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quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25125: Jorge Cabral (1944-2021): Histórias de um Professor de Direito: Antologia - Parte I: "25. No Regimento de cavalaria"...


Capa do livro de Jorge Cabral, "Histórias de um professor de Direito: colectânea de testes da cadeira de Direito da Família e Direito de Menores (Lisboa: APSS - Associação de Profissionais de Serviço Social; Alfredo Henriques, 2007, 71 pp. ; ISBN; Alfredo Henriques - 972-98840-05 | APSS - 972 - 95805-1-0)

Dedicatória manuscrita para o edit0or do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné: 

“Para o Luís,  camarada, companheiro e amigo, um conjunto de testes, frequências e exames que até parecem ‘estórias'. 

Lx, , Fev  2007, Jorge Cabral."

O Jorge Cabral  (1944-2021) foi af mil art, cmdt do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71). Tem 253 referências no nosso blogue. Era (é) um histórico: ingressou na Tabanca Grande em 21 de dezembro de 2005.

Cartaz da conferência sobre "Mutilação Genital Feminina: uma abordagem multidisciplinar". Lisboa, Centro de Formação do Hospital dos Capuchos,  17 de Maio de 2006, 16h00.

Foto: Fórum de Santo António dos Capuchos (2006) (com a devida vénia...) 

[O Fórum de Santo António dos Capuchos era, na altura,  uma iniciativa de profissionais de Serviço Social, organizada pelo Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social (CPIHTS), pelo Serviço Social dos Hospitais dos Capuchos, Desterro, Miguel Bombarda, Liga dos Amigos e Utentes do Hospital dos Capuchos (LAU) e do Instituto de Criminologia da Universidade Lusófona.] 

Lisboa > Hospital dos Capuchos > Centro de Formação >  17 de Maio de 2006 > Conferência sobre "Mutilação Genital Feminina: uma abordagem multidisciplinar" >  Na mesa, os drs Jorge Cabral, Alfredo Henriquez e Cristina Carvajal Isabel (assistente social colombiana, com vasta experiência em trabalho social na América Latina e Europa)

Lisboa > Hospital dos Capuchos > Centro de Formação >  17 de Maio de 2006 > Conferência sobre "Mutilação Genital Feminina: uma abordagem multidisciplinar" >  Na mesa, os drs. Jorge Cabral (docente da Universidade Lusófona, presidente do Instituto de Criminologia, especialista na área da Infância, direito penal, escritor, ex-combatente da guerra colonial na Guiné) e o Alfredo Henriquez (presidente do Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social), que presidiu à conferência. (*)

Fotos: Fórum de Santo António dos Capuchos (2006) (com a devida vénia...).

1. Há muito que ando para citar e divulgar este livrinho do nosso sempre chorado e lembrado "alfero Cabral", o  Jorge Cabral (1944-2021). Redescobri-o há tempos na minha biblioteca. Já não recordo, com precisão, em que cirunstâncias é que o autor me ofereceu um exemplar autografado das suas "Histórias de um Professor de Direito"... 

Conhecidos da Guiné, de Bambadinca, do período de 1969/71, reencontrámo-nos muito mais tarde, primeiro no blogue (e depois nos encontros anuais da Tabanca Grande) mas também no Instituto Superior de Serviço Social e ainda na Universidade Lusófona. Participámos em algumas iniciativas como, por exemplo, na Conferência sobre a Mutilação Genital Feminina (Lisboa, Hospital dos Capuchos, 17 de maio de 2006).

Em homenagem ao nosso "alfero Cabral" (1944-2021),  de quem publicámos na íntegra as "estórias cabralianas", aqui fica uma das provas a que ele submeteu os seus alunos (na sua grande maioria, alunas) da licenciatura em serviço social, na avaliação de conhecimentos da cadeira de Direito da Família e Direito de Menores. Reconhecemos, nestas três dezenas e meia de "Histórias de um Professor de Direito" a mesma verve, o mesmo  estilo narrativo, o mesmo poder  de observação, a mesma imaginação criativa, a mesma brejeirice, o mesmo  humor negro, etc., das "estórias cabralianas"... Mas agora  também com um registo mais forte de inquietação, compaixão e empatia, para com aqueles e aquelas que vivem paredes meias com a marginalidade social, a exclusão, a pobreza, a discriminação, a transgressão, a violência...

2. Comecemos com alguns excertos do prefácio dos editores. 

(...) A presente obra, "Histórias de um professor de direito".  traz-nos o testemunho brilhante de um docente que ao longo de anos, e de forma pioneira, tem vindo a reflectir sobre a problemática  humana que o Direito te,m tem vindo a classificar  como uma disciplina autónoma: o Direito de Menores e da Família. 

"O Doutor Jorge Cabral terá sido um dos primeiros docentes a introduzir, na década dos anos 70, esta disciplina no programas do ensino superior, através das suas aulas no Instituto Superior de Serviço Social. O seu estilo irreverente e profano, já evidenciado noutras obras e nas inúmeras conferências, revela,  na sua ousadia, este conhecimento profundo da cotidianeidade dos seres humanos mais vulnerabilizados e excluídos,Das cerca de histórias das cerca de 30 histórias.ades e excluídos com as quais ele tem assumido carinhosamente ao longo dos anos o seu compromisso profissional na defesa dos seus direitos". (...) 

Dr. Alfredo Henriques C

(...) Foi com enorme prazer que (re)li as 'estórias' que agora se publicam, fazendo-me voltar atrás mais de 10 anos e recordar as aulas do Professor Jorge Cabral. Fizeram despertar em mim afectos que foram verdadeiramente marcantes, reconhecendo, sem margem de dúvida,  que os seus ensinamentos foram dos mais ricos,  invulgares e eficazes na minha formaçöão. 

Dr. Maria André Farinha, direção da APSS [Associação dce Profissionais de Serviço Social]    .

As histórias aqui reunidas neste livrinho são 35, ao todo. Estão classificadas, de acordo com o índice, em três capítulos ou partes:

I... Do Casamento. Amam-se- Desamam-se. Enganam-se. Desenganam-se.   [Ao todo, são 15 . ] 

II... Da Filiação. As mães são. Os pais talvez. [Ao todo, são 16.   ] 

III... Dos Filhos.  Nascidos de encontros, desencontros, equívocos e mentiras.... [As restantes quatro  ] 


Histórias de um Pofessor de Direito: "25. No Regimento de Cavalaria" (pp. 54/56) 

por Jorge Cabral

Passa das oito da noite. Estou no escritório ainda. Preciso de escrever uma contestação para amanhã sem falta. Tocam à campainha, cinco toques. Quem será? Penso não abrir a porta. Fngir que não estou. É algum chato a fazer uma pergunta. Abro, não abro. Hesito, mas abro a porta. 

Entram. Tresandam a um perfume intenso daqueles que permanece e agoniam.  Ele baixo, entroncado, um bigode fininho, para o moreno, traz uma penso na testa. Ela usa uma saia de criança que só lhe tapa três quartos das coxas e na testa uma fita que não segura cabelo nenhum. Irá jogar ténis ? 

Pergunto-lhe os nomes e finjo tomar nota. Marieta e José. Casados um com o outro. Dois filhos pequeninos. 

 −Então o que o traz por cá?   − interrogo com  simpatia, enquanto os observo. Não respondem. Insisto. 

 − Alguma herança ?  Acidente ?  Uma ação de despejo ?  Problemas de droga ?

 Começam a falar ao mesmo tempo. Brigaram. Odeiam-se. Ela anda na vida e ele vive à custa dela. 

