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quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24601: Historiografia da presença portuguesa em África (383): Um importante ensaio sobre a missionação franciscana na Guiné e Rios da Guiné, século XVIII na "Revista Itinerarium", ano LXVIII, n.º 228, julho-dezembro de 2022 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
O Padre Manuel Pereira Gonçalves bem investigou no Arquivo Histórico Ultramarino e está na posse da mais recente bibliografia sobre a ação missionária no período que canaliza, a segunda metade do século XVII. Era imperioso para a Coroa fazer um esforço de missionação a partir da diocese de Cabo Verde, que tinha uma ampla extensão e pouquíssimos missionários, recorde-se que a terra firma da costa da Guiné ia desde o rio Gâmbia até ao rio de Santo André. O autor jamais ilude como todo aquele trabalho foi precário e sem sequência, diz mesmo que a presença portuguesa na Guiné foi praticamente nula não só naquele século mas como nos seguintes. Dá-nos um bom histórico sobre o chamado período dos Rios da Guiné e da Etiópia Menor, é muito elucidativa a sua exposição sobre este período missionário que abrangeu a Província de Nossa Senhora da Piedade e a Província da Soledade. E também o autor enfrenta uma questão poderosa que era a ligação entre missionários e comércio, procura dar justificações e recorda que ainda há muitos arquivos por consultar.

Um abraço do
Mário


Um importante ensaio sobre a missionação franciscana na Guiné e Rios da Guiné, século XVIII (2)

Mário Beja Santos

Confesso que desconhecia por inteiro os trabalhos que o Padre Manuel Pereira Gonçalves tem dedicado à Guiné e este seu trabalho publicado na Revista Itinerarium (revista semestral de cultura publicada pelos Franciscanos de Portugal), ano LXVIII, n.º 228, julho-dezembro de 2022, como o leitor comprovará, introduz elementos novos face ao que já sabemos, sobretudo depois das incontornáveis investigações do Padre Henrique Pinto Rema.

O seu trabalho intitula-se "A Missionação dos Franciscanos Observantes (1656-1700), na Guiné ou nos Rios da Guiné". Recorda-se o que já se deixou escrito, o nascimento da diocese de Cabo Verde, que se estendia desde o rio Gâmbia até ao rio de Santo André; uma síntese sobre a presença portuguesa nos Rios da Guiné ou Etiópia Menor (1432-1438); os testemunhos dos Jesuítas na Serra Leoa; o trabalho desenvolvido pela Província de Nossa Senhora da Piedade, um apostolado que irradiava de Cacheu para Norte e Sul. E fica bem claro que a Guiné e a missão de Cabo Verde nos finais do século XVII e durante o século XVIII não atraíam vocações.

Temos agora o registo da Província da Soledade. Em 1674, partiram dez religiosos da Província da Soledade e tinham como superior de missão Frei Vicente de Celorico. O problema era melindroso, apareceram religiosos espanhóis que diziam ter sido enviados com o beneplácito papal, de quem dependiam diretamente, obrigaram a uma intervenção diplomática em Roma. Os religiosos franciscanos arvoravam-se como mensageiros do espírito de S. Francisco, pregavam a alegria e a fraternidade. Mas a missionação era precária. Em 1697, o Conselho Ultramarino sugere às autoridades que em Cabo Verde e na povoação de Cacheu haja catequista indígenas que saibam as línguas da terra e sejam eles os encarregados de preparar os escravos para o batismo, antes de seguirem para o seu destino.

Esta ideia de evangelizar através dos catequistas foi um método que os missionários voltaram a utilizar no século XX. E o autor profere a sua própria observação:
“Uma religião dogmática, intelectual, não tem razão de ser na linguagem do africano. A nossa opinião é que ontem como durante muito tempo no século XX, a Igreja procurou sacramentar, marcar os indivíduos antes que os outros fizessem a sua pedagogia. Mas no século XVII este sempre na mira dos navegantes que o importante era impedir que outras religiões chegassem antes de nós.”

E diz-nos, igualmente, que a presença efetivas dos franciscanos era feita através de hospícios, pequenas capelas, catequeses, os franciscanos na costa ocidental da Guiné não se estabeleciam em lugares fixos. Construíam pequenos locais de catequese mais ou menos provisórios por onde o missionário passava de tempos a tempos. E faz as suas críticas:
“É verdade que nem sempre os missionários foram benévolos para como o comportamento do gentio. Partilhamos da opinião de que, na maioria das vezes, os sacerdotes foram cúmplices em muitas cerimónias que tinham muito de paganismo e muito pouco de vestígios religiosos (…) Em alguns aspetos, a presença religiosa foi inovadora. Religiosos houve que procuraram aprender as línguas nativas, utilizaram catequistas africanos no sentido da catequese e condenaram os métodos utilizados pelos compradores de escravos.”

E disseca o trabalho missionário: “Construíram pequenos locais de catequese mais ou menos provisórios, por onde o missionário passava de tempos a tempos. A falta de clero secular fez com que muitos religiosos tivessem substituídos os sacerdotes na missão de paroquiar. Esse trabalho paroquial impediu uma presença mais efetiva e mais franciscana nas comunidades. O primeiro hospício terá sido construído para frades na povoação de Cacheu, por volta de 1660. Em 1677, já estava arruinado. O segundo hospício foi construído para apoio dos religiosos, em Bissau. Foram os Capuchinhos espanhóis que iniciaram as obras.” E diz-nos igualmente que a pregação apostólica dos religiosos da Província da Soledade tinha esta particularidade singular que era a itinerância. O cronista da Soledade informa que do hospício de Bissau se ia todos os anos ao rio Nuno. No século XVIII, as vocações para esta missão eram cada vez em menor número, o apostolado ficou localizado à volta dos dois hospícios existentes, Cacheu e Bissau.

E o autor debruça-se sobre outra questão delicada, os missionários que se dedicavam ao negócio. Em 1753, era o rei a admoestar o Provincial da Soledade por terem os seus religiosos uma casa clandestina de negócios em Farim, na direção da casa estava um irmão leigo. Mas havia outras queixas: casa aberta de comércio em Geba, contratação de escravos em vários portos, muita dedicação aos negócios e pouca ação no campo religioso.

Prestes a terminar o seu artigo, o autor interroga-se do porquê deste engodo do comércio e procura dar explicações:
“A vida dos missionários não era um mar de rosas. O grande benfeitor, quase único benfeitor, era o Governo de Portugal materializado nas côngruas e viáticos, o pagamento andava sempre muito atrasado. Os religiosos não podiam contar com o auxílio da população. Será escandaloso o terem necessidade de se dedicarem a processos de ordem económica para poderem garantir a sua subsistência sem aludir já ao apoio que ele representava para obras materiais e para o seu apostolado, tais como: igrejas, conventos, hospícios e todo o recheio necessário? A comunidade cristã não tinha estruturas económicas para poder ajudar os religiosos missionários. Há casos isolados, que apenas confirmam a regra geral. Nos finais do século XVII, as crianças Felupes ajudavam na construção da igreja local pelo seu próprio trabalho manual; há ainda a informação de que os Bijagós da ilha de Carache se ofereceram para ajudar a presença dos missionários com arroz e com uma vaca para auxiliar no sustento e no trabalho. É esta a situação económica destes religiosos que partem para a missão de espalhar o Evangelho. Nestas circunstâncias, era natural que um ou outro religioso se dedicasse ao negócio para sobreviver. Só assim nos parecesse justificado o trabalho comercial com o qual angariava o necessário para si e para a missão.”

Mas há um outro aspeto crítico que o autor levanta no termo do seu artigo: “Sabemos de religiosos que deixaram de evangelizar para viver, naquelas paragens, a comerciar. Longe do seu pensamento estava a conversão do indígena e o desenvolvimento socioeconómico do africano. Contudo, legitimar estes factos é complicado, pois que a documentação é escassa.” O autor conclui o seu trabalho com o levantamento que pôde fazer de alguns missionários franciscanos na missão da Guiné no século XVII.

Consideramos este texto do maior interesse dado que o Padre Manuel Pereira Gonçalves trabalhou no Arquivo Histórico Ultramarino e está na posse de bibliografia mais recente sobre a missão franciscana da Guiné.

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24580: Historiografia da presença portuguesa em África (382): Um importante ensaio sobre a missionação franciscana na Guiné e Rios da Guiné, século XVIII na "Revista Itinerarium", ano LXVIII, n.º 228, julho-dezembro de 2022 (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23724: Notas de leitura (1508): Algumas (breves) notas sobre missionação (V) - Conheci de perto dois padres franciscanos na minha estada na Guiné-Bissau: os padres Macedo e Sobrinho. E, bem ainda, o bispo Settimio Artur Ferrazzeta, padre franciscano, italiano, o primeiro Bispo da Guiné-Bissau (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Cordeiro Salgado (ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 17 de Outubro de 2022:

Caros Camaradas,
Ainda mais este texto.
Obrigado.
Paulo Salgado



Algumas (breves) notas sobre missionação - V

Paulo Salgado

Mandou-me o nosso camarada do Blogue, Mário Beja Santos, por especial deferência, a História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema, padre franciscano, dado à estampa em 1982 pela a Editorial Franciscana, Braga.

No essencial, este valioso documento refere, com detalhe, o Encontro (expressão de que gosto – já usada por Bartolomé de las Casas) entre dois mundos: um, o invasor, o conquistador pela espada e pela fé, outro, o invadido, o conquistado pela espada e pela fé. E como se manifestou a presença dos missionários na costa da Guiné (no sentido amplo: vai para além do Bojador até ao Cabo Não).
Está referido, entre muitas outras peripécias, o seguinte:
"que por aqui andaram em 1584 uns frades carmelitas descalços, tendo sido uma falhada tentativa de fixar uma missão carmelita na Guiné. Frei Cipriano, carmelita, escreveu de Cacheu ao bispo de Cabo Verde acerca da visita de um rei de Caió, D. Bernardo, juntamente com 300 súbitos, a pedir o batismo e uma igreja no seu reino. André Álvares de Almada, refere no seu Tratado a pessoa de João Pinto, padre preto, natural da Guiné, evangelizando em região hoje pertencente ao Senegal. Almada fala dos negros Jalofos “que começam no rio Senegal”: “Esta nação dos Jalofos é mais dificultosa em receber a fé de Jesus Cristo Nosso Senhor que todas as outras nações dos negros da Guiné, porque quase todos seguem a seita de Mafoma. E ano de 1589 foi um clérigo preto por nome João Pinto àquele reino para os fazer cristãos e não fez fruto algum neles, e por isso se foi para outras nações".

Exactamente por ter tomado conhecimento deste frei Cipriano, sabendo ou imaginando o que os frades penaram num mundo tão desconhecido, ficcionei uma crónica que consta do meu livro “Guiné-Crónicas de Guerra e Amor”.

No entanto, por certo que, se tiver tempo, o Mário Beja Santos se pronunciará sobre esta magnífica obra que incide sobre a missionação no período compreendido entre os séculos XV e XX.

Como anteriormente referi, conheci de perto dois padres franciscanos na minha estada na Guiné-Bissau: os padres Macedo e Sobrinho. E, bem ainda, o bispo Settimio Artur Ferrazzeta, padre franciscano, italiano, o primeiro Bispo da Guiné-Bissau, autor do livro que está a ser distribuído às comunidades com título italiano “Sono Allora Africano” (Agora sou Africano), publicada pela Associozione Rete Guinea Bissau onlus.
A obra é uma coletânea de cartas de Dom Settimio escritas a partir de Bissau à sua família, desde que veio a esta terra 1943 até partir para o Pai, em 1999.

Para os bispos de Bafatá e Bissau, num texto de apresentação da obra, Settimio é o autentico "homem garandi", o ancião em plenitude por conquistar o coração de todo o povo da Guiné-Bissau, com o seu génio simples de comunicar o Evangelho. (in "Igreja Católica na Guiné-Bissau").


D. Settimio Artur Ferrazzeta, primeiro Bispo da Guiné-Bissau

Aqui fica a minha singela homenagem, pois dele ouvi palavras de um verdadeiro missionário.

Paulo Salgado

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Nota do editor

Poste anterior de 18 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23716: Notas de leitura (1507): Algumas (breves) notas sobre missionação (IV) - Fundo Documental do Prof. Santos Júnior, localizado no Centro de Memória de Torre de Moncorvo (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)

terça-feira, 18 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23716: Notas de leitura (1507): Algumas (breves) notas sobre missionação (IV) - Fundo Documental do Prof. Santos Júnior, localizado no Centro de Memória de Torre de Moncorvo (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Cordeiro Salgado (ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 14 de Outubro de 2022:

Meus caros camaradas,
Temos de nos entreter com algo que fale de aspectos que, de alguma forma, nos dizem qualquer coisa.
Junto mais um texto, pedindo desculpa se estou a enfadar.

Um abraço, camaradas.
Paulo Salgado



Algumas (breves) notas sobre missionação - IV

Paulo Salgado

O meu contributo de hoje sobre este assunto continua influenciado pelas palavras amigas do Mário Beja Santos. Fez-me ele reflectir, repito, sobre o tema missionação – sobretudo os trabalhos que frades e padres, de várias ordens, sofreram até aos limites da sua resistência física, psicológica e moral. Mas, antes, permiti-me, caros leitores deste blogue, um parêntesis: acaba de ser apresentado o livro "A Rua do Eclipse" do Mário Beja Santos, do qual me deu notícia o meu Amigo e conterrâneo Tenente-general Alípio Tomé Pinto, que me relatou este evento e com o qual ficou entusiasmado, quer com os conteúdos do texto e forma de abordagem do autor, quer pelo contributo de um dos apresentadores – Amadu Dafé – um jovem guineense. Este autor, Amadu Dafé, tem uma obra – que ainda não li – mas vou adquirir: "Ussu de Bissau", cujo tema é de uma grande actualidade e que marca um momento histórico grave no âmbito daquela região africana. Encontros fica para depois, noutra crónica.

Bom, volto ao que me propus. Os missionários portugueses e espanhóis, católicos (não me refiro aqui aos missionários de outras nações cristãs) andaram ao longo dos séculos, e andam actualmente, por todas as partes do Mundo. Percorreram todo o Império Português (se Império houve!), por mares, ilhas e continentes em condições de sofrimento: penúria, febres, no meio de guerras, enfrentado a ganância e a cobiça. Morreram em condições dramáticas, pregando, ensinado a língua, transportando consigo a fé em que acreditavam. A grande maioria deles acreditando que à sua fé deveriam juntar os interesses de el-rei, da Coroa, da Pátria (conceito mais tardio). Alguns, uma minoria, seduzidos pela luxúria e pela riqueza, entraram em deboches iníquos, tendo sido devidamente criticados e castigados pelos superiores.

Há dezenas de relatos dignos da grandeza do Homem: de coragem, de abnegação. A leitura de diversas obras – falo especialmente de algumas que constituem o Fundo Documental do Prof. Santos Júnior (insigne médico, antropólogo e ornitólogo, natural de Barcelos e casado em Torre de Moncorvo – com várias andanças por África), localizado na Biblioteca desta Vila – deram-me uma visão alargada, necessariamente incompleta, do que foi a actividade destes missionários bandeirantes.
Igualmente, algumas pesquisas que estou fazendo, bem como dicas do ilustre e ilustrado camarada do Blogue, Mário Beja Santos.

Há um missionário oriundo da cidade de Bragança, de seu nome Carlos Joaquim Gonçalves dos Santos (foto à direita), e outros, designadamente de um tal Padre Manuel Sá , de Peredo dos Castelhanos, portanto ambos do meu distrito que tanto penaram.

(Continua)

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Nota do editor

Poste anterior de 29 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23653: Notas de leitura (1500): Algumas (breves) notas sobre missionação (III) - Reflexão do Prof. Justino Mendes de Almeida, profundo estudioso da “missionação”, reitor que foi da Universidade Autónoma de Lisboa (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)

Último poste da série de 17 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23715: Notas de leitura (1506): "Missão Guiné 63-65 Companhia de Artilharia 494", por Augusto Carias, Adelino Domingues, Aníbal Justiniano; edição de autor, Amares, Julho de 2012 (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23653: Notas de leitura (1500): Algumas (breves) notas sobre missionação (III) - Reflexão do Prof. Justino Mendes de Almeida, profundo estudioso da “missionação”, reitor que foi da Universidade Autónoma de Lisboa (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Cordeiro Salgado (ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 26 de Setembro de 2022:

Caros camaradas,
Por me parecer oportuno, face ao desafio do Mário Beja Santos - que me "empurrou" - fez ele bem - para este tema, aqui vai a terceira parte. Outros andarão bem melhor nesta matéria: historiadores, antropólogos, padres...
Fica este registo.

Saudação camarada.
Paulo Salgado



Algumas (breves) notas sobre missionação – III

Paulo Salgado

Vejo-me compelido, por imperativo histórico, a trazer junto de vós, camaradas que me ledes neste Blogue, sério e participativo, uma reflexão que se deve ao Prof. Justino Mendes de Almeida, profundo estudioso da “missionação”, reitor que foi da Universidade Autónoma de Lisboa».[1] Mas, antes, não posso deixar de relembrar que «a bula Acquum Reputamos, de Paulo III, conhecida como a "magna carta" do padroado real português, para além dos conteúdos habituais das bulas precedentes concedidas a Portugal, reflecte uma realidade político-religiosa ligeiramente diferente da que se viveu em décadas anteriores».[2] Este documento papal favorecia e privilegiava a missionação portuguesa, concedendo a possibilidade de evangelização, mas igualmente a responsabilidade de zelar materialmente pela manutenção das igrejas fundadas ou a fundar. Também conferia a sede episcopal de Goa. Refira-se que o padroado português sofreu ao longos dos séculos diversos episódios, em especial os relativos ao surgimento de outras igrejas cristãs apoiadas por países não católicos e que fundaram as suas missões, algumas com relevo notável e que se mantêm hoje em actividade. Igualmente, são de mencionar os diversos acordos efectuados e reajustados ao longo do século XIX e mesmo no século XX da parte da Igreja e dos reis de Portugal.

Na missionação utilizava-se o termos “infiéis”. Ainda que não concorde com esta designação (infiéis, porque não pertenciam ao Cristianismo… designação que surge afastada, como defende o Papa Francisco), que surge abundantemente em vários textos desde o século X (ou antes) e por aí adiante, mesmo por Francisco Xavier e outros célebres missionários, tem de fazer-se o seu registo.

Transcrevo, pois:
«A missionação portuguesa desenvolve-se ao longo dos séculos, em torno da obra dos prelados diocesanos e das ordens religiosas que se vão fixando nos territórios de missão: franciscanos, dominicanos, capuchinhos, jesuítas, ursulinas, merecendo uma menção especial os religiosos da regra de Santo Agostinho, cuja acção foi importante na interpelação dos governantes para que agissem, e fizessem agir os súbditos, como cristãos».

E acrescenta:
«Com S. Francisco Xavier, o "Apóstolo das índias", abre-se uma era nova na missionação do Oriente. Para além dos 30.000 baptismos que lhe são atribuídos, de uma acção constante em Cochim, Malaca, Molucas e Cantão, deve-se-lhe uma atitude diferente em relação a povos e culturas, de forma que não se hesita em reconhecer que, com S. Francisco Xavier, começa a missionação moderna. Japão, China e Indochina recebem também missionários portugueses, e, não obstante o sucesso da presença de S. Francisco Xavier no Japão, a missionação aqui acaba por sofrer inclemências terríveis do poder político, de que é símbolo o martírio de Nagasáqui. Mas, significativa é esta exclamação de S. Francisco Xavier, em carta escrita do Ceilão: "Bendito seja Deus, porque tornou tão florescente o nome de Cristo entre esta multidão de infiéis!".
Despedida de Xavier na corte do rei D. João III
In: https://devocaofrancsicoxavier.blogspot.com/p/iconografia-gravuras.html

À missionação no Brasil está imperecivelmente ligado o nome do Padre Manuel da Nóbrega, fundador da Província do Brasil e da cidade de São Paulo, o primeiro jesuíta do Brasil e da América, como o designou o Padre Serafim Leite. Nóbrega teve tal actuação, como exímio religioso e verdadeiro homem de Deus, na concertação com governantes, em defesa de autóctones, que o historiador Robert Southey não hesitou em chamar-lhe "o maior político do Brasil". Contudo, a sua figura grada brilha mais como parte dessa tríade de construtores de missão no Brasil: Nóbrega / Anchieta / Vieira».
Padre jesuíta no Brasil Colonial

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Notas:

[1] - Janus 1999-2000, Missionação portuguesa. In https://www.janusonline.pt/arquivo/1999_2000/1999_2000
[2] - David Sampaio Barbosa - Padroado Português: privilégio ou serviço (séc. XIX)?

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Nota do editor:

Último poste da série de 27 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23649: Notas de leitura (1499): Algumas (breves) notas sobre missionação (II) - Carta de Inácio de Loyola a Diogo de Gouveia (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23649: Notas de leitura (1499): Algumas (breves) notas sobre missionação (II) - Carta de Inácio de Loyola a Diogo de Gouveia (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Cordeiro Salgado (ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 24 de Setembro de 2022:

Meus caros Camaradas,
Dando cumprimento ao que havia referido, abaixo um segundo texto sobre este assunto.

Uma saudação camarada.
Paulo Salgado



Algumas (breves) notas sobre missionação - II

Carta de Inácio de Loyola a Diogo de Gouveia

Dou continuidade à minha breve referência sobre a missionação, tema que, por certo, outros trabalharão melhor, mas tentarei cumprir o que me propus no texto anterior.

Vale a pena este testemunho prévio para nos apercebermos da necessidade de o Reino enviar frades para a evangelização - a dimensão religiosa, nem sempre bem conseguida, mas preocupada com a palavra de Jesus. De resto, todos sabemos que uma das intenções, um dos objectivos dos descobrimentos era a pregação, a evangelização. Nas naus portuguesas e espanholas seguiam sempre “missionários”. Quem não se lembra dos nossos capelães, já não para evangelizar, mas para “dar força espiritual” às NT - assim era entendido pelos mandantes?

Repare-se, caros leitores, que existia (e existe) a preocupação de respeitar a hierarquia da Igreja - neste caso da parte de Loyola.

Mais uma nota: quem assina esta carta é o braço direito, admirador e seguidor indefectível de Inácio de Loyola, Pedro Fabro, que sempre procurou seguir o pensamento do Padre Superior da Companhia de Jesus - os jesuítas.

Finalmente, o próximo texto incidirá sobre um dos grandes missionários - Francisco de Xavier, e não Francisco Xavier; na verdade, ele era natural da localidade da região de Navarra - Xavier.


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A DIOGO DE GOUVEIA[1]

Roma, 23 de Novembro de 1538[2]

(Ep. I, 132-134 – original latino)

IHS. A graça e a paz de Jesus Cristo N. S. estejam com todos!

Há poucos dias chegou o vosso mensageiro com carta para nós[3]. Por ela soubemos notícias vossas e vimos quão boa lembrança guardais de nós, bem como o zelo que vos faz sedento da salvação das almas dispersas por vossa Índia, onde as messes já lourejam[4]. Oxalá pudéssemos satisfazer a vós e às nossas almas que sentem o vosso zelo. Mas existem alguns obstáculos que impedem corresponder não só aos vossos desejos, mas também aos de muitos outros.

Compreendereis isto pelo que vou dizer-vos. Todos quantos estamos reunidos nesta Companhia estamos oferecidos ao Sumo Pontífice, pois é o senhor de toda a messe de Cristo[5]. Por esta oblação lhe prometemos estar prontos para tudo quanto dispuser de nós em Cristo. Assim, se ele nos enviar aonde nos convidais, iremos alegremente. A causa desta nossa resolução, que nos sujeita ao seu juízo e vontade, foi entender ter ele maior conhecimento daquilo que convém ao cristianismo universal.

Não faltaram alguns que há algum tempo se esforçaram para que nos enviassem a esses índios que os espanhóis conquistam diariamente para o seu imperador. Para isso veio interceder em favor dessa causa, principalmente, certo bispo espanhol e o embaixador do imperador[6]. Mas persuadiram-se que a vontade do Sumo Pontífice era que não saíssemos daqui, pois é abundante a messe em Roma[7].

A distância do país não nos espanta, nem o trabalho de aprender línguas. Faça-se somente o que mais agrada a Cristo. Rogai, pois, por nós para que nos faça ministros seus no Verbo da Vida. Porque, embora «não sejamos por nós mesmos capazes de pensar algo como se fosse nosso», pomos a nossa esperança na abundância d’Ele e nas suas riquezas (2 Cor 3,5).

De nós e das nossas coisas tereis notícias completas por cartas escritas ao nosso particular amigo e irmão em Cristo, Diogo de Cáceres, espanhol, que vo-las mostrará[8]. Ali vereis quantas tribulações por Cristo passámos em Roma até agora e como delas por fim saí­mos ilesos[9]. Tão pouco faltam em Roma muitos a quem é odiosa a luz eclesial de verdade e de vida.

Sede, pois, vigilantes e esforçai-vos tanto em edificar o povo cristão com o exemplo de vida, como trabalhastes até agora em defesa da fé e doutrina da Igreja[10]. Porque, como podemos crer que nosso bom Deus conservará em nós a verdade da santa fé, se fugimos da sua bondade? É para temer que a causa principal dos erros de doutrina provenha de erros de vida. Se estes não forem corrigidos, não se extirparão aqueles. Pondo fim a esta carta, resta-nos pedir que vos digneis recomen­dar-nos aos nossos respeitadíssimos Mestres Bartolomeu, De Cornibus, Picard, Adam, Wankob, Laurency, Benoit a todos os mais que gostaram de chamar-se nossos mestres e nós seus discípulos e filhos em Cristo Jesus. N’Ele vos saudamos a vós.

Desta cidade de Roma, dia 23 de Novembro de 1538.

Vosso no Senhor, Pedro Fabro e mais Companheiros e Irmãos.
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Notas:

1 - Diogo de Gouveia (1471-1557), teólogo português de rígida ortodoxia cató­lica, contrário mesmo a Erasmo, foi reitor da Universidade de Paris (1500-1501), obteve de D. João III a concessão de bolsas para estudantes nacionais, transfor­mando Santa Bárbara num colégio português da Sorbona, do qual foi principal, durante longos anos. Mal informado sobre os primeiros discípulos de Inácio em Paris, esteve para castigar o Santo publicamente, como sedutor da juventude. Após a defesa de Inácio, reconheceu a sua inocência e pediu perdão de seu erro perante professores e alunos, reunidos para o projectado castigo. Agora, por sua iniciativa e por comissão do rei, escreve aos Companheiros, convidando-os para a missão da Índia (Fontes Narr. 139; Autob. 78).

2 - Um ano antes (Novembro de 1537), Inácio, com Fabro e Laínez, dirigia-se a Roma e, pouco antes de lá chegar, tivera a célebre visão de La Storta, que con­firmava o título desses sacerdotes «amigos no Senhor», Companhia de Jesus, e lhe dava o seu significado profundo (Autob. 96). Como diz Ribadeneira sobre esta carta: «Escreveu a nosso Padre se teriam por bem irem todos ou parte dos Compa­nheiros a pregar o Evangelho às Índias Orientais». Responde Fabro em nome dos demais, dizendo-lhe que estavam às ordens do Sumo Pontífice, o qual prefere que por então trabalhem em Roma (Iparr. BAC 668).

3 - D. Pedro Mascarenhas, novo procurador de Portugal em Roma, junto do Papa. Tratou com Inácio e Companheiros sobre a ida de alguns deles para missio­nar na Índia, a pedido de D. João III. Mais tarde, como Vice-Rei da Índia, apoiará os missionários jesuítas.

4 - Em Goa já havia um bom grupo de cristãos e até um colégio fundado para jovens indianos, chamado de Santa Fé, além da cristandade antiga de S. Tomé e outros núcleos.

5 - Em Maio de 1538, já estabelecidos em Roma, por não terem podido ir à Ter­ra Santa, exercitavam-se em ministérios em favor da cidade de Roma. Levantou-se grave perseguição contra eles movida por Landívar, despedido da Companhia, e por outros espanhóis influentes na Cúria Romana. A defesa de Inácio é levada até à sentença final, que lhes restituiu a fama e os ministérios, muito frutuosos junto do povo (Autob. 98). Pouco antes de escrita esta carta, passado mais de um ano sem navio para Jerusalém, os Companheiros ofereceram-se ao Papa, de acordo com o voto de Montmartre (Autob. 85).

6 - João Fernández Manrique de Lara, marquês de Aguilar, era o embaixador de Carlos V em Roma. «Certo bispo espanhol» é talvez o antigo discípulo de Inácio em Barcelona, João de Arteaga, bispo de Chiapas no México, que oferecera o seu bispado a Inácio ou a algum dos Companheiros, e acabou por morrer na sua dio­cese (1541), ao beber veneno por engano (Autob. 80).

7 - Palavras do Papa, segundo Bobadilha: «Porquê esse tão grande desejo de ir a Jerusalém? Autêntica Jerusalém é Itália, se desejais trabalhar na Igreja de Deus» (Fontes Narr. III, 327).

8 - Diogo de Cáceres, em Paris, determinara seguir a Inácio. Em 1539, chegou a Roma e interveio na reunião dos primeiros Companheiros. No mesmo ano, voltou a Paris e ordenou-se sacerdote, mas em 1541 abandonou a Companhia (Iparr. BAC 669).

9 - Cf. supra, nota 5.

10 - Diogo de Gouveia opusera-se com toda a força ao primeiro aparecimento do luteranismo na Sorbona. Alguns aderentes à heresia tiveram então de fugir de Paris.

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Notas do editor:

Poste anterior de 8 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23599: Notas de leitura (1491): Algumas (breves) notas sobre missionação (I) - Missionaria Africana - coligida e anotada por António Brásio; Agência - Geral do Ultramar - Lisboa / MCMLXV (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)

Último poste da série de 26 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23645: Notas de leitura (1498): "Ussu de Bissau", por Amadú Dafé; Manufactura, 2019 (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18829: Notas de leitura (1082): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (8) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Outubro de 2016:

Queridos amigos,
O padre Henrique Pinto Rema descreve o período turbulento que acompanhou a independência da Guiné-Bissau, a fúria nacionalizadora levou à degradação das instituições missionárias e ao desperdício desses missionários ativos na ação educativa e sanitária.
Segue-se um relato pormenorizado do reerguer destas atividades, relato que finda com a descrição do trabalho das missões até 1981.
A história destes franciscanos que aqui chegaram em 1955 já veio contada aqui no blogue, em recensão de outra obra. Fica a confirmação de que o trabalho de Pinto Rema continua a ser inultrapassável e bem merecia continuidade até ao nosso tempo.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (8)

Beja Santos

Estamos chegados à investigação quanto ao trabalho das missões católicas na República da Guiné-Bissau, derradeiro capítulo do indispensável livro “História das Missões Católicas na Guiné”, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, 1982. O autor recorda como sempre foi limitado o domínio português na Guiné e recorda a existência de feitorias comerciais sempre transformadas em fortalezas, praças ou presídios. O território ocupado na chamada Senegâmbia foi reduzidíssimo. O capitão de Marinha Ernesto J. D. C. e Vasconcelos em As Colónias Portuguesas, Lisboa, 1903, refere a superfície da Guiné em 11.384 quilómetros quadrados. Lopes de Lima avaliava em 1844 a superfície da Guiné em 16 a 18 milhas quadradas e a sua população em 2500 livres ou libertos (incluindo a tropa) e 2000 escravos. Em 1891, o Capitão Viriato Zeferino Passalagua, Secretário-Geral interino, ao entregar o governo da Guiné a Luís Augusto de Vasconcelos e Sá, disse em discurso público:  
“Tem esta colónia seis pontos definitivamente ocupados: a ilha de Bolama, as praças de Bissau, Cacheu e Buba e os presídios de Farim e Geba. A área da província da Guiné é grande; porém, a esfera de acção do nosso domínio e especialmente da nossa autoridade é limitada aos pontos por nós ocupados, que, na nossa área são quase nada em relação à da província”.

Pinto Rema refere os primórdios do nacionalismo, o aparecimento do MING e depois o PAIGC, realça as greves de 6/7/8 de Março de 1956, em que houve agressão dos marítimos e estivadores à força policial, a polícia prendeu cinco cabecilhas grevistas e levou-os para a esquadra. O Governador Melo e Alvim veio pessoalmente à esquadra libertar os cinco presos. Os polícias sentiram-se vexados. Seguiram-se dois dias de greve e protesto. Serão os mesmos grevistas que em Março de 1956 irão desencadear novo protesto em 3 de Agosto de 1959. Pinto Rema descreve o chamado massacre do Pidjiquiti detalhando que os insubordinados dispõem de remos, barras de ferro, pedras e arpões. No primeiro recontro, os dois chefes da polícia serão selvaticamente agredidos, depois de terem disparado para o ar. Na continuação das tensões, a polícia perdeu o autodomínio e começou a atirar a matar. Havia 13 a 15 mortos espalhados no cais do Pidjiquiti mais os cadáveres de marítimos e estivadores arrastados pelas águas do Geba, estes dados foram fornecidos ao autor pelo guarda Francisco Valoura, mais tarde funcionário colonial. Acendera-se o rastilho para futuras contestações. Segue-se o ataque a S. Domingos em 21 de Julho de 1961 e depois as destruições em Suzana e Varela.

Finda a descrição sobre a luta armada, chegamos ao 26 de Abril em Bissau. A 1 de Maio de 1974 chega à Prefeitura Apostólica da Guiné um extenso telegrama onde se diz em dado momento: “A Santa Sé acompanha atentamente o evoluir da situação para ponderar quais as novas indicações que possam eventualmente vir a ser dadas para a vida da Igreja nesse território". O diretor do trissemanário A Voz da Guiné, padre Cruz Amaral, foi substituído por um militar marxista e no jornal os portugueses começaram a ser postos em cheque. Inicia-se a debandada. O êxodo atingiu proporções tais que no dia da declaração da independência por Portugal, 10 de Setembro de 1974, havia em toda a Guiné menos de 100 civis brancos. As Irmãs Franciscanas Hospitaleiras que trabalhavam no Hospital Central de Bissau foram forçadas a abandonar o seu mister acusadas essencialmente pelas suas exigências com o pessoal menor, foram acusadas de prepotência por quererem correção, presença nos serviço e trabalho. Em finais de Setembro, o padre Lino Bicari, filiado no PAIGC e com credências de Luís Cabral, expõe aos missionários a linha do PAIGC em matéria de religião e ensino. A liberdade religiosa seria salvaguardada mas as escolas passariam a ser património nacional, a escola passaria a ser absolutamente laica. Progressivamente, a vida das missões entrou num descalabro e subiram de tom as acusações anónimas. O Prefeito Apostólico é prevenido por um missionário de Catió que seria expulso por ter colaborado com a PIDE/DGS. Monsenhor Amândio Neto entende não dever estar presente na hora da transmissão de poderes, então prevista para o dia 12 de Setembro, marcou passagem de avião para 9. O Núncio Apostólico escreveu-lhe: “Esta é a hora menos oportuna para Vossa Reverência se ausentar”. Os missionários vivem solidários com o Prefeito Apostólico e este em 10 de Setembro envia um telegrama ao presidente Luís Cabral saudando no momento histórico, saudação que abraçava todo o pessoal missionário e o povo cristão, augurando futuro glorioso, pacífico e progressivo para a República da Guiné-Bissau.

Após o golpe de Estado de 14 de Novembro, Nino Vieira deu sinais claros que pretendia que as Missões Católicas estendessem a sua ação educativa nas escolas e levassem a sua ação sanitárias aos hospitais.

A nova diocese de Bissau é criada em Março de 1977 pela Bula Rerum Catholicaram. O autor é minucioso a descrever a dinâmica apostólica na diocese de Bissau, o novo bispo sai prontamente em visita às missões. Pinto Rema descreve o trabalho do Movimento de Grupos de Jovens, do Centro Artístico Juvenil e Seminário de Bissau e faz um relato minucioso do diálogo ecuménico travado com protestantes e muçulmanos.

No termo do seu trabalho, Pinto Rema analisa as missões atuantes em 1981. Depois de 960 páginas despede-se assim: “As últimas centenas de páginas foram escritas por quem viveu de muito perto os acontecimentos que relata mas só minimamente interferiu neles. Pôde, assim, ser o mais possível imparcial. Abriu um leque bastante vasto de perspectivas para a visão de conjunto surgir mais nítida. Teme, porém, que tenha escondido a floresta para mostrar a árvore. Eu ficaria muito satisfeito se este meu trabalho despertasse a curiosidade de verdadeiros historiadores para uma pesquisa do fenómeno religioso na actual República da Guiné-Bissau, a partir do ponto de vista católico”.
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Nota do editor:

Postes anteriores de:

21 de maio de 2018 Guiné 61/74 - P18659: Notas de leitura (1068): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (1) (Mário Beja Santos)

28 de maio de 2018 Guiné 61/74 - P18688: Notas de leitura (1070): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (2) (Mário Beja Santos)

4 de junho de 2018 Guiné 61/74 - P18707: Notas de leitura (1072): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (3) (Mário Beja Santos)

11 de junho de 2018 Guiné 61/74 - P18733: Notas de leitura (1074): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (4) (Mário Beja Santos)

18 de junho de 2018 Guiné 61/74 - P18752: Notas de leitura (1076): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (5) (Mário Beja Santos)
e
25 de junho de 2018 Guiné 61/74 - P18776: Notas de leitura (1078): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (6) (Mário Beja Santos)
e
2 de julho de 2018 Guiné 61/74 - P18800: Notas de leitura (1080): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (7) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 6 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18816: Notas de leitura (1081): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (42) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18800: Notas de leitura (1080): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (7) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Outubro de 2016:

Queridos amigos,
Chegámos à penúltima etapa, a atividade missionária entre 1955 e 1973.
Em 1955, a Missão da Guiné Portuguesa foi elevada à categoria de Prefeitura Apostólica. É um período de construções e de intensificação da ação educativa e existencial. Em 1961, começa o refluxo missionário com a chegada de contingentes militares que ocupam instalações de muitas missões, e muitos missionários, por insegurança, abandonam lugares. Como observa o Padre Pinto Rema, a atividade missionária foi apanhada entre dois fogos, e dá o exemplo do Padre António Grillo, da Missão de Bambadinca, que ainda é recordado pelos muçulmanos e animistas de Bambadinca, Samba Silate e Nhabijões.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (7)

Beja Santos

Prevíamos ser este o texto derradeiro da necessariamente longa recensão à incontornável obra “História das Missões Católicas da Guiné”, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, 1982. Não será assim, haverá ainda um texto sobre as missões católicas na República da Guiné-Bissau.

O período ora em análise compreende 1955 até 1973. Temos agora os franciscanos na Prefeitura Apostólica. Com efeito, em 1955, a chamada Missão da Guiné Portuguesa foi elevada à categoria de Prefeitura Apostólica. D. Martinho Carvalhosa, franciscano português, é confirmado como Prefeito Apostólico. O gesto da Santa Sé coroava o esforço missionário dos últimos 15 anos. O autor descreve assim D. Martinho:  
“Sempre insatisfeito com os outros, ele está em toda a parte a dar palavra de ordem aos seus padres e religiosos e aos seus professores-catequistas. Como construtor de igrejas, de capelas, de residências missionárias e de escolas, os gerentes das casas fornecedoras de materiais, os administrativos da Guiné e os encarregados das obras estão-lhe constantemente no pensamento para lhes regatear preços e pedir descontos especiais em ajudas. Ele próprio empenha, em meados de 1954, ao Banco Nacional Ultramarino, o seu vencimento de 500 contos, depois de ter obtido autorização da Santa Sé e do seu conselho missionário”.

E segue-se ume esclarecimento importante:  
“Monsenhor Carvalhosa está a par dos movimentos subversivos, ainda subterrâneos, em 1955. Acompanhá-los-á de perto e com ansiedade, até à sua manifestação violenta na madrugada de 21 de Julho de 1961, no ataque a S. Domingos. Ele previu o que representavam as greves dos estivadores no cais do Pidjiquiti nos dias 6, 7 e 8 de Março de 1956 e os recontros então havidos com as forças da ordem, as organizadas debandadas para território estrangeiro (aliás sempre notadas pelo Superior da Missão de Bula em 1956 na sua área), a existência de certos grupos de orientação política e rácica e a rebelião do Sul contra os impostos”.

Monsenhor Carvalhosa regressa à metrópole em Setembro de 1962, sucede-lhe o Padre João Ferreira, que chega a Bissau no ano seguinte. Por razões de saúde, retira-se em 1965. Nas ausências dos Prefeitos Apostólicos tomou quase sempre conta do expediente da Circunscrição Missionária da Guiné o Padre Amândio Neto, franciscano português que chegara a Bolama em 1941.

Pois bem, os franciscanos da Província de Santo António de Veneza chegam a Bissau em 1955, logo entre eles D. Settimio Ferrazzetta, que irá ter um papel da maior importância na tentativa de reconciliação entre as partes em litígio no dramático período do conflito político-militar no fim do século. Até ao ano de 1969 a única congregação feminina que exerceu atividade na Guiné foi a das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição. Em 1969, a Prefeitura pediu ao governo da Guiné a entrada de mais uma congregação irmãs religiosas estrangeiras, as Missionárias Franciscanas do Coração Imaculado de Maria, com sede em Roma.

Um apontamento sobre a ação educativa. Em Julho de 1954, Monsenhor Carvalhosa escrevia: “Na Guiné é absolutamente certo que a diferença entre o indígena das nossas escolas e os assimilados é nula ou simplesmente mínima”. Um acontecimento político acabou por contribuir para a melhoria da ação educativa na esfera missionária. O Governador Melo e Alvim chega à Guiné no início de Janeiro de 1954 e logo se lançou nos preparativos da viagem do Presidente da República General Craveiro Lopes, que ocorreu em Agosto de 1955. Apareceu dinheiro e as obras começaram a sair dos alicerces. Escreveu então o Prefeito Apostólico: “Foi possível que durante 18 meses, em construções, movimento escolar, assistência e meios culturais as missões católicas avançassem 10 anos”. Mas as dificuldades eram inúmeras, como escreve Pinto Rema:  
“O pessoal docente era formado nas escolas das Missões de Bula e Bafatá. Os rapazes dali saídos não eram muitos nem possuidores de grande bagagem cultural. No entanto, tal pessoal docente era único capaz de se sujeitar a todos os ambientes e a trabalhar nas piores condições. A ausência de escolas de adaptação no Leste da província da Guiné explica-se pela extensão enorme daquela área, servida unicamente pelas missões de Bafatá e Bambadinca e sem meios de transportes capazes para a tal constante fiscalização, sempre necessária”.
Na ação assistencial, ganha relevo o histórico que o investigador apresenta acerca da leprosaria de Cumura.

Bastante interesse tem também o conjunto de notas que o autor intitula “As Missões da Guiné na conjuntura da guerrilha”. As instalações das missões vão sendo sacrificadas com a chegada de contingentes militares. Logo a Missão de Mansoa foi a primeira a ser sacrificada com entrega ao Exército do pavilhão acabado de construir, em Maio de 1961. O Governador Peixoto Correia pediu à Prefeitura, em Junho de 1961, a cedência de duas salas, do refeitório e dos sanitários da missão de Bula. Foi ocupada a escola missionária de Mansabá e também a Missão de Suzana foi ocupada em Outubro de 1961. Nesse mesmo mês, o comandante militar pede à Prefeitura o edifício das Missões de Catió e depois Teixeira Pinto, Bambadinca, Ingoré e Xitole. Tudo muda em Bissau com o êxodo provocado pela guerra e o autor descreve detalhadamente o funcionamento das missões neste período crítico. Dar-se-ão conflitos entre missionários e as Forças Armadas. Veja-se o exemplo da Missão de Bambadinca que atingiu diretamente um missionário altamente prestigiado e que trabalhava na área populosa de Samba Silate e Nhabijões. Vindo de férias em Abril de 1962, o Padre António Grillo vê-se entre dois fogos, guerrilheiros do PAIGC e Forças Armadas, os grupos comandados por Domingos Ramos já estão ativos. O Padre Grillo vê-se envolvido, é preso em Fevereiro de 1963 e recambiado para Itália. A Missão de Bambadinca é ocupada pelo Exército que nunca mais a abandonou. Pinto Rema explica que o mal funcionamento das escolas no mato é fenómeno anterior à chegada da guerrilha, mas o período de subversão a partir de 1962 alterou tudo. Falando ainda de Bambadinca, diz o autor que as escolas da Ponta do Inglês, Ponta Luís Dias, Finete e Santa Helena não abriram em Outono desse ano por falta de frequência dos alunos e por causa da intranquilidade da área. A guerrilha iria afetar profundamente a atividade missionária em todo o território, incluindo Bissau e os Bijagós.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 25 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18776: Notas de leitura (1078): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (6) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 29 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18790: Notas de leitura (1079): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (41) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18776: Notas de leitura (1078): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (6) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Caminhamos para o termo desta resenha sobre a atividade missionária na Guiné, até à independência. Não conheço obra mais completa que a do padre Henrique Pinto Rema. Fico recetivo a toda e qualquer ajuda que me possam dar relativamente à islamização da região, o seu quadro evolutivo e a orgânica atual na Guiné-Bissau do trabalho do padre Pinto Rema resulta claro que uma parte substancial do insucesso missionário decorreu da inexistência de uma colonização efetiva que desse suporte àquele grupo minoritário de religiosos sempre confrontado com a inclemência do clima, o desconhecimento das línguas nativas, os muitos casos de hostilidade à missionação e o profundo isolamento a que eram votados os missionários.
Recordo que na Guiné do período da luta armada aventava-se que a religião católica se situasse entre os 3 a 5%. Esta percentagem, como é de todos sabido, tem vindo a crescer significativamente, há hoje muita tolerância religiosa na Guiné e respeito mútuo. Se assim não fosse, não teria havido aquele poderoso movimento em prol da paz, no tempo do conflito de 1998-1999, em que todos os credos religiosos apoiaram o movimento cívico-político para o fim da guerra e a reconciliação nacional.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (6)

Beja Santos

Em “História das Missões Católicas na Guiné”, Editorial Franciscana, Braga, 1982, o padre Henrique Pinto Rema oferece-nos uma visão integrada não só das missões franciscanas mas como de toda a missionação durante o período colonial. Como se referiu anteriormente, o período do liberalismo e da I República foram extremamente nefastos para a obra missionária. No capítulo “A segunda missão franciscana da Guiné Portuguesa”, tendo como balizas 1932 a 1973, o investigador analisa a missão franciscana no Vicariato Geral da Guiné, entre 1932 e 1940, refere o papel dos franciscanos na missão decorrente do Acordo Missionário (1941-1955). Deixaremos para o próximo e último texto a atividade franciscana na Prefeitura Apostólica, entre 1955 e 1973.

As “missões laicas” criadas em 1913 pela República, não deram os resultados esperados e não substituíram efetivamente as “missões religiosas”. Estas conseguiram sobreviver à primeira tempestade republicana e obtiveram um reconhecimento legal em 1919. O bispo de Cabo Verde levou às autoridades civis o problema da missionação da Guiné. Mas só no tempo do ministro João Belo, em 1926, se regulamentará a atividade missionária. A segunda missão franciscana chega à Guiné em Fevereiro de 1932. Serão mais tarde chamados, já em 1947, os missionários do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras, de Milão. A Santa Sé elevará, em 1955, a missão à categoria de Prefeitura Apostólica. E em Maio desse ano chegarão os primeiros franciscanos italianos da província de Santo António de Veneza. E com a independência, depois de 1974 será criada a diocese da Guiné-Bissau.

Temos, pois em análise, os franciscanos no Vicariato Geral da Guiné, ao longo da década de 1930. O autor recorda que em 1929 havia somente um missionário na Guiné, a situação religiosa na região piorara de dia para dia, o Vigário-Geral foi morto em Bolama pouco antes do 28 de Maio de 1926. Tomam-se diligências ao nível mais alto: o Núncio Apostólico insiste com o provincial dos franciscanos para um reforço missionário na Guiné. Eugénio Pacelli, futuro Papa Pio XII, escreve em 1930 ao superior da ordem dos frades menores: “A Santa Sé considera improrrogável a necessidade de missionários na Guiné”. Em 1930, o Padre João Augusto de Sousa, do clero do Funchal, chegou à paróquia de S. José de Bolama. Em 1931, o cónego António Miranda de Magalhães, das missões ultramarinas, encarrega-se da paróquia de Bolama e assumirá pouco depois o cargo de Vigário-Geral. A presença missionária é verificável em Bolama, Bissau, Cacheu e Geba/Bafatá. Vale a pena destacar um trecho da Provisão de D. José Alves de Martins, bispo de Cabo Verde e da Guiné Portuguesa, com data de Outubro de 1926: “Mercê talvez do seu clima, do espírito belicoso das suas tribos, da influência islamática há séculos exercida entre eles, a verdade é que não conseguirá nunca radicar-se a influência cristã de um modo decisivo, nem antes do século XIX, quando a acção missionária era quase exclusivamente exercida pelas ordens religiosas, nem depois da grande crise religiosa que se deu em Portugal na primeira metade do século XIX, quando tal acção ficou a cargo do clero formado no Seminário Diocesano de Cabo Verde e dos missionários formados no antigo colégio das missões ultramarinas (…) resolvemos nós, de acordo com o excelentíssimo governador daquela colónia dotá-la com três missões centrais em Bolama, Cacheu, Bafatá ou Gabu”.
Segue-se o reconhecimento das dificuldades, acabaram por só ser criadas duas missões centrais em Bolama e Cacheu, sem prejuízo de haver paróquias missionárias em Bissau, Geba e Buba. E define-se o essencial do programa da ação missionária: o ensino obrigatório da doutrina cristã; o cumprimento das instruções pastorais; o ensino da língua portuguesa.

Temos assim cinco missionários franciscanos chegados a Bolama em 1932. Em Agosto desse ano, o padre Pedro Araújo escreve ao Núncio Apostólico, envia-lhe um estudo religioso geral da colónia, e não ilude as realidades: “Se cristão mesmo há nesta colónia eles são-no apenas pelo batismo” e identifica duas coisas que seriamente embaraçam o missionário: a heterogeneidade das tribos, cada qual com a sua língua, os seus costumes e características étnicas, o que impossibilita ao missionário de contactar todas as raças; e o imperativo do plano missionário franciscano passar pela fundação de uma missão central em meio indígena, seria aqui que se abriria uma escola de professor-catequistas. A missão central ficará sediada em Bula. Por essa época chegarão à Guiné algumas Irmãs Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas. O governador Carvalho Viegas irá manifestar-se muito crítico quanto à escolha da missão central em Bula, preferia o território dos Felupes.

O padre Pinto Rema lembra qual o dispositivo missionário na Guiné nessa década de 1930: 2 padres do clero diocesano, 2 padres das missões ultramarinas, 9 padres franciscanos, dois irmãos franciscanos e 14 irmãs da Congregação dos Franciscanos Hospitaleiros Portugueses.

O estado geral dos edifícios religiosos deixa muito a desejar. A igreja de Geba estava em ruínas, mas havia fé na população nativa, ofereceram pedras, madeira e demais material para a construção de uma nova igreja, que ficou concluída em 1934. É neste contexto de reedificações que é lançado o projeto de uma igreja na cidade de Bissau, a catedral será inaugurada em 1950.

Em 1940, o Vicariato-Geral da Guiné ficou independente da diocese de Cabo Verde, nomeou-se em 1941 o primeiro prefeito apostólico. E dá-se então uma nova organização das missões da Guiné. O autor refere as publicações periódicas correspondentes ao período em análise, algumas de curtíssima duração e até só de uma edição: Boletim Oficial, Pró Guiné, o Comércio da Guiné, 5 de Outubro, o Arauto. Aparece um número apreciável de estabelecimentos, o autor dá destaque ao colégio católico de Bissau e refere um projeto que se tornou emblemático na Guiné: o Asilo de Bor.

No próximo texto, derradeiro desta série, passa-se em revista a atividade franciscana na Prefeitura Apostólica, entre 1955 e 1973.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 18 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18752: Notas de leitura (1076): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (5) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 22 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18766: Notas de leitura (1077): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (40) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18752: Notas de leitura (1076): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (5) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Impõe-se uma explicação para o número inusitado de recensões que tenho dedicado à obra incontornável do padre Henrique Pinto Rema referente à história das missões católicas na Guiné. Nunca se poderá entender a menorização do catolicismo na Guiné, quando é fenómeno de grande importância em Cabo Verde, sem conhecer as vicissitudes dos obstáculos à missionação, nomeadamente entre os seculos XVI e XIX. O autor, padre franciscano, nunca descura o abandono a que estes missionários estavam votados, a falta de apoio dos próprios comerciantes brancos, a sua incapacidade para um trabalho de evangelização no interior, e confrontados com populações islamizadas e totalmente reticentes à mudança de fé. Do século XIX para o século XX abriu-se uma nesga de esperança, quando foi criado o Colégio das Missões de Cernache de Bonjardim veio uma caterva de alunos guineenses e de boas famílias, o marquês de Sá da Bandeira queria missionário de boas famílias...

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (5)

Beja Santos

Dando continuidade às recensões que se têm vindo a apresentar sobre uma obra incontornável da missionação na Guiné, História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, Braga, 1982, apresenta-se uma nótula de alguns dos aspetos mais relevantes anteriormente focados, centrando a nossa atenção no período compreendido entre o liberalismo e a I República. Recorde-se que os primeiros sacerdotes que pisaram a terra firme da Costa da Guiné pertenciam ao Clero Secular. Vieram depois padres franciscanos, seguiram-se dominicanos e freires da Ordem de Cristo. A Guiné dependia da Diocese de Cabo Verde, os bispos enviavam visitadores aos cristãos de S. Domingos e no rio Grande. André Álvares de Almada sintetizou numa frase lapidar o trabalho missionário dos visitadores: “Nenhum fruto resultou de tal visitação”.

Vieram depois Missionários Carmelitas e teve alguma projeção uma missão dos Jesuítas na Guiné e na Serra Leoa, entre 1605 a 1617. E como foi referido anteriormente, impôs-se pela duração e devoção a missão dos Franciscanos que abarcou quase dois séculos, entre 1635 a 1834.

Henrique Pinto Rema destaca as denúncias de mau comportamento de muitos clérigos, nomeadamente na fase que precede a extinção dos conventos: por mancebia, bebedeiras, tráfico de escravos. Os sacerdotes missionários, sobretudo na última vintena do século XVIII e primeira vintena do século XIX, foram rareando sucessivamente, até à sua completa extinção.

As novas correntes filosóficas do positivismo, do iluminismo e do racionalismo contribuíram para dissolver o primitivo fervor missionário das ordens religiosas. Na fase final do século XVIII havia sacerdotes em Ziguinchor, Bissau, Geba e Farim. Estavam ali párocos que pertenciam ao Clero Secular. Contudo, estes não seriam da melhor qualidade, o autor observa que o bispo de Cabo Verde reservava para as igrejas da Guiné o que possuía de menos qualificado, não se trata de uma intuição sua, consta, preto no branco no que escreveu Cristiano Sena Barcelos e Honório Pereira Barreto, entre outros. Se o liberalismo detestava os frades, não deixava porém de compreender a força do sentimento religioso, ao serviço da civilização, o mesmo é dizer ao serviço da política. É neste sentido que apoia e promove a evangelização. Houve alterações dignas de nota com a separação da Guiné de Cabo Verde, em 1879, ir-se-á assistir a uma centralização administrativa em Bolama numa época em que estão repertoriados vários centros cristãos: Bolama, Buba, Bissau, Geba, Cacheu, Farim, Ziguinchor e Bolor. É um período em que trabalham na Guiné simultaneamente padres de cor oriundos de Cabo Verde e da Guiné, padres metropolitanos educados no Seminário das Missões de Cernache do Bonjardim e padres da Arquidiocese de Goa.

As leis republicanas, adotadas logo em 1910, desferem um rude golpe nas instituições missionárias. Atenda-se que já com o liberalismo as ordens religiosas tinham sido perfeitamente afetadas. Sem os frades capuchos metropolitanos, a Diocese de Cabo Verde teve de contentar-se com o seu clero nativo, pouco e mal preparado para obviar de alguma maneira às necessidades espirituais.

Na Guiné, há desordem política, juntavam-se os mal representantes da igreja, e assim a ação missionária ficou reduzida a três freguesias: Bissau, Cacheu e o presídio de Farim. A Praça de S. José de Bissau, com a sua velha freguesia de Nossa Senhora da Candelária, não deixou nunca de possuir lugar de culto desde a segunda metade do século XVII. A capela ruiu em 1840, construiu-se uma igrejinha dentro da fortaleza da Amura, aqui se executaram os serviços religiosos até Dezembro de 1950, quando foi inaugurada a Catedral de Bissau. Possuem-se inúmeros relatos de derrocada de tempos religiosos, eram engolidos por incêndios, degradados pela inclemência do clima, construídos com materiais de péssima qualidade. Sobre a Igreja de Cacheu escreveu Honório Pereira Barreto no seu documento fundamental, a memória da Senegâmbia: “No fim da povoação, próxima da outra porta que fica fronteira à fortaleza, existe uma coisa a que dão o nome de igreja. Imagine-se uma casa muito ordinária, cujas paredes ameaçam ruína, coberta de palha, com dois pequenos campanários, cujo provável destino era para sinos, porém que não os tem. Pegada a esta igreja, existe uma casinhola do mesmo tipo, servindo de sacristia, em frente da qual está o único sino, aguentado por uma estaca, atravessada por dois galhos de árvore…”. Em 1848, é o próprio Honório Barreto que se arma em mestre-de-obras.

Em 1849, a Igreja de Ziguinchor tinha caído, a Igreja de Farim fora reduzida a cinzas por um incêndio. Henrique Pinto Rema elenca os diferentes trabalhos que foram desenvolvidos nas paróquias para dignificar os templos religiosos (Buba, Ziguinchor, Geba, Farim, Cacheu, Bissau e Bolama).

Em torno de Bolama, o autor destaca o desempenho extraordinário de uma figura proeminente da cultura guineense e Vigário Geral da Guiné, o Cónego Marcelino Marques de Barros. Mas toda a atividade missionária se revela em permanência um terreno espinhoso em que tudo é precário e contingente. O Vigário Geral, Padre Tertuliano Ramo, figura de destaque da vida missionária de Cabo Verde e Guiné até ao período do Estado Novo escreveu ao Secretário-Geral da província da Guiné: “Ninguém deixa de reconhecer que os párocos na Guiné vivem em situação económica aflitiva; desprestigiados, reduzidos em número, sem incentivo de espécie alguma, a parcimónia com que lhes são remunerados os seus serviços desola e não dá ânimo e perseguir na árdua e penosa tarefa da evangelização".

No entanto, a vida religiosa parecia dar sinais de crescimento, um dos exemplos foi a chegada das irmãs franciscanas que passaram a trabalhar no hospital de Bolama.

Assim chegámos aos primeiros 20 anos da República. Os republicanos prosseguiram a animosidade dos liberais, assistiu-se à expulsão das ordens religiosas, ao encerramento do Colégio das Missões e à perseguição ao clero. A já de si triste situação religiosa da Guiné agravou-se. Mas o acalento e a devoção missionárias pareciam não arrefecer. Continuou-se a pensar criar missões católicas junto dos Balantas, Manjacos e Brames. O Estado Novo procurará dinamizar o trabalho missionário. É o que veremos no próximo texto, a propósito da segunda Missão franciscana da Guiné Portuguesa (1932-1973).

(Continua)

Fotografia adquirida na Feira da Ladra em 27 de Agosto de 2016, tem a seguinte legenda: “Teixeira Pinto, 2 de Fevereiro de 1961. Construiu-se esta ponte para depois fazer por ela passar o rio e a estrada. Porém, o plano foi alterado depois dela construída ou por falta de verba ou porque o rio não se deixou vencer. E a ponte lá está”. Conhecia já esta história quando estava a preparar o meu livro “Mulher Grande”, em 2008, a mulher de um funcionário colonial que viveu anos antes em Teixeira Pinto referiu-me que era um dos passeios bizarros de que dispunham, ir ver a ponte inacabada, segundo ela passeava-se despreocupadamente um lagarto naquele charco permanente. Nunca ninguém decifrou o mistério desta ponte inacabada.
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Notas do editor

Poste anterior de 11 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18733: Notas de leitura (1074): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (4) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 15 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18743: Notas de leitura (1075): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (39) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18733: Notas de leitura (1074): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Julho de 2016:

Queridos amigos,
O apanhado de notas que se segue tem a ver com um período de definhamento da missionação na costa da Guiné. No essencial, nos reinados de D. João V e de D. José I a história missionário-portuguesa teve o seu ponto alto não em África mas no Brasil. As obras aqui citadas dão conta, e sem nenhum sofisma, que os missionários eram de muito má qualidade e tentados pelo comércio. Como se pagava mal aos militares, ninguém queria ir para estas praças, fora buscar cadastrados. Quando lemos o documento extraordinário de Honório Pereira Barreto com a sua memória da Senegâmbia, num outro período atribulado do século XIX, compreendemos o seu pesar quando refere a péssima qualidade da gente que arriba à costa da Guiné para administrar, praticar justiça, comandar tropas e até falar das coisas de Deus.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (4)

Beja Santos

Na sequência de recensões que se tem vindo a apresentar sobre uma obra incontornável da missionação na Guiné, História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, Braga, 1982, procura-se uma síntese do período que compreende o absolutismo até ao liberalismo.

Recorde-se que no reinado de D. João V e depois da figura determinante de D. Frei Vitoriano Portuense foi nomeado bispo de Cabo Verde D. Frei José de Santa Maria de Jesus, sagrado bispo de Cabo Verde em 1721. Veio acompanhado de dois clérigos, o Dr. Manuel Leitão e António Henriques Leitão, ambos estiveram na Guiné como “visitadores”. O bispo foi à Guiné em 1732, em Farim sobreveio-lhe grave enfermidade nos olhos que o deixou cego.

O autor descreve o martirológico dos franciscanos na Guiné, do século XVII para o século XVIII bem como enumera as baixas devidas ao clima pestífero. Em comentário à ação dos missionários franciscanos desta época, o historiador José Christiano de Senna Barcelos, em Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, Volume I, escreve: “Estabelecidas as sedes das missões em Cacheu e em Bissau, delas (os prelados de Cabo Verde) destacavam arrojados padres missionários para o Norte e para o Sul, penetrando pelo sertão até às tribos mais indomáveis; com a cruz ao peito, esse símbolo da paz, avançavam tranquilos”. E escreve mais adiante: “Foi com a cruz que conquistámos toda a Guiné, e fio à sombra dela que edificámos igrejas em Ziguinchor, Farim, Geba, Rio Nuno, Pongo, Gâmbia e Serra Leoa; que se construíram fortalezas e que se permitiu a navegação fluvial. Com a cruz edificámos e avançámos a passos gigantes para o sertão; Com a espada temos demolido e retirado, com os mesmos passos, para a beira-mar. É a diferença”.

Quanto à decadência da missão franciscana, escreveu Francisco Roque Sotomaior, em 1753, um documento endereçado ao governo de Lisboa:
“Ultimamente, não posso deixar em silêncio ser também causa de muitas perturbações nesta ilha a licenciosa vida de alguns padres missionários, que, fiados no hábito de S. Francisco, fazem dele escudo para continuar o exercício de mercadores tratantes, sem cuidar na sua obrigação, além de buscar motivos para amotinar o gentio”.

António Vaz de Araújo assina em 2 de Novembro de 1778 na “Relação das Praças que Sua Majestade tem na Costa da Guiné” as de Cacheu, Farim, Ziguinchor, Bissau e Geba, não há qualquer referência à Serra Leoa e à Gâmbia. É que se a Senegâmbia Portuguesa avançasse para as fronteiras que foram negociadas com os franceses. A fiarmo-nos nos dados, em 1819, povoavam os estabelecimentos portugueses da costa da Guiné um total de 4419 pessoas, e entre elas havia três eclesiásticos em Cacheu e um em Ziguinchor.

Dir-se-á que houve uma tentativa de ressurgimentos das missões na Guiné no final da década de 1820, mas sem sequência. As Ordens Religiosas em Portugal estavam moribundas. Aguardavam o golpe de misericórdia que lhes deu o liberalismo em 1834.

Apreciando a decadência das missões no final do século XVIII, o franciscano padre António Joaquim Dinis escreve: “As ordens religiosas em Portugal que, durante séculos deram provas de grande fervor, de trabalho heroico na construção do nosso Império, de dedicação a Deus e à pátria, cansaram, entraram em decadência franca nos finais do século XVIII. Primeiro, reduzidos, depois totalmente suspendidos, foi golpe mortal, vibrado na assistência religiosa e na missionação das nossas possessões ultramarinas. Direi mais: fizeram falta à manutenção da vida social e política do Ultramar".

Estamos agora no liberalismo e escreve Henrique Pinto Rema:
“Enquanto na metrópole os conventos regurgitavam de pessoal, as desmanteladas casas que os franciscanos mantinha, por exemplo, na diocese de Cabo Verde, eram ocupadas por uns tantos, poucos, indesejáveis e aventureiros, propensos à bebedeira e à violência, mais dedicados ao comércio do que ao doutrinamento do povo. Mutatis mutandis, idêntico fenómeno se passava com os civis europeus chegados a essas bandas: ou eram negreiros, com o seu vil e lucrativo comércio, ou eram cadastrados, como aqueles que em 1805 o comandante da capitania de Bissau, Manuel Pinto de Gouveia, trouxe do limoeiro e das cadeias de Cabo Verde com o fim de guarnecer a praça. O pernicioso clima e o pagamento atrasado dos soldos, que sempre foram mais baixos que em outras províncias, não convidam homens honestos e trabalhadores”.

Por esta altura, a ação missionária na Guiné estava reduzida a três freguesias: Bissau, Cacheu e o presídio de Farim. Confiados a três sacerdotes de cor. Na terra firme da Costa da Guiné possuíamos as praças de Bissau e Cacheu, sedes de conselho, compreendendo o primeiro o presídio de Geba, o Ponto de Fá e a Ilha de Bolama; O de Cacheu estendia a sua influência pelos presídios de Farim, Ziguinchor e Bolor. Pertenciam ainda à Coroa Portuguesa comprados por Honório Pereira Barreto o Ilhéu do Rei, chamado Nova Peniche, mesmo em frente de Bissau, e o porto de Gonzo, no interior do rio Casamansa. Estas praças, presídios, pontas e ilhas teriam de três a quatro mil habitantes entre brancos, pretos livres e escravos, segundo Christiano Senna Barcelos.

Com a Convenção Luso-francesa de 15 de Maio de 1886 perdemos Ziguinchor mas a província da Guiné terá crescido de 11 mil para 36 mil quilómetros quadrados. Estava lançado o desafio da ocupação do território, como prescrevia a Conferência de Berlim. Em 1891, só tínhamos seis pontos definitivamente ocupados: a Ilha de Bolama, as praças de Bissau, Cacheu e Buba e os presídios de Farim e de Geba. Tudo vai mudar radicalmente no final do século, mas será necessário esperar que o Capitão Teixeira Pinto para que se registe formalmente a aceitação da soberania portuguesa. É neste contexto que a missionação vai conhecer avanços e recuos e que o seu estatuto ficará mais aclarado com o Estado Novo.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 4 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18707: Notas de leitura (1072): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 8 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18722: Notas de leitura (1073): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (38) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18707: Notas de leitura (1072): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
Prossegue a súmula dos principais eventos da missionação portuguesa na Guiné, graças a essa obra ímpar que ainda se pode adquirir, está longe de esgotada.
Com a Restauração, redobraram-se os esforços no envio de missões a partir da Missão de Cabo Verde e Guiné. Recorde-se que ninguém usava uma expressão inequívoca para falar da região. Todos se procuravam entender a ela se referindo como a Costa da Guiné, território que ia desde o Sul do Senegal até à Serra Leoa. O ponto de chegada era Cacheu, mas em Guinala, no Rio Grande de Buba, já havia igreja e a expressão cristãos de Geba era bem conhecida a tal ponto que quando estes cristãos foram transferidos para Farim constituíam a maioria daquela pequena cristandade.
Quem se interessar por esta vertente da história missionária tem ao seu dispor um relato extraordinário que é o livro de Frei André de Faro, uma autêntica peregrinação com cunho acentuadamente religioso, e a edição de 1974 de Avelino Teixeira da Mota sobre as duas viagens de D. Frei Vitoriano Portuense.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (3)

Beja Santos

Continuamos a sintetizar os aspetos fundamentais de um livro ímpar sobre a presença missionária portuguesa num território outrora designado por Senegâmbia, Costa da Guiné, rios de Guiné de Cabo Verde, entre outros crismas: “História das Missões Católicas na Guiné”, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, Braga, 1982.

Chegados à Restauração, o fundador da Casa de Bragança procurou estimular a presença de religiosos portugueses onde outrora se implantara uma crescente missionação espanhola. Em 1656, ano da morte de D. João IV, deliberou-se enviar para a Missão de Cabo Verde e Guiné oito franciscanos capuchos que se tinham oferecido. Os Capuchos chegam a Santiago em 1657, tendo dois deles partido para a Guiné em 1660. Escreve Frei André de Faro que eles foram os primeiros que edificaram hospícios do Orago da Piedade na povoação de Cacheu, um dos capuchos foi para o reino do Banhuns e outro para o reino dos Cassangas: “Andando sempre pregando por todas as povoações e rios da Guiné, passando a Serra Leoa e dela voltando até toda a costa da Guiné, gastando muitos anos neste ministério, vendo-se tantas vezes tão perto da morte”. Ambos deixaram memórias escritas, documentos de enorme valia para o estudo desta missionação.

Em Março de 1663 teve lugar a segunda leva missionária que seria contada ao pormenor por Frei André de Faro, um dos seus protagonistas. É consenso dos historiadores que se trata de um extraordinário relato de aventuras, ardoroso, com o sabor de uma peregrinação africana sem paralelo. Os Capuchos chegam a Cacheu em Março desse ano. Frei André parte para o Rio de Nuno, no mês seguinte, “porque quem delibera a servir a Deus salta dificuldades, atropela dúvidas e vence impossíveis. E como a covardia nunca foi vista nem ouvida, tomei alento”. Em Junho, depois de uma passagem por Bissau, encaminha-se para a Serra Leoa. Escreve em Tombá: “Quantos sacerdotes andam ociosos no reino de Portugal, onde neste largo campo puderam fazer grandes serviços a Deus e acudir a tantas almas necessitadas de remédio. Alguns sacerdotes arriscam muito a sua salvação, entregando-se no vício na preguiça”. Entusiasmado, procede a conversões, a despeito da hostilidade dos ingleses, bastante presentes na região. Os nativos, regra-geral, recusam abandonar os seus chinas (ídolos) e não aceitam a conversão. Em Maio de 1664 entra no Rio Grande de Buba. No Rio Grande, em Guinala, havia já igreja, de palha e paredes de barro. Regressa a Bissau e parte para Cacheu, onde havia um capucho no Hospício da Piedade. Pensa ir converter no reino dos “Balantes”, mas adoece, regressa a Portugal, e faleceu em Beja em 1678.

A missão franciscana começa a empurrar por volta de 1670. Em Cacheu foi onde houve praticamente a primeira cristandade. Havia aqui muita gente devota de Nossa Senhora do Vencimento. Farim, a segunda povoação portuguesa na Guiné naquele tempo, formara-se com os moradores de Geba. Os cristãos de Geba, mudados para Farim, eram às vezes em maior número que os da povoação de Cacheu. Em Farim foi construída uma igreja em honra de Nossa Senhora da Conceição, reduzida a cinzas num pavoroso incêndio, em 1701.

Bissau possuía comerciantes brancos, no princípio do século XVII, e sobre o lugar escreve Francisco Lemos Coelho, nascido em Bolola: “O porto de Bissau é o melhor para viverem os brancos de todos quanto há naquelas partes; a terra mui sadia e mui lavada dos ventos, mui abastadiça de mantimentos e carne”.

É neste contexto que surge uma outra figura ímpar da missionação, o bispo D. Frei Vitoriano Portuense. Se a fundação do hospício de Bissau data de 1683/1684, o bispo ajudou à edificação da primeira igreja de Bissau, em 1690. Henrique Pinto Rema vai registando os marcos de cristandade no Rio Grande de Buba (que chegou a ter mais importância e feitoria do que Cacheu), e a Cristandade do Rio Nuno e a da Serra Leoa. Mais à frente, passa em revista as visitas pastorais de D. Frei Vitoriano Portuense, que já era uma distintíssima personalidade na evangelização de Cabo Verde. D. Frei Vitoriano deslocou-se por duas vezes à Costa da Guiné.

Acerca de primeira visita existem dois preciosos relatos. Assina o primeiro o próprio protagonista, depois de regressar a Santiago, em Julho de 1694; o segundo é da responsabilidade de um familiar de D. Frei Vitoriano, António Rodrigues da Costa. Em 1974, Avelino Teixeira da Mota publicou as viagens deste bispo à Guiné e a cristianização dos reis de Bissau. É outro documento ímpar, o acervo informativo. É graças à documentação destas viagens que sabemos da conversão do rei Becampolo Có, assunto que levou à troca de correspondência entre este rei guineense e o rei português. O bispo visitou Geba, Cacheu, Farim e Bolor. A primeira viagem foi um êxito, a segunda um longo rol de dissabores. Sobre este prelado escreve Senna Barcelos, uma das maiores autoridades no estudo das comissões portuguesas: “Se ainda hoje contamos a Guiné nos nossos domínios de além-mar, essa glória cabe tão-somente ao bispo D. Frei Vitoriano, o qual consumiu os melhores dias da sua vida naquele mortífero clima, convertendo ao cristianismo milhares de gentios, não só com o fim de lhes purificar a alma, mas também como meio de dilatar as nossas conquistas. Esse bispo seguiu ainda as nobres tradições dos frades missionários que por lá foram desde 1604, muitos dos quais por ali faleceram, não pelas setas envenenadas dos gentios, mas por culpa do governo, que não lhes dava o necessário."

Estamos numa nova fase de refluxo e vai entrar em cena o clero regular, a segunda vaga missionária franciscana ainda está longe.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 28 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18688: Notas de leitura (1070): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 1 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18700: Notas de leitura (1071): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (37) (Mário Beja Santos)