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quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23616: Historiografia da presença portuguesa em África (334): Personalidades e olhares sobre a Guiné que poucos recordam ou conhecem (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
É um trabalho de paciência que dá os seus frutos, minguados ou curiosos. Não vejo referências ao trabalho científico de Cardoso Júnior, e no entanto ele procedeu a estudos em Cabo Verde e na Guiné que eram admirados pela comunidade científica de então - não valeria a pena recuperar tais trabalhos? Encontrou-se uma comunicação dirigida a dirigentes da comunidade portuguesa, terá sido proferida no ano da publicação do Boletim Geral das Colónias, 1950, deteta-se que havia uma noção do abandono a que fora votada a colónia, o autor disse expressamente que foi preciso esperar pela Restauração para se começar a cuidar daquele território e curiosamente emite opinião de que o desenvolvimento da Guiné se deve inserir no contexto alargado da África Ocidental. Sabe-se como tudo vai mudar, não será preciso um década, mas há opiniões que vale a pena conhecer no ar do tempo em que foram produzidas.

Um abraço do
Mário



Personalidades e olhares sobre a Guiné que poucos recordam ou conhecem

Mário Beja Santos

Uma das dimensões mais fascinantes da pesquisa de materiais a que, de um modo geral, a investigação e a historiografia deixam no silêncio, a encontrar personalidades ou pontos de vista que revelam a injustiça em esquecer cientistas ou trabalhos que acabam por validar o que vem nos documentos factuais. Este preâmbulo vem a propósito de dois textos que encontrei e convosco quero partilhar.

A Coleção pelo Império desempenhou um papel altamente divulgador no tempo da Agência Geral das Colónias, e neste vasta servo monográfico encontramos uma publicação dedicada a João António Cardoso Júnior (1857-1936) [foto à direita], documento escrito por Joaquim Duarte Silva e publicado em 1941. Este distinto cientista e coronel, diplomou-se em Coimbra como Farmacêutico de 1ª Classe e ingressou pouco depois nos Serviços de Saúde de Cabo Verde. Foi encontrar em Cabo Verde e na Guiné campo propicio para estudo e investigações. Estudou a fauna e a flora das duas províncias. O professor Luís Wittnich Carrisso referindo-se aos estudos de Cardoso Júnior na Guiné fá-lo nos seguintes termos: “Tenho conhecimento das colheitas de João Cardoso Júnior, cujo resultados foram publicados na Revista da Sociedade Broteriana. O seu catálogo de peixes colhidos nos mares do arquipélago de Cabo Verde foi classificado como o mais completo que se conhece”.

Teve importantes trabalhos traduzidos em Revistas Científicas estrangeiras, concorreu ao prémio anual D. Luís, da Academia Real das Ciências de Lisboa com o trabalho intitulado Subsídios para a Matéria Médica e Terapêutica das Possessões Ultramarinas Portuguesas, competiu com o sábio Barbosa du Bocage, foi-lhe atribuído um segundo prémio com o parecer da Academia considerando a obra premiada de Cardoso Júnior era valiosa e digna de publicação, como veio acontecer. Os dois primeiros capítulos desta obra prendem-se com terapêutica indígena entre os naturais de Cabo Verde e da Senegâmbia Portuguesa. Com paciência beneditina, elaborou Cardoso Júnior relações nominais de cronistas, historiadores e navegadores que tinham referido às espécies e drogas existentes no Império Português. Em lista longa, refiro André Álvares de Almada que refere o poilão, a cola, a tinta, a laranjeira, o tamarindo, o amendoim, a mangueira, no seu Tratado Breve de 1594. E também o Padre Francisco Álvares que fala do tamarino e das frutas da Guiné na verdadeira informação das Terras do Preste João ou Luís Cadamosto que alude do vinho de palmeira e ao algodão nas Suas Notícias Ultramarinas.

Refiro agora a lição proferida pelo Dr. Fernando Simões da Cruz Ferreira no primeiro Curso de Formação Imperial para dirigentes da Mocidade Portuguesa, vem no Boletim Geral das Colónias, 1950.

Começa por aludir que até 1640 não existiu praticamente ocupação territorial da Guiné, esta não passava de uma dependência de Cabo Verde. Em 1834, a administração da colónia foi centralizada em Bissau, mas só em 1879 é que se constituiu o Governo Autónomo da Guiné, e a primeira capital foi Bolama. Descreve aspetos geográficos por demais conhecidos, mas não deixa de nos surpreender dizendo que a fauna marítima é abundante, o mar é pouco profundo, tem fundos ricos e uma variada fauna marinha, o mesmo se verifica para as rias de água salgada ou salobra e os rios. E diz mais adiante que a assistência médica ao indígena é uma tarefa ingente e dispendiosa para os governos que a empreendem. As afeções dos trópicos tomam frequentemente o caráter endémico ou epidémico, pelo que a profilaxia é da maior importância. A Missão do Combate à doença do Sono ocupa todo o território da Colónia. Falando da instrução diz existir ao tempo doze estabelecimentos ensino oficial e trinta e cinco missionários, com uma frequência de 3000 alunos. Fora recentemente oficializado o ensino oficial.

A Guiné possui 8 associações desportivas. Sublinha que em 1946 tinha sido criado um centro de estudos da Guiné Portuguesa e o seu Boletim Cultural. A Guiné dispunha de 3 aviões que durante a estação seca podiam circular até às sedes de todas as circunscrições. Não havia voos diretos de Lisboa para Bissau, era obrigatório tomar avião de ou para Dacar.

Não deixa de ser interessante ver o que o orador refere sobre o futuro da Guiné, ele fica dependente da qualidade e intensidade de quatro tipo de empreendimentos: defesa das populações contra a doença; desenvolvimento da agricultura, pecuária e indústria; facilidade e regularidade de publicações internas e com o exterior; aproveitamento comercial adequado. Especifica que é preciso melhorar as condições de higiene da população, aumentar a produção de arroz e produtos de exportação com amendoim e o coconote. E usa da maior prudência falando das riquezas florestais: “A percentagem de essências florestais aproveitadas para exploração de madeiras é elevada, acima dos limites estabelecidos pela Convenção Internacional de Proteção Natureza. É uma indústria a desenvolver, desde que se tomem medidas adequadas para um racional repovoamento florestal e se evitem as devastações causadas pelas queimadas”. Não deixa de referir a necessidade de intensificar o tráfego marítimo entre Portugal e a Colónia e a criação de um aeroporto. Por último apela a que as transformações económicas e sociais devam ser resolvidas por técnicos e no contexto geral da África Ocidental.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23596: Historiografia da presença portuguesa em África (333): Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (5) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20361: Notas de leitura (1237): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (2): “Tiago Veiga”; Publicações Dom Quixote, 2011 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Novembro de 2019:

Queridos amigos,
Mário Cláudio apresenta-se sempre como ficcionista, mas estreou-se na poesia antes de rumar para Bissau onde foi jurista no Quartel-General, como se deu notícia no texto anterior a propósito do seu livro autobiográfico "Astronomia". Nesta mesma obra ele refere o prazer de vasculhar em livrarias de segunda mão, onde encontrara uma publicação referente à doença do sono. Que a leu, demonstradamente ficamos a saber, quando se lê esta pretensa biografia de um intelectual imaginário chamado Tiago Veiga que vai até à Guiné, pasme-se, era Governador Carvalho Viegas, estamos no início da década de 1930, procura-se caraterizar a doença do sono.
Quando conversei telefonicamente com o Mário Cláudio para o associar ao nosso blogue, ele sugeriu-me a leitura destas duas obras, já lhe escrevi para saber se há mais, e havendo, aqui se fará o competente registo.

Um abraço do
Mário


Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária:
Um notável escritor que é nosso camarada da Guiné (2)

Beja Santos

Mário Cláudio
Em “Astronomia”, Mário Cláudio fala das visitas aos alfarrabistas e refere explicitamente a compra de uma publicação sobre saúde na Guiné. Em “Tiago Veiga, uma biografia”, Publicações Dom Quixote, 2011, sentir-se-á atraído por um universo anterior aos tempos da guerra, como iremos ver.
Esta obra de ficção aproxima-se das oitocentas páginas, é uma biografia imaginária de um bisneto de Camilo Castelo Branco, que ele trata como um caso singular na literatura portuguesa, um interlocutor de grandes criadores artísticos como Fernando Pessoa, Jean Cocteau, W. D. Yeats ou Benedetto Croce. Tiago Veiga viaja para a colónia da Guiné em abril de 1932 a bordo do paquete Serpa Pinto. Acompanha o Dr. Fontoura de Sequeira, chefe da missão que consistia em avaliar a existência da doença do sono e das particularidades que apresentava. Fonseca de Sequeira entregará mais tarde às autoridades competentes o relatório da sua missão. “O caráter não oficial da participação de Tiago Veiga, e de uma outra personalidade, Jerónimo Paiva de Lima Sagres, explicava que a sua identidade fosse excluída do documento de Fontoura de Sequeira (…). A brigada minúscula ficaria alojada no melhor hotel de Bolama, um estabelecimento que apenas se distinguia de uma pensão qualquer em Fornos de Algodres pelo criado de mesa, um balanta que servia de luvas brancas os camarões grelhados, seguidos da papaia às fatias. O Governador da colónia, Luís António de Carvalho Viegas, receberia Fontoura de Sequeira, e na formal preleção com que o brindaria iria ele reiterar aquilo que constituía o cerne das suas convicções em matéria de política sanitária”.