 − Falo eu que sou homem  − diz José.

  −Isso é que era bom    − grita Maria. 

 − Falam os dois  mas um de cada vez   −  interrompo.  O senhor vai ali para o lado.  Já o chamo. 

Ele foi de má vontade. Ea fica e começa:

 − Vou começar pelo princípio e contar tudo, que isto de advogados é como os padres. Há dez anos, inha eu dezassete,. vim servir para Lisboa em casa de um coronel. Chamava-se Alvarenga e tinha uma mulher chata. A Dona Lúcia.  A casa deles era dentro do quartel, o Regimento de Cavalaria 4, na Rua das Almas. O Doutor está a ver,  uma rapariga nova no meio de tantos homens. O primeiro foi o sargento, depois o furriel. Mas nunca foram tantos como por lá constava.  A fama tive. Sabe como é que é. José era ordenança do coronel. E que diferente ele era.  Tímido, envergonhado, sempre com medo de tudo e de todos. Fui eu que o cobicei,  quasi que o obriguei. Ele saiu da tropa em fevereiro de 83 e  nós casámos no 25 de Abril do mesmo ano, seis  meses antes do nascimento do Joca o meu filho mais velho.  José ganhava pouco, bebia, começou a acompanhar com vadios e galdérios. Tinha o Joca dois meses, pôs-me na rua. Eu que ganhasse algum. A princípio custou-me. Depois fiz de conta. José deixou de trabalhar. Saca-me a massa toda. Trata mal os putos e o Zeca tem só dezasseis meses. Estou farta, farta. Quero ir para o Algarve. Ganha-se lá muito mais. Conheço uma senhora que fica com os miúdos. Diz que os vai adotar. É mulher de um engenheiro, já pssou os qquarenta e  não pode ter filhos. Quero o divórcio e  rápido. Tudo legal. Eu não quero problemas. 

 − Pode sair agora. Entre ,  senhor José. 

Ele entrou irritado. 

 − Não sei o que ela disse, mas é tudo mentira. Para já não assim nenhum divórcio. Ela dava-me tudo. Fiz dela uma senhora. Quando a conheci, era uma sopeira.  Se me chateia muito,  tiro o nome aos miúdos. Eu sei lá se são meus filhos Antes de casar, andou com meio regimento. E depois é o que se vê. Diga lá o Doutor se  não tenho razão. Posso deixar de ser pai, não posso ? Diz que vai dar os putos. E se Eu não deixar ? Eu até lhes possa tirar. É verdade ou não é? Provo que ela anda na vida, e pronto. Se ela for para o Algarve, vou lá e arrebento-lhe  as ventas. Tenho esse direito. Pois, não sou o marido ?. 

Chame os dois. Informo-os  que vou estudar o assunto. Marco uma entrevista para daqui a oito dias. Despedem-se. Esquecem-se de pagar. 

Está visto que não poderei ser advogado  dos dois. Mas vocês podem.  E é o que vão fazer. Vão apreciar as razões de cada um e tentar encontrar as soluções jurídicas. 

PS  − Eles estiveram no meu escritório ontem, dia 5 de fevereiro de 1987 (**).

(Revisáo / fixação de texto: LG)

_____________

Notas dos editor:

(*) Vd. poste de 10 de4 março de  2007 > Guiné 63/74 - P1580: Fanado ou Mutilação Genital Feminina: Mulher e direitos humanos: ontem e hoje (Luís Graça / Jorge Cabral)

(**) A data é importante. A profunda revisão do nosso Código Civil (que a partir de 1978 passou a ajustar-ser à nova Constituição da República Portuesa, de 1976) trouxe grandes alterações nas áreas do direioto da família e dos menores (Vd.  Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro. Entrou em vigor  a partir de 1 de abril de 1978.)

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P25001: Efemérides (423): Foi há dois anos, em 28/12/2021, que o "alfero Cabnal" deixou o "palco da vida"... Foi ele quem disse, respondendo a uma pergunta do puto Sitafá, que o "Natal só existe quando mora no mais fundo de nós"...






Quatro fotogramas do vídeo do Jorge Cabral (Lisboa, 1944 -  Cascais, 2021), de apresentação do vol I de livro de contos,  "Estórias Cabralianas", em Lisboa, no Jardim Constantino, em 29 de outubro de 2021.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. No próximo dia 28, quarta feira, vai fazer dois anos que o nosso "alfero Cabral" deixou o palco da vida. A sua morte foi chorada por alguns dos seus camaradas e amigos e sobretudo por muitas das suas amigas, suas antigas alunas, a maior parte hoje profissionais de serviço social nas mais diversas instituições e organizações.

 Estava eu há dias no IPO de Lisboa â espera de uma consulta de hematologia, e lembrei-me dele. Deu-me uma enorme saudade do "alfero Cabral". Um cancro do pulmão matou-o cedo de mais, aos 77 anos. Para quem amava a vida, o palco da vida, a grande comédia da vida, deixou-nos, no blogue e em livro, alguns das suas deliciosas  "short-stories", que durante anos nos fizeram rir, chorar de rir, recordar, sonhar e... pensar.  Ele era mestre na arte do pícaro, do burlesco, do brejeiro, do humor de caserna.. sem deixar de ser uma pessoa de grande sensibilidade e humanidade.

Não me canso de revisitar as "estórias cabrlianas" (temos cerca de uma centena publicadas no blogue). Pena é que um prometido e anunciado segundo volume nunca tenha chegado a sair. (Tudo se precipitou com a sua morte e a doença do seu editor.)

Temos, isso, sim,  um vídeo, espantoso, com a apresentação, feita pelo autor em pessoa, do primeiro volume das "Estórias Cabralianas",  no Jardim Constantino. em 29 de outubro de 2020, ainda em plena pandemia... 

O vídeo continua, felizmente, disponível na sua página do Facebook (Jorge Almeia Cabral). 
Com a duração de 17' 27'' teve até à data cerca de 600 "gostos", 280 comentários e 8,7 mil visalizações: clicar aqui  na página do Facebook do Jorge Cabral(O vídeo começa com um excerto da canção "Pedaço de Céu"... Com a devida vénia à grande artista que é a Mafalda Veiga).

Durante a pandemia (e agravamento da sua doença),  eu falava com ele, ao telefone, de vez em quando, e a última vez a escassas semanas antes de morrer, ao findar do ano de 2021. 

 Era um homem tímido, que se refugiava na ironia fina, no humor picaresco, e até no "non-sense"...  Nunca usava o palavrão, a graça nele era  utilização do segundo sentido, da linguagem figurada... 

Nesta quadra natalícia, e na véspera do 2º aniversário da sua morte, recordo aqui, com muita saudade a sua figura, e republico  um dos seus micro-contos,

Recorde- se que, na Guiné, ele foi alf mil at art, cmdt do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71),

Dele escrevi, no dia em que morreu (*):

(...) "De resto, ele nunca escondeu que tinha um 'grãozinho de loucura',  coisa que fazia parte dos genes dos ilustres Cabrais, mas sempre modesto, definia-se como simples 'escrivinhador'...  Pessoalmente, considerei-o como um dos melhores escritores do 'teatro do absurdo da guerra' que nos calhou em sorte. Ninguém poderá falar do nosso quotidiano, nos quartéis do mato, na Guiné, de 1961 a 1974, sem evocar a figura do 'alfero Cabral'.

"Mais do que ninguém ele soube dar-nos (ou devolver-nos) o seu/nosso lado mais solar, alegre, romântico, maroto, brejeiro, provocador, irreverente, desconcertante, descomplexado, histriónico, humorístico, burlesco, pícaresco, saudavelmente louco, da nossa geração,  o lado próprio próprio dos verdes anos (contrabalançando o outro lado mais negro da nossa história de vida,  quando os gerontocratas da Pátria nos mandaram para a guerra: afinal, são jovens que matam e morrem nas guerras)... 

"Enfim, para o 'alfero Cabral' a guerra não foi só 'sangue, suor e lágrimas«  (Curiosamente, poucos sabem que ele tinha passado, se bem que efemeramente,  também pelo Colégio Militar, foi uma das "ratas" de 1955...).

"Mestre do microconto, da 'short story', senhor de uma ironia fina, foi responsável por alguns dos melhores postes que aqui fomos publicando, entre 2006 e 2016. E, como eu já lembrei, é pena que os os 'periquitos' da Tabanca Grande, os que entraram mais recentemente,  não o conhecessem. De facto,  de há meia dúzia de anos a esta parte, tinham vindo tinho a  rarear as "estórias cabralianas",  série que chegou quase à centena de postes."!  (...)

Nesta quadra natalícia, e na véspera do 2º aniversário da sua morten (**), recordo aqui, com muita saudade a sua figura, e republico  um dos seus maravilhosos micro-contos.  
 
Estórias cabralianas > Onde mora o Natal? 

por Jorge Cabral



Também houve Natal em Missirá naquele ano de 1970. Na consoada, os onze brancos e o puto Sitafá, que vivia connosco. Todos iam lembrando outros Natais.

Dizia um:
– Na minha terra…

E acrescentava outro:
– A minha Mãe fazia…

E a mesa por encanto encheu-se. Rabanadas, filhós, arroz doce, aletria... Juro que vi e até saboreei.

Eis quando o Sitafá interrogou:
– Onde mora o Natal?

Ninguém lhe respondeu... mas eu ainda vou a tempo:
– Está cá dentro, se calhar é um neurónio. E sabes, Sitafá, neurónios, já perdi muitos, mas não quero perder este. Porque Natal, Natal, só existe quando mora no mais fundo de nós.

Jorge Cabral
______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste 28 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22852: In Memoriam (421): Jorge Pedro de Almeida Cabral (Lisboa, 1944- Cascais, 2021), ex-al mil at art, cmd Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71), advogado, professor de direito penal no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, nosso colaborador permanente e autor da impagável série "Estórias cabralianas" (de que se publicaram cerca de uma centena de postes)

(**) Último post da série > 17 de dezembro de  2023 > Guiné 61/74 - P24966: Efemérides (422): A minha despedida da Guiné faz hoje, dia 15 de Dezembro, cinquenta anos (Ramiro Jesus, ex-Fur Mil Comando)

sexta-feira, 7 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24206: Estórias cabralianas (95): O meu amigo 'comando' Barbosa Henriques (1937 - 2007): "Bons tempos, Cabral, consigo ia ficando maluco!"... "E eu ia ficando comando!"... (Jorge Cabral)


1. Há muito que o cor art 'comando' ref Octávio Emanuel Barbosa Henriques nos deixou. Nasceu na ilha do Fogo, Cabo Verde, em 1938) e morreu em Lisboa em 2007, aos 69 anos. 

 O Virgínio Briote conheceu-o na Academia Militar. Eu e o "alfero Cabral" acabámos por o conhecer na Guiné e conviver com ele (o Cabral muito mais do que eu) durante a fase de instrução e formação da 1ª CCmds Africanos (de dezembro de 1969 a junho de 1970) em Fá Mandinga, a escassos quilómetros de Bambadinca.

O portal UTW - Ultramar Terra Web - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar publicou, na altura da sua morte, o seu CV militar detalhado:

(i) depois de ter frequentadio o curso de comandos no CIOE de Lamego (abr/mai 1968), foi mobilizdao para o CTIG;

(ii) foi um dos quatro capitães que passaram pela CCAÇ 2316 (1968/69) como comandantes; esteve em Guileje (de setembro de 1968 a julho de 1969);

(iii)  em agosto de 1969  regressou à metrópole, ao CIOE, para ser de novo mobilizado para a Guiné, em dezembro de 1969: será sentão o instrutor da 1ª CCmds Africanos;

(iv) em agosto de 1970, assume o comando da 27ª CCmds até final de 1971.

O nosso saudoso amigo e camarada Amadu Djaló (1940-2015), nas suas memórias (publicadas em 2010) por cima da carismáica figura do instrutor da 1ª CCmds Africanos. Achamos que o Barbosa Henriques merece ser aqui, mais uma vez, recordado.

2. Foi nesse breve lapso de tempo (1º semestre de 1970) que eu conhecio o cap art 'comando' Barbosa Henriques. Dele deixei um esboço de retrato-robô (*)

(...) É a ele, muito provavelmente, que se refere o Carlos França, ao evocar a figura do capitão pretoriano, arrancado às páginas de clássicos romances de guerra como os de Jean Lartéguy. 

(...) O capitão 'omando'  Barbosa era, para mim, a personificação do profissionalismo militar, cada vez mais raro naquelas paragens: um tipo espartano, frio, calculista, distante, seco de palavras mas formalmente correcto… Imaginava-o programado até ao mais ínfimo dos gestos, saído da linha de montagem de fábricas de militares como as de West Point! A ele se atribuía, justa ou injustamente, a afirmação tão sintomática quanto estereotipada de que uma 'instrução de comandos sem uma boa meia-dúzia de mortos não era instrução de comandos nem era nada'.

E, no entanto, por detrás daquela máscara impassível de duro e daquele comportamento quase robotizado que me causava simultaneamente atracção e repulsa, havia um homem de carne e osso, tímido e sentimental, tão só como nós, capaz de deixar trair as suas emoções, e de falar de outras coisas bem mais comezinhas e menos metafísicas do que a arte da guerra. Ou não fora ele de origem cabo-verdiana (...)

Chegámos a conversar, em grupo, com alguma descontracção e civilidade, entre dois copos de uísque e o 'All you need is love' dos Beatles, como música de fundo, no bar do quartel de Fá Mandinga, enquanto lá fora os seus rapazes, sedentos de aventura e de emoções fortes, preparavam um 'festival de fogo de artifício'  como recepção ao periquito do alferes miliciano médico que acabava de chegar à companhia (... diga-se de passagem que nunca convivi com o médico dos comandos, nem me lembro do seu nome). (...)


3. Com muito mais humor,  vivacidade e propriedade do que eu, o Jorge Cabral (ex-alf mil art, comandante do Pel Caç Nat 63)  já aqui embrou a sua figura: foi de resto seu amigo e cúmplice das noites de Lisboa, no regresso da Guiné, nomeadamente em 1972. 

O texto, que se reproduz a seguir, sem ter sido escrito propositadamente para a série "Estórias cabralianas", bem pode figurar como a nº 95 (**). É também uma homenagem do nosso blogue a ambos, dois homens que, apesar de tudo aquilo que os podia separar, conseguiram  construir uma base sólida para uma amizade e uma camaradagem que perdurou para além das contingèncias das suas vidas, pessoais, profissionais e militares.


O meu amigo Barbosa Henriques (1938-2007)

por Jorge Cabral (1944-2021)



Confesso que, quando em janeiro de 1970 me informaram que os Comandos Africanos vinham completar a instrução em Fá [destacamento à guarda do Pel Caç Nat 63], não fiquei nada satisfeito. 

Ali me encontrava desde julho de 1969, com os meus soldados e famílias, vivendo uma pacífica rotina, só de quando em quando interrompida, com a chamada para alguma operação para os lados de Xime ou de Mansambo.

Em fevereiro, e após a Engenharia ter preparado as instalações, chegaram os Comandos Africanos, e conheci o capitão Barbosa Henriques. Talvez porque os contrários se atraem, logo entre nós se estabeleceu uma relação cordial que veio dar lugar a uma verdadeira amizade.

Comandante do Destacamento, dependendo apenas de Bambadinca  [BCAÇ 2842, 1968/70], não alterei em nada a minha forma de estar, continuando a andar semi-vestido, e a passar longo tempo na Tabanca, mas não hesitei em oferecer toda a colaboração, tendo até ajudado na instrução e servido de cripto.

Como Comando-Instrutor, o capitão Barbosa Henriques era duro, severo, espartano, quase um centurião. Teve porém sensibilidade para me compreender, apreciando e mesmo alinhando, nalgumas loucuras, daquele estranho alferes. Sei que, estando em Bolama, ainda falava do Cabral, e da declaração de Amor à D. Rosa, que eu diante dele recitei no Café das Libanesas, em Bafatá (1).

Nos anos de 72 e 73, em Lisboa, convivemos, frequentando o Parque Mayer, suas Revistas e Coristas. Calculem que até me quis convencer a meter o chico, para ser seu adjunto no Forte das Raposeiras, pois ambos pertencíamos à Arma de Artilharia. 

Creio que a última vez que o vi, foi em meados dos anos 80, quando almoçámos no Quartel onde estava colocado. Tinha boa memória, e recordou aquela vez que me havia pedido para
fazer tiro de metralhadora a roçar a cabeça dos instruendos, e eu disparei tão alto que matei oito vacas na Tabanca de Biana.

− Bons tempos,  Cabral, consigo ia ficando maluco!  −   disse-me então.
− E eu ia ficando comando!   −  retorqui ao meu único amigo capitão.

Fora de Lisboa, não pude comparecer no funeral, mas a sua morte entristeceu-me, e é com saudade que lembro o capitão Barbosa Henriques, meu Amigo.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Subtítulo / Negritos: LG]
____________

Notas do editor:



(...) Entre os meus militares metropolitanos, há o homem mais habilidoso que conheci, o Monteiro. Foi ele que construiu o forno e desmontou e montou o gerador. Ora uma vez, ainda em Fá, olhando as minhas unhas dos pés, chamou-me:
– Oh, Meu Alferes, olhe-me essas enxadas! Venha cá! (...)

domingo, 6 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23767: Efemérides (375): Faria hoje 78 anos, se fosse vivo, o nosso querido "alfero Cabral", de seu nome completo Jorge Pedro Almeida Cabral (1944-2021)...

1. O nosso querido amigo e camarada 
Jorge Cabral (Lisboa, 1944 - Cascais, 2021) faria hoje 78 anos, se fosse vivo (*).

Recorde-se o seu percurso de vida: jurista, advogado de barra, docente universitário,  ex-alf mil at art, cmdt Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, setor L1, Bambadinca, 1969/71. Foi nomeadamente durante 4 décadas professor de direito penal, no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa e depois na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. 

É autor, entre outras obras, de "Estórias Cabralianas", vol. I, ed José Almendra, 2020, 144 pp. Muitas alunas e alunos, amigos e amigos, além de camaradas de armas, o recordam com muita saudade. 

Reproduzimos aqui uma pequena amostra das mensagens que lhe deixaram neste dia, na sua página do Facebook. E voltamos a reproduzir uma das suas deliciosas "estórias cabralianas" (**), a nº 74, que ele, todavia, não selecionou para o 1º volume. Muito provavelmente iria incluí-la no II volume, que tinha em preparação ou praticamente concluído quando a doença e depois a morte o surpreenderam. 

O "alfero Cabral cá mori"...  Fisicamente, morreu, mas continua bem presente na nossa memória e no nosso coração. Há um ano atrás, havíamos-lhe escrito o seguinte (***): 

(...) Faz hoje anos, porém está doente (...). Continua a ser uma das estrelas da nossa Tabanca Grande.  

(...) Mestre do microconto, da "short story", senhor de uma ironia fina, é responsável por alguns dos melhores postes que aqui fomos publicando, entre 2006 e 2016. É pena, porém, que os "mais novos", os "periquitos" da Tabanca Grande, não o conheçam. De há meia dúzia de anos a esta parte, foram rareando as "estórias cabralianas", série que chegou quase à centenas de postes.

Fazendo votos para que o "alfero Cabral" ainda tenha forças, saúde, coragem, motivação e o tal "grãozinho de loucura" que dá pica à vida, para publicar o seu prometido 2º volume das "estórias cabralianas" (infelizmente o seu editor também adoeceu, entretanto), republicamos hoje, em dia de festa, um das "pérolas literárias" com que em tempos nos brindou (e que está no seu livro, é a estória nº 17) (...). 



Professor, espero que esteja a passar um bom dia de aniversário celestial e que tenha o descanso merecido por todo o contributo que deu para o ensino e por ter marcado tantas vidas, "tantas almas peregrinas". Sinto-me grata por tê-lo conhecido e por sido sua aluna. Se houver internet aí no céu envie-nos um email para sabermos de si. Beijinhos e um forte abraço

(ii) Mariia Manuel Jácomo

Há dias que não podemos esquecer um amigo virtual...! Para a Eternidade que está toda iluminada e em festa , que chegue esta minha pequena homenagem de Parabéns.
06.11.2022


Oh! Alma peregrina! Hoje é o seu dia Mestre Jorge Almeida Cabral e recordo-o com saudades mas sobretudo por tanto que ficou por dizer e por fazermos Professor.

{ Gritam e vociferam - "Abaixo a Lei! Fora o Direito! Morra o Professor!"
Tento intervir e, nada! O fogo alastra e ardem-me as barbas! Balbucio timidamente - Oh! Almas! O Direito também é uma ciência oculta! }


(iv) Ana Margarida Esteves Candeias

Saudades suas! Um grande beijinho onde quer que esteja. Oh Alma… 


Um grande beijinho para o Céu, querido Professor! Único e insubstituível!!

(vi) Mónica Santos

Podemos não cortar a rua para celebrar a “ressurreição”, como combinado há um ano atrás na festa de aniversário improvisada, mas o eterno professor Jorge Almeida Cabral estará sempre nas memórias e esteja onde estiver certamente estará em festa e a celebrar a pessoa, o docente e as boas memórias que nos deixa a tod@s.



Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca) >  Missirá > 1971 > Pel Caç Nat 63 > Os furriéis milicianos do "alfero Cabral": da esquerda para a direita, Pires, Branquinho e Amaral, o saudoso Amaral. O António Branquinho é irmão do Alfredo Branquinho, membro da nossa Tabanca Grande.

Foto (e legenda): © Jorge Cabral (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

2. Estórias cabrailanas > Danado para as cúpulas ? 

por Jorge Cabral (1944-2021)


 – Branquinho, eu era danado para as cúpulas ? –  perguntei-lhe um dia destes, porque  habitualmente me socorro da sua memória. 

Ainda há meses, logo depois do almoço da CCS do BArt 2917, em Guimarães, no qual contaram tantas estórias do meu  Missirá, tive de procurar confirmação junto dele. Praticamente eram todas invenções, pois também têm direito…

A esta questão, o Branquinho nem soube responder.

Cúpulas ? Quais cúpulas?

Lá lhe relatei o encontro com o Belmiro, um rapaz dos  Morteiros, que esteve connosco largos meses. Vinha com um cunhado e a certa altura  afiançou-lhe:

Aqui o Alferes era danado para as cúpulas!

Não percebi. Sorri e concordei:

– Pois era !  mas a expressão não me saiu da cabeça.

Danado para as cúpulas? Matutei, matutei e penso que descobri.

Em Missirá, a mesa das refeições servia também de secretária, na qual escrevíamos  as nossas cartas e aerogramas. No início até me pediam para escrever às namoradas. Mas depois da má experiência, documentada na estória “O Básico Apaixonado”, passei a funcionar como uma espécie de Ciberdúvidas [da Língua Portuguesa]:

 – Meu Alferes,   como se escreve isto? Meu Alferes como se escreve aquilo?

Ora, uma tarde o Belmiro perguntou-me:

– Meu Alferes, f…..é com u ou com o?

– Mas para quem estás a escrever? Põe copular, é assim que se diz.

Não sei se seguiu o meu conselho. A carta era para o irmão e certamente o Belmiro  gabava-se das suas proezas sexuais.

Mais de quarenta anos depois deve ter relembrado a palavra.

– Mas atenção,  Belmiro, como  a outra, esta também se escreve com um o.

Bem, aqui entre nós, o ou u não interessa mesmo nada. Até porque é bem melhor de fazer do que de escrever…

Jorge Cabral

__________

Notas do editr:

(*) Último poste da série > 1 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23754: Efemérides (374): No Dia de Finados, lembremos os/as amigos/as e camaradas que já deixaram a Terra da Alegria, ao longo dos 18 anos de existência do nosso blogue: 127, ou seja, cerca de 15% de um total de 866


(***) Vd.. poste de 6 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22693: Antologia (79): "Alfero Cabral", oficial e cavalheiro... ou o último dos românticos do império (Jorge Cabral, autor de "Estórias cabralianas", 1º volume, 2020)

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23743: "Alfero Cabral ca mori": Lista, por ordem numérica e cronológica, das 94 "estórias cabralianas" publicadas (2006-2017) - V (e última) Parte: de 80 a 94


Lisboa > Sociedade de Geografia > 2008 > O "alfero Cabral" e as suas... máscaras

Foto: © Jorge Cabral (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro de Jorge Cabral (1944-2021)
"Estórias Cabralianas", vol I. Lisboa: Ed José Almendra, 2020, 144 pp. 


1. O nosso Jorge Cabral, que nos deixou, inconsoláveis,  no dia 28 de dezembro de 2021 (*), vai fazer um ano, tinha um II volume das "estórias cabralianas" praticamente pronto para ser publicado. O editor adoeceu e a morte surpreendeu o autor. 

Do I volume, ainda restavam 11 exemplares até há dias, segundo informação do nosso camarada Luís Mourato Oliveira que lá foi, por indicação minha,   comprar dois exemplares para levar para Bissau, dentro de um mês.  Contacto desta livraria (especializada em livros usados e de pequenas editoras independentes):

Leituria, Rua José Estêvão, 45A, Lisboa
telem: 967 224 138, email: livros@leituria.com


Hoje publicamos a lista final das estórias cabralianas que o nosso blogue foi editando ao longo dos anos, entre 2006 e 2017 (**). As últimas (de 80 a 94) são já da última fase da produção literária do autor (entre setembro de 2013 e janeiro de 2017). 

Refira-se que,  desta última lista,  a estória mais lida (=503 visualizações) foi a nº 83 (Da Gata Catota à Tabanca da Queca...). Teve 14 comentários, entre os quais o de um outro histórico membro da Tabanca Grande que a morte também já nos arrebatou, no mesmo ano horrível  de 2021, o Torcato Mendonça (1944-2021): 

Olá, meu caro Jorge,  eu, neste fim de tarde friiiiooooo e chato, necessitava mesmo de uma destas. Li, e ao aparecer a "catota", fiz "Oh!! e ri com gosto. Genial e a confirmação de que muitos capitães, talvez devido a excesso de esforços, muitos deles não tinham sentido de humor...ou, pelos deuses, nunca "partiram catota" (26 de novembro de 2013 às 18:06).

Também muito vista (=459) e comentada (n=11) foi a estória nº 89 (Os filhos do sonho...)
Escreveu o Cherno Baldé: 

Jorge Cabral, não sei se aconteceu de verdade, mas a ÁQfrica é rica e incrivelmente surpreendente do ponto de vista da mística e do misticismo inexplicável. Entre certas etnias da Guiné acredita-se que uma pessoa (uma mulher ou homem) com poderes místicos pode transformar-se num lagarto e, assim, roubar a alma da pessoa (do homem ou da mulher) de quem se gosta, podendo assim dar *a luz a um(a) filho(a) tal e qual ao homem ou mulher a quem se roubou a alma ou espírito.

Estas e outras técnicas de méstica (engenharia social) ajudam as famílias a aceitar no seu seio aquilo que à primeira vista poderia ser inaceitável como,  por ex., fazer, sobretudo, com que os homens (maridos) participem na educação de criancas nascidas fora do lar (mestiças) de uma forma natural e sem constrangimentos (4 de setembro de 2015 às 10:17 )

Como eu também escrevi, a escassas semanas dee morrer, o Jorge Cabral era um verdadeiro oficial e cavalheiro, o último dos românticos do império (**) (LG)

PS - Espantoso: os meus amigos e amigas não o esquecem. Quase um ano depois da sua morte, a sua página no Facebook continua a ser "alimentada" com gratas e (e)ternas recordações da sua vida como professor e ser humano. Tratava as suas queridas alunas por "Alminhas", e ele era, para elas, a "Alma Maior"... Alma de Almeida, Jorge Pedro de Almeida Cabral... 


2. Lista das estórias cabralianas, por ordem numérica e cronológica - V (e última) Parte: De 80 a 94 (*):

13 de setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12035: Estórias cabralianas (80): As mulatas de Luanda (Jorge Cabral)

(...) Numa noite, no início de Maio de 1968, apareceu-me irritado o meu amigo Filipe. Ia para a tropa.
– Tens a certeza Filipe? Olha vamos passar por lá, pela Junta de Freguesia. (Onde à porta afixavam as listas).

E fomos. Corri os olhos pelo edital e era verdade. Lá constava, Filipe Narciso Gonçalves da Silva. Só que, um pouco mais abaixo, encontrei o meu nome, Jorge Pedro de Almeida Cabral. Devia ser engano, um erro, eu tinha direito a adiamento. Que o Filipe fosse, não era para admirar. De igual idade e entrados ao mesmo tempo na Faculdade, ele não passara do primeiro ano, enquanto eu contava acabar o curso no ano seguinte. (...)

30 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12222: Estórias cabralianas (81): Em Vendas Novas, de ronda, na Tasca das Peidocas (Jorge Cabral)

(...) Em Janeiro de 1969, eis-me garboso aspirante na E.P.A. [Escola Prática de Artilharia], em Vendas Novas. Ao contrário dos outros aspirantes, encarregados da instrução no C.S.M. [, Curso de Sargentos Milicianos], eu fui colocado na Secção de Justiça e na Acção Psicológica, sendo ainda nomeado árbitro de andebol da Região Militar. (...)

2 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12238: Estórias cabralianas (82): Quando cabeças e rabos não são equivalentes, e nem sempre dois mais dois são igual a quatro: O Sitafá, as fracções e as sardinhas (Jorge Cabral)

(...) Em Missirá durante dois meses, estivemos sem abastecimentos. Época das chuvas, o sintex e os dois unimogues avariados .Ainda tínhamos conservas,mas faltavam as batatas, o vinho e o arroz para os africanos. Um dia porém, o Pechincha conseguiu fazer dos dois burrinhos, um, que andava. Fomos a Bambadinca, deixando a viatura, à beira da bolanha de Finete, que atravessámos até ao rio, o qual cambámos na piroga do Fodé. (...)


26 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12345: Estórias cabralianas (83): Da Gata Catota à Tabanca da Queca... (Jorge Cabral, com bolinha...)

(...) No fim dos anos 70, era um simpático advogado, com muitas clientes que me gabavam a grande sensibilidade…Entre elas, destacava-se a D. Prazeres, que eu divorciara de um marido violento e me assediava todos os dias, com questões que, de jurídico, tinham muito pouco. (...)

8 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12556: Estórias cabralianas (84): Ganhámos! O Alfero meteu golo!... (Jorge Cabral)

(...) Um dia, ouvi, em Bambadinca, que ia haver um campeonato de futebol. Para além da CCaç 12 , entravam todos os Pelotões e Serviços da CCS. Inscrevi o Pel Caç Nat 63, embora não tivéssemos equipa, nem sequer bola, que me apressei a adquirir.

Chegado a Fá, ordenei treinos diários. Tarefa difícil, pois os meus soldados africanos nem as regras conheciam. Eram fortes e rápidos, mas pareciam especialistas em sarrafadas. Para tirar a bola ao adversário valia tudo. (...)



(...) A 24 de Dezembro pela manhã, fomos a Bambadinca. Trouxemos bacalhau e o correio. 

Para mim chegou uma carta dos meus sobrinhos, escrita pela minha irmã. Dentro dela, um desenho do Pai Natal. Barba branca e uns óculos na ponta o nariz. Tal e qual eu ,agora…

À noite consoámos. Nem tristes, nem alegres.

No dia 25, como fazia sempre de madrugada, fui atrás do meu abrigo, junto ao arame, aliviar a bexiga. Mas, mesmo antes de iniciar a função, olhei a mata. Olhei e vi todas as árvores enfeitadas com luzes e bolas cintilantes:
 –Venham ver! – gritei. (...)

17 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14760: Estórias cabralianas (86): Alferofilia (...uma parafilia a acrescentar à lista DSM - Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, da APA - American Psychiatric Association (Jorge Cabral)

(...) O Alfero nem oito dias tinha de Missirá, quando Binta, a mulher do Milícia, se meteu no seu quarto – abrigo, convidando-o a ...Ainda pensou resistir, mas... Na função era básica, mas os dotes pedagógicos do Alfero, surtiram efeito.

Era conhecida como a mulher do Milícia, mas não tinha marido, pois o repudiara, segundo os usos e costumes, por questões anatómicas, como se dizia na Tabanca. (...)


(...) Em Missirá, jantávamos cedo. Éramos apenas onze brancos e rápidamente despachávamos o pé de porco com arroz ou a cavala com batatas. Depois ficávamos à mesa conversando. Alguns mais resistentes permaneciam noite dentro. Um deles era o novo cozinheiro, o Espanhol, soldado básico, que mancava. (...)

 29 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15054: Estórias cabralianas (88): A bebé de Missirá (Jorge Cabral)

(...) Só no início de julho de 1969, quando o Pelotão se preparava para ir para Fá é que descobri que além dos vinte e quatro soldados africanos, contava com as respectivas mulheres, filhos, cabras e galinhas… Instalados, o quartel virou tabanca, animada com as brincadeiras das crianças e os risos das mulheres. Todos os soldados fulas eram casados e alguns com mais de uma mulher, pelo que existiam sempre grávidas e partos. (...)


3 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15070: Estórias cabralianas (89): Os filhos do sonho (Jorge Cabral)

(...) Grande escândalo em Missirá. A bela bajuda Mariama, apareceu grávida. Sobrinha do Régulo e há muito prometida a um importante Daaba de Bambadinca, era preciso averiguar...

Reuni com o Régulo e chamámos a rapariga, Após um interrogatório cerrado, ela, muito a medo, esclareceu:
– O pai era o Alfero…
– Mas quando e onde?
– É que uma noite sonhei com ele. (...)

22 de dezenbro de 2015 > Guiné 63/74 - P15526: Estórias cabralianas (90): A Pátria é um Natal, e o Natal é uma Pátria (Jorge Cabral)

(...) Foi no dia 25 de Dezembro de 1970.

Talvez porque o Spinola nos havia visitado há pouco,  o Sitafá, o puto que vivia connosco, interrogou-me:
– Alfero, o que é a Pátria? (...) 

9 de janeiro de  2016 >  Guiné 63/74 - P15598: Estórias cabralianas (91): Alfero Obstetra, mas também Dentista de Balantas... (Jorge Cabral)

(...) Numa noite, aí pelas três horas, fui acordado pelas Mulheres Grandes, que me pediram para levar uma parturiente a Bambadinca.

Embora a bolanha de Finete estivesse transitável, seria impossível atravessar o rio, acordando o barqueiro. Claro que os partos eram assunto de mulheres e foi com muita relutância que me deixaram observar a situação. Não só observei, como colaborei activamente no nascimento de uma menina. (...) 


(...) Bacalhau ensaboado e os Três Reis Magos. Poucos são os Natais de que me lembro. E no entanto, já passei mais de setenta. Mas este, Missirá 1970, nunca esqueci. Tínhamos bacalhau. Tínhamos batatas, Fomos tarde para a mesa, a mesma de todos os dias, engordurada, sem toalha. Chegou o panelão fumegante e começámos.
– Caraças!, o bacalhau sabe a sabão! – disse o Branquinho. (...) 


8 de janeiro de 2017 >Guiné 61/74 - P16930: Estórias cabralianas (93): Porra, meu Alferes, não sabia que os Turras também tinham Mãe!?! (Jorge Cabral)

(...) NI-OI, NI-OI, NI-OI… Continuamos Amigos e Cinéfilos, Dalila.Tu vês filmes, eu, entro neste, tragicomédia que nunca mais acaba…

Desta vez houve guerra, dois mortos em Salá, mesmo junto a um limoeiro. O milícia Demba pisou uma mina reforçada e desapareceu da cintura para baixo. Os gajos abriram fogo e o meu soldado Guiro de rajada lerpou um turra, de pistola à cinta.
- NI-OI, NI-OI,NI-OI… - berrava o turra. (...) 


16 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16958: Estórias cabralianas (94): 1º Cabo Monteiro, pedicure: "Ó meu alferes, olhe-me só essas unhas dos pés, essas enxadas! Venha cá!"... (Jorge Cabral)

(...) Entre os meus militares metropolitanos, há o homem mais habilidoso que conheci, o Monteiro. Foi ele que construiu o forno e desmontou e montou o gerador. Ora uma vez, ainda em Fá, olhando as minhas unhas dos pés, chamou-me:
– Oh, Meu Alferes, olhe-me essas enxadas! Venha cá! (...)

____________


(**) Vd. postes anteriores da série >

(***) Vd. poste de 6 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22693: Antologia (79): "Alfero Cabral", oficial e cavalheiro... ou o último dos românticos do império (Jorge Cabral, autor de "Estórias cabralianas", 1º volume, 2020)

quinta-feira, 24 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23108: "Alfero Cabral ca mori": Lista, por ordem numérica e cronológica, das 94 "estórias cabralianas" publicadas (2006-2017) - IV Parte: de 60 a 79


Monte Real > Palace Hotel > V Encontro Nacional da Tabanca Grande > 26 de Junho de 2010 > O heterodoxo Jorge Cabral, de punho erguido (e dedos descaídos) como nos heróico-operáticos tempos da guerra do Cuor, entre o Jorge Picado (o bravo capitão miliciano ilhavense que, além dos 4 filhos legítimos, arranjou mais uma centena e meia de adoptivos, aos 32 anos, ou seja, uma companhia) e o Hélder de Sousa (o homem da TSF no CTIG, que tinha um poster do Che Guevara no quarto em Bissau, longe do Vietname)... Não foi possível identificar a misteriosa bajuda, que está do lado direito, escondendo o rosto e com uma máquina fotográfica na mão. 

Foto (e legenda): © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro de Jorge Cabral, "Estórias Cabralianas", vol I.
Lisboa: Ed José Almendra, 2020, 144 pp. Tinha um II volume,
 praticamente pronto para ser publicado. 
O editor adoeceu e a  morte surpreendeu o autor.


1. A propósito deste II Volume que o Jorge queria muito publicar em vida, fica aqui o pedido do  camarada Alberto Branquinho, que também fazemos nosso:

"Companheiros: Tentei contactar o filho do Jorge Cabral através do telemóvel que o meu irmão conseguiu obter. Pretendia alertá-lo para a existência de um conjunto de textos que correspondem ao 2º.vol. das "Estórias Cabralianas", que ele queria publicar. Não o conseguiu devido à pandemia e ao agravamento da sua saúde.

Acontece que esse telemóvel respondeu, durante o passado fim de semana, com uma gravação: "não está atribuído". Terá sido, talvez, um 2º. telemóvel que o Jorge teria e que foi desactivado.

Como não pude estar no velório, não contactei o filho, que não vejo há mais de 20 anos. Assim, deixo aqui a todos vós o pedido de, caso tenham meios, contactem o filho Pedro Cabral para o alertar da existência do material correspondente ao 2º. volume (que poderá estar em dossier ou, até, mal organizado, porque o Jorge era assim). É que ele terá que recolher os papéis do pai antes de entregar a casa ao senhorio. Será uma acção para manter a sua memória e satisfazer a sua vontade. Cumprimentos. Alberto Branquinho. 10 de janeiro de 2022 às 11:33 " (Comentário ao poste P22890) (*)


2. Lista das estórias cabralianas, por ordem numérica e cronológica - Parte IV: De 60 a 79 (*):


O Jorge irá continuar a "inspirar-nos" e a "provocar-nos" com as suas "estórias cabralianas"... que não envelheceram!... Continuo, ao fim deste tempo todo, a ler e a reler, divertido, estes "microcontos", um género literário em que  ele se tornou mestre. 

As desta lista são "estórias" publicadas no nosso blogue, entre maio  de 2010 e junho de 2013. A mais lida  da lista terá sido  a n.º 61 (Os poderes do professor Wanatu...): teve 711 visualizalções. A que teve mais comentários (16) foi a n.º 64 (O avô, o neto e os heróis...).

O nosso JERO (a quem chamava o "último monge de Alcobaça", e que também já lá está no Olimpo dos Combatentes, e era um avô  babado) escreveu o seguinte comentário à estória n.º 64:

"Boa noite Jorge. Que bonita história! Li a tua história em voz alta para a minha mulher que se tinha acabado de sentar e não esteve para se levantar quando lhe pedi que viesse até ao cumputador. Na parte final quase me engasguei... comovido. Meia dúzia de linhas e uma história de vida tão sentida. Era tão bom que todos os avós fossem heróis para os seus netos! Esta foi a minha mulher que disse. Um grande abraço de Alcobaça, JERO.

PS - Deste-me força para mandar para o nosso blogue uma história da minha neta Mariana que tem quase 4 anos. 9 de novembro de 2010 às 23:12" (Comentário ao poste P7251)

O Jorge Cabral (1944-2021), ex-alf mil at art, cmdt do Pel Caç Nat 63 (Fá Mndinga e Missirá, 1969/71), advogado, especialista em direito penal, professor do ensino superior, era muito querido e popular entre a malta da Tabanca Grande: basta referir, por exemplo, que o seu poste de parabéns, do dia 6/11/2009 (P5221) teve 1531 visualizações e 30 comentários. Era igualmente uma figura muito querida entre as suas antigas alunas, as assistentes sociais,  que, antes dele morrer, fizeram-lhe uma despedida emocionante à porta da sua casa no Estoril.


19 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6428: Estórias cabralianas (60): O manifesto do nosso alfero (Jorge Cabral)

(...) Caro Luís,
nunca será demais enaltecer o teu blogue,
o qual nos tem permitido, principalmente recordar.

Como tu dizes,
fui um tropa desalinhado,
marginal
e quase sempre provocador,
características que mantive ao longo da vida. (...)


21 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6769: Estórias cabralianas (61): Os Poderes do Professor Wanatú... (Jorge Cabral)

(...) Bruxarias, espiritismos, magias sempre me atraíram. Ainda na Guiné, aconselhado a um jejum de um mês, para poder comunicar com os mortos…, quase morri de fome. Claro que não acredito em tudo, mas admiro o poder de sugestão dos profissionais, embora às vezes me desiludam, como a vidente Zinha, que quando estava a entrar na minha vida passada de monge austríaco, se lembrou do almoço do Pai e interrompendo a sessão, começou a gritar para a filha:
- Maria, vai ver o lume! Não deixes queimar a tomatada do avô! (...)


26 de Julho de 2010 > > Guiné 63/74 - P6787: Estórias cabralianas (62): À Tesão, Pelotão!... Este é o Alfero Souza, meu amigo (Jorge Cabral)

(...) Com o Pelotão [, o Pel Caç Nat 63,] em Bambadinca, preparando-me para arrancar para o Xime, eis que deparo, com um Gandhi, de camuflado, que avança para mim com os braços abertos. É o Souza, com "z", meu amigo e camarada de Vendas Novas. (...)


14 de Agosto de 2010 >Guiné 63/74 - P6851: Estórias cabralianas (63): As Sereias do Rio Geba... ou a violência doméstica subaquática (Jorge Cabral)

(...) Foi na Guiné que aprendi a contar estórias às Crianças. Comecei lá e nunca mais parei. Ainda ontem conheci uma Menina. Disse-me que tem um gato e eu falei-lhe das minhas duas moscas, uma de cama, coitada, cheia de febre… Em Missirá, na Escola, comecei com a Branca de Neve e os 7 Anões, mas logo desisti. (...)

9 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7251: Estórias cabralianas (64): O Avô, o Neto e os Heróis (Jorge Cabral)

(...) Mais um dia. Lá vou eu entalado entre os anafados peitos de uma dama e a gravata de um cavalheiro, que hoje fez greve ao chuveiro. O Metro segue cheio, mas há sempre lugar para mais um. Na Estação do Saldanha, é invadido por uma excursão de meninos, com a Mestra à frente (bem jeitosa, por sinal). São barulhentos os putos… e eis que um, apontando para mim, grita:
– Aquele ali, é da raça do meu Avô, é um Senhor Herói!. (...)


15 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7792: Estórias cabralianas (65): Os românticos... também mijam (Jorge Cabral)

(...) Estava calor e todo o quartel dormia a sesta. Em cuecas, o Alfero urinava contra a parede (bem não urinava, mijava, pois na Tropa, ninguém urina, mija). Eis que um jipe se acerca. Nele, três alferes de Bambadinca, acompanhados de duas raparigas. Ainda a sacudir “o corpo do delito”, disfarça, cora, mas que vergonha (!). Claro, ninguém lhe aperta a mão. Elas são a filha do Senhor Brandão e uma amiga de Bissau, cabo-verdiana. Vêm visitar Fá. Chama o fiel Branquinho. Que os leve a todos para o Bar, enquanto ele se veste e se penteia. Regressa impecável. À paisana, de camisinha branca, calças azul-bebé. (...)


17 de março de 2011 > Guiné 63/74 - P7959: Estórias cabralianas (66): O meu colega Mãozinhas (Jorge Cabral)

(...) Foi na prisão de Alcoentre que conheci o Mãozinhas, por intermédio do meu amigo e cliente, o 24, nome que ganhou há muito tempo, num bordel, sito à Rua do Mundo. E porquê, 24? Ora, é fácil adivinhar. O tamanho, melhor, o comprimento (...)


11 de outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8892: Estórias cabralianas (67): Lagarto ka ta tchora! (Jorge Cabral)

(...) Em Missirá não existiam rafeiros, até porque era muito mais uma Tabanca do que um Quartel. Lá viviam duzentas almas, pelotão Nativo e pelotão de Milícias, mais população e, no meio de toda esta gente, apenas dez europeus, o que levou muitas vezes o Alfero a interrogar-se: Afinal quem 'colonizava' quem? (...)


4 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8992: Estórias cabralianas (68): Zina, a bordadeira do Pilão (Jorge Cabral)

(...) Chegado na véspera e instalado no Biafra, entrei pela primeira e última vez na Messe de Oficiais em Santa Luzia. Era noite do Bingo. Procurei algum conhecido e encontrei o Gato Félix, estudante de Letras, ora Alferes, o qual também me pareceu entediado. (...)


18 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9223: Estórias cabralianas (69): Onde mora o Natal, alfero ? (Jorge Cabral)

(...) Também houve Natal em Missirá naquele ano de 1970. Na consoada, os onze brancos e o puto Sitafá, que vivia connosco. Todos iam lembrando outros Natais. Dizia um:
– Na minha terra…

E acrescentava outro:
– A minha Mãe fazia… (...)

3 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9304: Estórias cabralianas (70): Sambaro, o Dicionário e o Afecto (Jorge Cabral)

(...) Agora que tenho tempo, tornei-me um caminheiro. Logo pela manhã abalo pela cidade. Travessas, calçadas, pátios, becos, vilas, percorro devagar essa Lisboa escondida, quase invisível. Foi num desses passeios que encontrei Ansumane. Um negro velho e calvo, que entre a Travessa da Lua e o Beco das Estrelas, arengava em crioulo. (...)


24 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9796: Estórias cabralianas (71): Fixações etnomamárias: evocando o meu avoengo Carloto Cabral que, no séc. XVIII, crismou Quebo como a Aldeia das Mamas Formosas (Jorge Cabral)

(...) Há uns tempos recebi uma simpática mensagem de uma leitora das “estórias cabralianas”. Gabava-me o humor mas alertava-me, algumas indiciavam uma certa “fixação mamária”. Nada de grave, que não pudesse ser tratado no seu divã, de psicanalista, presumo. (...)

9 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9873: Estórias cabralianas (72): Ressonar... à fula (Jorge Cabral)

(...) Além de ressonar, sempre falei a dormir. Um dia em Missirá propus-me descobrir, de que falava, o que dizia. Ora, havia lá um velho gravador de fita, máquina pertencente a não sei quem, enfim nossa, pois viviamos numa espécie de “economia comum”. Resolvi pois gravar uma das minhas noites. (...)

29 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10307: Estórias cabralianas (73): O Conde de Bobadela (Jorge Cabral)

(...) Estou no Tribunal de Mafra à espera de um Julgamento, quando uma mulher me interpela:
- É o Senhor Conde, não é?

Hesito, mas para evitar mais conversa, respondo:
-Sou sim. Como vai a senhora?
-Ai, que já não se lembra da Aurora! Eu trabalhava em casa do Senhor D.Ilídio. O Senhor Conde ia lá muito, quando estava na tropa. (...)

1 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10463: Estórias cabralianas (74): Danado para as cúpulas... (Jorge Cabral)

(...) – Branquinho, eu era danado para as cúpulas ? – perguntei-lhe um dia destes, porque habitualmente me socorro da sua memória. Ainda há meses, logo depois do almoço da CCS do Bart 2917, em Guimarães, no qual contaram tantas estórias do meu Missirá, tive de procurar confirmação junto dele. Praticamente eram todas invenções, pois também têm direito…

A esta questão, o Branquinho nem soube responder.
–Cúpulas ? Quais cúpulas? (...)

10 de novembnro de 2012 > Guiné 63/74 - P10647: Estórias cabralianas (75): O alfero na Casa dos Segredos (Jorge Cabral)

(...) Há mais de sessenta anos que conheço esta Leitaria. Fica na Avenida do Brasil e quando eu era miúdo havia lá uma vaca. Uma vaca em plena Lisboa…Quando conto,pensam que é estória, mas não é, a Senhora Margarida, vendia o leite produzido à vista do cliente. (...)


15 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10943: Estórias cabralianas (76): Não sei se por distracção ou por preguiça, mas esqueci-me de morrer... (Jorge Cabral)

(...) Não sei se foi por distracção ou por preguiça, mas esqueci-me de morrer. Claro que tenho pago escrupulosamente o Imposto de Sobrevivência, mas agora resolvi aceder ao apelo governamental “ todos os velhos devem comparecer na Central de Abate,o que constitui um dever patriótico”. Comuniquei a decisão à família, que ficou muito contente, principalmente a minha bisneta Carol, que foi logo requerer mais um filho nos Serviços de Programação Genética. Um rapagão que nasça já crescido para não dar trabalho (...).

18 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11586: Estórias cabralianas (77): As bagas da Dona Binta e os seus efeitos... secundários (Jorge Cabral)

(...) Não sei porque razão os Guineenses escolheram o Largo de S. Domingos, para se reunirem todos os dias. Logo de manhã, chegam, conversam, discutem, compram e vendem. É um lugar recheado de História. Foi de lá que partiram os quarenta conjurados para, em 1640, restaurarem a Independência, mas foi também ali que se iniciou a grande matança de Judeus em 1506. Deixo porém para outros a História séria, pois este velho Alfero conta é estórias (...)

12 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11707: Estórias cabralianas (78): A Justiça da Velha Mandinga (Jorge Cabral)


(...) Em Agosto de 1969, nasceu a minha sobrinha Maria João e logo fui nomeado padrinho, tendo sido marcado o baptizado para Janeiro de 1970, nas minhas férias. Numa sortida a Batatá, comprei um boneco, coisa fina, talvez de origem francesa, para levar como prenda. Parecia mesmo um bébé, de bochechas rosadas, com fralda e biberon. Guardei-o na mesa de cabeceira, mas às vezes mostrava-o às meninas da Tabanca, que frequentavam a escola. (...)



17 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11720: Estórias cabralianas (79): O Capitão-Tenente dos Submarinos (Jorge Cabral)

(...) Qual Guiné? São tantas. Cada um cria a sua ou inventa... E quem diz Guiné, diz Guerra. Por mim conheço muitas... Mas como esta, que mora no Beco do Cotovelo, à beira da Mouraria, não deve haver mais nenhuma. É na tasca da Conceição, onde às vezes abanco com três ex-combatentes da Guiné. Todos eles lá estiveram, em lugares e tempos diferentes e todos davam pelo nome de Mouraria. (...)
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Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série: