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domingo, 14 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 – P5814: Estórias de Guileje (7): O percurso da CCAV 8350 (Manuel Reis, ex-Alf Mil At Inf da CCAV 8350)


1. O nosso Camarada Manuel Reis (*), ex-Alf Mil At Inf da CCAV 8350, (Guileje, 1972/74), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 9 de Fevereiro de 2010:

Camaradas,

Este texto é a descrição, em linhas gerais, do percurso da C.CAV 8350, Piratas de Guileje. É omissa a parte referente a Guileje e Gadamael, por todos já deveras conhecida.

Narrativa de alguns acontecimentos que marcaram o percurso da C. CAV. 8350.

Aos meus furriéis e soldados que nunca esquecerei

Nos meados do mês de Julho, cuja data não consigo precisar, a Companhia foi enviada para Cacine para aguardar embarque numa L. D. G. com destino a Bissau. Para trás, ficara Guileje e Gadamael. Connosco vão, para sempre, as marcas desses dias atribulados.

A estadia de dois ou três dias em Cacine foi maravilhosa. Com a compreensão e amabilidade da maioria dos camaradas da Companhia aí sediada, pode-se descomprimir um pouco.

Para o Juvenal Candeias e Catarino (a quem desejo uma rápido restabelecimento) e extensivo a toda a Companhia fica o meu sincero agradecimento por tudo o que nos propiciaram, num momento tão difícil.

Ao cair da tarde, sentado junto de uma das frondosas árvores e com o olhar perdido nas águas tranquilas e cálidas do rio Cacine, o meu pensamento voava para Coimbra, terra que me perfilhou e me fez homem.

Eram momentos únicos, em que tentava libertar a mente de um pesadelo, que ainda hoje subsiste.

Aqui as noites eram passadas num salutar convívio, em que a partilha de opiniões nos convidava a entrar pela noite dentro. Os temas abordados eram, inevitavelmente, o aproximar do fim da guerra. Tivemos a oportunidade de conhecer alguns pormenores da invasão à Guiné-Connakry e algumas das causas do seu fracasso. Foram dos momentos mais agradáveis que vivi no teatro de operações da Guiné.

Ao entrar para a L.D.G. deparo com o Comandante, meu conterrâneo, meu amigo, meu companheiro nos tempos estudantis de Coimbra. Luís Pato é o seu nome, esse mesmo, do bom vinho bairradino… Nada mau para começar, pensei…

Colocados no Cumeré fomos submetidos a instrução de reabilitação, orientada pelos Oficiais da Companhia de Comandos. Aqui valeu-nos o bom senso do Alferes, Comandante da Companhia, em substituição do Capitão, evacuado para a Metrópole. Após nos ouvir sobre o estado físico e anímico do que restava de uma Companhia, alterou o plano de instrução de modo a que este se adaptasse à situação física e psíquica dos militares da C.CAV 8350.

Todos os dias éramos bombardeados sobre possíveis hipóteses de colocação, que as Chefias Militares destinavam para a Companhia, que ia desde a colocação no local mais próximo de Guileje, considerando uma possível preocupação, até ao desmembramento total da mesma. Esta hipótese não vingou, dizia-se ser perigosa, pelo efeito contagiante que poderia exercer sobre os camaradas de outras companhias. Isto era o que se dizia, desconheço o seu fundo de verdade.

Após o mês de instrução são revelados os resultados dos exames médicos complementados com análises laboratoriais ao sangue, fezes e urina e são conclusivos: 87,5% dos camaradas são declarados inoperacionais. O registo é mental e pode não ser rigoroso. No entanto, tenho-o como tal.

As Chefias são obrigadas a alterar, temporariamente, os planos que projectavam para a C.CAV. 8350.

À Companhia é atribuído o sector de Quinhamel, zona onde a guerra não se fazia sentir. Como este sector ainda se encontrava ocupado por uma Companhia em rotação, fomos colocados num barracão rodeado por charchos. Julgo chamar-se Bisquita, o local da localização do barracão, onde não era possível dormir durante a noite, devido à imensidão dos mosquitos que penetravam, com relativa facilidade, através dos mosquiteiros. Andava-se de noite e dormia-se de dia.

Bem, assim ainda nos coçávamos, caso contrário não fazíamos mesmo nada!…

Em Bisquita ocorreu uma situação que não devo omitir pelo respeito e consideração que sempre me mereceram os meus soldados e furriéis. Este acontecimento mostra, ainda, até onde ia o espírito de união do grupo que, ao contrário do que constava em toda a Guiné, era sólido. Tinha sido forjado no sofrimento imposto pela guerra e moldado pelo desprezo a que fomos lançados. Soubemos resistir.

O acontecimento roça a banalidade, mas a atitude destes homens ultrapassa esses limites, é dignificante.

Todos sentíamos necessidade de nos ausentar daquele cenário de guerra, as chagas estavam vivas, mas os míseros pesos que os soldados auferiam, eram insuficientes para se deslocarem até à Metrópole e se libertarem um pouco do stress acumulado.

Seis ou sete soldados, do meu grupo, conseguiram que os familiares lhes angariassem a quantia necessária para a viagem e o dinheiro foi enviado, via postal, para o S.P.M. 2728 (o código postal). As sucessivas alterações de colocação da Companhia terão contribuído para que o dinheiro não aparecesse.

Era necessário confirmar a viagem e não havia dinheiro para o fazer. Sentia-me impotente por um lado e revoltado por outro. A situação parecia inultrapassável e ainda, por cima, eu também vinha de licença, nesse mesmo voo, o que me impedia de libertar as minhas economias.

Após falar com os meus furriéis, no dia de pagamento, descrevi ao grupo a situação, que alguns camaradas estavam a viver, já conhecido da maioria, e sugeri-lhes que emprestassem uma determinada quantia, que eu ficaria responsável pelo empréstimo de cada um.

A adesão foi total. Todos se mostraram disponíveis, com excepção de um soldado, que passadas umas horas veio ao meu encontro manifestar o seu desejo de também colaborar. As férias daqueles camaradas, na Metrópole, só eram possíveis com a colaboração de todos.

A maior ajuda, em termos monetários veio dos furriéis, que sem eles, a ideia não poderia avançar. A sua colaboração foi determinante.

A história termina com a chegada dos vales postais no próprio dia da viagem o que permitiu regularizar a situação antes da partida para férias.


Passados os três meses de permanência em Quinhamel fomos colocados em Cumbijã, onde se encontrava o nosso amigo e Capitão, Vasco da Gama, com a sua Companhia. Fomos acolhidos cordialmente e a ele e à sua gente estamos gratos, para sempre.

Nunca cheguei a saber qual a missão que nos estava destinada em Cumbijã e Colibuia. Recordo-me das operações, tipo bombeiro, a apagar fogos aqui e ali. Reordenamento de Colibuia, protecção à construção da estrada Aldeia Formosa-Buba nas imediações de Nhala, elaboração de 53 processos relativos a mortos e feridos em Guileje e Gadamael, para além dos patrulhamentos de rotina.

Deixo uma palavra de gratidão ao Capitão Reis, Comandante da C.Cav. 8350, em nome dos camaradas feridos em combate e dos familiares dos mortos. Sem a sua determinação e perspicácia, dificilmente conseguiam a pensão que, por direito, lhes assistia.

Aqui, em Cumbijã, terras do Vasco da Gama, nos vai encontrar o 25 de Abril.

A guerra, que vitimara tantos camaradas, transforma-se em PAZ.

As vivências eram outras. O inimigo deixara de o ser. Havia que preparar a entrega do aquartelamento de Cumbijã.

Foi um período complicado, pelo envolvimento a que me obrigava, para que nada sucedesse de anormal e que pudesse manchar todo o processo.

Foram os encontros no mato, desarmados, com os grupos de guerrilha do PAIGC, foram as reuniões de carácter político com os Comissários do PAIGC., foi o desarmamento dos nossos Milícias, sendo esta a situação muito dolorosa.

O aquartelamento de Cumbijã foi entregue no dia 19 de Agosto de 1974, ao PAIGC, com toda a dignidade, na presença do Comandante de Companhia, Capitão Santos Vieira.

Falei no trajecto da C.CAV. 8350 e relatei alguns episódios. Outros episódios, vividos neste trajecto, esperarão a sua vez.

Um grande abraço para todos os camaradas.
Manuel Reis
Alf Mil At Inf da CCAV 8350

Fotos: © Casimiro Carvalho (2010). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3314: Estórias de Guileje (15): Coisas daquela guerra que era uma loucura e deixou muita gente maluca (Luís Candeias)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68)> Aspecto da construção, em 1968, de uma abrigo-caserna... Foto do saudoso Cap Ref José Neto (1927-2007).




Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Dois homens de Guileje e membros da nossa Tabanca Grande: à direita, (i) o Cor Art Ref Coutinho e Lima, que vai lançar muito proximamente o seu livro com o seu depoimento sobre a sua (polémica) decisão de retirar as NT e a população civil de Guileje, em 22 de Maio de 1973, na altura em que era major e comandante do COP 5; e à sua esquerda, (ii) o ex-Fur Mil Op Esp José Casimiro Carvalho, da CCAV 8350 (aqui, na foto, agradecendo ao seu antigo comandante, em seu nome pessoal e da sua família, a decisão de abandonar Guileje, decisão essa que terá salvo a vida a muita gente).
Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do Luís Candeias, com data de 15/1/08. Não estava esquecida, aguardava apenas... melhor oportunidade editorial:

O Luís António Ricardo Candeias (1) foi Fur Mil Inf (BII 18 e BII 19, Ponta Delgada e Funchal, 1973/74). Não chegou a ser mobilizado para o ultramar. Mas ouviu histórias (e estórias) da Guiné, como estas que aqui nos conta. (Guileje era já, de resto, fértil em histórias, estórias, historietas, anedotas, no meu tempo, Junho de 1969/Março de 1971, em Bissau ou na Zona Leste)...

O Luís Candeias é natural da Ilha de Santa Maria, Região Autónoma dos Açores, onde é controlador de tráfego aéreo. É amigo do nosso amigo e camarada Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), miseravelmente denunciado por alguém de Bambadinca, um civil ou um militar, preso por pacifismo (?) pela PIDE/DGS no dia 1 de Janeiro de 1971, levado de helicóptero para Bissau e expulso do exército (2)... (LG)
Boa noite, Luís

Ao ver estas informações sobre os torpedos bengalórios (3), lembrei-me que, quando vim do Funchal para Ponta Delgada, encontrei aí vários Sargentos recém regressados da Guiné.

Recordo-me bem do Tavares de Melo, do Sabino e de um outro que acho que se chamava Oliveira. Este último era um senhor baixinho, de cabelo muito ralo, que tinha vindo de Guilejee onde tinha feito uma comissão numa altura em que tiveram que abandonar o aquartelamento várias vezes, só com a G3 (4).

Nas nossas conversas na Messe de Sargentos, contava-me ele que viviam permanentemente nas valas. Era na vala que ele tinha a máquina de escrever e que tratava das burocracias. Várias vezes ouvi-o muito zangado dizer que tinha arranjado umas rampas para lançamento de morteiros em cimento, onde colocavam as granadas de morteiro e ligavam os fios. Aquilo parece que permitia uns disparos diferentes que deixavam baralhadas as hostes contrárias.

Este facto ter-lhe-à merecido uma proposta de louvor que ficou em águas de bacalhau na sequência da revolução de Abril e a sua zanga vinha daí. O General Spínola que lhe prometera o louvor, não o chegou a dar e ainda por cima parece que levaram umas porradas por terem abandonado o aquartelamento para salvar a pele (5).

Também convivi de perto no Funchal com um capitão Faria, recém regressado da Guiné, e que acho que era este Capitão Sousa Faria, da CCAÇ 2548 aqui referido.

Tenho bem presente é que ele se fartava de me dizer que teve lá com ele um Furriel Enfermeiro que é meu conterrâneo (Valter Tavares) que ele dizia que era maluco.

Ao contar isso ao Valter e tentando entender o porquê daquela coisa do maluco porque o Valter que eu conheço não é maluco, contou-me que tinha sido por um disparo acidental da sua G3 dentro da caserna, numa operação de limpeza da arma.

Se a memória não me engana, isto aconteceu em Pirada.

Coisas daquela guerra que era uma loucura e que por isso deixou muita gente também maluca.

Um abraço

Luís Candeias
_________

Notas de L.G.:

(1) Sobre o Luís Candeias, vd. postev de 8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2421: Em busca de... (15): Pessoal da companhia madeirense que esteve em Jemberem (1973/74) (Luís Candeia, amigo do Arsénio Puim)

(2) Sobre o Arsénio Puim, vd. postes de:

17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1763: Quando a PIDE/DGS levou o Padre Puim, por causa da homília da paz (Bambadinca, 1 de Janeiro de 1971) (Abílio Machado)

5 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1925: O meu reencontro com o Arsénio Puim, ex-capelão do BART 2917 (David Guimarães)

12 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2433: Em busca de ... (16): Pessoal da CCAÇ 4946/73, madeirense + Arsénio Puim, ex-capelão, açoriano, BART 2917 (Luís Candeias)

16 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2444: Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, CCS/BART 2917, hoje enfermeiro reformado e um grande mariense (Luís Candeias)

(3) Sobre os misteriosos torpedos bengalórios, vd. postes de

19 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2061: A odisseia esquecida de Gandembel / Balana (Nuno Rubim / Idálio Reis)

13 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2436: Diorama de Guileje (2): a casota do gerador Lister... Agora só faltam os torpedos bengalórios (Nuno Rubim)

15 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2441: Diorama de Guiledje (3): Torpedos bengalórios (Idálio Reis /Nuno Rubim)

(4) Só pode ser a açoriana CCAV 8350, os Piratas de Guileje, que abandonaram Guileje no dia 22 de Maio de 1973, por decisão do comandante do COP 5, o então major Coutinho e Lima, juntamente com a população local e outras sub-unidades adidas.

Vd. Postes do José Casimiro Carvalho:

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G91

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

Vd. postes de ou sobre o Coutinho e Lima:

7 de Outubro de 2008 >Guiné 63/74 - P3277: Memórias literárias da guerra colonial (4): A retirada de Guileje - 22 de Maio de 1973 (Coutinho e Lima, Cor Art Ref)

10 de Abril de 2008 > 10 de Abril de 2008 >Guiné 63/74 - P2744: Fórum Guileje (14): Folclore (Cap Inf José Belo) ou Gratidão (Cor Art Coutinho e Lima) ? A homenagem da população local

23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2673: Uma semana memorável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (10): Guiledje: Homenagem ao Coronel Coutinho e Lima

27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2137: Antologia (62): Guileje, 22 de Maio de 1973: Coutinho e Lima, herói ou traidor ? (Eduardo Dâmaso / Luís Graça)

(5) Sobre as estórias desta série, vd. postes já publicados anteriormente:

14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2437: Estórias de Guileje (1): Num teco-teco, com o marado do Tenente Aparício, voando sobre um ninho de cucos (João Tunes)

23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2473 - Estórias de Guileje (2): O Francesinho, morto pela Pátria (Zé Neto † )

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gandembel (ex-Fur Mil Art Paiva)

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gadamael (ex-Fur Mil Art Paiva)

29 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2489: Estórias de Guileje (4): Com os páras, na minha primeira ida ao Corredor da Morte (Hugo Guerra)

30 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2492: Estórias de Guileje (5): Os nossos irmãos artilheiros Araújo Gonçalves † e Dias Baptista † (Costa Matos / Belchior Vieira)

31 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2493: Estórias de Guileje (6): Eurico de Deus Corvacho, meu capitão (Zé Neto † , CART 1613, 1966/68)

11 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2523: Estórias de Guileje (7): Um capitão, cacimbado, e um médico, periquito, aos tiros um ao outro... (Rui Ferreira)

18 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2552: Estórias de Guileje (8): Como feri, capturei e evacuei o comandante Malan Camará no Cantanhez (Manuel Rebocho, CCP 123 / BCP 12)

23 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2574: Estórias de Guileje (9): O massacre de Sangonhá, pela Força Aérea, em 6 de Janeiro de 1969 (José Rocha)

7 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2729: Estórias de Guileje (10): os trânsfugas de Guileje, humilhados e ofendidos (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)

31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2905: Estórias de Guileje (11): A besta do Celestino (Zé Neto † , CART 1613, 1966/68)

(Por lapso, houve um salto na numeração dos postes, de 11 para 13)

12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2934: Estórias de Guileje (13): Com os páras, no corredor da morte: armadilhe-se o moribundo (Hugo Guerra)

6 de Setembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3176: Estórias de Guileje (14): O meu (in)subordinado de transmissões (Zé Carioca)

(6) Vd. poste de 15 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2440: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes para Farim: O Batalhão dos Cobras (1) (Carlos Silva)

sábado, 6 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3176: Estórias de Guileje (14): O meu (in)subordinado de transmissões (José Carioca, ex-fur ml tms e cripto, CCAÇ 3477, Gringos de Guileje, Guileje , 1971/72)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > Restos do aquartelamento, abandonado pelas NT em 22 de Maio de 1973. Segundo o nosso amigo Pepito (que regressou ontem à sua terra, depois de um merecido período de férias em Portugal), há agora boas condições (políticas, com o novo governo chefiado por Carlos Correia, de 72 anos, engenheiro agr+onomo, formado na antiga RDA, homem tido como sério e rigoroso, um dos históricos do PAIG e próximo de 'Nino' Vieira), para se avançar com o sonho do Museu de Sítio de Guileje, projecto da AD - Acção para o Desenvolvimento, acarinhado pelos antigos combatentes do PAIGC e pela população local, e que tem desde o início o nosso entusiástico apoio. Guileje ainda está sob servidão militar, como todos os demais antigos aquartelamentos das tropas portuguesas no período da guerra colonial. Por Guileje passaram centenas de camaradas nossos, incluindo os Gringos de Guileje, que aqui se evocam nesta estória do Zé Carioca (LG).

