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terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25191: Jorge Cabral (1944-2021): Histórias de um Professor de Direito: Antologia - Parte II: "32. No Bar"... ("Era um tristíssimo bar de bairro, frequentado por uma clientela anos sessenta. Homens que tinham feito a guerra sem amor e o amor sem guerra. Mulheres à volta com o croché da rotina, a malha do cansaço e a renda da chatice.")

 

Jorge Cabral (1944-2021)

Capa do livro de Jorge Cabral, "Histórias de um professor de Direito: colectânea de testes da cadeira de Direito da Família e Direito de Menores (Lisboa: APSS - Associação de Profissionais de Serviço Social; Alfredo Henriques, 2007, 71 pp. ; ISBN; Alfredo Henriques - 972-98840-05 | APSS - 972 - 95805-1-0)

Dedicatória manuscrita para o edit0or do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné: 

“Para o Luís,  camarada, companheiro e amigo, um conjunto de testes, frequências e exames que até parecem ‘estórias'. 

Lx, , Fev  2007, Jorge Cabral."


1. Confesso que tenho saudades do nosso "alfero Cabral", o Jorge Cabral (1944-2021). O mais "paisano" dos militaes que alguma vez conheci... Com o seu inseparável cachimbo... e o seu sorriso, meio amargo e meio trocista... Com o seu humor desconcertante... 

Ultimamente tenho andado a reler o exemplar autografado, que me ofereceu em 2006,  das suas "Histórias de um Professor de Direito" (publicado em 2002)... 

Nunca fomos muito "íntimos". Mas éramos cúmplices. Nem ele nem eu éramos dados a ter muitos amigos do peito... (Amigas, sim, teve ele milhares, as suas alunas; sempre foi bendito entre as mulheres.)

Eu tinha muita estima e afeto por ele, embora privássemos pouco. De vez  em quando eu telefonava-lhe. (A iniciativa era sempre minha. Em geral, por causa do blogue. E,  nos seus últimos meses de vida, por causa da maldIta doença que o iria matar.) 

E encontrávamo-nos, pelo menos anualmente, nos  encontros da Tabanca Grande, em Monte Real.  (Tenho pena de nunca ter bebido um copo com ele na  noite de Lisboa; tinha-lhe sugerido que o lançamento do I volume das "estórias cabralianas" fosse num bar do Cais do Sodré, mas infelizmente sobreveio a pandemia.)

Era sobretudo por email que íamos pondo a conversa em dia... Ele sempre muito lacónico,  eu mais palavroso...

Conhecemo-nos na Guiné, em Bambadinca, no período de 1969/71. Ele, num Pelotão de Caçadores Nativos, o Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71). Eu, na CCAÇ 12... Fizemos algumas operações conjuntas.

Reencontrámo-nos muito mais tarde, primeiro no blogue mas também, uma vez ou outra,  no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa (cooperativa de ensino criada em 1935, ali no Largo do Mitelo) ou mais tarde na Universidade Lusófona, ali no Campo Grande.

Em homenagem ao nosso "alfero Cabral" (1944-2021),  de quem publicámos na íntegra as "estórias cabralianas", aqui fica então mais uma das provas (sob a forma de casos) a que ele submetia os seus alunos (na sua grande maioria, alunas) da licenciatura em serviço social, para efeitos de  avaliação de conhecimentos da cadeira de Direito da Família e Direito de Menores.

Reconhecemos, na sua "casoteca", nestas três dezenas e meia de "Histórias de um Professor de Direito",  a mesma verve, o mesmo  estilo narrativo, o mesmo poder  de observação, a mesma imaginação criativa, a mesma brejeirice, o mesmo  humor negro, etc., das "estórias cabralianas"... Mas agora  também com um registo mais forte de inquietação, compaixão e empatia, para com aqueles e aquelas que vivem paredes meias com a marginalidade social, a exclusão, a pobreza, a discriminação, a transgressão, a violencia, o álcool, a droga... 

Destaque para o contexto pungente  desta "conversa" entre dois homens à procura da paternidade  perdida... 

(...) Era um tristíssimo bar de bairro, frequentado por uma clientela anos sessenta. Homens que tinham feito a guerra sem amor e o amor sem guerra. Mulheres à volta com o croché da rotina, a malha do cansaço e a renda da chatice. Elas já falavam dos seus úteros elas como quem fala dos parentes, enquanto eles bebiam, bebiam sempre copos atrás de copos, com o ar enfastiado de quem cumpria quem cumpre um ritual.(...)


2. Histórias de um Professor de Direito > III. Dos Filhos (nascidos de encontros, desencontros, equívocos e mentiras)

32. No bar

por Jorge Cabral  (pp. 65/67)


Era um tristíssimo bar de bairro, frequentado por uma clientela anos sessenta. Homens que tinham feito a guerra sem amor e o amor sem guerra. Mulheres à volta com o croché da rotina, a malha do cansaço e a renda da chatice. Elas já falavam dos seus úteros como quem fala dos parentes, enquanto eles bebiam, bebiam sempre copos atrás de copos, com o ar enfastiado de quem cumpria um ritual.

Apetecia fugir. Desfraldar um bandeira. Gritar um ipiranga. Mas não. Já não podia deixar aquela mesa onde também bebia um xarope para a tosse que o empregado garantia ser whisky, puríssimo  e importado. À minha mesa, dois parceiros, de ocasião, desafinavam um diálogo absurdo e incoerente. Cláudio estava suavemente bêbado,  e sofria.  Porque não queria sofrer só, convidava-nos a sofrer com ele,  e por isso nos contava todas aquelas desgraças. Claudino ouvia, comentava e,  às vezes perguntava. Mas sempre a despropósito.

Não cheguei a perceber se o fazia intencionalmente. Ou era muito estúpido ou muito inteligente, o que, aliás, acontece a todos nós. Tudo depende das circunstâncias, do tempo e do lugar.

Vou tentar reproduzir o que lhes ouvi dizer, tentando ser fiel neste relato.

Cláudio (quase a chorar) Hoje deixei de ser pai. Fui inibido. 

Claudino −  Também já fui assim. Passou-me com a idade.

Cláudio − Diz a sentença que bebo. Que não ligo às crianças.

Claudino  − O meu primo Gustavo também pagou uma multa por causa do balão.

Cláudio  − O advogado diz que pode ser levantada.

Claudino   Quem?

Cláudio    A inibição.

Claudino – Ah! Essa!

Cláudio −  E tudo por causa dela. Que  me trocou pelo carteiro.

 Claudino   Se calhar, precisava de óculos.

Cláudio −  Apanhei-os na cama, na minha cama.  E ele ia lá todos os dias.

Claudino   O carteiro toca sempre duas vezes.

Cláudio −  Ele tinha a chave. Aliás já os tinha visto no elétrico dos Prazeres. 

Claudino −  Isso é cinema pornográfico. Não gosto.  Prazeres elétricos, que estupidez!

Cláudio − Foi por isso que comecei a beber e deixei de lá morar. Mas ela também abandonou as crianças. Até fomos suspensos os dois do poder paternal.

Claudino  − E não caíram?

Cláudio − Os miúdos forem internados no lar de São Teotónio. Ainda lá estão. Parece que vão ser adotados.

Claudino (distraído)  − A droga é um verdadeiro flagelo.

Cláudio − Se eu conseguisse que ela fosse também inibida, ficávamos empatados.

Claudino − Os inibidos empatam sempre. É preciso descontração.

Cláudio  − Eu não consinto. Não assino nada. Mas o advogado diz que eles podem ser confiados.  

Claudino    Sempre há gente muito desconfiada.

Cláudio  − E nem eu sei quem  os quer adotar. É  segredo. Dizem que vão para o estrangeiro.

Claudina − A poluição tem muitas culpas.

Cláudio −  O meu mais velho já tem doze anos. Não sei se com essa idade ele já tem opção.

Claudino  − Depende do contrato. O Oceano vai para o Benfica.

Cláudio−   Ah! Se eu  acabasse com a inibição e ganhasse o divórcio, resolvia tudo, anulava as adoções e voltava a ser pai.

Claudino foi à casa de banho e eu aproveitei para me despedir. A cena passou-se ontem e eu prometi solenemente, a Cláudio,  levar-lhe hoje os vossos testes, para que ele compreenda integralmente a situação.

Coitado do Cláudio!

 Comente, clarifique, descreva,  interrogue e solucione.


(Transcrição e r
evisão / fixação de texto: LG)
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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25125: Jorge Cabral (1944-2021): Histórias de um Professor de Direito: Antologia - Parte I: "25. No Regimento de cavalaria"...

(...) Comentário de Tabanca Grande Luís Grça:

Tristeza, "alfero Cabral", nem um único comentário ao teu "amoroso" livrinho!...

Como é que tu estás? "Minimamente confortável" no pedacinho de universo que te coube em sorte, "post-mortem", "lá na tua estrelinha"? É para onde vão as "alminhas" (como tu gostavas de chamar às tuas alunas) que desaparecem, e que nós amamos, como eu explico à minha neta que tem pouco mais de 4 anos... E o teu neto, "tens falado com ele"?... Mantenhas, saudades das bajudas de Fá Mandinga, Fá Balanta, Missirá, Bambadinca e Bafatá...

2 de fevereiro de 2024 às 12:37 (...)

domingo, 7 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24293: História de vida (52): O Baú (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

O BAÚ

ADÃO CRUZ
Nossa avó materna, Raquel, na foto, natural de Vieira do Minho, foi para o Brasil, Rio de Janeiro, ainda adolescente. Meu avô materno, Virgolino, na foto, natural de Vale de Cambra, já se encontrava no Brasil. Conheceram-se, tinha ela dezasseis anos, ele raptou-a e casaram. Tiveram quatro filhos, os dois mais velhos, Mário e Maria, na foto, um terceiro que morreu e nossa mãe, a mais nova, nesta altura da foto ainda não nascida.

Nossa mãe nasceu há cento e dezasseis anos, e nossa avó morreu no parto. Pai e filhos regressaram a Portugal quando nossa mãe tinha poucos meses, trazendo todos os seus haveres nesta mala (baú), na outra foto. Nosso avô foi posteriormente para Rio de Frades, Arouca, como capataz das minas de volfrâmio, exploradas por alemães. Os seus haveres foram dentro deste baú.

Toda a família directa de nossa mãe morreu com a Pneumónica. O pai, a madrasta e os irmãos. Ficou apenas a nossa mãe, com dez anos de idade. Sobreviveu também o baú, que por sinuosos caminhos chegou à nossa infância e se manteve fiel a nós toda a vida. Está em casa de minha irmã, e sempre que nele pousam alguns momentos do meu olhar, “fósforos riscados ao vento”, ouço dentro de mim uma melodiosa canção de Grieg, e penso que a poesia, seja ela o que for, felicidade ou drama, reside mais na vida do que no poema.

adão cruz

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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23879: História de vida (51): sinto-me muito realizada e feliz por ter sido uma simples enfermeira e, durante a guerra, enfermeira paraquedista (Rosa Serra) - IV (e última): A última comissão, Moçambique, 1973: "Bem-vindos a Mueda, terra da guerra, aqui vive-se, trabalha-se e morre-se"

domingo, 18 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23891: Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74) - Parte I: A pomada milagrosa

Vila Nova de Famalicão  > c. meados dos anos de 1950 > A família Costa: da esquerda para a direita na fila de trás: José (pai) e Gracinda (Mãe), seguindo-se os irmãos: Maria, Avelino, Manuel (que esteve na Guiné), Eduardo (o columbófilo) e na fila da frente o João (o Don Juan da família) a Noémia e o Joaquim, o mais novo.

Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Joaquim Costa, ex-fur mil at Armas Pesadas Inf, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74); membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021; autor da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)" (de que se publicaram 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022).

Capa do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.


 1. Mensagem do Joaquim Costa, com data de 27 de novembro passado:

Bom dia, Luís: como vai essa perna? Espero que em plena recuperação.

Por sugestão do nosso camarada Beja Santos envio partes do meu livro, no qual faço referência à família e infância, para caso de consideres pertinente o partilhares com os camaradas e amigos do blogue.

Sempre a considerar-te e um grande abraço. Joaquim Costa. 


2. Comentário do editor LG: 

Obrigado, Joaquim. São histórias dos primórdios do "Tigre Azul" e  "Furriel Pequenina", que complementam o teu  livro "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel pequenina".  É verdade, todos temos uma origem, uma mãe, e quase sempre um pai e, naquele tempo, um bando de irmãos... E, na maior parte dos casos, uma alcunha... A infância e a adolescência da geração que fez a guerra e a paz, não diferem muito de Norte a Sul, de Vila Nova de Famalicão à Lourinhã.  Estas memórias, que faziam parte do plano original do teu livro, têm todo o cabimento no nosso blogue.  Para mais, estão recheadas com o teu saudável e fino humor. Saúdo, por isso, a tua reaparição. E aproveito para te desejar, a ti e a toda a família, um Bom Natal e um Melhor Novo Ano de 2023. Em meu nome e dos demais editores e colaboradores permanentes do blogue. Eu, por cá, vou indo... Um alfabravo fraterno. LG
 

 Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã. 1972/74) - Parte I:  A pomada milagrosa

O tigre azul ou tigre maltês (espécie muita rara), foi visto na província chinesa de Fujian. Eu asseguro que existiu uma família desta linda espécie em Vila Nova de Famalicão

Sendo o sétimo filho do José e da Gracinda, tendo em conta a época, nasci em berço de ouro,
o mesmo não podem dizer-se dos meus irmãos.

O pai Zé e a mãe Gracinda viveram a miséria dos tempos da primeira e da segunda guerras mundiais e da gripe espanhola, saindo destes conturbados acontecimentos sem esmorecerem, continuando a lutar, resilientes, por uma vida melhor para a família

O Zé, naquele contexto, trabalhou numa pedreira (de granito), mais escultor que pedreiro, tal a arte como trabalhava a pedra. Não tendo frequentado a escola, lia o jornal (devagar, devagarinho), e fazia contas como ninguém. Quase “bacharel”, na aldeia abriu uma pequena mercearia/taberna, que para além de melhorar as sua condição de vida, lhe deu estatuto social e garantia de eleitor, na União Nacional, claro! (manga de ronco).

A minha memória está cheia de memoráveis e ternurentas histórias vividas com o meu pai, mas a da ida ao médico...!!!

O meu pai andava há vários dias a queixar-se com dores nas costas, situação que não o deixava dormir nem fazer as suas lides diárias no amanho de um pequeno terreno. A minha mãe já não suportava tanto queixume, lembrando que também lhe doía um joelho e que não se queixava tanto. Contudo, sugeriu, para sossego dela e dele, que fosse ao médico, ao Dr. Cândido, proprietário de uma quinta na região, e grande produtor de vinho.

A insistência da minha Mãe acabou por o convencer. Vai daí, convidou-me para ir com ele ao dito médico. O percurso acidentado para a casa do médico foi feito em esforço, com paragens frequentes para dar descanso às costas do meu pai. As queixas eram tantas que até eu sentia as dores do Velho.

Chegados à casa senhorial do médico, depois de uma caminhada sofrida, demos dois puxões ao arame que acionava uma sineta de bronze, acordando os cães, que foram os primeiros a chegar ao portão. Logo de seguida chega a empregada, de avental branco de linho com “folhinhos” de renda, que lhe dava um ar angelical, nossa conhecida, que saúda o meu pai:

  Então, sr. José! Tudo bem lá em casa? O que o traz por cá? Coisa boa ou coisa má?... (coisa boa se vinha comprar vinho, coisa má se vinha por causa de alguma maleita.)

Respondeu o meu pai que gostaria de ser consultado pelo Doutor, sobre uma ligeira, mas incomodativo, dor de costas:

 Muito bem,  sr. José, entre e espere um pouco neste banco de pedra que eu vou chamar o patrão que está lá para baixo para o lameiro.

Passados uns bons minutos chega o Dr. Cândido, de galochas enlameadas, de enxada na mão, chapéu de palhinha na cabeça, camisa branca salpicada de suor, mancando ligeiramente:

  Boa tarde,  sr. José, desculpe a minha demora mas ultimamente tenho andado com umas dores nas costas que nem me deixa dormir nem fazer o que mais gosto que é as minhas caminhadas pelos campos. Mas não vale a pena a gente queixar-se Sr. José, tal como sabiamente dizem os homens na sua taberna, é o “PêDêI”, e quanto a isso nada há a fazer a não ser aligeirar esta maldita dor com a pomada da adega.

Fomos então encaminhados para a dita adega (o consultório) onde o bom homem e excelente médico (o nosso João Semana) partiu um pouco de pão de milho, ainda quente, acabado de sair do forno, e avantajadas fatias de presunto. Enquanto ia tirando o batoque da pipa para vazar vinho para uma caneca de barro, pergunta ele ao meu pai:

  Então o que o trás por cá, sr. José?

O meu pai ficou desarmado pelo desabafo do médico e já não teve coragem para dizer ao que vinha e começou a gaguejar, acabando por dizer que vinha saber se ainda tinha alguma pipa disponível para venda.

“Bucha” de pão e naco de presunto puxa pela pinga… a pinga puxa pelo pão e pelo naco de presunto e este pela pinga e assim sucessivamente até a conversar começar a tropeçar no arrastar das palavras.

Abruptamente, enquanto se sentia, ainda, algum discernimento, avançou-se para o negócio

Selou-se o mesmo com mais um brinde, e, já com as dores de costas atiradas para trás das costas, regressamos a casa, com o meu pai curado, dada a desenvoltura e alegria como caminhava, e ainda com uma garrafa de vinho no alforge oferecida pelo médico.

Chegados a casa, logo a Gracinda perguntou ao Zé:

  Então! e o médico, receitou-te alguma coisa para as costas?

  Deu-me lá uma pomada milagrosa que me limpou logo a dor.

  Ainda bem! E trouxeste mais dessa milagrosa pomada?

 
  Trouxe...

  Dá cá então para eu pôr também aqui no meu joelho a ver se me dá cabo desta dor malvada…

 
   Diacho de mulher!…     desabafa o Zé.

(Continua)

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segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22595: Convite (16): Vilma e João Crisóstomo convocam as famílias Crispim & Crisóstomo, mas também amigos e camaradas, para um encontro no Mosteiro do Varatojo, Torres Vedras, domingo, dia 24/10/21, com missa às 12h30 por alma de todos os falecidos

 

Anúncio a publicar no jornal regionalista "Badaladas",  de Torres Vedras,
edição de 9 de outubro de 2021


1. Mensagem que o João Crisóstomo, a residir em Nova Iorque, e de momento de passagem por Portugal (com a Vilma, na Eslovénia), acaba de enviar a familiares, amigos e camaradas:

Caríssimo,

Conforme anúncio no "Badaladas", em anexo, este "encontro" tem uma dupla finalidade: reviver e alimentar a nossa amizade e ao mesmo tempo lembrar aqueles que nos foram/são nossos queridos e já nos deixaram.

Este será um momento para,  na celebração desta missa,  lembrarmos os Crispins e Crisóstomos; e todos os nossos amigos, especialmente aqueles com quem no passado partilhamos momentos na nossa vida em teatros de guerra ou em corredores de seminários, mas que são agora apenas saudosas memórias. 

 E em segundo lugar para aqueles com quem estamos ligados por amizades adquiridas depois ao longo das nossas vidas, podermos celebrar esta nossa amizade no claustro do nosso querido Varatojo (, convento do Varatojo ou mosteiro de Santo António, que remonta ao séc. XV, e éstá classificado como monumento nacional desde 1910).

Será um encontro/reencontro simples sem comes e bebes, mas que nos permite matar saudades causadas por longas ausências, devidas a distâncias físicas; ou, não sendo esse o caso, pelas circunstâncias da vida que, mesmo vivendo perto uns dos outros,   nos impõem separações como se estranhos fôssemos uns dos outros.

Para este reviver e alimentar amizades…esperamo-vos a todos de braços abertos. (*)

João e Vilma

2. Anterior mensagem do João Crisóstomo, dirigida ao editor do blogue:

Data - quinta, 23/09/2021, 03:14 



Assunto - Encontro no Varatojo, 24 de outubro de 2021


Caro Luís Graça,
 
Não tinha intenção de te escrever hoje, mas o decorrer do dia de hoje aconteceu ser para mim muito rico em memórias, na maioria relacionadas com a Guiné e camaradas que já nos deixaram. E por isso quase me sinto na necessidade de o fazer ainda hoje, enquanto as coisas ainda estão bem frescas 

Mas antes disso deixa-me falar-te dum encontro no Convento de Varatojo, de cuja intenção te falei há tempos.

Custar-me- ia imenso vir a Portugal e não ter possibilidade de ver/encontrar os meus familiares e amigos. É sempre essa uma das razões, senão mesmo a primeira, que me trazem a Portugal.