É o momento propício para Mário Cláudio investir na caraterização da orografia:
“O território guineense surgiria a Veiga como uma espécie de grande bolacha verde, mergulhada em águas lodosas e paradas, e que aos poucos amolecia, terminando por inteiramente se esboroar, a construir ilhas e enseadas, penínsulas e cabos, e aquilo a que se chama ‘a bolanha’, e que não conformava mais do que a infinidade dos pântanos, tornada responsável na imaginação europeia por todos os males deste mundo”. E tem uma palavra para os colonos: “Receosos de que se concretizasse a transferência da capital da colónia, de Bolama para Bissau, pareciam eles optar por uma letargia paradoxal, favorecidos pelo argumento da prostração a que o clima os condenava. Amarelentos e aparentemente subnutridos, associavam-se em grupelhos emborcadores de aguardente de cana.” E traça-se a natureza da missão: “No mapa que estenderam diante do nosso homem, e através da lembrança de que não se esquecesse da dose semanal de quinino, delineava-se a área da incidência da profilaxia da enfermidade do sono. Ela ia de Compiana no Sul a Varela no Norte, e de Bolama no Oeste a Cam Queifá no Leste”.

Afinal de contas, o que andava Tiago Veiga a fazer por aquelas bandas? Mário Cláudio responde:
“Cedendo a esse fatalismo que transforma os salvadores do corpo e alma dos homens em predadores das restantes espécies, Fontoura de Sequeira dedicava à caça o tempo que lhe sobejava das canseiras do serviço, mas Tiago, tendo disparado um ou dois tiros experimentais, reveladores da mais completa inépcia venatória, logo se remetera a ocupações bem menos voluntaristas. Cobriam eles o território com uma celeridade incompatível com qualquer reflexão aturada sobre aquela doença que tão só cinco anos antes se apurara existir na Guiné Portuguesa. Montavam as tendas, arrebanhavam as populações, executavam as análises, desmontavam as tendas, e abalavam na manhã seguinte em direção a mais uma das localidades assinaladas no mapa de que se socorriam. A tarefa de Veiga consistia em anotar em fichas o nome dos infetados, a sua idade e sexo e morada, e qualquer observação pertinente. E não demoraria muito a que se familiarizasse o nosso biografado com uma terminologia que, não sendo científica, não deixava incluir o seu grão de carga poética, suscetível de desencadear um que outro surto de escrita pelo menos mental. (…) E os voos da fantasia de Tiago Veiga obtinham estimulante alimento da observação das preparações microscópicas a que o chefe da missão o convidava. A insídia com que o agente patogénico se manifestava, a selecionar as águas, conforme fossem doces, ou salgadas, e a vegetação, consoante fosse lisa, ou viscosa, denunciava a presença desse mistério do comportamento animal”.

É nisto que Baltasar entra na vida de Tiago Veiga, acontecimento inesperado, com grande carga emotiva:
“Na localidade de Bigina aconteceria aquilo que iria alterar-lhe a normal cadência do coração. Um garotinho dos seus três anos e pico, Mamadu Baldé, mas que os missionários haviam batizado de Baltasar por ter nascido pelos Santos Reis, achegou-se a Tiago. Completamente nu, mas com um colarzito de missangas ao pescoço, e mal atingindo o tampo da mesa que servia de secretária ao nosso homem, deitou-se a mirá-lo com os grandes olhos redondos. O nosso poeta não se deu por achado, a fim de analisar a atitude que o miúdo assumiria. Obstinado a partir daqui, e ao longo dos vinte dias em que a brigada estacionara naquelas paragens, em não se apartar das vizinhanças do nosso biografado, Baltasar não o largava, nem por um instante. E Tiago esforçava-se por aproveitar tal circunstância para distinguir o papel que lhe caberia, e aos seus companheiros, na correção de uma natureza porventura dependente da ausência do branco para fixar os seus equilíbrios intemporais. Essas ameaças, e eram muitíssimas, que rodeavam as incertezas passadas pelo cachopinho, a anemia, a caquexia, e o febrão remitente, tudo isso de caráter palustre, e mais a disenteria, e mais as febres, biliosa e perniciosa, ou a doença do sono, estariam ali talvez para que a terra continuasse como esponja empapada de lamas, insuscetível de conter em cada momento um número de vivos superior ao necessário para compensar o desfalque dos que tinham morrido. Veiga reparava então nos olhitos aguados de Baltasar, dirigia-lhe palavras que nada significavam, e que bem sabia que ficariam sem resposta, e consentia ao garoto que o procurasse à noite, que se insinuasse pelos dentros do mosquiteiro, que se estendesse a seus pés, e que desatando a chuchar no polegar direito, adormecesse como um anjo até os galos cantarem”.
E de seguida Tiago Veiga é sacudido por um ataque de paludismo, e há uma história de lendas da Guiné para contar, como adiante se verá.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 11 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20333: Notas de leitura (1235): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (1): “Astronomia”; Publicações Dom Quixote, 2015 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 15 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20347: Notas de leitura (1236): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (32) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20271: Guiné 61/74 - P19815: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXXI: 1984/85: um regresso, quinze anos depois: (i) a primeira viagem de saudade


Foto nº   16 > Guiné-Bissau > O Virgílio Teixeira junto à instalação da fábrica descascar arroz,  desativada. Bissau, 5Jan85


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Bissau > 3 de janeiro de 1985 >  No Pilão, na porta da casa do nosso taxista fula, de nome Mamadu.


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá >  3 de janeiro de 1985 >A nova ponte acabada então de inaugurar, em Bafatá, com ligação a Fá Mandinga.


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Cabuca > 3 de janeiro de 1985 > Esta era a picada entre Nova Lamego (hoje Gabu) e o aquartelamento de Cabuca, a uns 20 a 30 km da sede do comando do antigo sector L3.

Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Cabuca > 3 de janeiro de 1985 > Em Cabuca recolhendo terra para amostras de produtividade e rendimento.



Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Cabuca > 3 de janeiro de 1985 > Aqui estamos numa lagoa, que faz fronteira com a Guiné-Conacri.


Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Cabuca > 3 de janeiro de 1985 > – Pormenor de um lago lodoso de águas paradas, e o aviso no placard da existência da mosca Tsé-Tsé. O nome escrito diz ONCORSECOSE (a doença mais conhecida por "cegueira do rio").

Foto nº 11 >  Guiné-Bissau > Região de Bissau > 5 de janeiro de 1985 > Vista geral complexo agroindustrial, inacabado e abandonado. Tratava-se de uma fábrica de descasque de arroz.


Foto nº 12 > Guiné-Bissau > Região de Bissau > 5 de janeiro de 1985 > Outra vista das instalações fabris que nunca chegaram a funcionar.


Foto nº 13 > Guiné-Bissau > Região de Bissau > 5 de janeiro de 1985 >  Em primeiro plano, os porcos que se passeiam livremente pelo complexo industrial abandonado.



Foto nº 14 > Guiné-Bissau > Região de Bissau > 5 de janeiro de 1985 >  Vista geral do complexo, Bissau, 5Jan85.


Foto nº 15 > Guiné-Bissau > Região de Bissau > 5 de janeiro de 1985 >  Interior do complexo inacabado, Bissau, 5Jan85

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem, de 9 do corrente, do nosso amigo e camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, chefe do conselho administrativo, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); é economista e gestor, reformado; é natural do Porto; vive em Vila do Conde; tem já perto de 140 referências no nosso blogue- (*)


Luís, como estás? 

Segue o texto (e as fotos) para o tema T999: foi enviado por mail, em Junho de 1998, já passou mais de um ano. 

Não sei o que se passou, mas devo ter enviado em conjunto, no Wetransfer com prazo de 8 dias, e por isso perdeu-se. 

O interesse é mostrar no que se passou a seguir à Independência, aquele território tornou-se não no 3º mundo, mas uma parcela única do 4º mundo. Naquela altura a Guiné estava classificada como ‘o paíos mais pobre do planeta’… Pobre povo que tanto sofreu com esta mudança! 

Este poste trata de um assunto muito particular da minha vida, e agora estive e reler tudo, e achei que vale a pena tentar, e ver o feedback desta história. Não toquei em nada, foi escrito naquela data, era assim que pensava, e hoje igual. 

Tenho andado agora muito ocupado nas minhas rotas pelo Porto, já vou em mais de 7000 fotos, e eu que pensava conhecer o Porto, e afinal só conhecia as pedras da estrada, o paralelo, o alcatrão, a terra batida, e depois os restaurantes, hotéis e afins. 

Ontem fiz a minha mais dolorosa ronda. Para quem sabe, desci ‘as escadas do Codaçal’ e subi ‘as escadas dos Guindais’. São cerca de 400 escadas para baixo e para cima, mas depressa recuperei desta fadiga. Foram 158 fotos, coisas inéditas para mim, nunca lá tinha ido! 

Um dia talvez venha a publicar algumas, que interessam mais às gentes do Porto e do Norte. 

Quanto ao nosso Tema de hoje, esta descrição, apesar de longa, são 13 páginas, acho eu, está longe do todo, pois esta aventura já está escrita nas minhas memórias há muitos anos, nem me passava pela cabeça este Blogue, isto daria para mais 3 a 4 vezes, e isso, não sei se virei a contar na totalidade. 