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do José António Carioca, um Gringo de Guileje (*), com data de 31 de Julho (*).

Assunto - Contadores de estórias


Olá Luís, boas noites, tudo bem?

Ao navegar pelo blogue fui parar a um artigo de 18 de Janeiro de 2007: Guiné 63/74 P 1443: Contributo para a história da construção do aquartelamento de Guileje (José Barros Rocha, CART 2410, Os Dráculas, 1969/70).

Seguidamente entro no P1431 de 15 de Janeiro de 2007, Guileje: Quem (e quando) construiu os abrigos de cimento armado (Pepito/Nuno Rubim).

Fiquei espantado! É que a foto que aparece de A.S., é enviada pelo irmão Manuel, que está a reproduzir alguns enxertos do post de 26 de Janeiro de 2006 (...) (Quando a terra treme). Então entrei no link do Ninho do Açor On Line, de Manuel Sousa, para ler este artigo (**).

Ora, fiquei pasmado, pois o A. S. esteve comigo em Guileje, pertenceu ao meu grupo, foi para lá por castigo derivado ao seu alegado ‘mau comportamento’. As semelhanças são tantas que não pode ser pura coincidência...

Como ele houve outro, em Guileje, não sei o que terão feito para merecer tal castigo, só que o A. S. em Guileje também teve comportamentos que no mínimo, e à luz dos valores da época, do RDM, da situação de guerra, etc. , poderíamos considerar como 'estranhos', ‘indesejáveis', 'reprováveis'...

Eu sei que no blogue não se fazem juízos de valor sobre o comportamento dos camaradas. Não sou juiz, nem quero julgá-lo. Mas apenas relatar duas estórias, em que ele é o protagonista principal.

A alcunha dele era o Doutor Maluco, porque andou a dizer ao resto do grupo que era doutor. Não se dava com ninguém, olhava as pessoas cabisbaixo, de lado... Recordo-me que uma vez para rapar alguns pêlos mal semeados na cara foi para as instalações dos oficiais. Ao ser repreendido por um dos oficiais, respondeu para este que estava a gozar dos seus plenos direitos....

Se bem me lembro, o A. S. tinha sido 1º Cabo mas, com os recorrentes processos disciplinares, para além de vários dias de prisão, teria sido despromovido.

Outra peripécia que me lembro bem foi: O A. S., como todos os outros militares de transmissões que reportava a mim, teria que fazer serviço no posto de rádio. Então um dia teve que entrar de serviço às 5 horas da manhã. Como não aparecia para cumprir com a sua obrigação, o camarada que deveria sair para ir descansar, aguentou mais trinta minutos porque quis assistir à saída de uma patrulha que ia para o mato.

Como já era normal o nosso Doutor chegar atrasado ao serviço, foi chamá-lo e acompanhou-o até ao posto de rádio, só depois se foi embora. Com isto já seriam umas 5 horas e 45 minutos, mas muito perto das 6 horas a patrulha no mato sofre uma emboscada, o operador de rádio começa a chamar para o quartel para pedir apoio aéreo, no quartel ninguém respondia às chamadas, pois o nosso homem abandonara o posto e fora para a caserna voltar... a deitar-se.

Obviamente que o tiroteio era ouvido no quartel e toda a gente se deslocava para junto das transmissões, todos os elementos do grupo de transmissões (inclusivamente eu) e os criptos estavam com os ouvidos postos nos rádios, fazendo um trabalho em vários equipamentos para o pedido de apoio aéreo e depois o contacto com os pilotos para dar as coordenadas dos nossos militares em apuros...

O próprio Capitão [da CCAÇ 3477] estava nessa patrulha. Felizmente tudo acabou bem. Mas, para minha grande indignação, o meu subordinado nem sequer apareceu no posto de rádio… Escusado será de dizer que, na altura, só me apetecia dar-lhe dois murros bem dados... Enfim, são águas passadas que não moem moinhos. E eu hoje se o visse, só podia dar-lhe um... abraço.

O Sr. Manuel Sousa conta neste artigo [do seu blogue] que o Alferes João Tunes (***) se deslocava todos os meses a Guileje para mudar os códigos de cripto, sinceramente não me lembro no meu tempo de alguém o ter feito, acho que se alguém lá fosse pelo menos duas ou três vezes durante o ano, que lá estivesse a passar uma semana, teria forçosamente que contactar comigo. Mas mais estranho é o facto da descrição que faz sobre a sua chegada a Guileje, passo a descrever:

A chegada ao destino descreve-a assim: “As palmeiras da periferia do quartel de Guileje perfilavam-se na frente da Dornier. À frente delas, distinguia-se o que parecia ser um estado degradado e meio despedaçado com uma bandeira portuguesa comida pelo sol e rota nos cantos içada no meio dos casinhotos”…

Conta ainda que os soldados de ” rostos fechados e olhares distantes” nem pareciam pessoas, mas “ ratos metidos dentro de uma ratoeira, destinados a apanhar porrada” ou “um bando de humanóides sem vontade de viver.”

E mais adiante conclui o João Tunes: “ Os militares de Guileje sentiam-se mais perto de outra vida que da vida vivida. Os que não estavam malucos por lá andavam perto".

Mais à frente no artigo (vd. parte com o título "O troar dos canhões"), escreve o autor do blogue Ninho do Açor:

“Enquanto o meu irmão esteve em Guileje o quartel era atacado com frequência mas normalmente não havia baixas mortais”. Depois mais à frente ainda nos conta: "O ambiente no quartel decorria com uma certa normalidade quando no primeiro trimestre de 1973 o nosso conterrâneo recebe uma guia de marcha para se apresentar no quartel general em Bissau, avizinhava-se o tão ansiado regresso à metrópole" (...).

Olha, Luís, eu entrei no blogue do Ninho do Açor que pertence ao Sr. Manuel Sousa, quis fazer lá um comentário sobre tudo isto que acabo de ler mas não consegui, dava sempre erro. Como não sou nenhum expert em informática e nem consegui descobrir qualquer endereço de email, para o fazer recorri à Tabanca Grande para dizer que apenas tenho conhecimento de um camarada Gringo que de facto ficou com um trauma de guerra…

Estive com ele no almoço dos Gringos do ano passado (****), apenas soube que ele não consegue ver comentários de guerra, que chora. O que diz o narrador sobre o estado do pessoal em Guileje acho exagerado… Só farei qualquer comentário mais aprofundado sobre este assunto se tiver a certeza de que quem escreveu este artigo, o quiser fazer.

Sei que alguns Gringos já faleceram por acidente ou por doença, gostaria de saber se o A. S. ainda é vivo e se está ligado à cultura, como consta no blogue do Ninho do Açor (*****).

Abraços, José Carioca
____

Notas de L.G.:

(*) José Carioca, ex-Fur Mil Trms e Cripto, CCAÇ 3477, Gringos de Guileje, Guileje (1971/72)

Vd. poste de 6 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2815: Tabanca Grande (67): Os Gringos de Guileje: Abílio Delgado, Zé Carioca e Sérgio Sousa (CCAÇ 3477, Nov 1971/ Dez 1972)

(**) O autor do blogue, o Ninho do Açor (que parece estr actualmente inactivo, o último poste remontado a 2006) apresenta-se como professor primário, matemático, astrónomo amador, historiógrafo, folclorista, latinista, especialista de descida de rios em caiaque, etc..; é ainda autor de outros blogues:

No blogue Gente da Minha Terra, há um poste com data de 2 de Outubro de 2004 sobre o A.S., que o Zé Carioca julga ser um seu antigo camarada de transmissões. Aqui vai um extracto:

(...) "No período de 1971-1973 esteve na guerra colonial, na Guiné, onde passou por várias vicissitudes que viriam a marcar o seu futuro carácter. Esteve destacado em Bissau e Teixeira Pinto, tendo conhecido neste último aquartelamento o Coronel paraquedista Rafael Durão (...).

"Os momentos mais penosos da guerra passou-os em Guileje e Gadamael, no sul da província, onde esteve várias vezes debaixo de fogo. De entre as histórias guerreiras que constituem o seu reportório de soldado há uma que considero especialmente caricata: aquela em que uma companhia inteira é posta em debandada por um... enxame de abelhas. Há também aquela em que o nosso herói ia sendo morto por um preto depois de ter ido espreitar as pretas a tomar banho nas bolanhas, mas estas são contas de outro rosário...

"Este nidense é o exemplo mais acabado de alguém que encerra dentro de si um talento artístico insuspeitado. Há muitos anos levou a cabo uma banda desenhada onde relatava as aventuras rocambolescas dum padre e da sua bombástica sobrinha. A historia, desenhada a tinta da china, ocupava cerca de 100 páginas A4 pelo que já poderia ser considerado um trabalho de certo fôlego. Um dia, porém, num acesso de perfeccionismo e de insatisfação artística decidiu queimar tudo (...).

"Com todo este potencial podia ter evoluído para um artista de grandes méritos, mas o seu temperamento volúvel e pouco sociável, aliado aos traumas psicológicos da guerra, não permitiram que o génio artistico se traduzisse em obras de vulto, pelo menos até à data" (...).

(***) Esse texto do nosso camarada João Tunes já foi aqui reproduzido: Vd. poste de 14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2437: Estórias de Guileje (1): Num teco-teco, com o marado do Tenente Aparício, voando sobre um ninho de cucos (João Tunes)

(****) Vd. poste de 22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1869: Convívios (19): Os Gringos de Guileje, a açoriana CCAÇ 3477, encontram-se ao fim de 33 anos! (Amaro Samúdio)

(*****) Vd. último poste desta série, Estórias de Guileje> 12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2934: Estórias de Guileje (13): Com os páras, no corredor da morte: armadilhe-se o moribundo (Hugo Guerra)

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2934: Estórias de Guileje (13): Com os páras, no corredor da morte: armadilhe-se o moribundo (Hugo Guerra)




























Guiné > PAIGC > Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC > 1966 > Capa e página 23 (?) do manual escolar O Nosso Primeiro Livro.

Créditos fotográficos: ©
A. Marques Lopes / António Pimentel (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem, com data de 13 de Fevereiro de 2008, do nosso camarada Hugo Guerra, ex-Alf Mil, hoje Coronel DFA, comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 50 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70):


Caro Luís e demais camaradas da Tabanca [Grande]:

O assunto é, parece-me, algo melindroso. Verás, por favor, da oportunidade. Não tem nada a ver com uma estória narrada num livro pelo ex-Sarg Pára Carmo Vicente cujo titulo é "Morto o homem, armadilhe-se o cadáver" (*).

Só conheci o Carmo Vicente aqui em Lisboa na ADFA. Acho que partiu as duas pernas ao saltar dum heli e é DFA.

Mas é possível que se tivesse tornado rotineiro fazer isso. Não faço juízos de valor mas o que eu vi foi o que relato.

Quando passares no Corredor [de Guileje], agora que vais à Guiné , saúda esse jovem por mim e pede-lhe para me deixar dormir em paz (**)...

Hugo Guerra


2. Estórias de Guileje (12) >
A minha 2ª ida ao Corredor
de Guileje (***)

por Hugo Guerra


Se da primeira vez ia meio lúcido , meio bêbado , desta vez fui completamente lúcido….. para mal dos meus pecados.

Não recordo o dia mas para o que vou relatar pouco importa. É uma estória com um triste final…

A Companhia era de Páras, porque como bem disse o Idálio Reis o pessoal da [CCAÇ] 2317 [Gandembel, Abril de 1968/Janeiro de 1969] já tinha passado tanto que só as forças especiais reuniam condições físicas e anímicas para ir ao corredor. Os Páras eram rendidos de 15 em 15 dias e, como na altura, o pior local da guerra era Gandembel, tudo o que os tirasse dali era ganho.
Lá fomos até ao corredor montar uma emboscada com a esperança que resultasse. Às primeiras horas da manhã após os pelotões estarem instalados, não se ouvia mais que o silêncio da mata quando o mesmo foi quebrado por conversas em crioulo que denunciaram de imediato a coluna que vinha a chegar.

Em minutos ouve-se um terrível fogachal das NT seguidas de um silêncio ainda mais assustador para mim, que me via pela primeira vez naquelas alhadas.

Fui a correr à frente ver o que se passara e deparei-me com uma cena que ainda hoje faz parte dos meus pesadelos. No local estavam dois ou três mortos e um moribundo cheio de balas no peito. De repente a embriaguez da morte tomou conta de mim e vejo-me a vasculhar os bolsos de um daqueles rapazes e apanho um troféu…… um caderno escolar.

Como tínhamos que retirar de imediato pois estávamos certos que aqueles homens eram só os batedores, vi alguns Páras apanharem os RPG 7 ainda embrulhados em plástico, as armas ligeiras e pistolas e munições, etc.

Poderia dizer que até aqui se tratou dum acto de guerra, normal nas situações que se viviam naquele despudorado horror que todos vivemos.

Mas o que tinha ainda mais para ver e que foi horrível, foi ver um Pára armadilhar o cadáver. Não um corpo qualquer dos que já estavam mortos. Foi do moribundo de quem eu levava o caderno, ainda na mão.

Passados poucos minutos e na retirada para o aquartelamento a poucos quilómetros fomos surpreendidos por uma emboscada do grupo IN que vinha mais atrás dos batedores. Recordo-me de só termos um ferido com uma bala que lhe entrou por baixo dos dedos dum pé e foi sair do outro lado.

À chegada a Gandembel lembro-me de sermos saudados com palmas, mas eu ainda vinha agoniado e mais ainda fiquei quando, ao desfolhar o caderno à procura de indicações estratégicas do IN, dou com uma folha com um desenho de uma casa, como as que nós aprendêramos a fazer na nossa instrução primária e que tinha escrito por baixo “A MINHA CASA”...

Mais um sonho dum jovem, desfeito com uma rajada de tiros.

Nunca mais fui ao Corredor da Liberdade.

Um abraço,

HUGO GUERRA
________

Notas de L. G.:

(*) Vd. postes de:

4 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2915: Com os páras da CCP 122/ BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (1): Aquilo parecia um filme do Vietname

5 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2917: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (2): Quase meia centena de mortos... Para quê e porquê ?

12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2933: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (3): Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára, hoje emigrante

(**) Vd. postes de:

14 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2640: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (5): Um momento de grande emoção em Gandembel

16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2650: Uma semana involvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (6): No coração do mítico corredor de Guiledje

17 de Março de 2008 > Guine 63/74 - P2655: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (7): No corredor de Guiledje, com o Dauda Cassamá (I)

17 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2656: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (8): No corredor de Guiledje, com Dauda Cassamá (II)


(***) Vd. postes anteriores desta série:

14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2437: Estórias de Guileje (1): Num teco-teco, com o marado do Tenente Aparício, voando sobre um ninho de cucos (João Tunes)

23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2473 - Estórias de Guileje (2): O Francesinho, morto pela Pátria (Zé Neto † )

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gandembel (ex-Fur Mil Art Paiva)

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gadamael (ex-Fur Mil Art Paiva)

29 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2489: Estórias de Guileje (4): Com os páras, na minha primeira ida ao Corredor da Morte (Hugo Guerra)

30 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2492: Estórias de Guileje (5): Os nossos irmãos artilheiros Araújo Gonçalves † e Dias Baptista † (Costa Matos / Belchior Vieira)

31 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2493: Estórias de Guileje (6): Eurico de Deus Corvacho, meu capitão (Zé Neto † , CART 1613, 1966/68)

11 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2523: Estórias de Guileje (7): Um capitão, cacimbado, e um médico, periquito, aos tiros um ao outro... (Rui Ferreira)

18 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2552: Estórias de Guileje (8): Como feri, capturei e evacuei o comandante Malan Camará no Cantanhez (Manuel Rebocho, CCP 123 / BCP 12)

23 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2574: Estórias de Guileje (9): O massacre de Sangonhá, pela Força Aérea, em 6 de Janeiro de 1969 (José Rocha)

7 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2729: Estórias de Guileje (10): os trânsfugas de Guileje, humilhados e ofendidos (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)

31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2905: Estórias de Guileje (11): A besta do Celestino (Zé Neto † , CART 1613, 1966/68)

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2729: Estórias de Guileje (10): os trânsfugas de Guileje, humilhados e ofendidos (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)

1. Extracto de um poste do Victor Tavares, natural de Águeda, onde é presidente de junta da freguesia de Recardães, sua terra natal. Foi 1º cabo pára-quedista, da CCP 121 /BCP 12 (Guiné, 1972/74).

Justifica-se a reprodução deste excerto: o Victor dá-nos aqui o retrato do abandono e da humilhação, a que foram sujeitos, em Cacine, os militares que, sob as ordens do Comandante do COP 5, major Coutinho e Lima, abandondaram Guileje, em 22 de Maio de 1973, chegando a Gadamael, também fortemente atacada pelo PAIGC, a seguir a Guileje, e salva pelos pára-quedistas e a Marinha -, refugiando-se depois em Cacine. (LG)


Estórias de Guilele (10): Gadamel Porto, o outro inferno a sul

por Victor Tavares

Depois de regressada do inferno de Guidaje (2), a Companhia de Caçadores Pára-quedista (CCP) 121 encontrava-se estacionada em Bissalanca [, na Base Aérea nº 12], gozando um curto período de descanso, após a desgastante acção que tivera no norte da província.

Daí o Comando Chefe entender que os 4 a 5 dias de descanso concedidos já eram demais e ser necessário o reforço das nossas tropas aquarteladas em Gadamael por se encontrarem em grandes dificuldades. Acaba, por isso, por dar ordens para rumarmos a Gadamael, para onde partimos a 12 de Junho de 1973.

Partindo de Bissau em LDG [Lancha de Desembarque Grande] com destino a Cacine, onde chegámos a meio da tarde deste mesmo dia. Como a lancha que nos transportava, não conseguia atracar ao cais por falta de fundo, fomos fazendo o transbordo por várias vezes em LDM [Lanchas de Desembarque Médias] para aquela localidade.

Foi então, logo na primeira abordagem da lancha, que me apercebi que na mesma estava um indivíduo que pela cara me pareceu familiar. No entanto, como o mesmo se encontrava vestido à civil calções, camisa aos quadradinhos toda colorida e sandálias de plástico transparente - pensei ser porventura algum civil que andaria por ali no meio da tropa, o que seria natural e podia eu estar errado.

Depois de toda a tropa estar desembarcada, indicaram-nos o local onde iríamos ficar, num terreno frente ao quartel de Cacine. Instalámo-nos e de seguida fomos dar uma volta pelas redondezas, até que no regresso deparo com a mesma criatura, sentada no cais com ar triste e pensativo, típico da pessoa a quem a vida não corre bem. Eu vinha acompanhado do paraquedista Vela, meu conterrâneo – e hoje meu compadre. Perguntei-lhe:
- Ouve lá, aquele tipo ali não é nosso conterrâneo?
Responde ele:
- Sei lá, pá, isto é só homens.


"Gadamael ?!...Vocês vão lá morrer todos!"

Por ali estivemos na conversa mais algum tempo, até que tomei a iniciativa de me dirigir ao fulano uma vez que ele continuava no mesmo sítio. Acercando-me dele, perguntei-lhe:
-Diz-me lá, camarada, por acaso tu não és de Águeda ?
Responde-me ele:
- Sou.
E pergunta-me de seguida:
- E você, não é de Recardães?

Digo-lhe que sim, cumprimentamo-nos e vai daí perguntei-lhe o que é que ele estava ali a fazer, porque de militar não tinha nada. Respondeu-me que não sabia o que estava ali a fazer, de uma forma triste e ao mesmo tempo em tom desesperado e desanimado.

Entretanto com o desenrolar da conversa, ele perguntou o que estávamos ali a fazer, eu respondi que na madrugada seguinte íamos para Gadamael Porto... Qual não é o meu espanto quando ele põe as mãos à cabeça, desesperado e desorientado, e me diz:
- Não vão, porque vocês morrem lá todos!

Tentei acalmá-lo, dizendo-lhe para estar descansado que nada de grave ia acontecer, pedi-lhe para me contar o que se passava, vai daí, começa ele a relatar o que tinha passado em Guileje e Gadamael até chegar a Cacine. Na verdade depois de o ouvir, não me restaram dúvidas que ele tinha mais do que sobejas razões para estar no estado psicológico aterrador em que se encontrava .

Os militares portugueses que abandonaram Guileje, foram tratados como desertores e traidores à Pátria

Entretanto, informa-me da sua situação militar daquele momento tal como a de outros camaradas que abandonaram Guileje. Neste grupo estava também outro meu conterrâneo, que o primeiro foi chamar, vindo este a confirmar tudo.

O que mais me chocou foi a forma desumana como estes militares foram tratados, depois da sua chegada a Cacine, sendo considerados como desertores e cobardes, quando, em meu entender, se alguém tinha que assumir a responsabilidade dessa situação, seriam os seus superiores e nunca por nunca os soldados.

Estes homens foram humilhados por muitos dos nossos superiores - que eram uns grandes heróis de secretária! -, foram proibidos de entrar no aquartelamento, não lhes davam alimentação, o que comiam era nas Tabancas junto com a população. As primeiras refeições quentes que já há longos dias não tomavam, foram feitas por estes dois homens juntamente com os pára-quedistas, porque o solicitei junto do meu Comandante de Companhia, Capitão Pára-quedista Almeida Martins – hoje tenente general na reserva - ao qual apresentei os dois camaradas do exército que lhe contaram tudo por que passaram.


Os dois desgraçados de Guileje eram meu conterrâneos: o Carlos e o Victor Correia

Solicitei ao meu comandante para eles fazerem as refeições junto com o nosso pessoal, prontificando-me eu a pagar as suas diárias, se fosse necessário. Ele autorizou os mesmos a fazerem as refeições connosco enquanto não tivessem a sua situação resolvida e a nossa cozinha que dava apoio ao Bigrupo que estava de reserva, ali se mantivesse.

O meu comandante expôs o problema destes homens ao comandante do aquartelamento do exército, solicitando que o mesmo fosse resolvido com o máximo de brevidade uma vez que a situação não era nada dignificante para a instituição militar.

É de salientar que estes dois homens já não escreviam aos seus familiares há mais de um mês, porque não tinham nada com que o fazer. Fui eu que lhes dei aerogramas para o fazerem e os obriguei a escrever, porque o seu moral estava de rastos e a vida daqueles militares já não fazia sentido. Dormiam debaixo dos avançados das Tabancas enrolados em mantas de cor verde, não tendo mais nada para vestir a não ser o camuflado.

Estes meus dois conterrâneos que atrás refiro eram o Carlos (que infelizmente já faleceu, natural do lugar de Perrães, Oliveira do Bairro) e o Victor Correia (de Aguada de Baixo, Águeda, e que hoje sofre imenso de stresse pós-traumático de guerra)(3).
______________

Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

(2) Vd. postes de:


25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto


9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

(3) Estes camaradas devem ter pertencido à CCAV 8350 (ou a sub-unidades adidas, como o Pel Art, do Alf Mil Pinto dos Santos). Os Piratas de Guileje foram os últimos deixar Guileje, por ordem do comandante do COP 5, o então major Coutinho e Lima (4). A esta unidade pertencia o nosso querido amigo e camarada, o ex-Fur Mil Op Esp José Casimiro Carvalho, membro da nossa tertúlia:

Vd. post de 2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) (Magalhães Ribeiro).

Recorde-se que, de 18 a 22 de Maio de 1973, o aquartelamento de Guileje foi cercado pelas forças do PAIGC (Op Amílcar Cabral), obrigando as NT (CCAV 8350, 1972/73 e outras), a abandoná-lo, juntamente com cerca de 600 civis (3)
A Companhia Independente de Cavalaria 8350/72 foi a unidade de quadrícula de Guileje entre Outubro de 1972 e Maio de 1973. Viu morrer em combate nove dos seus homens, entre algumas dezenas de feridos.

Foi seu Comandante o Cap Mil Abel dos Santos Quelhas Quintas, o qual escreveu numa carta dirigida ao Senhor Chefe do Estado Maior do Exército, sobre o Furriel Miliciano de Operações Especiais José Casimiro Pereira Carvalho, com o seguinte teor (data omissa ou desconhecida):

"Exmo Senhor Chefe do Estado Maior do Exército:

"Por, quando Comandante da Companhia Independente da Cavalaria 8350, em serviço na Guiné entre 1972 e 1973, sedeada em Guileje, ter sido ferido em Gadamael, nunca me foi possível propor uma homenagem pública ao Furriel de Operações Especiais Casimiro Carvalho.

(...)"Quando fui ferido, foi este homem que me ajudou a deslocar para junto do Rio Cacine, pois eu mal me podia movimentar, deslocando-se em seguida debaixo de intenso fogo de morteiros e outra armas que, neste momento, não sei especificar, para conseguir um depósito de gasolina de forma a poder fazer movimentar a embarcação em que me evacuou para Cacine, como também outros militares que nesse momento já se encontravam junto ao pequeno cais.

"Nas reuniões anuais da nossa Companhia muitos falam dos actos de bravura deste furriel, desde, debaixo de fogo, conduzindo uma Berliet se deslocar aos paióis para municiar não só as bocas de fogo de artilharia, como para os morteiros, fazer ainda parte duma patrulha onde morreram vários militares ficando ele e outro a aguentar a situação, até serem socorridos, e ter sido ferido, evacuado para Cacine, o que não invalidou que passados poucos dias se tenha oferecido para voltar para junto dos camaradas no verdadeiro inferno em Gadamael" (...).
Vd. ainda os seguintes postes:

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G91

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gandembel (ex-Fur Mil Art Paiva)

(4) O major de artilharia Alexandre da Costa Coutinho e Lima era então, desde 21 de Janeiro de 1973, o comandante do COP 5, tendo sido ele a tomar a decisão da retirada de Guileje, em 22 de Maio de 1973, cercado por três corpos do exército do PAIGC (três baterias de artilharia: uma de canhões sem recuo; outra de morteiros; e outra de foguetões 122 mm, ou graad, também conhecidos como jactos do povo).

