes e raparigas, tinham por ele um enorme respeito e admiração na altura em que o meu filho, João Graça, o conheceu em dezembro de 2009, em Bissau...

Esta história do resgaste de diversos portugueses e 
outros, em plena guerra civil (que começou com o golpe de  Estado de 7 de junho de 1998), perdidos em Varela, Canchungo  e Cacheu, devia merecer honras de título de caixa alta nos jornais da época e nas parangonas dos telejornais... Não me dei conta que isso tenha acontecido... Mas é uma verdadeira história de heroísmo que nos 
honra a todos!...

Recorde-se que na sequência daquele conflito, foi 
montada pelo Governo Português uma operação de resgaste de cidadãos portugueses e de outras nacionalidades. Essa operação, com o nome de código Crocodilo.   envolveu uma força conjunta dos três ramos das Forças Armadas. A componente naval foi  constituída pela fragata Vasco da Gama, com dois helicópteros Lynx Mk95 embarcados, pelas corvetas Honório Barreto e João Coutinho e o navio reabastecedor Bérrio. A atuação dos
dois helicópteros foi fundamental para o êxito da missão. A força naval foi comandada pelo CMG Melo Gomes.
(Vd. P. Conceição Lopes, CFR: Operação Crocodilo. "Revista da Armada", julho de 2013, pág. 20).

A história do resgate, efectuado por conta e risco do Patrício Ribeiro, em Varela, já a tinha  ouvido contar, na tabanca de São Martinho do Porto, há uns largos anos atrás, talvez em 2012, da boca do saudoso Pepito (1949-2014), um dos "encurralados", em junho de 1998, em Varela, onde também tinha casa de praia, já do tempo dos pais

O Patrício conseguiu metê-lo, a ele e à família, e a mais cidadãos, num dos helís da fragata Vasco da Gama, ancorada ao largo, a 18 milhas, fora das águas territoriais do país, com mais os dois navios de apoio...

Eu já sabia, além disso, que, na impossibilidade de voltar o heli a Varela, o Patrício se metera na sua canoa nhominca, levando mais um grupo (10 pessoas, de nacionalidade portuguesa e outras...) ao fim da tarde, pelo mar fora, até à fragata salvadora!...

Camaradas, 18 milhas náuticas numa canoa nhominca ( embarcação em que ele é perito e que muito admira!),  são mais do que 33 km pelo mar adentro... Não é para todos, é para quem aprendeu a amar e respeitar o mar, como ele,  que foi "filho da escola" da Armada...

Já aqui escrevi e volto a repetir: Esta história incrível tem de ser melhor conhecida de todos nós... O Ribeiro Patrício, que é um homem modesto, nosso camarada, ex-grumete fuzileiro, deveria ter sido condecorado no 10 de junho por este feito de grande coragem,  altruísmo e patriotismo!... 

Amigos e camaradas, se isto não é heroísmo, então eu nunca vi nenhum herói ao vivo e a cores!

Reparem: durante o conflito político-militar, sangrento, de 1998/99, o Patrício Ribeiro foi incapaz de estar longe da Guiné mais do que dois meses... Ao fim de dois meses, voltou a entrar  no país via Dacar, Senegal.

O Pepito e a família, cuja casa no bairro do Quelélé, em Bissau, foi pilhada e destruída pela soldadesca senegalesa, que apoiava o 'Nino' Vieira, esteve refugiado em Cabo Verde, creio que à volta de um ano... O Pepito tinha nacionalidade guineense, e este foi um dos acontecimentos mais marcantes (e traumatizantes) da sua vida, segundo me confidenciou em vida... Voltou à Guiné. para recomeçar a sua vida, uma vida nova... O Patrício Ribeiro, por sua vez, é português, é alias o português mais guinéu da Guiné-Bissau... onde continua a viver e trabalhar desde 1984.

Esperemos que o Patrício Ribeiro, agora à beira dos 75 anos, possa passar mais tempos, entre nós, à lareira e à beira do Vouga, de modo a ter tempo e pachorra para a começar a "abrir o livro"... Um homem que sabe muito da história recente da Guiné-Bissau,  saberá até de mais, pelos círculos em que se move, mas sempre o achei uma pessoa cautelosa, discreta, afável e fiável, além de solidária e generosa. (****)

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Notas do editor:

(***) Vd. poste de 11 de janeiro de  2018 > Guiné 61/74 - P18200: (De)Caras (104): Patrício Ribeiro, nascido em Águeda, criado em Angola, "filho da escola" da Armada, ex-grumete fuzileiro, empresário em Bissau, ator e observador da história recente da "pátria de Cabral", o "homem certo no sítio certo"... Ou melhor: o "tuga" que sabe mais da Guiné, e para quem a Guiné "sabi di mais"...

(****) Último poste da série > 18 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23088: (In)citações (197): Mais recordações do conflito político-militar de 1998-1999, por parte de quem o viveu por perto, o Cherno Baldé e o Patrício Ribeiro

Guiné 61/74 - P23088: (In)citações (197): Mais recordações do conflito político-militar de 1998-1999, por parte de quem o viveu por perto, o Cherno Baldé e o Patrício Ribeiro


Guiné - Bissau > Bissau > 2003 > A imagem, sempre sinistra, da carcaça de um tanque  destruído e abandonado na estrada, talvez nas imediações de Brá. Devia tratar-se de um tanque T 54/55, de origem russa. A foto foi tirada em 30/4/2003,  portanto quase 4 anos depois do conflito. Foto: Mariomassone (2003) (pormenor). (Imagem de domínio público, editada por nós, e aqui reproduzida com a devida vénia  ao autor e à Wikimedia Commons)


1. Comentários ao poste P23054 (*), ainda a propósito do conflito-político miliar que estalou em 7 de junho de 1998, com o golpe de Estado contra o Presidente João Bernardo "Nino" Vieira,  liderado pelo General de Brigada Ansumane Mané, e que envolveu também tropas dos 2 países vizinhos, o Senegal e a Guiné-Conacri, tendo-se prolongado até 10 de Maio de 1999. 

(i) Tabanca Grande Luís Graça:

Cherno, tudo acaba bem quando acaba em bem... Será? O teu "calvário" não acabou aqui, em 15 de junho de 1998, em Fajonquito... Irá prolongar-se por mais um ano, dois, três, talvez mais... Quando voltaste à tua casa no Bairro Militar, em Brá, provavelment não a encontraste, ou estava completamente destruida ou vandalizada... E depois foi preciso recomeçar a vida, o trabalho, a escola... Tivestes mais 3 filhos...

Há marcas (muitas vezes mais psicológicas do que físicas) que não desaparecem mais... Não te vou pedir que nos fales disso, seria doloroso... Mas tudo indica que não foram anos fáceis, os teus, os vossos, do pós-guerra civil... Em 2001/02 tiveste que vestir a "camisola do Sporting", ao lado dos teus "primos ucranianos"... 

Talvez um dia possas escrever sobre a tua inesperada vida de emigrante...em Lisboa, trabalhando nas obras.

Um abraço, meu irmãozinho, e amigo. 
Luís
7 de março de 2022 às 10:13

(ii) Cherno Baldé (to à esquerda, em Fajonquito, sua terra natal, em 2010):


Caro amigo Luís Graça,

Prometo voltar ao assunto logo que possível, todavia antecipo para informar que ainda fiz duas viagens de ida e regresso Fajonquito-Bissau e vice-versa.

O Bairro onde habitava estava do lado dos rebeldes, mas felizmente, nada aconteceu à nossa casa, pois os meus vizinhos, balantas e antigos guerrilheiros, que não tinham saído, tinham-se encarregado de a vigiar por nós e não deixar que fosse vandalizada. Também encontrei a nossa cadela que, na confusão da nossa partida, não tinhamos encontrado.

A primeira vez foi no mês de agosto (de 1998), durante uma das tréguas entre as partes. Bissau estava completamente deserta. Tentei visitar os nossos escritórios nas antigas instalações militares de Brá, onde funcionava o Ministério das Obras Públicas. Quando cheguei junto à estrada, vi um carro blindado no meio da estrada e vários corpos abandonados, onde só se viam os ossos das costelas e outras partes do corpo.

Não podia continuar e voltei para casa completamente fora de mim, sem saber se caminhava ou já estava morto, no dia seguinte tive que voltar atrás e juntar-me à familia.

A segunda vez foi com o meu filho e fizemos uma semana e parecia que tudo se ia resolver, mas de repente tudo recomeçou e tivemos que abandonar a cidade de novo, no meio do tiroteio.

Finalmente, em meados de Março de 1999, voltei juntamente com a família e ainda tivemos que viver a parte final do conflito em maio do mesmo ano, refugiados em Safim durante dois dias.

Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
7 de março de 2022 às 15:28


(iii) Tabanca Grande Luís Graça:

Obrigado, Cherno, pela partilha. Em relação à casa, tiveste mais sorte que o nosso saudoso Pepito, que morava no bairro do Quelelé... Os senegaleses roubaram e escaqueiraram tudo... Imagina a dor de alma quando voltou de Cabo Verde...

Mas foste um homem de coragem e transmitiste aos teus filhos valores que são essenciais para o futuro... Que possamos todos aprender com o passado...

7 de março de 2022 às 15:45


    
(iv)  Patricio Ribeiro (empresário, que vive na Guiné-Bissau desde  a segunda metade de 1980):

Cherno, a vida não foi fácil.

Também por lá andei, de 7 de junho de 1998 a  e 1999, pelas mesmas bolanhas a pé, por onde saía e entrava diversas vezes em Bissau, com a mochila às costas que levava dentro um prato de plástico e uma colher e uma lata de atum, era a ração de combate.

Mas como já era a minha 3.ª guerra… ia passeando nos intervalos da "chuva".

A "chuva" que vinha do Cumeré e de João Landim, estragou-me por duas vezes o telhado da casa, matou uma vizinha ainda jovem.

Poucas pessoas se deram ao trabalho de escrever sobre o 7 de junho de 1998. Muito ainda está no segredo dos deuses. (**)

Agora só me resta, que a minha 4.ª "chuva", não passe por perto. Abraço

8 de março de 2022 às 10:42
___________


Vd. também postes anteriores:

(**) Recomanda-se a leitura dos 3 postes que aqui publicámos há mais de 10 anos sobre a origem deste conflito político-militar... São da autoria do antigo embaixador português e nosso camarada Francico Henriques da Silva:

17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7803: Das causas da guerra civil Bissau-guineense, de 7 de Junho de 1998 a 7 de Maio de 1999 (1) (Francisco Henriques da Silva)

segunda-feira, 7 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23054: Memórias do Chico: Refugiado na sua própria terra durante a guerra civil de 1998/99: 200 km e oito dias de aflição, entre Bissau e Fajonquito (Cherno Baldé) - III (e última) Parte: 14-15 de junho de 1998, "lar, doce lar"...


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > Centro de Instrução Militar de Contuboel > CCAÇ 2479 / CART 11 (1968/69) > Um instruendo, de etnia fula, cuja identificação se desconhece (mas parece ser uma cara "familitar", a de futuro soldado da CCAÇ 12) ... A placa rodoviária assinala alguns das povoações, mais importantes, mais próximas, anorte: Ginani (17 km), Talicó (22 km), Canhamina (27 km), Fajonquito (30 km), Saré Bacar (39 km), Farim (96 km)...
 
Foto (e legeenda) © Renato Monteiro (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Fajonquito > c. 1972/74 > Rua principal de Fajonquito. Foto do álbum do José Cortes, ex-Fur Mil At Inf (CCAÇ 3549, Fajonquito, 1972/74 

Foto (e legeenda) © José Cortes (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


RECORDAÇÕES DA GUERRA DE BISSAU,
O CONFLITO POLITICO-MILITAR DE 7 DE JUNHO DE 1998


III (e Última) Parte - De 14 a 15 de junho de 1998:  
De Bafatá a Fajonquito


por Cherno Baldé (*)


8º dia, 14 de junho, domingo, Bafatá: recordações dos tempos de estudante e da OPAD - Organização Pioneiros Abel Djassi (1975/79)

Na tarde do dia 14 de junho de 1998, uma semana depois do inicio da guerra ( a 7 de junho), chegámos à cidade de Bafatá. E durante a viagem, para já, o único acontecimento de relevo tinha sido o facto do jovem condutor decidir voltar, ainda, até Nhacra antes de virar o rosto do camião para leste. 

Tive medo sim, por algum momento, por causa dos imprevistos e imponderáveis a que estava sujeito qualquer veículo equipado de motor e assente sobre um monte de ferralha e rodas de borracha. Se acontecesse alguma avaria ao camião seria uma grande desgraça para nós que voltávamos para trás depois de termos alcançado lugares seguros. 

Era uma aventura perigosa. Para me acalmar, dizia a mim mesmo que não havia razão para entrar em pânico e repetia isso várias vezes à minha consciência, mas sempre que olhava para as crianças o medo voltava a me invadir de novo.

Ao atravessarmos a ponte de Finete, perto de Bambadinca, entrámos na zona controlada pelos governamentais que, a acreditar naquilo que tínhamos visto no caminho, oferecia maior segurança as populações civis. Junto à ponte estava um destacamento de tropas da Guiné-Conacri e alguns tanques de guerra dissimulados no meio do arvoredo. Tudo novinho em folha. 

Depois de Bantandjan, finalmente, chegámos à cidade de Bafatá.

Mas antes, o camião atravessou a ponte sobre um braço do rio Geba, por onde corria a água turva carregada de material orgânico com que fertiliza as bolanhas nas suas margens, passou pela antiga fábrica de cerâmica, atravessou a rua Porto, passando pelo Liceu, o nosso velho Liceu onde está situado o memorial de Amílcar Cabral e foi parar no Bairro de Sintchã Bonódji, na saída para Gabú.

Sem contar com o número de pessoas que tinha afluído a esta cidade leste do país, fugindo da guerra de Bissau, não se notava qualquer diferença. Sim, Bafatá era ainda a mesma cidade de sempre, preguiçosamente estendida no dorso de um planalto meio adormecido que tínhamos deixado 27 anos atrás, quando partimos para continuar os estudos em Bissau (em 1979).

Esta cidade não será, certamente, a pior localidade da Guiné, mas para mim foi um inferno durante uns longos anos dos quais conservo uma péssima recordação dos tempos de estudante. Aqui, de rafeiro saído de um antigo quartel de brancos e filho querido de um lojeiro de uma pacata aldeia que, no fulgor da sua inocência, pontapeava o prato de farinha de milho que a avó lhe trazia à noite, tinha-se transformado num verdadeiro cão vadio. Nunca e em lugar algum tinha merecido tanto este animalesco cognome.

Lembrei-me de Boma (situada à frente do quartel), suas árvores frondosas e a água fresca das suas nascentes onde íamos esconder-se das brasas do calor que arrasavam os Bairros situados na parte mais elevada do planalto e a Ponte Nova e onde, também, íamos enganar a fúria das nossas fomes insaciáveis de estudantes sem tecto, fingindo estudar. 

O guarda da plantação de mangueiras e cajueiros nas profundezas de Boma cujo nome era Sekuel (1), nos conhecia de cor e deixava-nos assaltar a sua horta, na certeza de que não adiantava muito tentar impedir-nos. Era uma pessoa dotada de grande humanismo e de bom senso, vacilando entre as suas obrigações de guarda e os sentimentos de piedade para com crianças deserdadas. No princípio ainda tentou, mas rapidamente teria notado que, empurrados pela fome, a nossa insistência e capacidade de resistência eram fora do comum.

 Não tínhamos alternativa. Acabou por nos aceitar como se aceita a presença de animais roedores dentro da própria casa. De facto, durante mais de cinco anos, conseguimos sobreviver graças a nossa perícia em roubar e mendigar peixe e frutas, ora nos mercados ora nas hortas à volta da Cidade.

Foto à esquerda: OPAD - Organização Pioneiros Abel Djassi. Foto de perfil, página do Facebook (com a devida vénia...)


Ali estava Bafatá com os seus habitantes avaros e a sua juventude implacável que aceitava mal a invasão da mocidade mal fardada,  vinda das tabancas ao seu redor a quem apelidavam de mocidade treco (2). 

O certo é que, por qualquer razão, as nossas fardas destoavam sempre dos da cidade. Foi assim no tempo da mocidade portuguesa e foi assim com os pioneiros Abel Djassi. A farda era a mesma, mas a tonalidade das cores era sempre diferente. As meias, calções e sapatilhas não eram tão castanhos como se devia, a camisa era verde ou azul mas não tão verde ou azul como se devia e isto era motivo de chacota e de corre-corre entre os jovens incautos que tinham aceitado a aventura das paradas e acampamentos na cidade. Faziam-no de propósito, para se divertir.

Vindos de Contuboel, Gabú, Sonaco, Cossé, Pirada, Bajocunda, Paunca, Pitche, Bambadinca, Quebo, entre outras localidades, e abandonados numa cidade inospitaleira, o nosso bando era formado por jovens de todas as regiões, de todas as cores, com uma particularidade bem marcante. Todos tinham nascido e crescido com a guerra colonial e todos eram originários de antigos centros de aquartelamento de tropas portuguesas e muitos tinham aprendido as primeiras letras com soldados e oficiais portugueses.

Esta era, para todos os efeitos, a primeira geração formada nas escolas portuguesas dentro da comunidade Fula e talvez de todos os grupos étnicos (chamados gentílicos) na zona leste da Guiné-Bissau. 

A administração portuguesa só tardiamente (com o General Spínola), se tinha resolvido a seguir os conselhos de Teixeira Pinto, ainda no princípio do século XX, de criar escolas para os nativos em todos os postos militares, convencido que, a coragem e irredutibilidade do Guinéu estaria ao mesmo nível do seu obscurantismo (R. Pélissiér – História da Guiné).Mas, no fim, foram o PAIGC e a independência que colheram os louros da formação de quadros,  iniciada na década de 60 e acelerada a partir de 70.

Quando apanhavam um dos nossos durante os saques, os outros vinham em grupo ajudar o companheiro infeliz. Tínhamos regras a que éramos muito fieis, ajudar um ao outro e nunca faltar às aulas, com ou sem fome. Era a mesma lógica no enfrentar das situações de perigo e de necessidade. Roubar ou morrer de fome.


9º dia, 15 de junho, segunda feira, Fajonquito:  "lar, doce lar"...

A nossa estadia em Bafatá, não demorou muito, estávamos apressados. Dormimos uma noite e na manhã seguinte partimos para Fajonquito

Antes de partir, acompanhámos a Djenaba e as suas crianças a fim de apanharem o transporte que os conduziria até Bambadinca donde partiriam para a aldeia dos pais em Cacine, no sul do país. Despendi parte do meu dinheiro para os ajudar a alimentar-se durante o trajecto que seria, longo e, certamente, difícil nessa altura. (Distância Bambadinca-Cacine, 103 km).

Podia estar orgulhoso do meu trabalho, pois apesar das dificuldades, tinha conseguido tirar de Bissau duas famílias, ou seja,  10 pessoas. Também, já não restavam dúvidas que esta guerra iria durar. Foi com este pensamento que me despedi deles e da cidade de Bafatá, rumo à minha terra natal.

Engraçado, agora que estava a alguns quilómetros da minha tabanca, lembrei-me que o meu filho, nascido e criado na cidade, não sabia falar a nossa língua, como dizem os Fulas, era macaco que não sabia trepar

Também eu, alguns anos antes, não sendo filho de gente da cidade, quando me mudei para Bafatá, ainda não falava o crioulo. O meu filho fazia o percurso inverso num contexto e condições diferentes, porém, havia uma constante, era o mesmo país de sempre, a Guiné-Bissau como a Guiné de Cabo Verde, no desequilíbrio da balança, oscilando entre a guerra e a paz.
                                                                   
Bissau, de Junho a Dezembro de 2000
                                                                          
Cherno Abdulai Baldé
__________

Notas do autor:

(1) O sufixo el depois de qualquer nome na língua fula- Sekuel, Gadamael- Contuboel- significa pequenino e, logo, lindo. A beleza, entre os fulas, é algo intimamente associado ao que é pequeno, que não é grande.


5 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23050: Memórias do Chico: Refugiado na sua própria terra durante a guerra civil de 1998/99: 200 km e oito dias de aflição, entre Bissau e Fajonquito (Cherno Baldé) - Parte I: Bissau, 7-11 de junho de 1998

sábado, 5 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23050: Memórias do Chico: Refugiado na sua própria terra durante a guerra civil de 1998/99: 200 km e oito dias de aflição, entre Bissau e Fajonquito (Cherno Baldé) - Parte I: Bissau, 7-11 de junho de 1998


Guiné-Bissau > Bafatá > Setembro de 2000 > O filho mais velho do Cherno Baldé e de Geralda Santos Rocha, de seu nome Abduramane Santos Baldé,  "junto ao rio Geba na baixa de Bafatá, em viagem para Fajonquito, em Setembro de 2000. Teria eu, mais ou menos, a mesma idade quando fugimos de Samba-Gaya em 1964"... Hoje formado em engenharia de energias pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - UNILAB.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sector de Contuboel > Fajonquito > 2006 >  Os quatro filhos de Cherno Baldé e de 
Geralda Santos Rocha. 


Guiné-Bissau > Bissau > s/d > "Minha mulher, Geralda Santos Rocha, natural de Bissau, com quem sou casado desde 1992, período que coincide com a minha passagem por Lisboa (1992/94) para frequência do curso no ISCTE"

Fotos (e legendas): © Cherno Baldé (2010). Todos os os direitos reservados. [Edição e legendagem complementa: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

1.  O nosso amigo e colaborador permanente do nosso blogue, Cherno Baldé, formado na antiga União Soviética em Planificação e Gestão Económica (Universidade de Kiev, 1990), com uma pós-gradução no ISCTE-IUL (Lisboa, 1992/94), é uma testemunha privilegiada dos acontecimentos do seu tempo, desde miúdo, quando foi apanhado pela "guerra de libertação" ou guerra colonial, logo em 1964, na sua terra natal, no regulado de Sancorlã.

De 1968 a 1974 viveu em Fajonquito, tendo-se tornado um "cão rafeiro" do quartel local... Afeiçoou-se aos militares portugueses que passaram por aquele arquartelamento da região de Bafatá, sector de Contuboel, perto da fronteira com o Senegal, e que lhe puseram a alcunha de "Chico"... É autor de um notável série, "Memórias do Chico, menino e moço" (de que já publicámos, a partir de 2011, mais de meia centena de postes).  Integra a nossa Tabanca Grande desde 18 de junho de 2009. Tem  255 referências no nosso blogue.

Depois da independência, foi estudar para Bafatá, em 1975 (ciclo preparatório e parte do ensino secundário). Em 1979 vai frequentar o liceu de Bissau, que acaba em 1982. Em 1986 parte como estudante bolseiro para a URSS (Moldávia e Ucrânia). Teria já os seus 26/27 anos (nasceu por volta de 1959/60).

Regressa, com uma licenciatura, ao seu país em 1990, já depois da queda do "muro de Berlim" e a "implosão" da União Soviética. Casa-se em 1992 e faz uma pós-graduação no CEA - Centro de Estudos Africanos /ISCTE, em Lisboa (1992/94). 

Em 1998, está em Bissau, a trabalhar como quadro superior na administração pública, mais exatamente no  Ministério das Infraestruturas, Transportes e Comunicações onde exerce as funções de director do gabinete de estudos e planeamento. Vive em Brá, no chamado Bairro Militar, com algumas regalias.

No dia 7 de junho de 1998 é apanhado pelo golpe de Estado e a subsequente guerra civil de 1998/99.  É obrigado a deixar a sua casa, no Bairro Militar, e sair de Bissau com a família (ele, a esposa, o filho de 3 anos e uma sobrinha de cinco ), mais a família da irmã da sua esposa, de nome Djenaba, num total de 10 pessoas (3 adultos e 7 crianças),  refugiando-se na sua terra natal, Fajonquito. 

Deixam a casa, em Bissau, no dia 11,  chegam a Safim, procurando desesperadamente por um transporte que os leve para longe da guerra, para Fajonquito. Consegue, através dos seus conhecimentos, uma boleia para Mansoa, a 13 de junho, até apanhar um camião, que o leva ao seu "refúgio", em Fajonquito, aonde chega no dia  seguinte, passando por Bambadinca e Bafatá. Nesta viagem faz também uma "retrospetiva" do seu passado recente (os anos passados em Bafatá, em 1975/79, e depois na URSS, 1986/90).

Em 2001/02, o Cherno viu-se na contingência de ter de emigrar para Portugal, onde trabalhou na construção civil, como simples "trolha" na construção do complexo Alvalade XXI. É sportinguista de coração.

Voltamos a reproduzir, em três partes, as memórias que ele nos mandou, em 16 de setembro de 2010,  desses tempos difíceis, que ele soube enfrentar e superar com coragem, inteligência emocional,  lucidez e sentido de solidariedade (*).


 2. Excerto de mensagem que o Cherno Baldé nos mandou há quase 12 anos atrás:

Data - 16/09/2010, 12:40
Assunto - Recordações da guerra de Bissau

 Estimado amigo e irmão Luís Graça,

Juntamente envio mais um texto fazendo parte das minhas habituais crónicas ou memórias do passado. Mudando um pouco de cenário, desta vez, os acontecimentos retratados são mais recentes e centrados sobre as tribulações de uma pequena família, melhor, do seu desajeitado chefe, no início da guerra de Bissau em 1998. Propositadamente, passei por cima do período que vai dos tempos de estudante em Bafatá, depois Bissau e da passagem pela antiga URSS. Voltarei, mais tarde, a este período se houver interesse. (**)

O presente texto foi por mim escrito em 2000, alguns meses antes de emigrar para Portugal onde participei, em 2001/2002,  na construção do complexo Alvalade XXI (onde se enontra o novo Estádio José Alvalade, como servente de qualquer coisa, na verdade não tinha as qualidades requeridas mas contava com a "cunha" ou  ajuda de uma família Portuguesa com a qual mantínhamos excelentes relações de amizade e estima. 

Os encarregados topavam logo,  com o meu ar intelectual e a falta de jeito. Mandaram-me embora por duas vezes e reentrei outras tantas. Aí reencontrei os meus primos Ucranianos, enfim, foi muito interessante e enriquecedor. (...)

Cherno Baldé (Chico de Fajonquito)

PS - A foto mostra o meu filho junto ao rio Geba na baixa de Bafatá, em viagem para Fajonquito, em setembro de 1998. Teria eu, mais ou menos, a mesma idade quando fugimos de Samba-Gaya em 1964.


RECORDAÇÕES DA GUERRA DE BISSAU, 
O CONFLITO POLITICO-MILITAR DE 7 DE JUNHO DE 1998

Parte I -  Bissau, 7-11 de junho de 1998

1º dia,  7 de junho de 1998, domingo: o rebentar do conflito

Na madrugada do dia 7 de Junho de 1998 (**), ainda na cama ouvimos, de longe, tiros de armas de guerra. Na manhã do mesmo dia, ouviram-se tiros de armas pesadas,  acompanhados de rajadas de metralhadoras. 

Em casa, apercebemo-nos que se passava coisa séria para justificar tamanho tiroteio. Sentámo-nos à mesa para o pequeno-almoço. Aqueles tiros não nos incomodaram em nada, afinal já tínhamos vivido outros golpes, coisa banal, seriam escaramuças localizadas e algumas mortes mas depois tudo voltava a normalidade.

Pessoalmente, e sem estar informado de nada, já estava do lado dos revoltosos. Podia ser da idade ou simplesmente pela mania das revoluções. Fosse quem fosse, na minha opinião, achava que já era tempo de varrer o regime vigente para instaurar uma nova ordem, inverter a marcha que estava a afundar o país e aprofundar o fosso da desigualdade económica e social entre uma elite parasitária vivendo à custa do Estado e a maioria da população, cada vez mais paupérrima e despojada de recursos e de oportunidades.

Por volta das 8h00, o governo, através do seu ministro da defesa nacional, comunicou pela rádio que um grupo não identificado tinha assaltado o quartel-general (QG) mas que tinha sido rechaçado e que todos ficassem em casa até ordens ao contrário.
 É um golpe de estado, de certeza! – disse para a minha mulher, quase com satisfação.

Entretanto, pediam calma a população enquanto nos quartéis havia uma grande agitação. Todas as estradas de acesso ao centro da cidade estavam bloqueadas, havia confrontos em Santa Luzia (QG), muita agitação nos aquartelamentos de Brá e na Base Aérea, onde tropas do governo tentavam desalojar os revoltosos ou vice-versa.

Seguiu-se uma acalmia de algumas horas e, no início da tarde, houve um ataque ao quartel de Brá com armas ligeiras, sem qualquer efeito especial, pois a situação mantinha-se na mesma, ou seja, de vez em quando ouviam-se tiros de armamento pesado, seguido de um compasso de espera. 

As horas que se seguiram foram de uma grande curiosidade, toda a gente sabia tratar-se de um levantamento militar mas ninguém sabia nada sobre os cabecilhas da revolta.


2º dia, 8 de junho, segunda feira: o início de um calvário que só terminaria um ano depois, com o fim da guerra

A partir do segundo dia, 8 de junho, começaram a circular algumas informações sobre o levantamento. Agrupados a volta do antigo CEMGFA, Brigadeiro Brick-Brack (por sinal, mais um voluntário, chefe de guerra, originário dos países vizinhos, na senda de Abdul Indjai e Companhia), uma parte das tropas e antigos combatentes tinham-se amotinado contra o regime. 

As autoridades continuavam a pedir calma e assegurar que tudo era uma questão de tempo até controlarem a situação. Houve várias tentativas de tomada de assalto ao aquartelamento de Brá mas a situação continuava tensa e incerta.

Com a intensificação dos confrontos fomos avisados pela parte governamental de que devíamos evacuar a zona onde habitávamos, temporariamente, senão arriscávamo-nos a ficar entre dois fogos e sermos alvo de bombardeamentos. 

Oh, pá! Não, já não estava assim tão satisfeito com esta decisão que nos afastava das nossas casas. Era, de facto, o início do nosso calvário que só terminaria com o fim da guerra, um ano depois.

O meu irmão mais velho convocou uma reunião de emergência para nos informar que os membros da nossa família, enquadrados por ele, deviam afastar-se um pouco, mais a leste nos confins do Bairro militar, eu deveria ficar para cuidar da casa. Não houve contestação e assim, sem preparação adequada, as mulheres, pegando naquilo que podiam mais as crianças, rapidamente, seguiram para cima, a leste do Bairro, onde ficariam ao abrigo da artilharia que estava a visar a nossa zona.

Esta forma simplista e confiante de pensar que tudo se resolveria rapidamente revelou-se depois muito prejudicial, pois, o que se previa ser para algumas horas viria a durar mais de um ano, e passo a passo seriamos obrigados a seguir para mais longe, longe e longe, e finalmente seria o refúgio.


3º dia, 9 de junho, terça feira: saída da família do Bairro Militar para o Bairro da Ajuda

No terceiro dia, 9 de Junho, o meu irmão comunicou-me a sua decisão de sair de Bissau e partir para Fajonquito, nossa aldeia natal, onde iria esperar pelo desfecho da guerra em que se tinha transformado o levantamento de alguns dissidentes do regime. 

Sem saber que decisão tomar, acompanhei o meu irmão e um grupo de pessoas que tinham decidido sair de Bissau. Mandei a minha esposa e filho juntar-se à sua irmã mais velha, Djenaba, no Bairro de Ajuda, na esperança de que talvez aquilo terminava em breve. Eu fiquei em Brá, na nossa casa. Entretanto, comecei a pôr em marcha um dos princípios de Amílcar Cabral ou seja, esperar o melhor, preparar-se para o pior.

Com o dinheiro que tinha, fui comprar alguns mantimentos pois calculava que dentro em breve podia não haver nada para vender ou comprar. No mercado alguns cacifos estavam abertos, as pessoas estavam agrupadas à volta de aparelhos de rádio ouvindo as poucas informações que a RTP fornecia e comentavam os últimos acontecimentos que circulavam de boca em boca. 

Foi aí que ouvi alguém dizer que os amotinados estavam a receber reforços de outros aquartelamentos do interior e que muitos jovens estavam a aderir às fileiras dos revoltosos. A proporção que o problema estava a ganhar e a perspectiva de que o conflito poderia arrastar-se por muito tempo, desanimou-me muito.

Voltei para casa, abri o rádio para acompanhar a RTP, única rádio em funcionamento, que tentava conseguir informações sobre as razões do motim e os nomes dos cabecilhas. Tornou-se evidente que a situação no terreno não era tão favorável aos governamentais como faziam crer pela rádio nacional. Passei a noite em claro pois, os tiros eram esporádicos mas repetitivos.


4º dia,  10 de junho, quarta-feira: relembrando o pesadelo de Kiev, em 1990 ("Matem o macaco preto!")

Na manhã do quarto dia de conflito, 10 de junho, sai de casa, atravessei a estrada principal do Bairro militar, tendo reparado que a estrada estava bloqueada e vigiada por tropas governamentais e que não havia circulação de viaturas. 

Para chegar ao Bairro de Ajuda, onde se encontravam minha esposa e filho, a única maneira era atravessar a bolanha a pé, lá para os lados de “Manel Iagu”. Foi para onde segui. Estava absorto nos pensamentos que se afluíam a minha mente de forma desordenada.

Lembrei-me dos tempos de estudante em Kiev e, da tensão permanente em que vivíamos, atravessando as ruas, com medo da agressão dos jovens locais que não perdiam uma única oportunidade para nos maltratar, física e verbalmente. 

Por várias vezes, tinha sido alvo de agressões violentas, não propriamente por racismo, penso eu, mas porque estavam naquela idade quando se sente a necessidade de assumir riscos e desafiar o "status quo". Pese embora a nossa precária situação, não dávamos o braço a torcer. Uma vez, traído pelo embaciamento dos meus óculos devido ao frio, tinha entrado, sem dar conta, no meio de um bando de jovens, alguns dos quais tinham o dobro do meu peso e mediam perto de dois metros de altura numa zona considerada perigosa para os estrangeiros.

De repente senti que alguém me segurava por trás, impedindo-me de avançar. Estava com medo, mas nem por isso vacilei, virei-me para enfrentar quem quer que fosse. Os homens presentes diziam: "Matem o macaco preto!"... 

As mulheres, sempre mais humanas, gritaram-me para que fugisse. Eram muitos, aguentei por algum tempo mas depois tive mesmo que fugir debaixo das pedradas e insultos daqueles jovens ainda na idade da inocência, desprovidos de sentimentos de piedade e de amor ao próximo. 

Na briga, tinha perdido os óculos, as compras e parte das minhas vestes. As costelas, doridas, deixavam entrar o frio por todos os lados em pleno inverno russo. Consegui arrastar-me andrajoso, sob o olhar curioso dos transeuntes, até a residência dos estudantes. Não queria que os colegas soubessem, mas os sinais no corpo eram por demais evidentes, tinha levado uma sova a valer. Estávamos em 1990 e a União Soviética tinha entrado na sua fase irreversível de Perestroika e nunca voltaria a ser a mesma dantes. O perigo espreitava de todos os cantos.


“Minha Rosa - Diminga” ou a luz brilhante de um horizonte inacessível

No momento, nesse dia 10 de junho de 1998, também estava com medo. Um medo indefinível e amplo que acariciava todo o meu corpo e apresentava-se no horizonte da minha vida que ainda agora começava a florir. 

A minha situação profissional e familiar era estável, podia-se mesmo dizer boa, em comparação com a grande maioria, tinha a família que ambicionava e era director numa instituição pública ligada à manutenção das rodovias, ganhando relativamente bem.

No caminho, ainda se ouvia o ribombar dos obuses a partir da base aérea. O ruído atravessava toda a cidade para se perder nas águas do rio Geba. E cada vez que isso acontecia, instintivamente, curvava-me todo para a frente como se quisesse evitar que algo invisível me cortasse ao meio. À minha frente seguia o vulto de uma mulher que, também, fazia a mesma ginástica rítmica. Durante a marcha, caíamos e levantávamo-nos juntos sem parar, ao ritmo dos disparos, ela à frente e eu atrás.

Apesar do medo e da urgência do momento, acabei por fixar o meu olhar nela de forma insistente. Havia qualquer coisa de invulgar na sua forma de andar. Sobretudo, tinha reparado no movimento ondulatório das suas ancas. 

Porque é que insistentemente o meu olhar vai para as nádegas das mulheres? Não sei, ninguém me ensinou, deve ser hereditário. Fixei o meu olhar nas nádegas. Havia uma harmonia incrível de movimentos que me embalava e me cativava, que iniciava nos seus pés bem firmes no chão e subia, subia até as tranças dos cabelos levemente amarrados por detrás da cabeça felina. Ela possuía um corpo bem consistente, cheio e flexível que combinava com a dança frenética de subidas e descidas ondulatórias das nádegas –“unata defata ko iarta beréberé!” (1).

Era estranho, os habitantes de Bissau viviam sob o choque de uma brutal guerra de quartéis, por enquanto, e eu devia pensar em coisas sérias, ia encontrar-me com a minha família e devia pensar numa forma de os tirar de lá. O meu irmão já tinha saído e toda a cidade estava em fuga. Eu não, estava ali colado atrás de umas nádegas que não conhecia de lado algum mas que me atraíam como as flores atraem as abelhas.

Impávido e feliz por aquele momento divino de contemplação, já não andava, corria, corria atrás daquela figura que parecia uma luz brilhante no horizonte inacessível da minha vida povoada de cenários de guerras. Sim, uma luz como a lua cheia numa noite escura que brilha mas não ofusca a vista, visão celestial. Corria como um sonâmbulo com as mãos em concha estendidas para a frente, num gesto ridículo e egoísta de não deixar cair nenhuma gota daquele mel doce da minha alucinação.

Julgo que caminhámos três quilómetros.
 Ou foram sete? Não sei dizer. Aquele cenário não me era estranho de todo. Onde o teria visto ou vivido? Ah! Sim, foi no caminho de fuga entre Berécolon e a fronteira do Senegal, ainda criança na inesquecível noite do ataque dos eternos terroristas da nossa terra em 1964. 

Não, é o filme de Flora Gomes, Mortu Nega.. Estamos a caminhar com o grupo de guerrilheiros que vai reforçar a frente destroçada pelos bombardeamentos da aviação inimiga. Atravessamos a lala a correr, curvados para a frente e agora embrenhamo-nos na floresta. “Cuidado com as minas!”, é o Capitão Mamadú que, à frente da coluna, de silhueta imponente, nos ordena: “Coloquem os pés em cima das minhas pegadas, e deitem-se no chão ao menor ruído!”. 

Parece imune ao perigo que nos espreita do ar e da terra, este rapaz valente. Ainda nos avisa: “Vamos acelerar o passo e, se ouvirem o roncar de um helicóptero, dispersem-se e coloquem-se debaixo do primeiro arbusto, se não houver arbustos, então transformem-se em baga-bagas dobrando o corpo em dois!”.
 Hé, badjuda, kuma ki´u nomi? – pergunta a mulher grande à miúda a minha frente.
 Amí tchoma Diminga, Diminga de Bithame.

A velha, sorrindo insiste:
N´hundê ku-na bai ?
N´na bai djubi nh´ome k´stá na frénti – responde esta.

É isso, é a Diminga que está a minha frente. Chegamos à travessia d´água. A menina pára e vira-se para mim olhando, pela primeira vez, e cruza-se com o vazio dos meus olhos de sonâmbulo, fixos nas suas ancas largas e apercebe-se, num relance, da enormidade do desejo que me aflige. Ou não se apercebe? Pega na minha mão para ajudar-me a atravessar a água lamacenta. Sem perder tempo, aproveito o momento e a mão estendida para abraçar o seu corpo inteiramente e adormecer feito criança.
 Já cheguei! – diz ela.

Não compreendo. Como pode ela chegar se eu ainda nem comecei a andar embalado no seu peito macio, pensei comigo.
 Já cheguei a minha casa, agora podes continuar o teu caminho!  repetiu ela.
Aproveitando a abertura do seu sorriso, balbuciante, perguntei:
Kuma kí´ú nomi?
 Nha nomi´i Rosa – respondeu, baixando o seu rosto para fugir do meu olhar prenhe de angústias. 

Sem delongas, virou-se e seguiu seu caminho bambaleando levemente aquelas nádegas da minha perdição. “Rosa, chamam-te Rosa minha preta formosa, e na tua negrura, teus dentes se mostram sorrindo, teu corpo baloiça, caminhas dançando, lasciva e ridente, vais cheia de vida, vais cheia de esperança, em teu corpo correndo a seiva da vida, tuas carnes gritando e teus lábios sorrindo” (2).

Esquecido do mundo e da guerra, fiquei especado no chão a olhar infinitamente como se aquela imagem que se perdia lá longe levava também consigo o fim da minha atribulada existência de combatente do nada num mundo em constante mutação e de fugas para a frente. Lutas de libertação e/ou de apropriação, as aldeias queimadas e os campos abandonados, o fardo das regras e religiões que chegaram com o mundo novo, tudo, temperado no inevitável processo de esvaziamento da alma, a globalização, o gesto ridículo do mimetismo cultural, golpes e contra golpes, programas de ajustamento, crises financeiras…

Ela não disse se era de Bitháme. Será que isso interessa? Também não tinha perguntado. Cheguei ao Bairro d´Ajuda sem saber se tinha caminhado ou voado com as asas que a visão daquela Rosa-Diminga me tinha incorporado. 

Em casa da Djenaba, minha cunhada, reinava uma calma aparente pois, estando o marido fora, ela sozinha estava desorientada. Fazia e desfazia bagagens sem saber o que levar e o que deixar. Disse-lhes que devíamos fazer o que toda a gente estava a fazer, ou seja, sair para fora da cidade. Pegar o mínimo essencial, isto é, uma garrafa de água em cada mão.
 Não!  disse-me prontamente Vamos esperar até amanhã.

Mais tarde soube que afinal ela não se tinha decidido a sair porque os seus vizinhos ainda não o tinham feito. Voltei para casa. Os tiros tinham cessado. Àquela hora da noite, já não havia nenhum movimento nas ruas do Bairro Militar e certamente as casas também encontravam-se vazias. A noite foi silenciosa, longa e tensa. Eu, a tentar dormir, os ratos a explorar regiões antes proibidas na casa deserta, lá fora as BM (“baevie machine” - que literalmente significa máquinas de guerra em russo) a cuspir fogo de Estaline.


5º dia, 11 de junho,  quinta-feira: a guerra civil em marcha

Na manhã do dia seguinte ainda continuaram os tiros dos obuses. Dirigi-me ao mercado. Ainda havia gente aglomerada em alguns pontos tentando encontrar alguma coisa para provisão da casa ou do caminho. 

Todavia, o cenário de vaivém tinha dado lugar a uma única e longa fila de saída para fora da cidade. Depois do falhanço, um dia antes, da tentativa encetada por uma comissão "ad-hoc" de algumas pessoas de boa vontade de fazer sentar as duas partes na mesa de negociações, ficou claro para toda a gente que o conflito iria durar, transformando-se em guerra civil. 

O Comandante em Chefe não admitia negociar com um grupo de bandidos. Os primeiros contingentes de tropas dos aliados do Norte e do Sul já estavam a desembarcar no porto. Era uma situação insustentável. O fluxo das pessoas a caminho do refúgio era cada vez maior.

(Continua)
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Notas do autor:

(1) “Não pila, não cozinha mas come do melhor “– Uma elegia masculina dedicada ao balanço ondulatório das nádegas da mulher africana, na lingua Fula.

(2) Amilcar Cabral (1924-1973), antologia poética.


3. Comentário do editor LG:

Os portugueses, felizmente, não sabem o que é uma guerra civil desde os anos de 1830 (lutas entre liberais e absolutistas, 1828-1834) nem o que é a invasão do solo pátrio por tropas estrangeiras desde as invasões napoleónicas (1807-1810)...

Podemos, no entanto, tentar pôr-nos na pele dos nossos amigos guineenses, o Cherno Baldé e família, o Pepito e família, o Patrício Ribeiro e outros, que estavam lá, em 7 de Junho de 1998, quando a Junta Militar de Ansumane Mané tentou derrubar 'Nino' Vieira (o que viria a acontecer quase um ano depois, em maio de 1999, após um conflito sangrento, que incendiou todo o país e que levou muitos guineenses ao exílio  (caso do Pepito e da Isabel Levy,  por exemplo, que foram viver para Cabo Verde  durante cerca de um ano)ou a ref+ugio da terra natal (como foi o caso do Cherno Baldé e família).

É um período da história recente da Guiné-Bissau mal conhecido dos antigos combatentes portugueses que fizeram a guerra colonial... Nessa altura (1998/99) andávamos distraídos com outras coisas e, se calhar, tínhamos pouca pachorra para sequer ouvir e entender os eternos problemas dos nossos pobres amigos  guineenses... Além disso, Lisboa estava em festa, com a Expo 98, que decorreria entre maio e setembro de 1998...

O Cherno dá a verdadeira dimensão, humana, ao conflito político-militar que levaria à queda de um regime, à invasão do país de tropas estrangeiras (Senegal e Guiné-Conacri), à desertificação e pilhagem de Bissau, à miséria, fome e pobreza,  enfim, ao agravamento, ainda mais brutal, das condições de vida dos guineenses... No final, o conflito saldou-se por alguns milhares de mortos e a duas ou três centenas de milhares de refugiados,

No caso do Cherno, era preciso pôr a família a salvo, numa viagem de mais de uma semana, de sobressaltos, de Bissau a Fajonquito (menos de 200 km), passando por Nhacra, Mansoa, Bambadinca e Bafatá... Tinha o seu filho mais velho três anos...

Obrigado, Cherno, é mais um depoimento comovente mas ao mesmo atravessado por surpreendentes reflexões filosóficas e éticas sobre a condição humana...  

PS - As marcas deste grave conflito político-militar ainda hoje são visíveis, nomeadamente em Bissau. Veja-se aqui uma reportagem (com vídeo) feita em 7 de junho de 2019 pela DW - Deutsche Well, da autoria do jornalista Braima Darame ( "Guerra de 7 junho deixou Guiné-Bissau frustrada e a culpa é dos políticos".
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Notas  do editor:

(*) Vd. poste de 17 de setembro de  2010 > Guiné 63/74 - P7002: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (19): Fugindo da guerra civil, de Bissau a Fajonquito, Junho de 1998 (I Parte)

(**) Trata-se de 7 de Junho de 1998 e não 1997, como por lapso escreveu o autor. Foi o início da longa e sangrenta guerra civil na Guiné-Bissau. Nesse dia de domingo, 7 de Junho de 1998, um grupo de militares, liderado formado pelo brigadeiro Ansumane Mané (antigo chefe do Estado-Maior) fez um golpe de Estado com vista à queda do presidente 'Nino' Vieira. As tropas militares rebeldes entraram em confronto com as forças presidenciais, que serão ajudadas pelo Senegal e pela Guiné-Conacri.

Este conflito vai provocar centenas de mortos e milhares de refugiados guineenses, não só em Bissau como noutras localidades, que se espalharam pelo interior e por diversos países (incluindo Portugal).

Haverá uma primeira tentativa de acordo nos dias 25 e 26 de julho de 1998, altura em foi celebrado o "Memorando de Entendimento", um documento que, em 25 de agosto, viria a dar lugar ao cessar-fogo. As delegações do Governo da Guiné-Bissau e a Junta Militar, de Ansumane Mané, concordam em fazer um trégua. 

 No entanto, as coisas iriam complicar-se... A guerra civil prolongar-se-ia por mais quase um ano, com lutas pela conquista do território e expulsão das tropas estrangeiras, aliadas de 'Nino' Vieira. 

A maior parte da Guiné-Bissau acaba por ficar sob o domínio das forças revoltosas. 'Nino' Vieira acaba por aceitar um cessar-fogo em 7 de maio de 1999. Refugia.se na embaixada portuguesa durante um mês, seguindo depois para um exílio de seis anos  em Portugal (na sua residência em Gaia, arredores do Porto).

Fonte: Adaptado de Nino Vieira. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2010. [Consult. 2010-09-17].Disponível em http://www.infopedia.pt/$nino-vieira.