Mas as limitações impostas pela pandemia ainda não possibilitam fazer um encontro como tenho feito nos últimos 14 anos. Pelo que decidi desta vez cingir-me ao que fiz nas duas primeiras vezes em que reuni as minhas famílias Crisóstomo e Crispim.

 Nessas alturas pedi que fosse celebrada uma missa em que todos os membros destas duas famílias já falecidos fossem lembrados; ao mesmo tempo que dava a conhecer o evento, sugerindo que seria uma boa ocasião para um abraço entre nós, especialmente aqueles a quem eu de outra maneira não tinha tido ocasião de ver e cumprimentar.

No primeiro ano o encontro foi presidido por um padre, primo meu, e no segundo ano, na impossibilidade deste,  foi o Sr. Padre Melícias que celebrou esta missa.

Este ano vou fazer o mesmo. Será no dia 24 de Outubro, Domingo, às 12.30. Já falei com o Padre Melícias, que assumiu as funções de superior do convento depois da morte do P. Castro no ano passado. 

Depois da missa, embora sem os costumados comes e bebes, teremos ocasião de nos podermos encontrar, observando as directivas necessárias no que respeita à Covid-19. O cclaustro é grande, céu aberto, quase como se estivéssemos num grande jardim ou no meio da mata.

Além dos meus familiares falecidos eu vou incluir os meus colegas de seminário e amigos/camaradas da Guiné. 

Portanto. estão todos convidados. Até porque alguns destes estão ou pertencem a ambos grupos. Como seja o caso do Francisco Figueiredo, que foi depois da Guiné, foi comandante da TAP, ou o caso dum primo meu, natural do Sobreiro Curvo, José Carlos Vieira Martinho, cuja triste história, enviada pelo nosso saudoso Eduardo, foi contada no poste P 19824, no dia 25 de maio de 2019 (**). Sobre ela tu comentaste:

"Eduardo: uma história terrível, como muitas outras que aconteceram na Guiné. Só que esta tocou-te, e de que maneira, a avaliar pelas tuas palavras sentidas. Fizeste bem em reconstituir esta história. Também precisavas de fazer o luto... Andaste meia vida para contar, em público, esta perda trágica do teu amigo e vizinho".

Acabei, entretanto, de visitar Coimbra (incluindo o cemitério da Conchada) e o Bussaco, e isso despertou em mim um rio, irrepremível, de emoções e memórias, nomeadamemte em relação a amigos e e camaradas da Guiné, que já nos deixaram,   a cameçar pelo  Maldonado, cuja campa descobri,  mas também 
o Mano,  o Abna na Onça, o Queba Soncó, o Açoriano e outros que acabaram a sua vida nas terras da Guiné a par dos que, tendo voltado,   da lei da morte já entretanto se libertaram : o Zagalo, o Pires, o Rosales, o Eduardo… Falarei desta visita ao cemitério da Conchada, em Coimbra, em próximo poste.

É, por isso, que  o encontro em Varatojo não será só uma reunião dos meus familiares e amigos. Será antes uma "reunião familiar em sentido bem lato”, tão abrangente quanto o coração, memória e imaginação de cada um de nós o quiser fazer.

João Crisóstomo

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Notas  do editor:

(*) Último poste da série > 1 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22586: Convite (15): Encontro de ex-militares milicianos e amigos que estiveram directa ou indirectamente ligados à contestação antimilitarista e anticolonialista, dia 7 de Outubro de 2021 na Casa do Alentejo

(**) Vd. poste de 25 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19824: Efemérides (302): Faz hoje 46 anos que morreu, na sequência de ferimentos em combate (, um estilhaço de RPG 7, ) o fur mil cav João Carlos Vieira Martinho, do EREC 8740/73, sediado em Bula... Era meu amigo e vizinho do Sobreiro Curvo, A dos Cunhados,Torres Vedras, e eu fui o último dos seus conhecidos a vê-lo, ainda com vida, mas já em coma profundo, no HM 241, em Bissau (Eduardo Jorge Ferreira, ex-alf mil da Polícia Aérea, BA 12, Bissalanca, jan 1973 / set 1974)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21631: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (5): De Nova Iorque, Queens, "Merry Christmas" para todas as tabancas e tabanqueiros de boa vontade (João e Vilma Crisóstomo)



Foto nº 1 > EUA > Nova Iorque > Queens > Dezembro de 2020 > Vilma e João Crisóstomo: "Merry Cristmas" para toda a Tabanca Grande e as suas tabancas federadas!


Foto nº 2 > EUA > Nova Iorque > Queens > Novembro  de 2020 > As tradicionais ilumações de Natal na frente da casa de Mr John & Mrs Vilma Crisostomo 


Foto nº 3 > EUA > Nova Iorque > Queens > Novembro  de 2020 >  Os Crisóstomos no seu quintal 


Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de John Crisostomo / João Crisóstomo [ luso-americano, natural de Torres Vedras, conhecido ativista de causas  que muito dizem aos portugueses: Foz Côa, Timor Leste, Aristides Sousa Mendes;  Régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona; ex-alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole  e Missirá, 1965/67): vive desde 1975 em Nova Iorque; é casado com a eslovena Vilma desde 2013; tem mais de 125 referências  no nosso blogue]

Data . quinta, 10/12/2020, 10:27


Assunto - Natal e Fim de Ano 2020


Caro Luis Graça e bons amigos e camaradas,

Todos os anos a minha casa é a primeira na minha rua a aparecer toda enfeitada com as luzes de Natal.
Tenho-o feito propositadamente como incentivo para que outros façam o mesmo e a vizinhança fique bonita e acolhedora… 

Este ano, quando alguém me disse que, devido à situação pandémica, não ia pôr nenhumas luzes, eu discordei do raciocínio: exactamente,  no meio de tantas razões para tristezas, há que encontrar e aproveitar tudo o que se apresente que nos "ajude a esquecer” essas tristezas e nos levante os espíritos. E que melhor do que a época de Natal e o fim de ano ? 

Por isso a minha época de Natal este ano começou ainda mais cedo do que o costume: no dia 1º de Novembro , "Dia de Todos os Santos”, os enfeites e luzes de Natal na frente da minha casa estavam prontos (Foto nº 2, acima), para deleite de vizinhos e esporádicos passeantes que não deixavam de me manifestar a sua surpresa e satisfação…

Mas é sobretudo na parte traseira da minha casa que encontro maior satisfação  (Foto nº 3, em cima), sobretudo agora que somos obrigados a viver quase isolados. Mas,  se somos obrigados a viver isolados, mesmo daqueles que nos são mais queridos, isso não se aplica a outros amigos de longa data cuja amizade e presença nos alegram desde há muitos anos: esquilos, pardais, rolas, cardeais, pica-paus e outros bichinhos com quem,logo que mudei para aqui,  comecei a fazer amizades.   


Foto nº 4 > EUA > Nova Iorque > Queens > Dezembro  de 2020 >  
O quintal dos Crisóstomos: o céu da bicharada

Os meus amigos até chamam por vezes ao meu quintal “o céu da bicharada “..,Eu explico: logo desde o início comecei a dar de comida à passarada que sucedia aparecer no meu quintal. E pelos vistos eles começaram a passar a palavra uns aos outros pois cedo o meu quintal parecia ponto de reunião de pequenos alados, especialmente logo de manhã. (Foto nº 4, acima).

E com os alados vieram os esquilos e, de vez em quando,  visitas de outros pequenos animais roedores como raccoons e possums que também não são maltratados. (Fotos nºs 5 e 6).


Foto nº 5 > EUA > Nova Iorque > Queens > Dezembro  de 2020 >  
O quintal dos Crisóstomos:  refúgio de esquilos e de outros pequenos mamíferos como "raccoons" [, guaxins,]  e "possums" [, gambás]...


Foto nº 6 > EUA > Nova Iorque > Queens > Dezembro  de 2020 >  
O quintal dos Crisóstomos:  refúgio da passarada...


Porque o quintal é pequeno, sem espaço para plantação de árvores e coisas assim, veio-me à ideia pôr num canto uma pequena árvore seca que trouxe do parque, que servisse para poiso ou fácil "meio de aterragem" para a bicharada. 

Foi um sucesso.  Sabedores de que havia sempre algo para comer, mesmo no Inverno, eles não deixavam o lugar. Crdo reparei que a árvore era pequena demais para tanta demanda e comecei a acrescentar outros ramos para dar mais espaço…


Foto nº 7 > EUA > Nova Iorque > Queens > Dezembro  de 2020 >  
O quintal dos Crisóstomos: engenho & arte (1)


Foto nº 8 > EUA > Nova Iorque > Queens > Dezembro  de 2020 >  
O quintal dos Crisóstomos: enegnho & arte (2)

Os meus amigos, que muitas vezes me davam o prazer da sua presença, começaram a chamar a esta geringonça “a árvore frankenstein do João”. E há meses atrás, quando o meu vizinho cortou as várias árvores frondosas que tinha no seu quintal onde a bicharada, sobretudos esquilos,     passavam a maior parte do seu tempo, eu, para que os bichinhos sentissem menos a perca, resolvi acrescentar mais uma e depois mais outras pequenas “árvores geringonças" no meu quintal: simples troncos a que ia acrescentando ramos, sem olhar sequer se condiziam ou não entre si e que fazem agora um engraçado " bosque frankenstein”. (Fotos nºs 7 e 8, acima)

Na falta de outro espaço para “plantar” as árvores,     valeu-me o teto duma “arrecadação” que eu mesmo construi há anos atrás. O nosso “céu da bicharada” que conta agora com seis pequenas árvores, com "pontes aéreas" entre si, é para nós um espetáculo deliciante todas os dias, especialmente de manhã quando todos se apresentam para o rancho geral, o primeiro repasto do dia. 

Que o diga o Rui Chamusco que perante "tanta rola junta, como nunca vi na minha vida”.  não pode resistir e gravou em video o pequeno almoço dos bichinhos no meu quintal no primeiro dia que passou aqui no ano passado.

Que melhor maneira de passar o tempo de confinados? Para ajudar,   montei também um pequeno presépio dentro de casa, que este ano, além de nós, poucos admiradores vai ter, pois não tencionamos convidar ninguém antes que tenha passado esta pandemia. 


Foto nº 9 >Foto nº 1 > EUA > Nova Iorque > Queens > 
Dezembro de 2020 >  João e Vilma com o neto, a filha e o genro

Já o mesmo não sucede com a árvore de Natal que a minha filha montou em sua casa. Para que o meu neto não se sinta traumatizado com o isolamento completo, fomos convidados pela minha filha e aceitámos ir ajudá-lo a enfeitar essa árvore, como temos feito) em anos anteriores. A foto que tirámos então mostra esse feliz momento. (Fot0 nº 9).

A outra foto em que estamos, só eu e a Vilma,  junto do pequeno presépio foi tirada em minha casa (Foto nº 1, em cima).  Na falta de melhor cartão, aceitem este, com as palavras “Merry Christmas” entre nós, como o nosso cartão de Natal para todos os que não terei melhor maneira de contactar.

Como lógico desenvolvimento nesta época, comecei hå muito a chamar os meus amigos por telefone para os tradicionais votos de Natal e ao mesmo tempo para saber deles. Pena é que agora o facebook e outras redes sociais tenham relegado o telefone para segundo ( ou último) lugar. E por isso já fiz cerca de uma centena de tentativas (e muitas mais se seguirão) para os quatro cantos dos mundo do Brasil à Austrália, da Holanda ao Canadá e outros países pelo meio, para aqueles que alguma vez me providenciaram os seus contactos telefónicos e ainda não os mudaram sem me dizer. Entre estes contam-se alguns camaradas da Tabanca Grande, especialmente os da Diáspora. 

Apesar do pouco sucesso numérico, (não chegaram ainda a trinta aqueles a quem consegui falar pessoalmente ) foi para mim uma satisfação muito grande o poder cavaquear com estes meus amigos. 

Uma coisa comum ( além da idade e das mazelas em maior ou menor grau que na nossa idade estão sempre presentes) foi a vontade de partilharem com os outros este sentimento de saudade e de bons desejos.

"Eh, pá, mas que surpresa ouvir a tua voz e ver que te não te esqueceste de mim"...e quando lhes dizia que tento sempre falar pelo telefone e que tinha muitos outros ainda a quem chamar , vinha quase sempre o pedido de uma mensagem : "Olha lá, João, então com que falares, não te esqueças de lhes dar (aos nossos amigos comuns) um abraço meu também".

Portanto, assim como eu na ilha da Madeira, em Portugal, na França, etc,,  eu pedia àqueles a quem falava para partilharem o meu abraço com outros camaradas que eventualmente viessem a contactar e com quem eu não tinha conseguido falar, aqui fica este recado, um abraço de muitos dos nossos amigos comuns com quem falei para todos os que este leiam poste ou deste vierem a ter conhecimento.

Vejo com satisfação pelos postes de todos os dias, dos nossos editores e felizmente de tantos tantos mais ( não vou mencionar nomes pois por falta iria ser terrivelmente injusto como muita gente),     as muitas e variadas contribuições de tantos camaradas e do interesse e intenção evidente de partilharem com outros os seus interesses e até as suas vidas.

Sei que o momento actual quase exige que alguém fale daqui com mais assiduidade. E, de alguma maneira,  como residente em Nova Iorque,  sei que o devia fazer. Tenho pena não saber responder a estas expectativas, que de vez em quando eu sinto existirem . É que ser-me-ia quase impossível falar sem deixar que políticas, crenças e opiniões pessoais, sempre muito subjectivas, mesmo sem eu querer se manifestassem. E eu sei bem que este blogue não é lugar para políticas e similares. 

Mas dentro deste contexto de respeito permito-me partilhar algo que na minha opinião pode explicar e ajudar a compreender o momento em que vivemos, sobretudo aqui nos US. 

A situação actual traz-me à lembrança uma conversa que presenciei, no ano 1977 se me não engano, entre Mrs Jacqueline Kennedy Onassis e o seu convidado de jantar nesse dia, ex-candidato à Presidência dos US em 1972, o   Senador McGovern. Dizia a ex-Primeira Dama, Mrs Onassis,  que a seu ver os Estados Unidos não se podiam comparar com a Europa, onde a acumulação de cultura de muitos séculos tinha resultado numa civilização a todos os níveis extraordinária.  "Nós, os Estados Unidos,  em comparação com a Europa atingimos e estamos já num estado de decadência sem jamais termos atingido uma verdadeira civilização".

Essa conversa ficou-me gravada para sempre. Lembro de na altura me ter dito para os meus botões que não era bem assim. Os Estados Unidos, achava eu, tinham uma civilização essencialmente baseada em valores materiais em que o dinheiro era tudo, muito diferente da europeia, mas de alguma maneira não era caso para se dizer que não tinham uma civilização. 

Verifico agora que estava errado. O decorrer do tempo tem provado que a decadência é um facto real que, com altos e baixos, se tem agravado desde então. A falta em extremo de valores éticos, a existência de um egoísmo muito generalizado e uma ganância desenfreada têm impedido que uma verdadeira civilização tenha florescido nestas paragens, que por outro lado em muitos outros aspectos apresenta 
espetaculares conveniências.

Oxalá esta mentalidade egoísta desapareça em favor de mais senso comum e de maior respeito mútuo. Isto poderá ocasionar que as coisas mudem para melhor. E isso será bem possível, qualquer que seja o partido que traga estabilidade e consiga implantar nos Estados Unidos os valores éticos que estão na base de qualquer comunidade e que possibilitam a existência de uma verdadeira civilização.

De resto foi isso que transmitimos, eu e a Vilma em mensagem de 8 de novembro passado, em mensagem aos nossos amigos e familiares e que tinha por título "Um abraço de alívio de Nova Iorque":

(...) "Não quero deixar de partilhar o que eu e a Vilma sentimos e vivemos neste momento: a grande satisfação por irmos ter brevemente  um novo Presidente. E alívio também, (...) por  sabermos que estamos a chegar ao fim deste confuso e difícil trajecto que temos vivido nestes últimos quatro anos: uma experiência que parece ter tido repercursão e sido vivida de alguma maneira semelhante em muitas partes do mundo. Esperamos confiadamente que todos os habitantes deste nosso pequeno planeta terra que partilhamos, americanos e não americanos pelo mundo fora, possamos entrar brevemente num verdadeiro “Renascimento”, como sucedeu séculos atras após o período negro em que o mundo esteve mergulhado durante grande parte da Idade Média." (...)
 

 
Os meus votos calorosos e um grande abraço (e de minha esposa Vilma também ) para todos.

Nova Iorque, 10 de Dezembro de 2020.
João e Vilma Crisóstomo

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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19039: Convívios (875): Paradas Party, do João Crisóstomo: 16 de setembro de 2018... Foi bonita a festa, pá!


Foto nº 1 > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 > João Crispim Crisóstomo e Vilma Kracun,  casados em segundas  núpcias em 2013... Ele, luso-americano, ela, eslovena.


Foto nº 2 > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 > João e Vilma.


Foto nº 3 > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 > João e Vilma.


Foto nº 4  > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 > João e Vilma.


Foto nº 5 > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 > João e Vilma.


Foto nº 6 > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 > João e Vilma.


Foto nº 7 >  Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 > João e familiar.


Foto nº 8 > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 > João e  e familiar.


Foto nº 9 > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 >  Amigo do João, o António Rodrigues, mordomo reformado, de Nova Iorque, hoje a viver em Aljubarrota, Batalha. Companheiro de causas, como Foz Coa, Timor, Aristides Sousa Mendes... "O meu braço direito"...


Foto nº 10 >  Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 >  Três grandes amigos: João, Rio Chamusco e António Rodrigues.


Foto nº 11 > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 >  O Rui, exímio tocador de acordeão,  exibindo um recorte de jornal onde se fala da recente homenagem dos correios israelitas ao João Crisóstomo, o português nascido em Bombardeira, A-dos.Cunhados, Torres Vedras, em 1943...


Foto nº 12 > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 > João e Rui, tocando e (en)cantando.


Foto nº  13 > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 > João cantando.


Foto nº 14 > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 > João  cantando em grupo. Na ponta, direita, a nossa grã-tabanqueira Alice Carneiro.


Foto nº 15 > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 > Dois camaradas da Guiné: no lado esquerdo, o régulo da Tabanca de Porto Dinheiro, Eduardo Jorge; no lado direito, um camarada de Achada, Mafra que esteve com o João no Enxalé e 1965/67  (, pertencia ao Pelotão de Morteiros, era 1º cabo apontador do morteiro 81; um grande contador de histórias, a quem já convidei para integrar a Tabanca Grande; de seu nome completo, Manuel Calhandra Leitão; não se lembrava do nº do Pel Mort, que estava sediado em Bambadinca; falou-me de homens "lendários" como o Luís Zagallo e Abna Na Onça).


Foto nº 16  > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 > O camarada do Enxalé,  o Manuel Calhandra Leitão, o "Ruço" (, será o organizador do próximo encontro, em Mafra, da malta que esteve no Enxalé, entre 1965/67,  incluindo o seu Pel Mort e a CCAÇ 1439)... Ausente, com pedido de desculpas, foi a nossa amiga Helena Carvalho (mais o marido, Álvaro), a nossa Helena do Enxalé...


Foto nº 17 > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 >  A esposa do Eduardo, a São, que viveu parte da infância e adolescência na Guiné, filha do chefe dos correios de Bissau.


Foto nº 18 > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 >  O nosso camarada Carlos Silvério, próximo grã-tabanqueiro nº 783.


Foto nº 19> Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 >  O Carlos Silvério, ao centro, a esposa Zita, do lado direito, a Alice, do lado esquerdo.




Foto nº 20 > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 >  Uma festa de família a que não faltaram crianças, aqui a dançar, sob o olhar ternurento do tio-avô ou tio-bisavô João... (Como estão de costas, na foto, fica protegida a sua identidade.)



Foto nº 21 > Portugal > Torres Vedras > A-dos-Cunhados > Paradas > 16 de setembro de 2018 > Uma amiga do João, que veio de propósito de Leiria... Não fixei o nome. Sei que trabalhou em tempos no CIDAC e na causa de Timor... Está deliciada a comer caracóis com o Eduardo...Estes "moluscos gastrópodes terrestres", muito nutritivos e ecológicos, foram trazidos da Achada, Mafra, pelo "Ruço"...

Fotos: © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Paradas Party: 
Soneto da amizade e do amor

É a lição da festa de cada ano:
Não há passaporte para a amizade,
Diz o João, o luso-americano,
Nem fronteiras para a liberdade.

Não se escolhe ser Kacrun ou Crispim,
Nem a terra onde se vai nascer,
Mas é bom ter uma família assim,
Bem como estes amigos poder rever.

Querido João, estás em casa em toda a parte,
Na Eslovénia, nos States, em Timor,
E sabes repartir com engenho e arte,


Com a Vilma, que é doce e querida,
O tempo da amizade e do amor.
Prós dois, muita saúde e longa vida!

Paradas, 16 de Setembro de 2018,

Festa da família Crisóstomo e Crispim e amigos

Luís Graça
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Versão em inglês, livre:

Paradas Party: Sonnet of Friendship and Love

It is the lesson of the feast of each year:
There is no passport for Friendship,
Says João, the Portuguese-American,
Neither frontiers for Freedom.

You don't' choose to be Kacrun or Crispim,
Neither the land where you’re  going to be born,
But it's good to have such a family,
As well as these friends to welcome.

Dear John, you are at home everywhere,
In Slovenia, in the States or in Timor,
And you know how to share with hard work and art,

With Vilma, a darling, sweet lady,
The time of Friendship and Love.

sábado, 7 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18819: História de vida (47): O centenário dos nossos pais (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

1. Em mensagem do dia 3 de Julho de 2018, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), enviou-nos este belíssimo texto a propósito do centenário de seus pais que ocorre este ano.


O CENTENÁRIO DOS NOSSOS PAIS

Para recordar e homenagear os nossos pais, no ano do centenário do seu nascimento, estamos aqui os filhos, os netos e os bisnetos, está toda a sua descendência.

Ele chamou-se Emídio António Baptista. Ela chamou-se Maria das Dores Magalhães. Nasceram na Rua dos Paus, em Brunhoso, em casas que distavam entre si cerca de cem metros. Nesse convívio próximo, que marcou o seu crescimento de meninos e adolescentes, aprenderam a conhecer-se, a estimar-se e a admirar-se.

Ele, sendo o filho varão mais velho da família, com a morte do pai, que aconteceu quando tinha apenas 16 anos, teve uma adolescência difícil pois teve que trabalhar duramente na lavoura e ajudar a mãe a dirigir a casa agrícola. Muitas vezes a nossa mãe, na varanda ou atrás das janelas, terá visto esse seu vizinho passar com carros de vacas, carregados ou vazios, para as hortas, para as sementeiras, para as colheitas do trigo e do centeio ou para a cortiça.

Fisicamente era bastante alto, forte, atlético e ágil. Sem nunca se vangloriar disso foi durante muitos anos campeão do lançamento da relha e do ferro, jogos tradicionais muito praticados pelos jovens e homens desse tempo. Nas feiras de Mogadouro vinham por vezes lançadores doutros concelhos a desafiá-lo para a prática desses jogos.

Ela era uma jovem inteligente, bonita, duma vaidade austera, humilde na sua relação com todos mas orgulhosa dos pais que tinha. Gostaria de ter sido professora primária mas não a deixaram estudar. Nesse tempo o dinheiro não abundava e aos filhos de pequenos lavradores nunca lhes era dada essa possibilidade.

Aprendeu a costurar, arte que lhe foi muito útil para vestir filhas e filhos durante muitos anos, aprendeu a tratar do linho, da lã, a tecer e a fazer outros trabalhos domésticos.

Já numa fase tardia da adolescência, frequentando esporadicamente a casa dele, na companhia da Adelaide, sua irmã mais velha, de quem era amiga, duma forma discreta, como ambos gostavam, sem palavras, com um olhar claro e transparente, terá respondido ao olhar dele, que sim, que o amava.

O arquivo secreto da nossa mãe, onde guardava as cartas do namorado, depois marido, e dos filhos, era numa arca de madeira, no meio de lençóis de linho. Foi lá que uma filha, adolescente e curiosa, encontrou um dia algumas cartas que o namorado lhe terá escrito durante a vida militar. Cartas que começavam sempre por “Minha Maria”. Mas a nossa mãe encontrou-a nesse delito de inconfidência, quando ainda só tinha lido uma carta. Foi uma pena para a história da família, pois essas cartas nunca mais foram encontradas e perdemos a possibilidade de conhecer melhor o lado mais meigo e gentil do nosso pai que sendo educado na sociedade paternalista transmontana, procurou sempre esconder debaixo duma capa mais dura.

Do que escreveu, restam apenas três livros de deve e haver, de uma escrita simples de contabilidade dum lavrador e negociante de cortiça, com algumas observações ocasionais sobre a sua vida pessoal e familiar, que os filhos tiveram o cuidado de guardar.

Casaram com a idade de 24 anos e foram viver para uma casa pequena, próxima da casa da mãe dele, que tinha sido duma parenta conhecida por Maria Pequena. Só com cozinha e um quarto, foi a casa onde tiveram os primeiros filhos, dois ou três. Mais tarde foram viver para casa dos pais dela, enquanto iam construindo a casa deles, que encheram de filhos. Foram dez os filhos, três morreram ainda meninos. Somente recordamos, alguns de nós, o Zézinho, um menino calmo e meigo, de tez clara, era o mais novo de todos, um menino muito lindo, dizia toda a gente, segundo a nossa mãe. Era muito lindo, eu conheci-o.

Dos sete que se criaram falta aqui um, infelizmente morreu cedo, o Tomás, que hoje recordamos igualmente com muita emoção. Foi um grande trabalhador, tanto na casa dos pais como na casa dele, quando constituiu família. Eu, muito próximo dele na idade, nalguns trabalhos e noutras vivências, senti muito a sua falta. Todos os irmãos a sentem, cada qual à sua maneira, os filhos muito mais.

As boas árvores conhecem-se pelos frutos que produzem e o Tomás deixou três filhos e uma filha, todos bem educados, honrados e trabalhadores.

Os nossos pais, de início com poucos meios para criar a família que crescia quase todos os anos, foram cultivando terras emprestadas pela mãe dele ou pelos pais dela. Por outro lado, ele começou a negociar em cortiça, um negócio que já fora do pai dele e dum seu avô. Já conhecia alguns produtores do concelho e alguns fabricantes de Lourosa. Tinha uma grande convivência e amor, aos sobreiros que algum avô ou bisavô dele tinha semeado ou plantado nos montes da Lagariça, Ferreiros, Ortelã, Ribeira, Relva e Azinhal. Conhecia bem a cortiça.

Negociar é uma arte de que somente alguns conseguem conhecer os segredos e sabem praticá-la com êxito. Para além da seriedade e da fidelidade à palavra dada, com o seu feitio reservado mas sempre cordial, sabia usar as palavras certas para conquistar a confiança e a simpatia dos outros, o que transformava as suas relações comerciais em relações de verdadeira amizade.

A nossa mãe trabalhava muito. Andava sempre cansada, dizia-se que sofria do coração, mas nunca parava. Gostava de ter meninos, adorava-os. E os meninos cresciam, ficavam grandes e continuavam a dar muito trabalho. Mas ela continuava com um amor imenso a esses meninos que iam crescendo e se faziam homens e mulheres.

Ajudava algumas pessoas mais pobres. Com muita discrição uma vizinha, boa pessoa, com poucos recursos, de quem o homem até não gostava muito por a achar muito intrometida. Dava esmolas às ciganas que lhe batiam à porta a pedir pão, batatas e o azeite para o fiolho. Todas essas mulheres tinham muitos filhos, ela também mãe de muitos filhos imaginava a dor das outras mães por não terem pão para lhes matar a fome. Uma delas, uma cigana gorda, mal encarada, pedinchona, batia-lhe à porta quase diariamente e a nossa mãe dava-lhe sempre esmola, contra a vontade de alguns dos filhos, que não gostavam dela. É que essa cigana além de ter muitos filhos era viúva. Ajudava muito, também, as famílias de triteiros - faziam pequenas acrobacias, eles e os filhos e outros pequenos números de circo – que por vezes lhe pediam a curralada, em frente à casa, para se albergarem e darem espectáculos.

O nosso pai, tenho pensado que sem dar esmolas, dava uma boa ajuda aos seus trabalhadores, da seguinte forma:
Depois das ceifas, das colheitas do trigo e do centeio e da tiragem da cortiça, os meses de Setembro, Outubro e Novembro agravavam muito a pobreza dos trabalhadores, pois a colheita da azeitona só começava a 8 de Dezembro. Lembro-me que nalgum desse tempo parado, que podia ser de fome para algumas casas, contratava quinze a vinte homens, dos mais habituais ao serviço da sua casa agrícola, para trabalhar na Lagariça a fazer desmatagem dos sobreiros. Mas essa desmatagem profunda, feita com o arranque manual dos arbustos feita com pás e picaretas, durante cerca de um mês, nunca chegava a atingir meio hectare, o que não era significativo face aos vários hectares de área de sobreiros que ele lá tinha. Durante muito tempo intrigou-me esse facto, mas depois, conhecendo o carácter discreto do nosso pai e o respeito que tinha pelos trabalhadores, acabei por me convencer de que ele fazia essa desmatagem para benefício dos sobreiros mas sobretudo para benefício dos homens, que eram dignos chefes de família como ele e que precisavam de dinheiro para a alimentar, mas que também, sabia-o ele bem, nunca aceitariam esmolas de ninguém.

Era simpático com os jovens, comprava-lhes sacos de cavacos de cortiça, a bom preço. Alguns dos nossos primos e outros desse tempo ainda hoje me falam nisso. Aos filhos não nos comprava nada, talvez com receio de irmos encher os sacos às rimas de cortiça dele. Eu, de garoto, só me lembro dos trocos dos responsos que me dava o padre Zé na Igreja, e alguma coroa que encontrava quando andava ao rebusco lá em casa.

Se me encontrava na rua à luta com outros rapazes chamava-me e dava-me umas bofetadas com a mão dura dele, que magoava mesmo. Eu achava-o injusto porque pensava que o culpado da luta era o outro e o meu pai nem razões queria saber. Era assim, bastante duro com os rapazes, filhos dele, a quem procurava educar através duma educação espartana. Queria fazer de nós guerreiros destemidos. Recordo-me que, quando mobilizado para a Guiné, fui passar três dias a Brunhoso com ele, ele que nunca tinha cozinhado, fazia umas sopas muito boas. Estava sozinho, a mulher estava com os mais novos, que estudavam em Vila Real. Quando parti, foi comigo a Mogadouro, a despedida foi perto da estátua do Trindade Coelho, ele comoveu-se e deixou cair umas lágrimas, eu fiquei emocionado. Enfim, as lágrimas de um duro comovem qualquer guerreiro.

Com as filhas era mais meigo e tolerante e se tinha alguma censura a fazer-lhes encomendava-a à mulher. Quando veio a moda da mini-saia muitos recados ouviu a nossa mãe por causa de uma filha, que habilidosa, subia sempre as saias que a mãe lhe fazia abaixo do joelho.

O nosso pai morreu cedo, aos 59 anos, depois duma doença grave que o atormentou durante três anos. A nossa mãe, viúva, com a mesma idade, sofreu muito com a partida do seu companheiro de sempre. Para agravar o enorme desgosto pela sua morte sofreu muito pela solidão em que ficou na sua casa vazia. Os filhos, alguns estavam casados, outros trabalhavam longe e outros ainda estudavam. Enquanto a saúde lho permitiu nunca quis deixar a casa dela, apesar de solicitada por filhas e filhos. Algum tempo mais tarde, a Lurdes, já casada e com meninas, alegou que precisava da ajuda dela e conseguiu levá-la para junto de si alguns anos.

Estava presa à terra dela com raízes fortes. Lá estavam todas as suas melhores recordações, dos seus queridos pais, do seu marido e dos filhos nas suas várias fases de crescimento. Na Igreja, essa casa grande e sagrada que a transportava para junto de Deus, todos os Santos lhe eram familiares.

Gostava de ir à horta de Lamas, esse chão para ela sagrado, que herdara dos seus pais, que ajudara a cultivar e tratar ainda menina, com os pais, e já adulta, com o seu homem e os filhos. A burra dela, muito dócil, foi o seu transporte e boa companhia de muitos anos, no caminho para lá, que os netos e netas adoravam, sobretudo quando subiam nela para a beira da avó. Gostava de encher a despensa com todo o género de hortaliças para dar aos filhos quando iam estar com ela ou somente visitá-la.

Porque lhe sobrava o tempo e porque não gostava de estar parada fazia também colchas de renda para os filhos.

O quarto dos nossos pais conserva ainda na parede da cabeceira da cama um quadro com a imagem do Sagrado Coração de Jesus, um grande rosário de cortiça numa outra parede e algumas imagens e estatuetas de santos pousados sobre uma cómoda, onde também se encontra um retrato de um soldado garboso, fardado com elegância, dos finais da década de trinta do século passado. Quando o seu Emídio morreu, a nossa mãe foi buscar essa fotografia do seu namorado, à arca onde a tinha guardado, e colocou-a nesse altar junto dos santos. Tinha-lhe sido enviada por ele de Mafra onde esteve na tropa, com uma linda dedicatória e era a única que tinha da sua juventude. A fotografia torna o nosso pai mais presente, a nossa mãe está presente em toda a decoração que ela fez, que as filhas e netas mantêm, com santos, santas e o amor da sua vida.

No silêncio do dia, da aldeia quase deserta, há uma nostalgia que se espalha pela casa vazia que parece trazê-los à vida. Eles continuam vivos, vivos no sangue que nos corre nas veias, vivos no amor, no trabalho, na dedicação, vivos nos ensinamentos e nos exemplos de vida, que foram muitos. Vivos na raça, na coragem, no génio, os nossos pais, vossos avós e bisavós, foram uns heróis e como os heróis eles são imortais!

Tiveram muitas qualidades, que sempre gostámos de ver projectadas em filhos e netos. Legaram-nos uma herança imaterial imensa, muito mais valiosa do que as terras ou sobreiros que nos deixaram, que todas as gerações de Magalhães Baptistas têm que preservar

Francisco Maria Magalhães Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de julho de 2018 30 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18470: História de vida (46): O meu saudoso mano mais novo, Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014) (João Schwarz da Silva) - III (e última)