Vd. postes de:
27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2137: Antologia (62): Guileje, 22 de Maio de 1973: Coutinho e Lima, herói ou traidor ? (Eduardo Dâmaso / Luís Graça)

3 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2502: Guiledje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (14): Enquadramento histórico (II): o significado da queda de Guileje

23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2673: Uma semana memorável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (10): Guiledje: Homenagem ao Coronel Coutinho e Lima

23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2677: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Coutinho e Lima (1): Comandante do COP 5, com 3 comissões no CTIG

23 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2678: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Coutinho e Lima (2): A dolorosa decisão da retirada de Guileje

(...) "A Operação de retirada foi organizada da seguinte maneira: em primeiro escalão, saiu o Sr. Comandante da CCAÇ 4743 (GADAMAEL) com os seus dois grupos de combate, seguidos de parte da população; em segundo escalão, o Sr. Comandante da CCAV 8350 (GUILEJE), com a sua Companhia, milícia e restante população; em último lugar, o pessoal militar sobrante, incluindo os elementos do Comando do COP 5, tendo sido eu o último a sair do quartel" (...).

Segundo informação (oral) do Coronel de Artilharia, na reforma, Coutinho e Lima, agora prezado membro da nossa Tabanca Grande, a coluna militar que deixou Guileje, era constituída por: (i) 2 grupos de combate da CCAÇ 4743 (unidade de quadrícula de Gadamael); (ii) CCAV 8350, (unidade de quadrícula de Guileje); (iii) Pelotão de Artilharia, comandado pelo Al Mil Pinto dos Santos (já falecido); (iv) Pel Cav Reconhecimento Fox (reduzido, havendo apenas duas Fox), além do (v) pelotão de milícias local...

Ele disse-me que não havia nenhum Pel Mort, sendo o Mort 10.7 e os 2 Mort 81, operados por pessoal dos Piratas de Guileje. Esta unidade (a CCAV 8350) era constituída sobretudo por "pessoal do Norte" e esteve depois em Bissau, em recuperação. Em Abril de 1974 estava afecta ao sector de Quebo (Aldeia Formosa), em dois destacamentos: Cumbijã e Colibuía.

domingo, 16 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2649: Fórum Guileje (7): A importância do Caminho do Povo (Paulo Santiago)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cananime, frente a Cacine > Simpósio Internacional de Guiledje > 2 de Março de 2008 > O nosso camarada Paulo Santiago. Em segundo plano, do lado direito, a Catarina Ribeiro Schwarz da Silva, filha do Pepito e da Isabel Lévy Ribeiro; à esquerda, o Álvaro Basto.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados


1. Texto do Paulo Santiago:

As mensagens de alguns camaradas, já aqui publicadas (1), deixaram-me perplexo e com alguma mágoa, senti estar a ser criticado por ter participado no Simpósio Internacional de Guiledge. Muito bem, participei, e ainda bem.

Depreende-se das críticas que os participantes teriam feito frete a alguém, que se pretendeu a honorificação de Guiledje. Alvitram outros nomes para o Simpósio (por ex. , Madina do Boé ).

Não esqueçamos: foram os guineenses da AD - Acção para o Desenvolvimento que escolheram o tema do Simpósio, penso que bem, como tentarei demonstrar. Mas, antes de entrar no Simpósio, lembremos: correu muito sangue no Corredor de Guiledje, português e guineense, incluindo, caso único, dois capitães mortos em combate, o pára-quedista Tinoco de Faria e o ranger Almeida e Silva.

Voltemos ao tema do Simpósio. Porquê Guiledje ?

Fiquei a saber,com mais pormenor, que o Corredor de Guiledje, Corredor da Morte, Caminho do Povo, foi extremamente importante para toda a manobra do PAIGC. Não só importante para o Sul da Guiné, mas para toda a Colónia. Por ali entrava tudo, armamento, alimentos, medicamentos, distribuídos posteriormente por todas as FARP que combatiam no
interior da Guiné.

Desde o começo da luta era este caminho, a boca, chamemos-lhe assim, que alimentava toda a
guerrilha. Só terá perdido alguma importância ( ex-comandante Manecas dixit ) nos últimos tempos da guerra,quando o PAIGC já se movimentava com todo o avontade na fronteira do Senegal.
Mas o Simpósio não tratou exclusivamente Guiledje. Uma das intervenções mais importantes e esclarecedoras, para mim, foi feita pelo Ten-Cor Sandji Fati (também licenciado em Direito ). Intitulava-se: "A organização das FARP durante a Luta de Libertação Nacional-1964-74".

Outro exemplo: o Prof. Costa Dias fez uma interessante intervenção, cujo tema era "Papel e influência das dinâmicas sócio-religiosas e políticas nos movimentos de libertação nacional na África Ocidental :o caso da Guiné-Bissau".

Concluindo, o Simpósio não serviu para glorificar ninguém, nem qualquer das partes em conflito, nem qualquer local específico. Serviu, sim, como local de confraternização entre camaradas de armas que noutros tempos se encontravam em campos opostos de batalha. Serviu, a nós portugueses, para conhecermos melhor o outro lado da guerra. Sem polémicas, abraço para todos os camaradas do nosso Blogue.


Paulo Santiago
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Nota de L.G.:
(1) Vd. postes desta série:

sábado, 8 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2618: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (1): Regresso a Bissau, quatro décadas depois...

Guiné-Bissau > Bissalanca > Aeroporto Osvaldo Vieira > 29 de Fevereiro de 2008 > O cartaz de boas-vindas... Durante uma semana seremos objecto de uma amizade e hospitalidade inexcedíveis...

Guiné-Bissau > Bissalanca > Aeroporto Osvaldo Vieira > 29 de Fevereiro de 2008 > Chegada do avião semanal da TAP, com os tugas e outros estrangeiros que vieram ao Simpósio Internacional de Guiledje (1 a 7 de Março de 2008)...
Guiné-Bissau > Bissalanca > Aeroporto Osvaldo Vieira > 29 de Fevereiro de 2008 > O omnipresente Pepito, cérebro e coração deste Simpósio, que não precisa de se pôr em bicos de pés, sempre discreto e encantador, cultivando deliberadamente um low profile... Ele e a sua orquestra de gente magnífica, como teremos oportunidade de constatar ao longo de uma semana cheia de emoções... Do ponto de vista da organização, o simpósio esteve perfeito, considerando os mil e um constrangimentos e dificuldades existentes neste país de África que nos trata com um enorme carinho...

Guiné-Bissau > Bissalanca > Aeroporto Osvaldo Vieira > 29 de Fevereiro de 2008 > O Pepito fazendo questão de cumprimentar todos os seus convidados, oradores e demais participantes do Simpósio: neste caso, os três Gringos de Guileje, O Zé Carioca, o Abílio Delgado e o Sérgio Sousa (aqui em primeiro plano, de costas).

Guiné-Bissau > Bissalanca > Aeroporto Osvaldo Vieira > 29 de Fevereiro de 2008 > A Maria Alice...

Guiné-Bissau > Bissalanca > Aeroporto Osvaldo Vieira > 29 de Fevereiro de 2008 > Um homem com três comissões na Guiné, e que nesta semana irá experiementar momentos de grande felicidade, o hoje coronel de artilharia, na situação de reserva, Coutinho e Lima, que era em 22 de Maio de 1973 o major que comandava o COP5... Descobri que era meu vizinho: eu moro em Alfragide e ele em Benfica...

Guiné-Bissau > Bissalanca > Aeroporto Osvaldo Vieira > 29 de Fevereiro de 2008 > Sapa VIP > O major da Guarda Fiscal Sado Baldé e o seu grande amigo e membro da nossa Tabacanca Grande, o Paulo Santiago (que veio na caravana autómóvel que partir de Coimbra em 21 de Fevereiro)

Guiné-Bissau > Bissalanca > Aeroporto Osvaldo Vieira > 29 de Fevereiro de 2008 > Alguns dos amigos e camaradas que nos foram esperar ao aeroporto: Da esquerda para a direita, o Álvaro Basto, mais um amigo do Porto (cujo nome não retive, e que não fez tropa na Guiné), o Carlos Silva e o célebre Camilo (que eu conheci pessoalmente na ocasião e que vou reencontrar, no dia seguinte, no Saltinho onde tem uma morança, de fazer inveja a qualquer um de nós, no Clube de Caça, na margem direita do Rio Corubal, junto à ponte do Saltinho)

Guiné-Bissau > Bissalanca > Aeroporto Osvaldo Vieira > 29 de Fevereiro de 2008 > Quatro grandes amigos e camaradas da nossa Tabanca Grande: da esquerda para a direita, o Xico Allen, o Armindo Ferreira (que foi Fur Mil na CCAÇ 1565, Jumbembem e Canjambari, 1966/68), mais o Álvaro Basto e o Zé Teixeira...

Guiné-Bissau > Bissalanca > Aeroporto Osvaldo Vieira > 29 de Fevereiro de 2008 > O Pedro Lauret, o nosso gentleman e único representante da Armada Portuguesa... É comandante de mar e guerra na situação de reforma, além de dirigente da Associação 25 de Abril (A25A) e animador do respectivo blogue, Avenida da Liberdade...

Guiné-Bissau > Bissalanca > Aeroporto Osvaldo Vieira > 29 de Fevereiro de 2008 > Em primeiro plano, o Carlos Matos Gomes, um homem do MFA da Guiné e um celebrado autor de romances de guerra como Nó Cego, Soldadó ou Fala-me de África (sob um pseudónimo literário, Carlos Vale Ferraz).

Guiné-Bissau > Bissalanca > Aeroporto Osvaldo Vieira > 29 de Fevereiro de 2008 > O historiador Julião Soares Sousa, natural de Bula, o primeiro guineense a doutorar-se pela Universidade de Coimbra (2008)...

Guiné-Bissau > Bissalanca > Aeroporto Osvaldo Vieira > 29 de Fevereiro de 2008 > A caminho do hotel: em primeiro plano, o Luís Moita e o Josep Cervelló; em segundo plano, a Alice e o Patrick... Durante um semana, o convívio entre nós, portugueses e estrangeiros alojados no Hotel Azalai, em Santa Luzia, foi de uma grande qualidade humana... Não gosto da palavra estrangeiro: tirando os cubanos, todos nos expressávamos em português...

Guiné-Bissau > Bissau > 29 de Fevereiro de 2008 > Mercado da Chapa... Percurso entre o aeroporto, em Bissalanca, e o Hotel Azalai, o famoso QG, a antiga messe e as instalações de oficiais superiores, durante a guerra colonial...

Guiné-Bissau > Bissau > 29 de Fevereiro de 2008 > Mercada do Chapa > Estrada que vem do aeroporto para o centro de Bissau... A missão de cada guineense é sobreviver dia-a-dia... Mais de 90% dos guineenses deverão viver na economia informal (que termo tão irónico ou cínico!)...

Guiné-Bissau > Bissau > Bairro de Santa Luzia > Hotel Azalai > O Alfredo Caldeira, ladeado pela Diana Andringa, sua esposa, e dois jovens colaboradores da Fundação Mário Soares, a Catarina Santos e o Vitor Ramos, que já estavam em Bissau quando chegámos e que lá continuaram depois do nosso regresso a casa... A sua missão principal foi montar a exposição Memória da Luta de Libertação Nacional, em Bissau, e que também pode ser vista na página da Fundação Mário Soares... Um belíssimo trabalho que mereceu a unamidade dos aplausos... A Fundação Mário Soares não só participou como apoiou o Simpósio Internacional de Guiledje, tendo preparado nomeadamente um conjunto de documentos e fotografias relacionadas com Guiledje, com recurso tanto ao Arquivo Amílcar Cabral como ao nosso próprio blogue.

Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Azalai > 29 de Fevereiro de 2008 > Os nossos companheiros Alfredo Caldeira e Diana Andringa...

Guiné-Bissau <> Hotel Azalai > 29 de Fevereiro de 2008 > A Diana Andringa com o nosso globetrotter Xico Allen que se desloca à Guiné pela enésima vez... O Xico passou pelo nosso hotel só para perguntar se estava tudo bem... Ele, o Armindo Ferreira e mais um camarada, natural do Algarve, cujho nome não retive... Nem uma cerveja o Xico quis aceitar... É um menino de coração de ouro, mas que me pareceu cansado das duas viagens, terrestres, que fez à Guiné só durante o mês de Fevereiro...

1. Amigos e camaradas: 

Cá estamos de novo para retomar o convívio do nosso blogue. Acabamos de chegar de Bissau, ontem, por volta das 21h. Todos os participantes do Simpósio, guineenses, caboverdianos, cubanos, portugueses e outros europeus, reconheceram que se tratou de uma iniciativa histórica, que teve muito impacto a nível local. 

Durante uma semana, Guiledje esteve nas bocas de todo mundo, na pátria de Amílcar Cabral. Houve cobertura mediática do acontecimento que suscitou inclusivamente o interesse dos representantes máximos do Estado guineense: o Presidente da República, o Presidente da Assembleia Nacional e o o 1º Ministro... 

 Na quinta feira, dia 6, uma delegação de ex-combatentes portugueses (cerca de duas dezenas) foi recebida em audiência pelo 1º primeiro Martinho N'Dafa Cabi, e depois pelo Presidente da República da Guiné-Bissau, general João Nino Vieira... Ao fim da tarde, o chefe de estado guineense fez questão de se deslocar ao hotel onde decorreu o Simpósio Internacional Guiledje na Rota da Independência da Guiné-Bissau, não só para esclarecer, com o seu testemunho pessoal, alguns aspectos menos conhecidos da batalha de Guiledje, mas também para assistir à exibição do documentário, de 100 minutos, As Duas Faces da Guerra, de Diana Andringa e Flora Gomes. 

O tempo foi escasso para vos mandar estas simples notas de apontamentos, e algumas das fotos e vídeos que fiz (e que foram muitas, para aí uns cinco ou seis gigas)... Espero, de algum modo, com estas notas de reportagem compensar a minha ausência no blogue e sobretudo a pena que muitos de vocês terão tido de não poderem acompanhar-nos nesta visita memorável, que nunca mais se irá repetir... Para todos nós, e não apenas para mim, é daquelas coisas que iremos recordar com saudade e gratidão... L. G. 


  2. Uma semana inolvidável na Pátria de Cabral: 29/2 a 7/3 de 2008 (1): 6ª feira, dia 29 de Fevereiro, regresso a Bissau, quatro décadas depois… Texto e fotos: © Luís Graça (2008). Direitos reservados

Regresso à Guiné. 37 anos depois. É duro, é uma provação. Tenho sentimentos ambivalentes. Quero e não quero ir. Há o Graça que quer ir, o fundador e o editor deste blogue; e o Henriques que não quer, o velho tuga, o furriel miliciano, apontador de armas pesadas de infantaria que esteve na CCAÇ 12, em Bambadinca, em 1969/71, e a quem deram uma G3 de atirador de infantaria… 

Durante muito tempo, todos nós quisemos esquecer a Guiné, ao mesmo que alimentámos o desejo secreto, voyeurista, de lá voltar… Eu decididamente não teria lá voltado se não tivesse surgido a oportunidade que representou, para mim e outros camaradas, a realização do Simpósio Internacional Guiledje na Rota da Independência da Guiné-Bissau, que vai começar amanhã e prolongar-se até 7 de Março de 2008. 

 Mas já houve mais resistências ou defesas, há uns tempos atrás, quando recebi o convite dos organizadores do Simpósio. Agora os dados estão lançados, é tarde demais para hesitações. Vou à Guiné, não em romagem de saudade (acho piroso o termo…), mas pura e simplesmente em trabalho. Quero convencer-me disso. É mais fácil assim. Racionalizo, logo passo o teste. Chego ao aeroporto da Portela às 8h da manhã. Por sorte o avião é só às 10.30h…. É que, com as pressas, a excitação da partida, o stresse dos preparativos da última hora, esquecemo-nos dos bilhetes em casa… 

Eu e a Alice, que é uma mulher habitualmente super-organizada, e que fez questão de me acompanhar (Acho que, da parte dela, que não conheceu o Henriques, este gesto é uma belíssima prova de amor para com o Luís Graça…). Lá se telefona ao João, que vai a caminho de casa, depois de nos deixar no aeroporto… para ir recuperar os bilhetes. Felizmente temos tempo… 

 Entretanto o primeiro camarada que encontro no aeroporto o Carlos Silva, que é do meu tempo de Guiné, mas que eu não conhecia pessoalmente, tendo estado lá para os lados de Farim… Fur Mil da CCAÇ 2548 / BCAÇ 2879 (Jumbembem, 1969/71)... Disse-me que mora em Massamá. Tem ao lado a esposa que, ao ver a Alice, mostrou pena em não poder vir… De facto, haverá mais senhoras inscritas no Simpósio… Fazemos horas. Pergunto pelo representante do Instituto Valle Flor, o Gonçalo Marques, que ficou de nos trazer uma série de volumes (livros, DVD…), com destino à AD. Podemos levar 30 quilos de bagagem... A pouco e pouco chega o resto da maralha (um termo que ainda é do meu tempo de tropa, o que significa que há sempre uma certa regressão nestas viagens de retorno ao passado):

(i) junta-se a nós o Carlos Matos Gomes, o coronel na situação de reserva que nos Comandos passou pelas três frentes de guerra, incluindo a Guiné (em 1972/74), autor de romances de Nó Cego, Soldado e Fala-me de África ( e cujo nome, para orador no Simpósio, fui eu próprio a sugerir à organização, na impossibilidade - ou recusa, não sei ao certo – de vir o Aniceto Afonso);

(ii) o capitão de mar e guerra Pedro Lauret, membro da nossa tertúlia, dirigente da Associação 25 de Abril, e que era imediato do NRP Orion em Maio/Junho de 1973, por ocasão da ofensiva do PAIGC, contra os três G: Guidaje, a norte; Guileje e Gadamel, a sul;

(iii) o coronel Coutinho e Lima (o homem do COP 5 que entrou em rota de colisão com Spínola, ao decidir abandonar Guileje, em 22 de Maio de 1973);

(iv) o Luís Moita, professor catedrático e vice-reitor da UAL – Universidade Autónoma de Lisboa), fundador do CIDAC (uma organização não governamental portuguesa de cooperação para o desenvolvimento que dirigiu durante 15 anos, entre 1974 e 1989; é um grande amigo da Guiné-Bissau, que conhece bem);

(v) o Eduardo Costa Dias (professor de Sociologia e de Estudos Africanos, coordenador científico dos Programas de Mestrado e de Doutoramento em Estudos Africanos do ISCTE, que eu conheço dos meus tempos de estudante, e que já veio dezenas de vezes à Guiné, sendo especialista em dinâmicas sócio-religiosas e políticas na África Ocidental)… 

 Há ainda o Alfredo Caldeira (Administrador do Arquivo & Biblioteca da Fundação Mário Soares, e membro do Conselho Geral da mesma Fundação), e a esposa, Diana Andringa, membro da nossa tertúlia, jornalista e cineasta, co-autora com o guineense Flora Gomes do documentário As Duas Faces da Guerra (Portugal, 2007), para além do José Marques, jornalista do Correio da Manhã, e de dois recém-doutorados em história contemporânea, os guineenses, a viver em Portugal, Leopoldo Amado (natural do sul da Guiné, vive em Lisboa) e o Julião Soares Sousa (natural de Bula, vive em Coimbra)…. 

 Esqueci-me de dizer que, em Lisboa, há mais gente que se junta a nós, e noemadamente de língua espahola: os cubanos Óscar Oramas (antigo embaixador de Cuba na Guiné-Conacri e autor de uma biografia sobre Amílcar Cabral), bem como Ulisses Estrada (que foi um dos combatentes da 1ª leva, em 1966, e que lutou ao lado do Domingos Ramos, tendo-o visto morrer em 1966, num ataque a Madina do Boé)… 

Há ainda o catalão Josep Sánchez Cervelló, professor universitário, em Tarragona, especialista em história sobre o 25 de Abril e a descolonização portuguesa, e o francês Patrick Chabal, profundo conhecedor da vida e obra de Amílcar Cabral… Bom, o avião vai a abarrotar… Há uma elite guineense que viaja e que é cosmopolita. Mas a maioria é gente que vive e trabalha em Portugal e noutros países, utilisando a placa giratória que é Lisboa… Sem os guineeneses da diáspora e as suas remessas em dinheiro, o povo da Guiné-Bissau morreria de fome, diz-me o Lepoldo…

 Mas a pátria de Amílcar Cabarl não tem sequer uma companhia de bandeira. Para Bissau voam apenas a TAP, à sexta, e a TACV, ao domingo… A viagem Lisboa-Bissau não é barata (eu paguei quase 1100 euros pelo bilhete de ida e volta da Alice), nomeadamente para o Francisco Mendes que vai aqui a meu lado, e volta a Cachungo (leia-se Catchungo), ao seu chão manjaco, para matar saudades, visitar os parentes, beber o seu vinho de palma… Talvez dê um salto à Gâmbia onde tem irmão… Está em Portugal há vinte e tal anos… Mora em Cacém. Tem um negócio próprio, segundo percebi pelos contactos de telemóvel que fez a meu lado, antes da partida. Deve ter trabalho uns anos na construção civil, até montar o seu próprio negócio. Gente empreendedora, os manjacos da diáspora guineense… Em suma, vou encontrando a malta que vai ao Simpósio: por exemplo, a malta dos Gringos de Guileje, a CCAÇ 3477, que emocionados com a perspectiva de voltar à Guiné: Abílio Delgado, ex-capitão da companhia (mora hoje na Ericeira); José António Carioca, ex-Fur Mil Trms (vive em Cascais); Sérgio Sousa ...

As bagagens vão marcadas com uma fila vermelha, para facilitar as operações de desembarque… O avião descola por volta das 10.30h da manhã. O ambiente é de alguma excitação, própria de um grupo em formação, e que irá passar uma semana inolvidável na Guiné-Bissau. Amanhã de manhã, partiremos de jipe a caminho do coração do Parque Nacional do Cantanhez, em Iemberém (ou Jemberém, na antiga carta de Cacine) o onde a AD tem projectos e instalações de apoio. Os tugas (termo outrora depreciativo, usado pelos guineenses como sinónimo de colonialistas portugueses) voltam à Guiné, agora em missão de paz e de amizade… 

No aeroporto temos uma recepção VIP, com a própria senhora ministra dos Antigos Combatentes da Pátria a saudar-nos, para além dos nossos amigos da AD – nomeadamente o omnipresente Pepito – e, surpresa das surpresas, os nossos camaradas da Tabanca Grande que fizeram a viagem de jipe, pela rota Porto-Coimbra-Bissau… A ocasão para dar um grande abraço de reencontro e saudação ao Xico Allen, ao Álvaro Basto, ao António Pimentel, ao Zé Teixeira, ao Paulo Santiago e demais tugas que integraram a caravana… Dizem-que a malta de Coimbra vai ficar, em Bissau, para desalfandegar o contentor de vinte e tal toneladas que traz ajuda humanitária… É gente solidária e generosa, que eu, infelizmente, não irei conhecer pessoalmente. 

 Também conheci pessoalmente o major Sado Baldé, da Guarda Fiscal, que é um grande amigo do Paulo Santiago, do Carlos Santos e do Julião. Levei-lhe medicamentos, a pedido do Paulo Satiago e do Carlos Santos, e que lhe foram entregues em mão. O Sado Baldé merece, há muito, figurar na lista dos membros da nossa Tabanca Grande. Foi através dele que chegámos ao conhecimento do paradeiro do Paulo Malú, que comandou, em 17 de Abril de 1972, a terrível emboscada do Quirafo… O filho do antigo régulo Suleimane, do Saltinho, é uma de gentileza e afabilidade inexcedíveis, que me fez logo lembrar os soldados fulas da minha companhia de caçadores, a CCAÇ 12, e os tempos de instrução que passei em Contuboel. 

 O dia de chegada do avião da TAP é de festa, em Bissalanca… Centenas de pessoas, não sei mesmo se alguns milhares, concentram-se aqui, só para ver a chegada do avião e dos seus felizes passageiros… As mesmíssimas cenas de há 39 anos quando cheguei do Niassa em Bissau (1): os meninos e as meninas que vendem mancarra, a banana, ou que te pedem o jornal e a revista que trazes do avião… Mas o país e a gente não são mais os mesmos: a Guiné-Bissau hoje faz parte do seio das Nações e quer manter vivos os sonhos que levaram Amílcar Cabral e os seus camaradas do PAIGC a lutar contra um regime político, e não contra os portugueses… Irei ouvir isto todos os dias, até 7 de Março de 2008, quando terminar o Simpósio e eu regressar a casa…

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  Nota de L.G.: 

 (1) Eu próprio já aqui evoquei, na 1ª série do nosso blogue, a minha viagem no T/T Niassa, em finais de Maio de 1969: vd post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LXXVI: (i) A bordo do Niassa; (ii) Chegada a Bissau (...) Desembarcamos numa cidadezinha térrea, de casas de adobe, rachas de cibe e chapas de zinco, com quintais cheios de mangueiras, e onde em dois ou três quarteirões, feitos a régua e esquadro, se concentram a administração e o comércio. Nas ruas, sujas das primeiras enxurradas de Maio, meninos e meninas vendem mancarra (começo a aprender as minhas primeiras palavras de crioulo). Gilas, de balandrau branco, óculos de sol e transistor a tiracolo, mercadejam bugigangas de contrabando. Os sons, os sabores e as cores de África baralham-me os sentidos e as emoções. A esta hora da manhã, já as esplanadas estão cheias de tropa à civil, beberricando cerveja, enquanto no mastro da fortaleza oitocentista da Amura flutua uma descolorida bandeira verde-rubra. Indiferente aos velhos canhões de bronze, uma mulher passa com o filho às costas e um balaio à cabeça. Canoas talhadas em grossos troncos de poilão partem do mítico cais do Pijiguiti, sulcando as águas lamacentas da Ria, em busca de mafé. Ronceiros aviões levantam voo de Bissalanca e, no meio da praça do Império, em cima de um Unimog, de pé e de braços abertos, alguém de nós, exclama: - Camaradas, cinco séculos de história vos contemplam!" (...).