O final do projecto não foi muito feliz, e contém tanta coisa pessoal e que tenho de preservar. Acho que, no final de tudo, quase desgracei a minha vida, e já se passaram 35 longos anos, desde que iniciei esta loucura. 

Em todo o caso, é parte da vida de um camarada da Guiné, e julgo que tem interesse para quem quer perceber o curso que seguiu aquele novo País de língua portuguesa. 

Isto como tem muito texto e fotografias, vai ter de se dividir em 3 postes ou em 3 partes, caso consideres que é um assunto de interesse para a malta. 

Um abraço, 

Virgilio Teixeira 

Em, 2019 –10- 09


2. Álbum fotográfico > Guiné 1967/69 

TEMA 999 – O REGRESSO À GUINÉ 15 ANOS DEPOIS

ANOS 1984 E 1985 : UMA VIAGEM DE SAUDADE ; DUAS VIAGENS DE NEGÓCIOS


I - Anotações e Introdução ao presente Tema

Este tema tem tanto de louco como apaixonante,

Não vou entrar em pormenores, porque para qualquer um que tivesse a ousadia de querer ler tudo o que já escrevi sobre o tema, teria aqui tanto para ler que até daria sono ao nosso Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

Já escrevi no meu livro ‘Não editado’ todos os dramas pessoais e familiares que esta saga me trouxe, nunca saberei se valeu a pena, abandonar a família, correr riscos, desbaratar dinheiro que viria a fazer falta, com resultados nulos.

Vou dividir isto em 3 partes que correspondem a 3 viagens, agora apenas escrevo sobre a primeira delas, aquela que mais me marcou, as restantes ficam para mais tarde…:

I Parte – A viagem de saudade à Guiné

II Parte – A viagem de negócios à Guiné e Senegal

III Parte – A viagem de arranque do projecto na Guiné


Parte 1 – A primeira viagem de saudade à Guiné


Corria o ano de 1984, e um dia qualquer, estava eu a ficar, podemos chamar com uma loucura incontrolável, tinha pesadelos diários com a Guiné, acordava todo suado, eram noites seguidas, anos a fio com estes sonhos, o meu regresso à Guiné, e o mais estranho é que até nos sonhos aparecia com a minha família toda, a caminho de lá. Incríveis.  estes sonhos, e porque não aguentava mais, resolvi que tinha de matar os fantasmas.

Vou ao Consulado da Guiné-Bissau no Porto, falo com o major Valentim Loureiro, era o Cônsul da Guiné em Portugal, na altura também era o tutor dos filhos do 'Nino' Vieira, que estudavam aqui no Porto. O Valentim era também já conhecido, ele e o meu pai,  eram já camaradas, estiveram a trabalhar juntos no RI 6 do Porto.

Nunca meti o meu pai nisto, conversei longamente com a minha mulher, expliquei que eu tinha de fazer isto sozinho, aliás ela também nunca iria, tem horror a África. Tinha eu então 41 anos feitos, a caminho dos 42, e a minha mulher em casa com 37 anos, e os meus três filhos, a mais velha com 13 anos, o rapaz seguinte com 12 e a mais nova com 10.

Abandonar a mulher e filhos, quando vivíamos todos felizes, como sempre até hoje, era uma obra do diabo, mas fui fazendo os preparativos para esta aventura de loucos, digo eu.  Passamos aqueles meses anteriores bastante tensos com esta perspectiva, pois nunca nos havíamos separado antes, eu amava a minha mulher e os meus filhos, eles eram todo o meu mundo, eu superprotegia-os. Como vou abandonar isto, e vou para o escuro ?... Há aqui dramas escondidos que só por si davam um romance, mas vamos em frente.

Sonhava que iria encontrar aquilo que lá deixei em 1969, um país normal de África, com todas aquelas mordomias que tinha quando lá estava, uma cidade de Bissau limpa, as esplanadas com aquelas maravilhosas ostras, os mariscos, a musse de chocolate gelada do Solar dos 10, e os restantes bons petiscos, e tudo bem acompanhado de cerveja gelada e uns uísques com muito gelo, o Grande Hotel, uns bons restaurantes, nada a faltar. Aquele calor insuportável, a humidade, tudo o que era de bom e mau, eu estaria mesmo louco.

Não vou descrever mais, sobre os dramas da partida, os preparativos, os encontros com outras pessoas que pudessem conhecer aquilo melhor, isto são coisas do nosso íntimo e não são fáceis para os outros perceberem. Posto isto, pedir o visto no passaporte por 15 dias, e a surpresa é que tive de esperar mais de um mês pela autorização do visto, mas o Valentim Loureiro alertou-me para não ir, que já não era nada daquilo que fora no tempo da tropa, mas desvalorizei, estava com umas palas como os burros e só via para a frente, ninguém me desviava do meu sentido.

E lá fui, depois de imensas peripécias que vou passar à frente, chego ao Aeroporto da Portela, pois o voo era por volta da meia-noite, de um sábado, como todos os voos para a Guiné, naquela época, em 20 de Outubro de 1984, chegando a Bissau na madrugada de 21 de Outubro. Vai fazer agora 35 longos anos, de recordação e muita angústia.

Era tudo escuro, os passageiros eram na maioria africanos, a confusão indescritível na fila para fazer o check-in e enviar as malas. Como já era hábito aquilo estava carregado de guineenses, que estavam cá a trabalhar ou a passar tempo, e, quando me apercebo,  já estava cercado por uns quantos que me entregavam caixas e embrulhos para meter na minha bagagem, e o peso não tinha importância pois a TAP facilitava isso.

Eu só pensei numa coisa. Se me metem droga nas malas e nas caixas deles, e quando lá chego e me revistam,  entro logo na prisão. Bom, em conversas acesas, pois eu não queria levar nada comigo, as hospedeiras convenceram-me que não havia problemas, era normal, eles só diziam que era ‘leite pra minino que está no Bissau’. Bom,  lá meteu mais uns 20 kg de carga e não paguei mais por isso, ainda perguntei a quem vou entregar aquilo, mas eles dizem que não se preocupe, alguém vai ter comigo e leva as embalagens.

O voo levantou uma hora mais tarde, pois aquilo era uma confusão total, mas eu estava decidido e já tinha gasto com a preparação da viagem e com a Agência, quase 200 contos [, 200  contos em 1984 é o equivalente a 4.754,87 €, a preços de hoje], incluindo viagens mas de fora a estadia. Eu não sabia nem tinha ideia para onde ia, tinha como referência o Grande Hotel de Bissau, mas nunca falei com ninguém nem marquei nada, fui mesmo à aventura, às cegas. 

Como já era normal, paramos no Sal, e comecei a sentir aquela sensação que já não estava habituado, aquilo não era uma Província de Portugal, é um País novo, e as pessoas, ainda com a sua jovem independência, olhavam e tratavam-me de uma forma não muito simpática. Eu tantas vezes lá tinha pousado, no antes, e era tudo nosso, fazia o que me apetecia. Mas não deixaram sair do aeroporto, agora já mais moderno, onde comprei qualquer coisa para entreter o estômago, afinal ainda era jovem, tinha os meus 41 anos, tinha apetite.

Lá deixamos aquilo, e voltamos ao avião Boeing 707 da TAP. Passado uma hora estava a sobrevoar aquela Guiné que já conhecia, os céus a mesma coisa, e cá para baixo a mesma paisagem. Como era ainda cedo, a neblina estava lá presente.

Escrevi durante a viagem, desde que deixei a família com um aperto enorme na garganta, uma carta com aquilo que estava a sentir, angústia e ansiedade. Já levava um envelope endereçado à minha mulher e, quando estava perto de aterrar,  chamei uma hospedeira, mostrei a carta com selo e endereço, e disse que ia metê-la no envelope, pedindo que ela na volta a Lisboa a colocasse no correio, e assim foi.

A aterragem deu-se pelas 9 horas da manhã, na mesma hora em que eu lá tinha chegado da primeira vez, em 21 de Setembro de 1967, ou seja 17 anos depois.  Mas agora era o dia 21 de Outubro de 1984, e estava num novo país independente.

Quando as portas se abrem, saindo daquele ar condicionado frio, pois ainda nos deram umas mantas para não se sentir aquele gelo dentro do avião, leva-se então com aquela baforada de ar quente e húmido, como se tivesse entrada no forno da minha cozinha. Entro da sala do aeroporto, e sem ar condicionado, tudo fechado, imediatamente o suor começa a cair pelas faces, pela roupa e em pouco tempo estou encharcado até à ponta dos pés. Nada que eu já não conhecesse, mas agora mais grave, pois cheguei a um novo país, ainda na minha mente um país... "inimigo" de Portugal.

As filas eram intermináveis para o check-in, pois o pessoal africano tinha prioridade sobre os brancos, e assim fui derretendo as poucas banhas que tinha. Chega a minha vez, apresento o passaporte de turista, e logo perguntam com grande autoridade: o que vem cá fazer? Eu disse que vinha fazer uma visita, não me veio mais nada à cabeça. Acharam estranho e, pouco tempo depois já me tinham chamado a uma sala reservada, eu levava comigo uma pasta preta de boa qualidade e marca conhecida, e uns homens, deduzo que da Polícia política local, ainda me perguntam se pertenço a algum ‘corpo diplomático’ e respondi que não, vinha apenas matar saudades dos tempos em que lá tinha estado na guerra colonial, há muitos anos atrás. Deram ordens para avançar, e fui para outra sala para a revista de tudo. Aí os guardas, como em todo o lado, logo me apanharam algumas coisas, era recordações para eles e família, cigarros, isqueiro, roupa, e coisas assim. Não levantei problemas.

Estava tudo em ordem, lá colocaram o visto de turista para 15 dias no passaporte. Voltei à fila do check-in, e perguntaram-me qual era a minha morada na Guiné, onde ia ficar. Fiquei indeciso, pois não tinha nenhum sítio marcado, disse que talvez fosse para o Grande Hotel. Escreveram tudo. Depois foi a vez do dinheiro, quanto é que levava, claro que declarei menos, e tive logo que cambiar o mínimo de 50 USD no Banco Local no aeroporto, tendo recebido 5.668,50 Pesos Guineenses, e alertaram que o câmbio de rua era ilegal, era crime e dava prisão. Ficou tudo escrito no passaporte. Eles olhavam-me muito desconfiados, não acreditavam em nada do que eu dizia. Mas finalmente consegui abandonar aquele forno.

Cá fora, lá estavam eles à minha espera, nem precisaram de procurar muito, pois os seus familiares em Lisboa devem ter dado todas as informações físicas da pessoa a contactar. E foi bom, porque tinham lá uma carrinha de caixa aberta e deram-me boleia até às portas do Grande Hotel. Despediram-se e foram à sua vida, e lá fiquei eu com a bagagem.

Mas o mais espantoso vem a seguir. Eu que estive na Guiné dois anos, e nunca vesti mais do que uma camisa, e de mangas curtas a maioria das vezes, levava então nesta viagem de loucos, já vestido um fato e gravata, e, num saco em separado, outro fato. Para quê? Só me estorvou o tempo todo. Meti-o na mala, ficou todo amachucado e deixei aquele apêndice que me estorvava os movimentos.

Quando desembarco do avião, aquela garra toda desaparece, como da primeira vez, e de imediato fico novamente apanhado pelo clima, e passo a andar como os outros, muito devagar, devagarinho, não há pressa para nada, nem capacidade física. E enquanto estou de viagem desde Bissalanca – agora aeroporto Osvaldo Vieira -, até à cidade, vou então confirmando os meus receios após a chegada, ou seja, que estou no sítio errado, aquilo não era a Guiné que conhecia.

A miséria era geral, e a falta de tudo em particular, era uma evidência. Vou passando pelos pontos conhecidos, A Base Aérea nada tinha, o quartel dos Comandas não existia, o quartel dos Paras nem se viu, passamos o quartel dos Adidos estava tudo destruído, até que passei pelo Hospital Militar e estava tudo coberto de mato, nada existia, a população levou tudo para casa ou para vender, e o edifício, o melhor hospital daquela zona do mundo, não existia mais.

Quando chego à entrada de Bissau, lá estava o mercado de Bandim, o cheiro era impressionante, o lixo abundava por todo o lado, passamos pela Bissau nova e está quase tudo em degradação, ainda fomos pela avenida principal, a antiga Avenida do Império, e não havia um único café, cervejaria, restaurante, casa de pasto, ou de comes e bebes, nada, tudo tinha desaparecido como se uma peste tivesse varrido a cidade de Bissau.

Quando entro do Grande Hotel aquilo estava a cair de podre, não havia ninguém, fui ver um quarto, meteu-me nojo, os preços eram pagos em Pesos Guineenses. Pediram 3500 Pesos por dia, que feitos os diversos câmbios oficiais, dava uns 2000$00 [, o equivalente a 47, 55 € a preços de hoje], por noite, ou seja o dobro do que tinha pago no dia anterior no Hotel Roma em Lisboa.

Claro que este valor pago com Pesos da candonga, significava então uns 200 Escudos Portugueses [, 4,75 €]... Claro que recusei logo, pois nem de graça eu lá ficava, abundava o lixo e a degradação total. Inacreditável o que via. Voltei a ver naquele espaço que tanto frequentei, os célebres "jagudis",  os abutres, à procura de carne podre, e os grandes lagartos a subir e a descer pelas palmeiras já minhas conhecidas.

Ter-me-ia enganado no local para onde comprei o Bilhete? Pelo sim, pelo não, fui logo de imediato à agência da TAP, que ficava na antiga Praça do Império, para ver se ainda podia apanhar o voo de regresso para Lisboa, mas já não era possível, então marquei logo para o próximo, uns 3 a 4 dias depois, quando a ideia era ficar 15 dias.

Lá fui ter não sei como, talvez num daqueles táxis que param em todo o lado para entrar e sair passageiros, e vou directo a Santa Luzia, onde diziam que havia o Hotel 24 de Setembro,  que era o melhor nessa época. O meu espanto é que estava a chegar ao antigo Club de Oficiais do tempo chamado agora de colonial. Eles fizeram daquele belo espaço um Hotel. Ainda construíram mais umas suites individuais, nos antigos terrenos e edifícios do Biafra, que era o sítio onde ficavam os oficiais milicianos quando passavam por Bissau.

Fui à recepção, e pedi um quarto, o preço eram 10 US Dólares, por dia – 2.000$00  [, o equivalente a 47, 55 € a preços de hoje] -, sem direito a nada. Com a ajuda de uma empregada negra, fomos para o quarto. Novo espanto, estava tudo partido, não havia ar condicionado, nem ventoinha, a água era escassa, os chuveiros estavam estragados, as baratas abundavam, e não tinha sanita, ou seja a sanita estava partida, não dava para uma pessoa se sentar, a empregada encolhia os ombros. Onde é que eu me meti, pensei com os meus botões?

Vou à recepção, o homem lá se desculpa, diz que há falta de manutenção, isso já eu sabia! Eu não queria aquele quarto, por isso ele sugeriu outro, dos novos, eram melhores, o preço era a 40 US Dólares por dia – 8.000$00  [190,19 €]...

Ok, fico para já, estava cansado e tinha novamente de pegar na bagagem e levar para outro quarto. Com o calor e de fato vestido, é fácil ver a cena. Instalei-me e tomei banho, deitei os fatos para o lado, e vesti calça e camisa. Tomei alguma coisa no bar, mas não havia quase nada, nem cerveja, nem uísque, só água com rótulo não conhecido. Mas tinha pressa em sair e ir conhecer melhor a cidade.

Fui a pé pela estrada de Santa Luzia abaixo, as bermas não existiam, estava tudo esburacado, as casas estavam em grande degradação. Procurei e encontrei logo a casa da minha primeira amiga cabo-verdiana, mas os novos inquilinos e vizinhos não sabiam nada dela nem da mãe. Fiquei desiludido, mas lembrei-me quando lá fui em fins de Julho de 1969 para me despedir dela e da mãe, me terem dito que ela tinha regressado a Cabo Verde, talvez seja verdade, e desejei que estivesse bem.

Fui por ali abaixo, na sombra dos grandes poilões, até chegar ao famigerado Pilão de Bissau. A população tinha aumentado para o dobro, as condições eram inimagináveis, nada que me fizesse lembrar as outras más condições do tempo colonial, agora aquilo eram mesmo bairros de lata ‘made in África’.

Vamos à Cidade, avenida abaixo, o calor e a sede aperta, procuro uma cerveja mas não há nada. Andam uns rapazes com uns bidões de barro com água e sumo de limão, diga-se que não estava quente nem fria. O serviço era em pé e na rua, e bebe-se pelo mesmo caneco sem lugar a lavagem, porque não há onde lavar. Paga-se qualquer coisa em pesos, era assim que se tratava o turismo de Bissau. Cansado sento-me na berma de um passeio, sempre na sombra de alguma árvore, o sol não perdoa, era implacável.

É preciso comer, aparece um dos muitos miúdos, que já antes existiam, com sacos ao pescoço, com mancarra descascada e torrada – amendoim, como se diz por cá – mas tão saboroso que parece marisco, era ainda igual àquela que se comia antes, uma primeira boa recordação. E mais umas canecas de água, tudo servido ali sentado no passeio esburacado.

Isto é surreal, estou sozinho sem saber o que fazer, mas vou continuar. Vou ter ao mercado local, onde há fruta e vegetais à venda. Os preços incrivelmente baratos. Compro ananás, bananas, mangas, limões, laranjas, e vou comendo tudo com a mão. Felizmente tinha levado um canivete suíço que dava para descascar aquilo. Já composto vou ver o que há para beber e comer, as primeiras necessidades.

Vou à antiga Casa Gouveia – agora são os Armazéns do Povo –, entro e está tudo vazio. Procuro nas prateleiras não há nada, mas encontro numa delas, isto fica na memória, pois não se pode esquecer..., encontro duas embalagens pequenas de sumos da Compal, daquelas latas pequenas de abrir com abre-latas em bico. Milagre. Vou ver os prazos já tinham passado vários anos de validade, e ainda por cima estão tipo caldo, não arrisquei, ficaram na memória, e na prateleira para o próximo cliente.

Não vou continuar mais a falar nisto, pois as surpresas acontecem à velocidade a que me desloco, não há lojas como antigamente, o famoso Café Bento desapareceu, as lojas fecharam, ainda vou até à Catedral de Bissau, pois está sombra e mais fresco. Rezei para que tudo corra bem para mim e para os meus familiares.

Agora os câmbios... I dinheiro que troquei no aeroporto e ficou registado no passaporte, eram 50 USD e deram-me um maço de Pesos Guineenses, a um câmbio que ficava tudo muito caro. Logo aparece sempre gente a tentar trocar Escudos ou US Dólares, por Pesos, a um câmbio 10 a 20 vezes menos do que o oficial. Ponderei para ver se não era nenhuma armadilha, depois arrisquei, e com 5 contos [, 118, 86 €, a preços de hoje,] fiquei com dinheiro para comprar quase tudo, o que era Nacional.

Mas não havia nada para comprar em divisas, só na segunda viagem já tinha aberto um chamado ‘Free Shopping’, onde se poderia comprar algumas coisas com moeda estrangeira. Mas o que havia era na maioria bebidas e pouco para comer. Daí que o mercado local era o abastecimento preferencial, comprava-se tudo por meia dúzia de tostões.

As surpresas estavam para vir, ao jantar no Hotel pouco ou nada havia, uns peixes secos daqueles que nunca antes havia comido, algum bife duro, pão só até acabar, vinho de garrafão fraco, quente, ou misturado com pedras de gelo da água do Geba. Não havia nem cerveja, quente ou fria. Sopa de estrelinhas, e compo sobremesa a fruta da época. Café de saco e nada de bebidas extras. Preço para isto tudo rondava os 1000 pesos, que com o câmbio no mercado paralelo, isto seria no nosso dinheiro 10 ou 20 escudos, nada mais [.o equivalente hoje a 0,24 € ou 0,48 €, respetivamente]. Tenho as facturas disto tudo, eram talões numerados com papel químico, e pagava no fim da estadia.

De manhã ainda pior, o café com leite, café de saco que não sabia a café, e o leite era ao natural, não tratado, aquilo e a manteiga derretida meteu-me nojo e só comi o pão sem nada, com uma chávena de café simples – digamos chicória.

Bom, a solução era mesmo o mercado, comprei tudo o que havia, muita fruta de toda a espécie, os preços ridículos, e assim comecei a comer no quarto a maioria das vezes. Tinha um frigorífico, onde também entravam as baratas, tirava-se um ananás inteiro, com a minha faca canivete cortava às rodelas e ia para a porta comer aquilo tudo, só com as mãos, tipo um sem-abrigo, enchia a barriga de fruta de vária categoria e sabia muito bem. O sumo de laranja fazia eu, partia várias laranjas a meio e com as mãos apertava aquilo e enchia um copo de sumo. Era tudo básico, não dá para acreditar. Era o mesmo com os limões.

O que fazer então?... Levava um contacto, o Ministro das Finanças local, fui falar com ele ao Ministério, que ficava num daqueles edifícios que se vê do cais na Marginal, à frente do Quartel da Amura. Recebeu-me porque eu levava o nome do Valentim, que por acaso também tratava das coisas dos filhos cá em Portugal. Apresentamo-nos, ele era mais velho do que eu, já tinha os cabelos meio brancos, falava com toda a educação e delicadeza. Acabamos por saber que tínhamos frequentado a Faculdade de Economia do Porto mais ou menos ao mesmo tempo, talvez nos tenhamos encontrado nos dois primeiros anos de 1964-66. Ficamos ‘amigos’, e até me convidou para ir jantar um dia a casa dele, ficava na Bissau nova, nas vivendas bem tratadas, onde não faltavam também nas paredes, dentro de casa, as ‘osgas’ que se passeavam calmamente. Chama-se Dr. Francisco Godinho. Foi-me orientando e até me apresentou outros Ministros e Secretários de Estado, das áreas do Comércio e Agricultura, que lhe chamavam de ‘desenvolvimento rural’.

Andei a deambular os primeiros dias, fui ver o novo Porto de Bissau, enorme, uma mudança radical, já tinha cais para encostarem os grandes navios, foi um investimento de um Banco Árabe, e construído por uma empresa portuguesa, a Somague.

Mas eu tinha de me desenrascar, e assim uma noite no Bar do Hotel, à volta dos copos e a sacudir e afugentar os mosquitos, estava um grupo de pessoas, falavam Português e notei logo pelo sotaque que eram do Porto, não me enganei. Eram uns 5 personagens, 4 de Portugal e um da Alemanha, Harald Muller. Estavam todos picados e com os braços inchados das picadelas dos mosquitos, e viram como eu estava normal sem os efeitos das picadelas dos mosquitos, pois eles não me pegavam, daí o início de uma conversa entre nós.

Expliquei que já lá tinha estado, contei a velha história, e que os mosquitos quando me ferravam eles é que morriam, o meu sangue era venenoso, eles não aguentavam. Acharam graça mas era assim, nunca tive nenhuma marca de mosquitos apesar de sentir as picadelas, acho que tem a ver com a cor e tipo de pele, a minha é escura, a deles era branquinha, os mosquitos aterravam e só largavam depois de lá deixar o ferrão, comigo felizmente não. Apesar de ter apanhado a Paludismo por duas vezes em 1968, não era imune a isso e não tomava nada para salvaguarda dos efeitos colaterais.

Resumindo vim a perceber que andavam por lá, com o aval do major Valentim Loureiro – que era o Cônsul da Guiné Bissau em Portugal – amigo do nosso ‘amigo’ Nino' Vieira–  , para um grande projecto agro-industrial no valor global de 20 milhões de US Dólares. Eram 4 milhões de contos [, o equivalente a 95 milhões de euros , a preços de hoje], o câmbio nessa altura era a 200$00 por cada Dólar.

Já tinham conseguido um ‘aval’ do presidente 'Nino', no qual era cedida ao grupo uma área bruta de 7000 hectares de terreno, nas margens do Rio Corubal, a 200 quilómetros da foz, por causa dos efeitos do sal, com o centro em Cabuca que eu já conhecia. Já tinham mapa de toda a área, e a cedência era pelo período de 100 anos.

Era preciso passar tudo por muitos estudos, e lutar ferozmente contra os ‘consultores’ do Leste que não queriam lá os ‘Tugas’. O Governo só confiava nos pareceres do Leste. Aquelas pessoas que encontrei, nenhuma delas tinha conhecimentos nem capacidade para demonstrar ao Governo que o seu projecto era viável, e muito.

Precisavam de um Economista para elaborar todo o projecto económico e financeiro, e tratar de toda a burocracia que um Investimento Estrangeiro precisa. Bateram na porta certa, pois já tinha no meu CV dezenas de projectos e estudos, e conhecia muitíssimo bem o CIE, os procedimentos do investimento estrangeiro, pois a Guiné Bissau, ‘copiou’ linha a linha o nosso Código do Investimento Estrangeiro (CIE), que eu tão bem conhecia por ter trabalhado com os Suecos tantos anos e que tinha de ser aplicado em Portugal. Estava nas minhas quintas.

Daí para diante tudo mudou, pois entrei dentro do sistema que estava já montado, são os amigos de negócios, e assim havia um esquema com as empresas de construção que lá estavam instaladas, a Somague, a Soares da Costa e muitas outras, portuguesas. Todas tinham os seus estaleiros e não faltava nada, era só mesmo ‘entrar’.

Regressei a Portugal ao fim dos 14 dias com os novos amigos e futuros sócios, e passamos a trabalhar no projecto no escritório deles no Porto, perto da Rua da Boavista, dedicando-me a 100% a este projecto, pois as expectativas eram muito grandes.

Depois disto, tem uma história muito longa, pois durou cerca de um ano inteiro, com 3 viagens à Guiné e uma a Dakar. Um dia talvez volte a este assunto, que não me é nada grato voltar a lembrar-me dele, pois não teve um fim feliz, mas é uma história verídica, e que ainda hoje não sei como fui capaz de embarcar em semelhante ‘loucura’! Fica para os próximos capítulos, se os houver.

Em, 06-06-2018 - Virgílio Teixeira


II - Legendas das fotos:

Nota: O primeiro parágrafo da legendagem explica o que significa a foto. Já nos seguintes, são notas e observações que faço em relação à história e contexto de cada foto no seu tempo.


F1 a F6 – INTRODUÇÃO:

– No Pilão em Bissau, na porta da casa do nosso Taxista Fula de nome Mamadu.

Fomos a casa dele para nos alugar o seu táxi – Citroen Mehari. Ele ficou 15 dias sem trabalhar e recebeu o mesmo como se andasse a trabalhar, foi um bom negócio para ele, e também para nós que ficamos sempre de carro, totalmente descapotável. Bissau, 02Jan85.

F2 – A nova ponte acabada de inaugurar, em Bafatá, com ligação a Fá Mandinga.

Esta ponte veio substituir outro troço de caminho, que não tinha ponte e era necessário dar umas voltas para o contornar. Acho que faz a ligação para Fá Mandinga, e assim fica uma ligação completa por estrada asfaltada, entre Bissau até Gabu e daí até Pirada na fronteira com o Senegal. E tem portagem perto de Safim. Pagávamos 2 pesos e meio para abrirem a barreira. Bafatá 03Jan85.

F3 – Esta era a picada entre Nova Lamego – Gabu – e o aquartelamento de Cabuca, a uns 20 a 30 km da sede do comando do sector L3.

Este troço estava em 1985 completamente tapado, de mato, árvores, capim, e muitos buracos no troço da picada. Foram precisas algumas horas até chegar ao local de destino, que era a zona onde se iria desenvolver um projecto agrícola de 7000 há. Cabuca, 03Jan85

F4 – Em Cabuca recolhendo terra para amostras de produtividade e rendimento.

Em primeiro plano o Isidro Quaresma Gomes, o Técnico agrícola vindo de Angola como refugiado, e que levou a cabo este estudo complicadíssimo. Depois tem mais 3 técnicos locais do Ministério do Desenvolvimento Rural da Guiné Bissau. O Jeep era do Estado, O fotógrafo era eu que não ficou na foto. Cabuca, 03Jan85.

F5 – Aqui estamos numa lagoa, que faz fronteira com a Guiné-Conacri.

O barco segundo me parece, pertencia a alguém que fazia a prospecção de diamantes na lagoa, o homem do leme era o responsável por isso, Nunca soube ao certo o que faziam, era tudo muito secreto. Na foto está o Quaresma, o barqueiro e o Virgílio, sou eu. Cabuca 03Jan85.

F6 – Pormenor de um lago lodoso de águas paradas, e o aviso no placard da existência da mosca Tsé-Tsé. O nome escrito diz ‘ONCORSECOSE’ deve ser o nome latim da mosca do sono.

Dado o perigo eminente desta maldição, não ficamos lá muito tempo, viemos embora sem olhar para trás, não vá aparecer alguma mosca maldita. Cabuca, 03Jan85.

F11 A F16 – Série de Fotos tiradas no complexo agroindustrial de uma fábrica de descasque de arroz, construída do lado esquerdo da foz do Geba, completamente abandonado. Acho que é o local se chamava de Cumeré.

Chamo a atenção que este complexo enorme, quase pronto, mas inacabado, nunca funcionou, estava ali uma fortuna enterrada em obras e equipamentos. O nosso objectivo seria recuperar o complexo e depois apoiar o projecto agrícola do arroz.

Isto tudo foi financiado pela Comunidade Internacional, numa ajuda ímpar à Guiné Bissau, país na cauda da miséria, que recebeu,  segundo estimativas dessa época, a maior ajuda mundial "per capita", que foi dada a um país, em termos de relação – montante investido, versus área e população.

A visão que me impressionou foi ver que no cais de desembarque de Bissau, encontravam-se centenas de contentores, arrumados há anos, nunca abertos, que continham componentes para montar várias fábricas, mas que por uma inoperância dos sucessivos governos locais, nunca foi levada a efeito, ficou tudo a apodrecer, ninguém queria trabalhar, o que interessavam eram os sacos de arroz que desembarcavam de ajuda alimentar mundial. Vi isso com os meus olhos. Bissau, 05Jan85.

(Continua)

Em, 06-06-2018 - Virgílio Teixeira

Propriedade, Autoria, Direitos Reservados: Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ 1933 / RI 15, Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SeT67 a 04Ag69.

[Revisão / fixação de texto / conversão de escudos para euros, através do conversor da Pordata, para efeitos de edição neste blogue: LG]

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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19815: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXX: Viagem, de regresso, do Gabu a Bissau, em 26/2/1968: no 'barco turra', a partir de Bambadinca (II)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15778: Historiografia da presença portuguesa em África (69): evocação, na Assembleia Nacional, do 60.º aniversário da eliminação da doença do sono e erradicação das glossinas na ilha do Príncipe; intervenção, antes da ordem do dia, dos deputados Castro Salazar, Cancella de Abreu e Gardette Correia, em 16 de março de 1974



1. Portugal > Estado Novo > Assembleia Nacional > XI Legislatura > Sessão nº 40 > 15 de março de 1974 >

O sr. deputado [por São Tomé e Príncipe, José Maria de] Castro Salazar, médico,  do quadro comum médico do ultramar, com carreira em São Tomé e Príncipe e em Angola, n. 1922, em Guimarães], referiu.-se ao 60.º aniversário da eliminação da doença do sono e erradicação das glossinas na ilha do Príncipe. (*)


851 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 42

O Sr. Castro Salazar:

- Sr. Presidente, Srs Deputados. A doença do sono foi no século passado e no primeiro quartel do actual o flagelo que mais duramente atingiu as populações da África tropical e a responsável pelo despovoamento de extensas regiões e decadência de muitas outras, até então florescentes e prósperas
A tripanossomíase humana, vulgarmente conhecida por doença do sono, fez o seu aparecimento em África nos fins do século XVIII, sendo em 1803 assinalada pela primeira vez por Winterboton entre os escravos oriundos de Benin.  Em 1840 Clarke detectou a existência da doença na Costa do Ouro e na Serra Leoa, e em 1864 Kral e Bellay observaram-na entre os indígenas do Congo.

Supõe-se que só a partir de 1871 a afecção atingiu a província de Angola, tendo-se registado os primeiros casos nas margens do Cuanza, na região de Muxima e Quissama, foco inicial donde irradiou para outras regiões de Angola.

Na ilha do Príncipe a tripanossomíase fez o seu aparecimento em 1895, calculando-se que a mosca tsé-tsé, seu vector biológico, se tivesse introduzido na ilha trinta anos antes, proveniente da costa do Gabão, e por esse motivo é conhecida entre os seus habitantes como «mosca do Gabão». Foi contudo a partir de 1877, a seguir à chegada de serviçais oriundos da região de Cazengo e das margens do Cuanza, que a doença do sono começou a manifestar-se na ilha de forma epidémica, sendo já assustadora em 1885 a mortalidade por ela causada entre os serviçais das propriedades agrícolas, convertendo-se a breve prazo em autêntico flagelo para todos os habitantes da pequena ilha.

A população nativa, que em 1885 era constituída por 3000 pessoas, foi duramente atingida pela doença, ficando reduzida a 800 habitantes em 1900 e não contando em 1907 mais do que 350, pelo que se chegou a admitir a hipótese de um abandono total da ilha.

Entretanto, várias missões médicas se deslocaram ao Príncipe a fim de estudar e combater a doença Saliento a primeira dessas missões, constituída em 1901, na qual participaram, entre outros, dois eminentes médicos, os Drs Aníbal Bettencourt e Ayres Kopke, a qual desenvolveu obra meritória tanto nesta ilha como em Angola, onde se deslocou também. As investigações que os seus cientistas efectuaram no campo da etiopatogenia da doença do sono, muito embora não culminassem com a descoberta do agente infeccioso - este viria a ser descoberto um ano mais tarde por Castellani no sangue e líquido cefalo-raquidiano de indivíduos portadores da moléstia -, revestiram-se contudo de inegável valor científico

O Sr. Cancella de Abreu [, Lopo Cancela de Abreu, 1913-1990, médico, antigo ministro da saúde e assistência, set 1968 / jan 1970, no I Governo de Marcelo Caetano]: 

- Muito bem!

O Orador: 

- Foi, no entanto, para me referir, em breves palavras, à última missão enviada ao Príncipe para combater o terrível flagelo que tantas vítimas causou que eu pedi a palavra. Chefiada pelo Dr. [Bernardo Francisco] Bruto da Costa (**), actuou no Príncipe entre 1911 e 1914 e dela fizeram parte, além deste ilustre médico, os Drs Correia dos Santos, Firmino Santana e Araújo Álvares. 

A missão realizou uma notável, difícil e muitas vezes incompreendida campanha, cujo êxito foi absoluto, não só porque conseguiu debelar uma doença que por pouco não conduziu ao extermínio total da população, como levou à erradicação do insecto vector da doença - a mosca tsé-tsé ou glossina -, eliminando-se o perigo latente de futuras epidemias da terrível afecção Pela primeira vez no Mundo se conseguiu eliminar uma população glossínica no seu próprio habitat, facto verdadeiramente notável que muito prestigiou os nossos serviços médico-sanitários e honrou o País. 

Tal acontecimento teve lugar justamente há sessenta anos, e eu não queria deixar de o lembrar perante VV. Ex.ªs e, ao mesmo tempo, prestar justa homenagem a quem, com invulgar inteligência, saber e determinação, tornou possível o perfeito êxito da campanha - o médico dos serviços de saúde do ultramar Dr Bruto da Costa.

O Sr Gardette Correia [ , Manuel Gardette Correia, natural de Bissorã, deputado pela Guiné, médico]: 

- Muito bem!

O Orador: 

- Há dias, na Academia das Ciências, o Prof [João] Fraga de Azevedo, em oportuna comunicação, louvou a actividade enérgica e modelar do Dr Bruto da Costa e seus colaboradores, que levou com a maior originalidade a uma das mais brilhantes campanhas sanitárias em África, realizada por Portugal no campo da medicina tropical.  Também em livro recentemente publicado, Man Against Tse Tse - Strugle for África  , Cornell University Press; First Edition edition, December 1973], o seu autor, John J McKelvey Jr, presta homenagem ao esforço desenvolvido pelos cientistas portugueses no estudo e combate às tripanossomíases, pondo em realce o trabalho levado a cabo pelo Dr. Bruto da Costa na eliminação da doença do sono e erradicação das glossinas na ilha do Príncipe.

O Sr Cancella de Abreu: 

- V Ex.ª dá-me licença?

O Orador: 

- Com muito gosto.

O Sr Cancella de Abreu: 

- Associo-me plenamente à homenagem que V. Ex.ª está prestando aos cientistas nacionais que deram um contributo tão válido para o combate à doença do sono. Essa homenagem é não só devida por nós, nacionais, mas teve também uma repercussão internacional, que não é demasiado aqui referir neste momento

O interruptor não reviu

Vozes: 

- Muito bem!

O Orador: 

- Muito obrigado, Sr. Deputado Cancella de Abreu, pela sua achega, que veio, de certa maneira, valorizar esta minha comunicação.

A propósito, seja-me permitido dizer que o autor se refere larga e elogiosamente à segunda campanha de erradicação da mosca do sono na mesma ilha - reintroduzida muito provavelmente a partir da Guiné Equatorial, quarenta anos após ter sido capturada a última glossina no Príncipe, em 1914 -, realizada pela Missão de Combate às Glossinas da Ilha do Príncipe no curto espaço de dois anos (1956-1958) e utilizando métodos que não coincidiram com os da campanha anterior.


852 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 42

O Sr. Gardette Correia: 

- V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: 

- Com certeza.

O Sr. Gardette Correia: 

- Eu, como guineense e chefe da Missão de Combate às Tripanossomíases da Guiné, não poderia de forma alguma ficar insensível ao seu discurso e sobretudo às grandes referências que vem fazendo acerca da erradicação da doença do sono na ilha do Príncipe.

No que diz respeito a esta afecção, gostaria de esclarecer a Câmara de que não conheço em toda a África uma campanha semelhante à que Portugal vem fazendo em todo o território ultramarino.

Vozes: 

- Muito bem!

O Sr Gardette Correia: 

- Na realidade, e eu posso dar números, na Guiné, em 1945 foram apanhados dois mil quinhentos e tal doentes e em 1973 apenas encontrámos quinze doentes, dos quais cinco da República da Guiné, do Senegal e da Zâmbia.

Isto quer dizer que apenas temos dez doentes, os quais não foram tratados ou não se submeteram ao tratamento que nós temos vindo a fazer. Essa é a grande vitória de Portugal no ultramar, precisamente no campo da doença do sono, que conseguiu dominar na ilha do Príncipe e em S. Tomé. Contudo, na Guiné é impossível falarmos na erradicação, temos de falar antes num controle, e podemos dizer que a doença hoje está absolutamente controlada, absolutamente dominada.

Quanto aos cientistas que realmente contribuíram para a erradicação desta doença, V. Ex.ª falou no nome de Fraga de Azevedo, mas não nos podemos esquecer dos nomes do Sr. Prof. Cruz Ferreira, do Sr. Prof. Salazar Leite, Profs. [Janz ] [e não Ians, Guilherme Jorge Janz] e [Francisco] Cambournac, que realmente muita contribuição deram para a erradicação e controle desta doença em África.

O interruptor não reviu.

Vozes: 

- Muito bem!

O Orador:

 - Muito obrigado, Sr Deputado. Eu associo-me à homenagem que está a prestar aos cientistas que enumerou. Eles estavam realmente no meu pensamento, mas a índole do trabalho não permitia que a eles me referisse.



A mosca Glossina palpalis (conhecida como "mosca tsé-tsé"), vector da doença-do-sono. Por Mr. Tam Nguyen - American Museum of Natural History, in New York City, USA., CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=215445 [in Wikipédia > Doença do sono]


A Missão limitou os seus trabalhos ao estudo da biologia das glossinas e sua erradicação do território,
já que o exame clínico e laboratorial de toda a população levara à conclusão da não existência de tripanossomíase humana. No entanto, a permanência na ilha do vector biológico da doença do sono constituía indubitavelmente uma séria ameaça que tinha de ser eliminada. Não cabe aqui descrever os trabalhos que conduziram pela segunda vez à erradicação das glossinas no território, mas sim lembrar que o êxito da missão se ficou devendo ao eminente professor do Instituto de Medicina Tropical Fraga de Azevedo (***), que chefiou, e ao Dr. Manuel da Costa Mourão, seu mais directo colaborador, nomes que, com o do Dr. Bruto da Costa, são credores da gratidão do povo, que nesta Câmara represento, e da admiração de todos nós.

Vozes: 

- Muito bem!

Fonte: Excerto, com a devida vénia > República Portuguesa > Secretaria-Geral da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa > Diário das Sessões > Nº 42 > 16 de março de 1974, pp. 851-852

[ Seleção / revisão / fixação de texto / notas: LG]
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 3 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15569: Historiografia da presença portuguesa em África (68): As colónias portuguesas: a província da Guiné, vista em 1884, em livro da biblioteca do povo e das escolas (Lisboa, David Corazzi, Lisboa, 2ª ed.) - II (e última) parte (António J. Pereira da Costa, cor art ref)

(**)  Vd. COSTA, Bernardo Francisco Bruto daVinte e três anos ao serviço do país no combate às doenças em África / Bernardo Francisco Bruto da Costa. - Lisboa, 1939. - XIV, 208 p.

(***) Vd.  AZEVEDO, João Fraga deA erradicação da Glossina palpalis palpalis da Ilha do Príncipe (1956-1958) / J. Fraga de Azevedo, M. da Costa Mourão, J. M. de Castro Salazar. - Lisboa : Junta de Investigações do Ultramar, 1962. - 181 p. : il. ; 23 cm. - Estudos ensaios e documentos. 91)

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13332: Memória dos lugares (269): Bissorã, Casa Gardete, do dr. Manuel Gardete Correia (1928-2009), autoridade mundial no combate à doença do sono, a única casa de pedra e tijolo da vila, construída por seu pai José Gardete Correia, comerciante, natural de Rosmaninhal, Idanha-a-Nova (Armando Pires / Fernando Cristo)


Guiné > Região do Oio > Bissorã > BCAÇ 2861 (1969/70) > 1970 > "À esquerda o alf mil capelão Augusto Batista, à direita o ten cor inf Polidoro Monteiro (já falecido), cmdt do batalhão. Foto tirada no dia de festa,,, Por detrás a Casa Gardete. No primeiro andar da Casa, então utilizada como quartos dos oficiais, a senhora que está à varanda era a esposa do capitão, comandante da minha companhia."

Foto (e legenda): © Armando Pires (2009). Todos os direitos reservados


1. Duas mensagens de Armando Pires, de 24 e 25 do corrente:

Assunto - Casa Gardete

(i): Luís, meu amigo e camarada, olha só o que acabo de receber em mensagem enviada na minha conta do Facebook.

Já respondi ao senhor, pedindo-lhe autorização para que, caso o entendas, publiques isto no blog, e para que o contactes, caso queiras que ele escreva alguma coisa sobre a família.

Logo que tenhas resposta dele, dir-te-ei qual foi.

Um grande abraço,. Armando Pires
.(/ii) Luís, camarada e amigo.

Aqui tens em anexo, a troca de mensagens entre mim e o filho do Dr. Gardete Correia. (*)

Um grande abraço, Armando Pires.

[ex-fur mil enfermeiro, CCS/BCAÇ 2861,Bula e Bissorã, 1969/70; jornalista reformado, foto atual acima]


Guiné-Bissau > Região do Oio >Bissorã > 2006 > A Casa Gardete. Foto de 2006, cedida pelo camarada Carlos Fortunato, ex-fur mil. da CCAÇ 13, e tirada aquando de uma das suas deslocações a Bissorã ao serviço da ONG Ajuda Amiga, de que é presidente. Actualmente o edifício funciona como tribunal civil. A escadaria dava acesso aos quartos dos oficiais. Entre o vão de escada e a porta onde se lê “Secretaria Judicial”, funcionava “a rádio” local. A corneta sonora era montada sobre aquela grande coluna que suportava um portão de ferro de entrada para o edifício.

Foto: © Carlos Fortunato (2006). Todos os direitos reservados.


Guiné > Região do Oio > Bissorã > CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70) > Vista aérea (parcial): centro de Bissorã, onde se situava a Casa Gardete (8), o melhor edifício da povoação, sede de circunscrição (concelho).

Legendas [Armando Pires]:

1 – Caserna da CCAÇ 2444, depois da CCAÇ 13
2 – Sede da Administração de Bissorã
3 – Enfermaria civil
4 – Messe de oficiais
5 – Secretaria da CCS, Transmissões e espaldões de morteiros
6 – Casernas e refeitório da CCS
7 – Quartos de sargentos da CCS e bar
8 – Secretaria do comando do batalhão no r/c e quartos dos oficiais no 1º andar
 14 – Campo de futebol.

Foto: Cortesia da página do © Carlos Fortunato > CCAÇ 13, Leões Negros > Guiné - Bissorã [Edição: LG e AP]


2. Fernando Cristo ,  jusrista, estudou na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; vive em Bruxelas]

Digníssimo Armando Pires: acabam de me fazer chegar a cópia de um blogue que desconhecia, constituído por antigos combatentes na então Guiné Portuguesa. Escrevo-lhe estas linhas muito emocionado, por ter sido confrontado com, fotografias da casa do meu avô em Bissorâ, bem como várias referências ao meu pai - Manuel Gardete Correia, médico, nascido em Bissorã em 1928 e falecido em Novembro de 2009 (*). 

Casou uma única vez, com Maria Teresa Conceição Lopes Cristo Gardete Correia, licenciada em Biologia e doutorada em Mineralogia em Coimbra, sua cidade natal. Foi professora desde que chegou a Bissau e diretora do liceu de Bissau entre 1972 e 1974, substituindo nessas funções o Padre Macedo.Faleceu em 18 de Setembro de 1974.

Desse matrimónio nasceram dois filhos - Maria Teresa e o signatário, Fernando Manuel Conceição Flores Lopes Cristo Gardette Correia (único com autorização para utilizar o apelido na origem francesa com dois "tt"), hoje com 51 e 48 anos de idade, respetivamente. (...)

Sou Jurista, a terminar uma comissão de serviço em Bruxelas e desde já à sua/ vossa disposição para todas e quaisquer informações adicionais. Bem-Hajam. Contactoz [ Telem e email]

Fernando Cristo Gardette Correia

3.  Fernando Cristo

Digníssimo Armando Pires: Peço-lhe, desde já, as minhas mais sinceras desculpas por não o tratar pela sua patente, que ainda desconheço, mas que desde pequeno fui ensinado a respeitar e a mencionar nos relacionamentos com todos os militares e sobretudo com os fabulosos militares que muito sofreram numa das piores guerras do ultramar.

Acompanhei sempre o meu pai, quer na fase das campanhas pelo interior da Guiné, quer, mais tarde, quando estabilizou em Bissau, dando sequência à fantástica Missão de combate às Tripanossomíases da Guiné ( mais tarde, após a independência, destruída pelo pessoal da saúde cubana), homenageada então pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Dou inteira autorização para utilização dos dados facultados [...]

Pena é que só tenha tido conhecimento agora, após o falecimento de meu pai, que tudo, mas tudo fez e tudo deu, pela terra onde nasceu e para onde voltou em 1961 e que só Deus sabe o que sofreu após a independência entre 1975 e 1977, já com o Sr. Luís Cabral como Presidente da República da Guiné-Bissau, destituído anos mais tarde e exilado em Portugal (já falecido).

Queira V/ Exa. aceitar, em nome de minha irmã e em meu nome, os meus mais respeitosos cumprimentos e agradecimentos pelo louvável trabalho que estão a realizar e de que alguma parte, mais relacionada com a atividade médica e cientifica (nomeadamente os estudos da malária e da doença do sono) do meu pai, está depositada na Fundação Calouste Gulbenkian. [Manuel Gardette Correia  tem sete referências bibliográficas na Biblioteca Nacional de Portugal]



Guiné > Região do Oio > Bissorã > BCAÇ 2861 (1969/70) > 1969 > "Foto tirada a um domingo, porque era o dia em que, para "disfarçar" a ideia de estar na guerra, nos vestíamos à civil, estou eu (à esquerda na foto) e um soldado meu, o soldado maqueiro Teixeira à entrada  da Casa Gardete, antigo estabelecimento comercial, alugado à tropa".

Foto (e legenda): © Armando Pires (2014). Todos os direitos reservados


4. Armando Pires

Meu caro Dr. Fernando Cristo. Muito obrigado pelo consentimento que me expressa [...] 

Como pode verificar no meu perfil do Facebook. Na tropa fui furriel miliciano. 

Desse tempo, em Bissorã, onde estive de Set/69 a Dez/70, e junto à casa do seu avô, conservo nos meus arquivos apenas duas fotos que aqui anexo.

A primeira, tirada a um domingo, porque era o dia em que, para "disfarçar" a ideia de estar na guerra, nos vestíamos à civil, estou eu (à esquerda na foto) e um soldado meu, à entrada para o que, no tempo do seu avô, era o estabelecimento comercial.

A segunda foto, tirada no dia de festa, como pode aperceber-se, tem como protagonistas o comandante do batalhão, já falecido, e à esquerda, o mais baixo, o Padre Capelão, felizmente ainda vivo. No primeiro andar da Casa, então utilizada como quartos dos oficiais, a senhora que está à varanda era a esposa de um capitão, comandante da minha companhia. Renovo os meus cumprimentos e peço-lhe que, igualmente os transmita à Senhora sua irmã. armando pires

5. Fernando Cristo

Digníssimo Armando Pires: como calculará, estou a vivenciar um momento único e particularmente emocionante, que já não esperava recordar e penhoradamente muito lhe agradeço.

De facto, foi a única casa construída em Bissorã, de cimento e tijolos, pelo meu avô paterno - José Gardette Correia, natural do Rosmaninhal, [concelho de Idanha-A-Nova, ] distrito de Castelo Branco, então comerciante em Bissorã, casa esta onde viveram os meus avós e onde o meu pai nasceu e à qual só voltaria em 1963 de visita. Eu próprio conheci, mas após a independência, já numa fase adiantada de degradação. Aliás, chegar hoje a Bissorã demora aproximadamente cinco dias, tal é o estado das estradas e já nem refiro no período das chuvas.

Guardarei, as fotos que fez o favor de facultar, bem como uma outra que vi no blog, nos meus arquivos de familia.

Muito obrigado
Respeitosos cumprimentos

Fernando Gardette Correia (**)
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 18 de junho de  2014 > Guiné 63/74 - P13302: Furriel Enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (14): Fadista e locutor, para cumprir o destino

(**) Último poste da série > 25 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13328: Memória dos lugares (268): Bissau, 10 e 13 de Junho de 1969, desfile comemorativo do Dia da Raça e incêndio no "600" (Manuel Carvalho)

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12528: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (17): Doença do sono: investigação sobre conhecimentos, atitudes e comportamentos (Luís Costa, Universidade de Coimbra)


A mosca tsé-tsé  (vocábulo que vem do banto), transmissora da Doença do Sono. Fonte: Wikipédia (reproduzida com a devida vénia...)


1. Do investigador da Universidade de Coimbra, o antrópologo Luís Costa, com datas de  3 e 4 do corente:


(i) Bom dia.

Sou investigador da universidade de Coimbra a realizar investigação sobre a doença do sono na Guiné no tempo colonial.

Pedia se tem conhecimento ou conhece alguém no seu circulo de antigos combatentes na Guiné (enfermeiros, médicos, ou outros militares) que pudessem falar sobre a doença, a Missão do Sono, e os serviços de saúde (militares e civis) na Guiné colonial.

Peço-Lhe AJUDA, para poder aceder ao testemunho importante de pessoas importante para a minha investigação.

Cumprimentos, Luís Costa


(ii) Obrigado pela Vossa ajuda.

Esta investigação é de cariz histórico/ antropológico, pelo que todas as informações são importantes.

Prof. Luis Graça, sabe de alguma documentação/ arquivo onde possa ter acesso a como eram os serviços de saúde no tempo da Guiné colonial?

Agradecia a divulgação no vosso blogue, pois talvez encontre pessoas que me possam dar informações preciosas.
Muito obrigado, Luis Costa

2. Respostas do nosso editor L.G.:

(i) Luís Costa: OK. Obrigado. Vou ver o que há (**)...Podemos fazer um apelo à malta do blogue. Em Bambadinca, havia a "Missão do Sono", desativada. Passei lá muitas noites... com os meus soldados africanos... Depois do ataque a Bambadinca, em 28/5/1969, a "Missão do Sono" (uma morança, no reordenamento de Bambadincazinho) passou a ser, de noite, guarnecida por um Grupo de Combate, funcionando como segurança imediata do quartel de Bambadinca (que ficava a menos de 1 km)... Um abraço. Luis

(ii) Luís: Eu nessa altura não estava... na saúde. Mas vamos fazer o nosso melhor para encontrar fotos e documentos que são relevantes para o seu trabalho ou deem algumas pistas... Para já fica a saber que havia em certas circunscrições e postos administrativos, no chão fula (caso de Bambadinca) "Missõesdo Sono" (... mas já desativadas quando eu lá cheguei, em Julho de 1969)... Os fulas, como sabe, são grandes criadores de gado...

Um abraço. Luis Graça

3. Comentário final de Luis Costa

Bom dia Prof. Luis,

Bambadinca deveria ser o caso de uma Tabanca-Enfermaria, como outras existentes na Guiné. No que diz respeito aos antigos militares, interessam-me muito especialmente questões como: 

(i) o que sabiam da doença quando partiam de Portugal? tinham alguma preparação prévia? (já houve um militar que me disse que eram todos vacinados contra a mosca tsétsé...) (***):

(ii)  representações, medos e receios da doença no terreno;

(iii) se alguém teve/ ou viu a experiência da doença, etc, etc...

Devo ir no próximo ano à Guiné fazer investigação no terreno e decerto a zona dos fulas e mandingas (Bafatá e Gabú) será uma das minhas atenções, não só por a doença atingir as pessoas, mas também os animais....

Numa investigação antropológica, são todas estas representações sociais e práticas culturais em torno da doença que me interessam.

Muito obrigado pela sua ajuda, Luis Costa

_________

Notas de leitura:

(*) Último poste da série > 11 de novembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12277: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (16): Foto(s) do antigo edifício da Casa Gouveia, no Cacheu, precisa(m)-se... Agora em recuperação, nele será instalado o futuro Memorial da Escravatura... Cacheu foi também o berço do crioulo.

(**) Vd. postes de:

27 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12511: Notas de leitura (547): "Portugal em África", por Richard Pattee (Mário Beja Santos)

30 de junho de  2011 >  Guiné 63/74 - P8492: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (6): A Doença do Sono (Rui Silva)
(***) Para saber mais sobre a doença do sono, procurar aqui, no sítio do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa