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quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22568: Questões politicamente (in)correctas (54): Heróis... e heróis: um debate necessário, quando, numa guerra, estão em causa os direitos humanos (José Belo, jurista, Suécia)


Guiné > Região do Cacheu > Barro > CCAÇ 3 >  1968> Um "suspeito" do PAIGC..."Turra" não era "prisioneiro de guerra", à luz do entendimento das autoridades político-militares do território...

Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, que reparte a sua vida entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e Key-West (Flórida, EUA). Foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia. (Na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); é cap inf ref; durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; tem mais de duas centenas de referências no nosso blogue.)


Data - quarta, 22/09/2021, 23:39 
Assunto - Heróis e heróis: um texto que busca debate



Tendo em conta a duração da guerra e o número de militares nela envolvidos nos três teatros de operações, foram muitos os actos de heroísmo nela praticados.

Como em todas as guerras, alguns procedimentos criminosos terão existido mas, pelo seu número e frequência, não foram representativos.

No caso da Guiné, elementos nativos integrados nas forças militares portuguesas salientaram-se pela sua extraordinária coragem pessoal e dedicação no cumprimento das missões que lhes foram atribuídas. São inúmeros os militares portugueses que a eles devem a vida.

Infelizmente entre alguns dos medalhados, ações do maior heroísmo são acompanhadas por frequentes procedimentos dentro de uma área que legalmente se pode considerar abrangida por sevícias ou mesmo crimes de guerra.

Não só sevícias, a seu modo justificáveis por praticadas no calor dos combates, como também praticadas a “frio” e em situações “resguardadas”.

O contraste com a generalidade do procedimento do PAIGC para com os prisioneiros portugueses foi marcante. Considerados pelo PAIGC como prisioneiros de guerra, foram tratados de acordo com as Convenções Internacionais.

O governo português não crendo caracterizar a situação na Guiné como uma situação de guerra,  recusava-se a aplicar tais Convenções aos seus prisioneiros o que permitiu uma impunidade quanto ao tratamento dos mesmos.

Impunidade que levou ao “desaparecimento” da maioria deles às mãos da polícia política, das milícias e tropas especiais formadas por naturais da Guiné.

O facto de estes actos serem praticados por naturais da Guiné ao serviço de Portugal sobre outros guinéus, não deverá levar a considerá-los menos graves, sob o perigo de uma “graduação” não aceitável por profundamente racista nos seus fundamentos.

No contexto do Direito Internacional referente aos conflitos armados, englobando as leis das Convenções de Haia e Genebra, Portugal sempre se referenciou como um país respeitador das mesmas.

Especificamente, a Convenção de Genebra define normas para as leis internacionais relativas ao Direito Humanitário Internacional que mais não são que um conjunto de normas que procuram limitar os efeitos dos conflitos armados tanto no respeitante a indivíduos como às populações não combatentes.

Tendo em conta as numerosas violações destas regras por alguns dos mais representativos (e díspares) países da cena internacional, alguns mais “pragmáticos” têm dificuldade em aceitar a existência de uma “moral internacional” apoiada em princípios jurídicos.

Mas, e com todas as reconhecidas limitações, é a única forma de defesa dos verdadeiramente mais desprotegidos, sejam eles prisioneiros de guerra, populações civis em áreas de combates,ou refugiados.

Uma nítida demarcação entre valores civilizacionais e a lei do mais forte.
Um abraço do J.Belo
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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21422: Questões politicamente (in)correctas (53): Doação / colheita de órgãos para transplante em Portugal: esclarecimento para tranquilizar o nosso amigo Cherno Baldé, que está em Bissau, bem como os guineenses muçulmanos que utilizam (ou podem vir a utilizar) os nossos hospitais públicos ou privados

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21713: Recortes de imprensa (113): Guiné-Bissau: Crianças tornadas mulheres à força (Joana Benzinho, "Bird Magazine", 19 de outubro de 2020)




"Neste mesmo dia, em 1959, era aprovada a Declaração Universal dos Direitos da Criança e, em 1989, a Convenção dos Direitos da Criança. Mas temos ainda um longo caminho a percorrer para que todas as meninas e meninos possam efetivamente ver os seus direitos reconhecidos, cabendo a cada um de nós um papel decisivo nesse processo. Para que esta seja realmente uma data de celebração para todas as Crianças." 

(Com a devida vénia, página do Facebook da Afectos com Letras, ONGD., com sede em Pombal)


1. Com a devida véniaa autora, Joana Benzinho,  e ao editor, Bird Magazine:


Bird Magazine > Cidadania e Sociedade > (*)

 CRIANÇAS TORNADAS MULHERES À FORÇA

19Out 2020

por Joana Benzinho (**) 



Um dia conheci uma menina numa instituição da Guiné-Bissau com um ar demasiado frágil para os seus 14 anos e com quem me sentei a conversar. Contou-me que um dia, há alguns meses atrás, tinha fugido da aldeia onde vivia com os pais e irmãos para não acabar na cama e na vida de um homem muito mais velho.

Os seus pais tinham acertado o dote e o casamento à revelia da sua menoridade e da sua vontade e era questão de horas ou dias acontecer aquela violação consentida e para a vida, por parte de quem a devia proteger. A menina encheu-se de toda a coragem que nunca pensou concentrar na sua breve juventude e saiu de casa sem nada, quando a noite caiu e todos dormiam.


Talvez não tenha tido noção da amplitude do seu gesto naquele instante mas ele veio mudar toda a sua vida de uma forma dura e definitiva. A partir daquele momento a menina deixou de ter família, de ter aldeia, de ter amigos, de ter escola, de ter amparo. A corajosa decisão que tomou fez os pais, familiares e vizinhos cortar definitivamente relações com ela. É sempre assim.


Aos 14 anos partiu para o mundo sozinha. Procurou ajuda ao cabo de muitos quilómetros a errar pela noite escura e encontrou-a, mesmo que de forma temporária. Quando a conheci, a precariedade da sua situação ainda se mantinha e o medo de ser procurada fazia-a tremer a cada chegada de um carro ou ao cruzar um rosto desconhecido.

Estas meninas feitas mulheres pela crueldade da família ou casam ou ficam sozinhas no mundo. Não há meio termo. E quando ficam sozinhas nem sempre conseguem encontrar a ajuda adequada ao drama que estão a viver. Umas acabam violentadas, outras violadas, outras enganadas por quem é suposto protegê-las, algumas na prostituição. Outras fogem para o colo de quem as devia defender dos casamentos forçados e onde acabam precisamente pela sua mão.

São meninas a quem foi roubada de repente a vida na sua plenitude, quando este conceito por si já é tão limitado na Guiné-Bissau. Algumas infelizmente não aguentam a pressão da fuga e voltam para os braços dos carrascos que as agridem e as casam de imediato.

São estas meninas feitas mulheres que vivem no anonimato na Guiné-Bissau mas que engrossam estatísticas dos casamentos forçados e precisam de quem as proteja. De quem as acolha e lhes proporcione apoio emocional, depois de se verem despojadas de qualquer afecto filial e traídas pelas pessoas em quem mais confiavam. De quem lhes dê apoio pedagógico para que não engrossem os números da ileteracia da Guiné-Bissau. De quem lhe dê ferramentas formativas para abraçarem a vida de forma activa e com independência financeira quando atingirem a maioridade.

Como esta menina com quem conversei, há muitas outras na Guiné-Bissau e pelo mundo fora. E com a pandemia, os estados de emergência e os confinamentos os casos tornaram-se aparentemente mais numerosos, mais incógnitos e com consequências mais graves pois muitas meninas não conseguem fugir deste drama que lhes vai cortar a infância e destruir a vida.

Nunca esquecerei o seu rosto e a fragilidade da figura que encobriam a força hercúlea daquela menina criança e penso ainda hoje, ao recordá-la, que me ensinou que coragem não vive de aparências nem de estádios de maturidade. Aprendi com ela que a coragem ali foi um grito de desespero, um Enorme ato de amor à vida que neste caso não aceitou que lhe violassem o direito à infância e à sua integridade fisica e psicológica.

Uma menina frágil transformada à pressa pela família numa mulher fortaleza mas que no fundo ainda precisa da ajuda, ainda precisa de colo.

___________

(*) A BIRD Magazine é uma revista online nascida em 2013. A BIRD Magazine é um meio independente, plural e equilibrado, orientado pela ética e deontologia jornalística. A BIRD Magazine procura a verdade, o rigor, a isenção e promove um espaço público de debate através dos seus cronistas residentes. 

(**) Joana BenzinhoAssessora Parlamentar no Parlamento Europeu desde 1999 | Fundadora e presidente da ONGD Afectos com Letras, criada em 2009, com sede em Pombal | Tem página no Facebook | É uma grande amiga da Guiné-Bissau e das suas gentes]  Tem 7 referências no nosso blogue.
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terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18362: Agenda cultural (629): Conferência Internacional "Amílcar Cabral: O 'Combatente Anónimo' pelos Direitos Fundamentais da Humanidade". Lisboa, 1, 2 e 3 de março de 2018, Universidade NOVA de Lisboa, Instituto de História Contemporânea, Av Berna, 26 C


Organização: Instituto de História Contemporânea (IHC) da Universidade NOVA de Lisboa,
e Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra.

 A conferência procura "promover o diálogo entre os estudos mais recentes que exploram as inúmeras facetas de Amílcar Cabral". Infelizmente não conseguimos apurar se o evento é aberto ao público não académico, se há inscrições prévias, como é nornal,  etc. Lamentavelmente, os académicos funcionam às vezes "em circuito fechado", falando apenas uns para os outros... 

Tentei, esta tarde, ligar, em vão, para o nº de telefone do IHC: Tel.: +351 21 7908300 ext. 1545 / Email: ihc@fcsh.unl.pt.

Aqui  fica o programa do evento que nos pediram para divulgar. Aqui fica também a página do Instituto de História Contemporânea.da NOVA .


Amílcar Cabral: O “Combatente Anónimo” pelos Direitos Fundamentais da Humanidade

Conferência Internacional
Lisboa, Portugal
Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa
Salas Multiusos 3 e 2, Edifício I&D, Piso 4
1, 2 e 3 de março de 2018

PROGRAMA

1 de março, 5* feira


9:00h-9:30h – Sessão de abertura

9:30h-10:15h – Conferência inaugural

Julião Soares Sousa – Universidade de Coimbra; Universidade Nova de Lisboa
Amílcar Cabral, a “Justum Bellum” e o Direito (Jus) dos Povos Oprimidos à Solidariedade e à Felicidade

10:15h-10:30h – Coffee break

10:30h-11:30h – Painel I

Helena Wakim Moreno – Universidade de São Paulo
Amílcar Cabral na Casa dos Estudantes do Império: Circulação de Ideias, Atividade Política e Produção Literária

Luciana Bastos – Universidade de Lisboa
Entre Vários Fogos: O Lugar da Ideologia Marxista no Discurso de Amílcar Cabral

11:30h-12:30h – Painel II

Aharon Grassi – University of California
Amílcar Cabral as an Early Engaged Political Ecologist: Relational Studies of Lusophone Land, Production and Capital Circulation, 1948-61

Maria-Benedita Basto – Institut des Mondes Africains
(Título a definir)

12:30h-14:00h – Almoço livre


14:00h-15:00h – Painel III


Suzana Martins – Universidade de Coimbra; Universidade Nova de Lisboa; Escola Superior de Educação de Lisboa
Amílcar Cabral e a Construção da Unidade Contra o Colonialismo Português


Artemisa Monteiro e Basualdo Gomes – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira
Processo de Mobilização para Adesão à Luta Armada do PAIGC


15:00h-16:00h – Painel IV


Branwen Gruffydd Jones – Cardiff University
The Weapon of Culture: Anticolonial Thought and Practice from Paris and Dakar to Havana and Algiers

Vincenzo Russo – Universidade de Milão
“A Resistência Continua!”: Amílcar Cabral e o Terceiro-Mundismo da Esquerda Italiana

16:00h-16:15h – Coffee break

16:15h-17:00h – Conferência final

Mamadou Kabirou Gano – Université Cheikh Anta Diop
Amílcar Cabral, Anthropologue de la Tension

2 de março, 6ª feira


9:00h-9:45h – Conferência de abertura

Mustafah Dhada – California State University
Amílcar Cabral as an Object of Academic Studies

9:45h-11:10h – Painel V

Luís Carvalho – Universidade Nova de Lisboa
Sofia Pomba Guerra, Uma Mulher Portuguesa na Oposição ao Colonialismo e a Relação de Amílcar Cabral com o Movimento Operário Português

João Manuel Neves – Université Sorbonne Nouvelle-Paris 3
Amílcar Cabral, o Homem: Um Testemunho de Tomás Medeiros


José Augusto Pereira – Universidade Nova de Lisboa
Amílcar Cabral e a Luta de Libertação Nacional nas Ilhas de Cabo Verde na Encruzilhada da(s) Memória(s)

11:10h-11:30h – Coffee break

11:30h-12:50h – Painel VI


Frank Gerits – Utrecht University; University of the Free State 
Amílcar Cabral, the Diplomat and the PR Threat (1964-1974)

Marcos Cardão – Universidade de Lisboa
Amílcar Cabral, PAIGC e os Black Panthers. História de uma Ligação Imaginária

Leonor Pires Martins – Universidade Nova de Lisboa
As Pequenas Biografias de Cabral


12:50h-14:00h – Almoço livre

14:00h-15:20h – Painel VII

Renata Flavia da Silva – Universidade Federal Fluminense
De Nunga a Himba: A Propósito do Homem Novo

Erica Bispo – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro
Cabral Vive: A Permanência do Discurso de Amílcar Cabral na Literatura da Guiné-Bissau

Jusciele Oliveira – Universidade do Algarve
”Nossa Inspiração Deve Vir dos Aspectos Positivos da Nossa Sociedade”: Discurso e Memória de Amílcar Cabral nas Representações Cinematográficas de Flora Gomes

15:20h-16:00h – Conferência final
Natalia Telepneva – Warwick University
Amilcar Cabral and the Socialist Countries: New Findings

16:00h-16:15h – Coffee break


16:15h-17:00h – Filme
Apresentação: Rui Lopes – Universidade Nova de Lisboa
Labanta Negro (1966) – Pierro Nelli

3 de março, sábado


9:00h-9:45h – Conferência de abertura

Ângela Coutinho – Universidade Nova de Lisboa
Amílcar Cabral e a Participação de Mulheres no Movimento Independentista Liderado pelo PAIGC (1963-1973)

9:45h-10:45h – Painel VIII


Redy Lima – Universidade Nova de Lisboa; Universidade de Lisboa; Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais
“Street Soldjas”: Uma (Re)Leitura do Pensamento de Cabral a Partir das Narrativas dos Jovens em Situação de Marginalidade em Cabo Verde

Davidson Gomes e Paulino Canto – Universidade de Cabo Verde
O Legado de Amílcar Cabral Reproduzido em Jovens Líderes Comunitários Cabo-Verdianos


10:45h-11:00h – Coffee break

11:00h-12:20h – Painel IX

Adilson Barbosa A. Neto – Universidade de Cabo Verde
A Integração Económica dos Estados da África Ocidental na Perspetiva de Amílcar Cabral: O Exemplo da Unidade Guiné-Cabo Verde

Sílvia Roque – Universidade de Coimbra; ISCTE-Instituto Universtário de Lisboa
Amílcar Cabral: Memórias Transgeracionais

Paulo Cunha e Catarina Laranjeiro – Universidade de Coimbra
Amílcar Cabral: Representações, Imagem e Memória no Cinema


12:20h-14:00h – Almoço livre


14:00h-14:30h – Painel X


José Neves – Universidade Nova de Lisboa
Apresentação do Projecto “Amílcar Cabral, da História Política às Políticas da Memória”


14:30h-17:00h – Mesa Redonda: Fontes e Preservação da Memória de Amílcar Cabral

Moderador: António Leão Correia e Silva – Universidade de Cabo Verde
Pedro Verona Pires – Fundação Amílcar Cabral
Alfredo Caldeira
Centro de Investigação Para o Desenvolvimento Amílcar Cabral
Leopoldo Amado

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Nota do editor:

Último poste da série >  18 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18330: Agenda cultural (628): Apresentação do livro "Guiné-Bolama, História e Memórias", da autoria de Fernando Tabanez Ribeiro, dia 26 de Fevereiro de 2018, pelas 15 horas, no Salão Nobre do Palácio da Independência, Largo de São Domingos, 11 em Lisboa (António Estácio)

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18299: (In)citações (117): Manifesto de Intelectuais Guineenses sem Filiação Partidária pela Unidade Nacional, Estabilidade e Democracia, datado de Bissau, 1/2/2018 (António Graça de Abreu / PEN Club Português)

Bandeira da República da Guiné-Bissau
1. Através do nosso camarada e escritor, António Graça de Abreu, sócio efetivo (e membro dos corpos gerentes, para o triénio de 2015-2018) do PEN Club Português,  recebemos o pedido, por parte da direção daquela agremiação literária, de divulgação do Manifesto de Intelectuais Guineenses sem Filiação Partidária pela Unidade Nacional, Estabilidade e Democracia, datado de Bissau, 1 de fevereiro de 2018:

(...) A pedido dos nossos colegas da Guiné-Bissau, que estão em vias de constituir um Centro PEN, aqui enviamos um texto que eles nos pediram que divulgássemos por entre os nossos sócios. Evidentemente que a divulgação pode ser extensiva a outras pessoas, nomeadamente ligadas à comunicação social. (...)


Manifesto de Intelectuais Guineenses sem Filiação Partidária
pela Unidade Nacional, Estabilidade e Democracia

Nós, abaixo assinados, cidadãos e intelectuais guineenses, sem filiação partidária,
Vimos:

- Manifestar a nossa profunda preocupação face à degradação do ambiente social e político a que o povo da Guiné-Bissau tem sido submetido nos últimos anos, fruto da disputa político-partidária, protagonizada por uma classe política que não tem medido as consequências dos seus actos quando se trata da luta pelo acesso e conservação do poder;

- Manifestar a necessidade de se promover a paz social e consolidar a unidade nacional, através da estabilidade sociopolítica, do progresso socioeconómico e da defesa dos valores democráticos consagrados na Constituição da República da Guiné-Bissau;

- Trazer ao conhecimento público a percepção geral dos guineenses segundo a qual a Comunidade Internacional, particularmente as Nações Unidas, a União Africana e a CEDEAO, não têm feito, no quadro do seu mandato, o suficiente no sentido de se encontrar uma solução efectiva e duradoira à crise vigente na Guiné-Bissau.

Os legítimos anseios do nosso Povo a uma melhoria das suas condições de vida têm vindo a ser sucessivamente adiados. As cíclicas crises que têm caracterizado a nossa história recente, que em 1998 conduziram a uma guerra fratricida, têm tido um impacto extremamente negativo em todos os sectores da vida nacional, afectando sobremaneira os alicerces de uma das maiores conquistas da Luta de Libertação: a Unidade Nacional.

O ambiente de pobreza e de precariedade extrema – incluindo a intelectual e espiritual – de impunidade e de intimidação que se instalou no país conduziu, por sua vez, a uma conflitualidade crescente, criando feridas profundas na sociedade guineense.

Face aos recentes acontecimentos ocorridos no país, nós, como cidadãos e intelectuais cientes dos seus direitos e deveres, não desejamos a reabertura de tais feridas.

Neste contexto, rejeitando o reacender das hostilidades, e em defesa das conquistas democráticas obtidas e garantidas constitucionalmente,

- Manifestamos a nossa indignação perante os sucessivos atropelos dos direitos e violação das garantias e liberdades conquistadas, que têm sido perpetrados pelos detentores do poder político por intermédio da Polícia, e do poder judicial através dos Tribunais e do Ministério Público;

- Alertamos para uma nova forma de repressão que consiste na usurpação da liberdade de expressão e do direito à informação, censurando conteúdos nos órgãos de comunicação públicos e impedindo o debate livre de ideias num momento delicado da nossa democracia e em que o pensamento crítico e independente se torna uma necessidade imperiosa;

- Repudiamos vivamente a negação do direito de manifestação e de reunião, expresso, por exemplo, no acto deliberado de intimidação, reprovando o cerco à sede de um partido político legalmente constituído, acto inédito na história da nossa democracia;

- Exigimos o respeito das regras básicas que garantem a existência de um Estado de direito.
Enquanto cidadãos comprometidos com a Guiné-Bissau, crentes numa solução pacífica, justa e duradoira:

- Exortamos a Comunidade Internacional presente na Guiné-Bissau, em particular as Nações Unidas, União Africana e CEDEAO, a que apoiem a promoção e protecção de todos os direitos na Guiné-Bissau;

- Apelamos a todos os guineenses, no país e na diáspora, que nunca deixem de lutar pelos seus direitos e que continuem a acreditar que os ideais fundadores do nosso Estado ainda devem ser valores fundamentais da nossa luta pela liberdade e consolidação da democracia, paz e desenvolvimento durável.

Bissau, 1 de Fevereiro de 2018

Nome | Actividade 

Abdulai Sila | Engenheiro, Escritor
António S. Lopes (Tony Tcheka) | Jornalista, Poeta
Aladje Baldé | Biólogo, Prof. Universitário
Abdel-Aziz V. Cruz | Linguista, Escritor
Anaxore Casimiro |  Médico
Carlos Cardoso | Filósofo, Investigador
Carlos Lopes | Economista, Prof. Universitário
Cátia N. Neto | Jurista
Edson Incopté | Gestor de Projectos, Escritor
Fátima Candé | Linguista, Prof.ª Universitária
Helena N. Abrahamson | Jurista, Activista Direitos Humanos
Lassana Sanó | Sociólogo, Activista Ambiental
Miguel de Barros | Sociólogo, Investigador
Patricia G. Gomes | Historiadora, Prof.ª Universitária
Paula F. Cabral | Jornalista, Activista Social
Peter Mendy | Historiadora, Prof. Universitário
Raul M. Fernandes | Antropólogo, Prof. Universitário
Rita Ié | Socióloga, Activista Cívica
Welket Bungué | Actor
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segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17991: Notas de leitura (1016): "40 anos de impunidade na Guiné-Bissau", relatório da responsabilidade da Liga Guineense dos Direitos Humanos, publicado em 2013 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Março de 2016:

Queridos amigos,

É seguramente um dos documentos mais importantes dos últimos anos acerca da fragilidade institucional da Guiné-Bissau. O relatório intitula-se "40 anos de impunidade na Guiné-Bissau", é da responsabilidade da Liga Guineense dos Direitos Humanos, foi tornado público em 2013.

Aqui se define impunidade e se revelam as suas muitas faces e avança-se para as causas e tipologia da impunidade na Guiné-Bissau. Trata-se de uma publicação realizada com o apoio financeiro da União Europeia. O leitor interessado em conhecer o trabalho excecional desenvolvido por esta Liga Guineense dos Direitos Humanos só precisa de ir ao Google e escolher as publicações com que consequentemente são feitas as denúncias sobre violência, prisões arbitrárias e todas as outras formas de atentados à dignidade humana.

Um abraço do
Mário


40 anos de impunidade na Guiné-Bissau: uma leitura do relatório da Liga Guineense dos Direitos Humanos datado de 2013 (1)

Beja Santos

Trata-se de um dos mais importantes documentos chancelados pela Liga Guineense dos Direitos Humanos. A coordenação e redação é de Pedro Rosa Mendes e a prosa ressente-se das altas qualidades literárias de quem o escreveu. Retenho uma frase da introdução:

“Dos sonhos muito se pode esperar; das cinzas pouco se pode conseguir”.

O relatório centra-se na questão magna da impunidade e divide-se em três tramos: primeiro, a definição de impunidade e a violência na Guiné-Bissau; segundo, as causas e tipologia das impunidade na Guiné-Bissau, relevando o papel das Forças Armadas como o cerne do fenómeno da impunidade, descrevendo-se igualmente os crimes económicos e financeiros; terceiro, o relatório oferece um panorama histórico da impunidade na Guiné-Bissau, terminando com a análise de uma década pós-guerra de políticas caóticas, de empobrecimento da população, de disputas violentas no seio do poder.

“A impunidade define-se pela ausência, de direito ou de facto, de responsabilidade penal dos autores de violações, bem como da sua responsabilidade civil, administrativa ou disciplinar, na medida em que estes escapam a todas as tentativas de investigação tendentes a possibilitar a sua acusação, a sua detenção, o seu julgamento e, no caso de serem considerados culpados, a sua condenação a penas apropriadas, incluindo a de reparar o dano sofrido pelas suas vítimas”.

Entre os princípios que permitem encarar o conjunto de requisitos que permitam uma luta contra a impunidade constam quatro linhas de força: a de saber, a justiça, a compensação, a garantia de não repetição.

O direito de saber consubstancia-se nos princípios do direito à verdade, no dever de memória e no direito imprescritível das vítimas ou dos seus familiares a conhecer com exatidão as circunstâncias em que os direitos foram violados. O direito à justiça é a obrigação de cada Estado adotar uma legislação interna ou modificá-la de forma a permitir que os tribunais possam exercer a sua competência universal em matéria de crimes graves segundo o direito internacional. O direito de compensação abrange o direito da vítima a ser ressarcida e o dever do Estado a garantir essa satisfação. A compensação pode ser concretizada através de medidas que restaurem a situação anterior, indemnização ou reabilitação. A garantia de não repetição tem a ver com obrigação do Estado a pautar-se por padrões de boa governação e à defesa do Estado de direito.

A Liga Guineense encara a luta contra a impunidade de uma forma abrangente, isto é, para além das violações dos direitos humanos (que abarcam agressões à integridade dos indivíduos, a restrições da sua liberdade pessoal e a outros atos de repressão) há a considerar os crimes económicos, os atentados contra as crianças e a igualdade de género, a mutilação genital feminina, entre outros.

É evidente que a corrupção, a espoliação de recursos públicos, o enriquecimento ilícito estão, aos olhos dos cidadãos, no topo dos atentados. Há a condenação e a responsabilização que deve expressar-se pelo ressarcimento. A Liga Guineense enfatiza que é tempo de deixar de promulgar mais amnistias, a figura da amnistia tem-se revelado um banho lustral que assegura toda a forma de impunidades, escrevendo-se explicitamente:

“Na Guiné-Bissau, o recurso à amnistia tem confirmado que este mecanismo pode ser uma porta escancarada para a impunidade. O vício da autoamnistia na cúpula do Estado e das Forças Armadas tem sido um obstáculo à justiça tem legitimado a não responsabilização dos culpados por crimes da maior gravidade”.




Neste relatório é do maior interesse o que se escreve sobre a tipologia da impunidade na Guiné-Bissau, assim:

• A impunidade é a falta de aplicação de uma sanção prevista para a violação de uma determinada regra da vida em comum;

• A impunidade é um privilégio do poder: “sabes quem eu sou”;

• “Militares” e “políticos” são apontados como principais responsáveis pela impunidade reinante no país mas, convém não esquecer, numa sociedade que valoriza a lei do mais forte;

• A impunidade reflete-se mais abertamente na inoperância do setor da Justiça;

• Outra dimensão da impunidade é relacionada com a generalização da corrupção e com a estratificação entre o poder do dinheiro de alguns e a extrema fragilidade económica da maioria;

• A sociedade guineense tem valores que facilita(ra)m o agravamento da impunidade;

• A Justiça é exercida cada vez com mais frequência pelas forças de segurança; vigora na prática o princípio da “presunção da culpa” e do favor ao primeiro queixoso;

• O falhanço do Estado em providenciar justiça abriu caminho à reemergência da justiça tradicional e a formas de defesa popular do tipo milícias e vigilantes;

• A má gestão ou inexistência de mecanismos pacífico de resolução de conflitos tem aumentado o risco de etnicização de disputas comunitárias;

• Falta hoje aos guineenses uma referência comum;

• A impunidade agravou-se a partir de 1980; por isso, a Guiné-Bissau enfrenta não apenas o desafio da reforma das instituições mas de refundação de uma ordem constitucional que sofre há três décadas de ataques sucessivos.

A confiança no Estado sofre permanentemente abalos. No decurso das muitas entrevistas que enformam este relatório, é a patente do desencanto. Alguém desabafa: “Na Guiné ninguém diz o que pensa”. Não há conversa, ninguém disse o que pensa, as pessoas dizem o que os outros querem ouvir. Ou não dizem porque têm medo. Acabem com essa história de que os guineenses têm que sentar e conversar. O próprio Amílcar Cabral foi morto porque ninguém aceitou conversar, conclui o entrevistado.

Os depoimentos colhidos apontam para uma sociedade sem regras, uns dizem que a impunidade do Estado começou em 14 de Novembro de 1980, outros recuam até à era de Luís Cabral e ao poder ditatorial da Segurança do Estado.

Há quem responsabilize só os militares ou só os políticos, mas há quem se incline para os dois grupos. Há militares que observam os deputados que abandonam o partido e se tornam independentes para fazerem negociatas, violando o mandato que lhe foi confiado pelo povo. Há também quem critique as Forças Armadas que recusam a subordinação ao poder político.

Todos são de acordo que o país está à deriva e que a maior das fragilidades é de que todos os casos que devastaram a nação são completamente impunes. Os militares protestam contra o atraso das suas remunerações mas recusam perentoriamente quaisquer reformas. Veja-se o Programa de Desmobilização, Reinserção e Reintegração das Forças Armadas (PDRRI), este e todos os outros falharam. Há quem sugira que se deve acabar com estas forças Armadas que podem funcionar como uma guarda pretoriana substituindo-as pelo recrutamento militar obrigatório.

Ainda na primeira década do século XX se fizeram tentativas para a reforma do setor de Defesa e Segurança, em concreto não se avançou. E o relatório cita que “O recenseamento mais recente mostrou a realidade de uma pirâmide invertida com o efetivo de 4458 elementos dos quais 1869 são oficiais superiores (41% dos efetivos) e, na base, 877 soldados (19%). A crise de comando nas Forças Armadas é marcada pela fragilidade institucional, insuficiência de recursos humanos, forte resistência à inovação num contexto de conflitos de gerações, promoções com base em clientelismo e afinidade étnica”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17978: Notas de leitura (1015): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (9) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17626: Notas de leitura (981): Relatório sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, 2008/2009, Lema: a força sem discernimento colapsa sob o seu próprio peso (2) (Mário Beja Santos)

Tagme Na Waie e Nino Vieira


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,

Deve-se à Liga Guineense dos Direitos Humanos um labor sem precedentes na análise e no protesto às violações dos direitos humanos no país, e no seu mais vasto ecrã.

Reservámos para esta resenha as suas chamadas de atenção para devastadores crimes ambientais, como sejam os turvos negócios que permitiram um grupo de chineses desflorestar no Sul do país com total impunidade e a criação de um corredor aberto ilegalmente na zona que liga o futuro porto de Buba à estrada Buba-Fulacunda, outra violação miserável. Mais adiante, o relatório da Liga referente a este período chama atenção para o papel quase ditatorial das forças de Defesa e de Segurança que, conforme escreve a Liga, constituiu o principal óbice à sua conversão em forças republicanas.

Um abraço do
Mário


Relatório sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, 2008/2009, 
Lema: a força sem discernimento colapsa sobre o seu próprio peso (2)

Beja Santos

Trata-se de um importantíssimo relatório onde se analisa o largo espectro dos direitos humanos, incluindo aqueles que se prendem com a inclusão social, tipo educação, saúde e emprego. Referimos no texto anterior os domínios que têm a ver com a antidemocracia decorrente do poder das Forças Armadas que subvertem a vida das instituições democráticas. No período em análise ocorreram o assassinato de um Presidente da República, um Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, houve prisões arbitrárias, torturas, uma completa deriva dos poderes regionais, como é o caso da região do Oio onde os N’Kumans detiveram ilegitimamente o poder, perpetrando toda a casta de furtos, espancamentos e intimidações.

Os crimes ambientais são uma outra vertente que o relatório contempla. No ano 2009 assistiu-se a um escândalo de corte ilegal e desenfreado de madeiras provocado por um grupo de chineses, na zona sul do país, com o único propósito de exportar a madeira para a China, facto que mereceu uma reação dos populares e de alguns deputados eleitos naquela zona; contudo, apurou-se que os chineses atuavam naquela zona a coberto de uma ordem superior em troca de interesses fictícios e de duvidosa legalidade.

Caso de extrema gravidade é o da demarcação de cerca de 25 hectares de terreno pela empresa Bauxite Angola, no Sul do país, com o único propósito de abrir uma estrada em direção ao local onde supostamente irá ser construído o futuro porto de Buba. A abertura desta via de acesso não teve estudo prévio e decorre à revelia dos departamentos do Estado. O mais grave de tudo é que esta zona é reconhecida internacionalmente como uma área protegida denominada RAMSAR, zona protegida das lagoas de Cufada. A empresa angolana procedeu a derrubes desenfreados de milhares de árvores nesta zona protegida. Esta mesma empresa contratou uma sua congénere brasileira para fazer o estudo do impacte ambiental sem ter havido um contrato definitivo com o Estado guineense que espelhasse de forma clara as modalidades e a forma como devia ser conduzida o estudo. Aqui se pode avaliar como o Estado é frágil, não se consultaram previamente as entidades estatais competentes, caso do IBAD, encarregado de gerir o Parque Natural das Lagoas de Cufada, dentro do qual se pretende construir o futuro porto.

 Parque Natural das Lagoas de Cufada

Passando para outro domínio, o funcionamento das instituições democráticas, escreve-se que o desempenho dos órgãos de soberania ao longo deste período ficou caraterizado pela desconfiança, falta de coabitação e primazia de interesses pessoais sobre os interesses institucionais. O princípio da complementaridade institucional, fundado na interdependência dos referidos órgãos não foi observado. O Presidente da República tentou controlar o governo e impor controlo político na administração do aparelho de Estado – esta pretensão esteve na origem do derrube do primeiro governo de Carlos Gomes Júnior, em 2005. Com o termo do mandato do governo em Abril de 2008, o presidente da República foi obrigado a anunciar ao parlamento a necessidade da adoção de medidas para evitar o vazio institucional. A Assembleia Nacional Popular aprovou a Lei Constitucional Excecional e Transitória, em 16 de Abril de 2008, com o objetivo de prorrogar a legislatura e o funcionamento regular e pleno da Assembleia e continuidade do governo do Pacto de Estabilidade liderado pelo Engenheiro Martinho N’Dafa Kabi. Um grupo de deputados submeteu ao Supremo Tribunal de Justiça uma ação de pedido de inconstitucionalidade, e o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que a prorrogação da legislatura não era razoável, fazendo ocorrer o perigo de uma transição constitucional sem eleições legislativas. Com base nesta decisão, o Presidente da República dissolveu a Assembleia, demitiu o governo de Martinho N’Dafa Kabi e nomeou Carlos Correia como novo primeiro-ministro, que liderou o governo de gestão até às eleições legislativas de 2008, ganhas pelo PAIGC. Esta queda de governo inaugurou o corte de relações entre Nino Vieira e Tagme Na Waie. Os dois tinham estado em concertação permanente depois do conflito político-militar de 1998-1999, mesmo estando Nino Vieira com o estatuto de exilado político em Portugal. A perda de Tagme Na Waie como aliado foi um rude golpe para o Presidente. A desconfiança foi de tal ordem que Nino Vieira preferiu recrutar os elementos das milícias, que ficaram conhecidos pelo nome de “aguentas” para lhe servirem de segurança pessoal.


Carlos Gomes Junior


Martinho N'Dafa Kabi

A vitória das legislativas de 2008 pelo PAIGC abriu uma nova luta desenfreada sobre o controlo do poder entre Nino, Carlos Gomes Júnior e Tagme Na Waie, tornaram-se em antagonismos pessoais, a coabitação desequilibrou-se profundamente. Segundo o relatório, o combate ao narcotráfico agudizava a referida relação triangular na medida em que a determinação e predisposição dos três não eram convergentes. A sociedade civil ia reclamando que se adotassem mecanismos eficazes com vista a assegurar a neutralidade das Forças Armadas na vida política.

No que respeita à Assembleia Nacional Popular, este órgão não foi além de empreender esforços para viabilizar diplomas e resoluções em benefício da classe parlamentar e político-partidária. No entender da Liga, o funcionamento da ANP reflete a imagem real da classe política, caraterizada pela falta de ideologias. Os partidos políticos carecem de democracia interna, marcada pelo não funcionamento dos órgãos dirigentes dos partidos, não realização de congressos, partidos unipessoais que se resumem apenas à figura do líder, partidos sem sede e estruturas nacionais. Quanto às iniciativas orientadas para uma verdadeira reconciliação nacional, observa a Liga que esta precisa de um processo preparatório bem pensado e consistente para construir a confiança entre os atores envolvidos, abertura ao diálogo, respeito pela minoria, compromisso com a verdade e determinação contra a impunidade.

E o que se escreve sobre as forças de Defesa e Segurança é também de uma grande importância. Lembra-se neste relatório que estas forças surgiram muito antes da proclamação da independência, são património da luta de libertação nacional, foram concebidas como braço armado de uma luta política e militar de libertação nacional. Pois bem, esta politização perdurou formalmente até 1991, data em que através de revisão constitucional se pôs fim ao regime de partido único. Mas como diz a Liga, a matriz formal destas forças de Defesa e Segurança sobrevive sustentada pelos argumentos de que foram os promotores de independência e conseguintemente têm a responsabilidade histórica de imprimir um determinado rumo ao país. É esta visão que justifica as várias interferências de tais forças na vida política e constitui o principal óbice à sua conversão em forças republicanas.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17614: Notas de leitura (980): Relatório sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, 2008/2009, Lema: a força sem discernimento colapsa sob o seu próprio peso (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17614: Notas de leitura (980): Relatório sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, 2008/2009, Lema: a força sem discernimento colapsa sob o seu próprio peso (1) (Mário Beja Santos)

Tagme Na Waie e Nino Vieira


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
A catar documentação para um livro que estou a preparar sobre as histórias da Guiné-Bissau, encontrei este minucioso relatório produzido pela Liga Guineense dos Direitos Humanos (www.lgdh.org).
É um extenso documento que abarca áreas sobre as quais habitualmente não discorremos caso dos crimes ambientais, o funcionamento do Ministério Público e o estado das forças de Defesa e Segurança, sobre as quais falaremos no próximo texto. Tanto quanto eu pude apurar, a Liga não voltou a produzir documento tão amplo e importante como este.

Um abraço do
Mário


Relatório sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, 2008/2009, 
Lema: a força sem discernimento colapsa sob o seu próprio peso (1)

Beja Santos

É um relatório que fala de um país à deriva, em que os direitos humanos continuam reféns de um Estado reduzido aos fatores e valores antidemocráticos. Os números falam por si. Em menos de 12 anos, a partir da fratricida guerra civil em que o país viveu (1998-1999), a Guiné-Bissau assistiu a numerosas situações de sublevação perpetradas sobretudo pelas forças de defesa e segurança, designadamente de golpes de estado, assassinatos de um presidente da República e de três chefes de Estado-Maior, sendo que nesse período o país conheceu 5 presidentes da República, 11 governos e respetivos primeiros-ministros com a agravante de nenhum deles ter concluído o seu mandato.

Advoga-se no documento o imperativo de mecanismos para contornar a atual pirâmide de inversão de valores:
- os militares continuam a ter um papel determinante na definição do rumo político do país;
- o descrédito do setor de justiça, um elevado índice de corrupção no aparelho de Estado, associado a uma base produtiva ineficiente.

O dado mais chocante neste quadro dos atentados aos direitos humanos tem a ver com um Presidente da República democraticamente eleito, João Bernardo Vieira, que foi morto por soldados na madrugada de 2 de Março de 2009 num ataque supostamente motivado por vingança, algumas horas depois do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, General Baptista Tagme Na Waie, ter sido vítima de um atentado à bomba nas instalações do Estado-Maior das Forças Armadas. As imagens dos restos mortais do Presidente da República foram despudoradamente exibidas na internet. Para a Liga, os assassínios de Março de 2009 não passam de um atentado à consolidação do Estado de Direito e à estabilidade institucional. Houve inquérito com poucos resultados alcançados, decorrido um ano sobre a data dos incomensuráveis assassínios, nada está esclarecido.


Explosão que vitimou Tagme Na Waie. No tempo da presença portuguesa este edifício era o Quartel-General do CTIG

Em 23 de Novembro de 2008, Nino Vieira já havia sido visado pelos militares num atentado frustrado na sua residência, houve um segurança da residência presidencial morto. A classe política qualificou o atentado como uma inventona do presidente da República para se reabilitar politicamente de uma derrota humilhante do partido que apoiou nas eleições legislativas de Novembro de 2008.

O processo de inquérito aos assassinatos dos altos dirigentes não prossegue porque os membros da comissão de inquérito sentem-se inseguros para conduzir as investigações, pois os principais suspeitos são militares. As testemunhas temem retaliações,  o que as obriga a abandonar o país, nomeadamente Isabel Romano Vieira, a viúva do presidente. Quanto ao atentado contra o Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, a comissão de inquérito procedeu à detenção de 5 suspeitos: Brigadeiro-General Manuel Melcíades Gomes Fernandes, ex-Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, que apresenta sinais de tortura; Malam Candé; Capitão Bacar Sanó, submetido a fortes torturas; Alberto José Té; Capitão Domingos Monteiro Nbana Lem. Os referidos suspeitos estão detidos em péssimas condições humanitárias, apresentando sinais de tortura grave e desprovidos de assistência médica e judiciária há mais de um ano.

Quando o país se preparava para iniciar a campanha eleitoral para as eleições presidenciais, para preencher o vazio constitucional provocado pelo assassinato do presidente da República, foi anunciado pelos Serviços de Informação de Estado em 5 de Junho de 2009 mais uma suposta tentativa de golpe de estado; estes serviços reivindicaram os assassinatos em legítima de defesa de Hélder Proença, antigo ministro da defesa, o motorista e o segurança pessoal, Major Baciro Dabo, candidato às presidenciais. Estes assassinatos continuam por esclarecer. Vários cidadãos foram detidos e torturados, como é o caso do ex-Primeiro-Ministro Faustino Fadut Imbali, o Coronel Antero João Correia, ex-Diretor da Segurança do Estado, Aia Dabó e o músico Domingos Brosca, tendo o primeiro ido tratar-se no estrangeiro devido às graves lesões que lhes foram infligidas pelos militares.

A nível local, são muitos os pontos onde grassa a impunidade. É o caso de Bissássema. Na segunda metade de 2008, dezenas de populares invadiram a missão evangélica naquela localidade em retaliação às campanhas de evangelização contra as práticas culturais nefastas, tais como: casamento precoce, feitiçaria, violência, agressões físicas e infanticídio. Muitos missionários ficaram feridos, tendo o pastor principal sido sequestrado por algumas horas. De 2007 a 2009 mais de três dezenas de pessoas foram fisicamente agredidas e assassinadas sem qualquer processo crime e à margem das autoridades locais que temem retaliações.

O relatório debruça-se igualmente sobre os N’Kumans, que são jovens que se aproveitam da ausência de Estado, sobretudo na zona Norte, para abusar do monopólio da autoridade. Impuseram uma nova ordem étnico-cultural na região do Oio. Durante esse período, centenas de pessoas foram sujeitas a tratamento degradantes. Os membros do grupo desencadearam operações de furto e de roubo, as autoridades locais receavam retaliações dos militares do Comando da Zona Norte, que atuam em cumplicidade com estes jovens desordeiros, sobretudo o batalhão Quemo Mané.

Passando para o capítulo de torturas, detenções arbitrárias e intimidações, o relatório assinala que a seguir aos assassinatos de Nino Vieira e Tagme Na Waie, se assistiu a terríveis operações de intimidação. Foi nesta senda de brutalidade que os Drs. Pedro Infanda e Francisco José Fadul foram espancados por indivíduos armados, havendo sido o primeiro caso assumido publicamente pelo próprio Estado-Maior como mandante do criminoso.

Não menos inquietante é referido o que se passa na comunicação social e o tráfico da droga. Este tráfico abalou de tal maneira a imagem da Guiné-Bissau no exterior que passou a ser referida como narco-Estado. Os profissionais da comunicação social que ousaram relatar os factos referentes a estas atividades criminosas começaram a ser perseguidos pelos presumíveis implicados, tanto civis como militares.

Veja-se o caso do julgamento do jornalista Albert Oumar Dabó, da rádio Bombolom e colaborador da ITN News, acusado de difamação e calúnia contra o ex-Chefe do Estado-Maior da Armada, José Américo Bubo Na Tchuto. Este julgamento foi adiado sine die. O jornalista é parte ilegítima no processo, pois apenas serviu de intérprete à equipa da ITN News.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17610: Notas de leitura (979): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (7) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15616: Ser solidário (193): A Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA), distinguida com o Prémio Direitos Humanos 2015, "pelo seu papel notável de 41 anos de apoio aos ex-combatentes vítimas da guerra colonial"

Lisboa > Assembleia da República > Sala do Senado > 10 de dezembro de 2015 > José Arruda, Presidente da Direção Nacional da ADFA, recebe, das mãos do Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, o Prémio Direitos Humanos 2015.

Lisboa > Assembleia da República > Sala do Senado > 10 de dezembro de 2015 > José Arruda, Presidente da Direção Nacional da ADFA, no uso da palavra,

Fotos: cortesia do  portal da ADFA


Notícia - Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) distinguida com Prémio Direitos Humanos 2015

No passado dia 10 de dezembro, José Arruda, Presidente da Direção Nacional da ADFA, recebeu, das mãos do Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, o Prémio Direitos Humanos 2015.

O prémio foi entregue na Sala do Senado, na Assembleia da República – Palácio de São Bento, em Lisboa. No decurso da cerimónia comemorativa do Dia Nacional dos Direitos Humanos, José Arruda congratulou-se pela distinção, dizendo na ocasião que “os nossos 41 anos de experiência, na defesa de todos os deficientes militares e dos valores da Liberdade e da Cidadania, são desta forma reconhecidos”.

O galardão foi atribuído à ADFA pela Assembleia da República, por decisão do Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, e sob proposta do Júri do Prémio Direitos Humanos, constituído no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias,  "pelo seu papel notável de 41 anos de apoio aos ex-combatentes vítimas da Guerra Colonial".

O Prémio Direitos Humanos 2015 foi também atribuído ex-aequo à Plataforma Global de Assistência Académica de Emergência a Estudantes Sírios, "pela resposta que, em tempo real, ofereceu, logo no início da atual crise dos refugiados, aos jovens sírios".

O Prémio Direitos Humanos “destina-se a reconhecer e distinguir o alto mérito da atividade de organizações não-governamentais ou original de trabalho literário, histórico, científico, jornalístico, televisivo ou radiofónico, divulgados em Portugal entre 1 de julho do ano anterior e 30 de junho do ano da atribuição, que contribuam para a divulgação ou o respeito dos direitos humanos, ou ainda para a denúncia da sua violação, no País ou no exterior, da autoria individual ou coletiva de cidadãos portugueses ou estrangeiros”.

Fonte: Texto e fotos: adaptados do portal da ADFA, com a devida vénia,
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segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15110: Notas de leitura (756): “Direitos Humanos na Guiné-Bissau, Eu conto como foi!”, por Fernando Gomes, Chiado Editora, 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Outubro de 2014:

Queridos amigos,
Fernando Gomes é uma notabilidade política da Guiné-Bissau, em 2012 era Ministro do Interior, foi deposto e partiu para o exílio onde escreveu as suas memórias como fundador e presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, ajudou a criá-la no início da abertura democrática e só deixou de ser presidente a partir do momento em que passou a exercer funções políticas como deputado e depois ministro.
É uma oportunidade para se ficar a conhecer os enviesamentos de todo o processo político a partir da abertura ao pluripartidarismo até ao golpe militar de 2012, estão ali processos incríveis, prisões arbitrárias, graves desmandos contra os direitos humanos na Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário


Direitos Humanos na Guiné-Bissau: Eu conto como foi

Beja Santos

“Direitos humanos na Guiné-Bissau, eu conto como foi!”, por Fernando Gomes, Chiado Editora, 2014, é uma detalhada narrativa da ascensão dos direitos humanos, que muito devem à tenacidade e motivação daquele que fundou e presidiu durante muito tempo a Liga Guineense dos Direitos Humanos.

Fernando Gomes doutorou-se em Direito Internacional, matriz das ciências jurídicas que nunca mais abandonou. Entre 1991 e 1992, já à frente da Liga, foi o promotor e coordenador da Campanha Nacional de Luta pela Abolição da Pena de Morte na Guiné-Bissau. Em 1996, foi laureado com Prémio Internacional dos Direitos Humanos de Espanha e no ano seguinte foi eleito Vice-Presidente da Federação Internacional dos Direitos Humanos. No campo político, de 2004 a 2008, foi deputado da Assembleia Nacional Popular. De 2008 a 2011, foi Ministro da Função Pública, Trabalho e Modernização do Estado. De 2011 até ao golpe de Estado de 2012, foi Ministro do Interior da Guiné-Bissau. Este seu livro foi escrito no exílio, o seu autor quer mostrar como vale a pena defender o direito à paz, ao pão e à liberdade do seu povo, é um testemunho sobre a luta pela afirmação dos direitos humanos num país onde até há pouco campeou a arbitrariedade e a prepotência indiscriminadas.

Ele conta como, com dezasseis anos, foi preso pela primeira vez, ele fundara a Comissão Estudantil de Bambadinca e a JAAC – Juventude Africana Amílcar Cabral denunciou-o como sabotador. Foi sujeito a interrogatórios duros. Deveu a sua liberdade a Buscardini, então Secretário-Geral do Ministério do Interior. A partir daí, fizeram-lhe o reconhecimento a sua dinâmica militância. Conclui do seu douramento em Leninegrado, começou a trabalhar em Bissau como assessor do Procurador-Geral da República, com ele virá a ter desinteligência, pôs o seu lugar à disposição e logo conheceu a retaliação, veio a Polícia Judiciária e despejou-o de casa. Por sua vez, Nino Vieira demitiu o Procurador-Geral da República. Em 1991, conseguiu criar a Liga dos Direitos Humanos da Guiné-Bissau, de que se afastará em 1999, quando decidiu candidatar-se à presidência da República. Estava lançado na política, e hoje dela sofre as consequências.

Com detalhe, descreve a criação da Liga, com quem, como, a rede de estruturas, os apoios financeiros de países cooperadores, como dentro da Liga foi criado o Gabinete de Assistência Jurídica à Criança e à Mãe, como lutou pela abolição da pena de morte, como a Liga se sentiu gratificada e motivada com a construção do entro de Formação de Direitos Humanos, em Quinhamel. O conflito armado da Guiné-Bissau, de 1998 a 1999, levou a Liga a intervir, foi criado o Observatório Internacional dos direitos humanos para o conflito armado da Guiné-Bissau e, simultaneamente, o Movimento Nacional da Sociedade Civil para a Paz, Democracia e Desenvolvimento, a quem continua ligado.

Conta histórias verídicas e prende-nos a atenção, a sua prosa vibra e não lhe recusamos sinceridade, logo o caso de 50 africanos presos, em Julho de 1996, em regime de extrema desumanidade, numa esquadra em Bissau, africanos de várias nacionalidades, negociados pelas autoridades espanholas e o governo guineense, e transportados pelos próprios espanhóis, eram indesejáveis e por isso foram deportados. A Liga desencadeou com o apoio da Amnistia Internacional uma intensa campanha para forçar as autoridades espanholas a receber de volta as 50 pessoas igualmente deportadas. As pessoas acabaram por ser postas em liberdade, cada um seguiu o seu destino. A Liga interveio também no caso dos “Anguentas”. Com o desfecho da guerra civil, muitos dos jovens militares que tinham lutado por Nino Vieira foram presos, alguns foram mortos e outros andavam a monte. A Liga pediu à Junta Militar que lhe fosse confiada a guarda de todos esses jovens, comprometeu-se a prepará-los com vista à sua reinserção social. A Junta concordou e em cerimónia realizada na base aérea foram entregues os jovens militares, num total de 200.

Fernando Gomes fala do caso Vaz Mané, produtor radiofónico, detido em finais de Janeiro de 2003, sem culpa formada, alegadamente por ter criticado o então presidente da República, Kumba Ialá. A Liga condenou a sua tensão e igualmente endereçou uma carta aberta à comunidade internacional apelando à sua intervenção com vista à libertação de políticos como Carlos Correia, Francisca Pereira, Filinto Barros, entre outros. Vaz Mané voltou a ser preso no ano seguinte, e depois de exposto publicamente foi mandado para casa sem qualquer justificação. É extenso o rol de denúncias de perseguições e arbitrariedades. Em Novembro de 2000, aquando do assassinato de Ansumane Mané, muitos foram presos e torturados, Fernando Mendes foi um deles, depois eram libertados sem qualquer explicação convincente.

Mais adiante, relata ao pormenor uma tentativa de destruição da Liga, vários elementos da sua direção lançaram calúnias sobre gestão danosa da direção de Fernando Mendes, ele foi novamente preso, é um dos momentos mais empolgantes dados os aspetos tenebrosos do enredo.

O conjunto de documentos em anexo poderá revelar-se no maior interesse para os estudiosos: índice cronológico dos factos relatados sobre a Liga Guineense dos Direitos Humanos (1991-2000); Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos; Relatório sobre os Direitos Humanos nos PALOP.
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15101: Notas de leitura (755): A revista Visão e a BD da guerra colonial (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11813: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (17): Ainda os fuzilamentos dos nossos camaradas guineenses: não podemos emendar a histstória, mas temos o direito à tristeza, à mágoa e á indignação (Jorge Cabral, ex-comdt do Pel Caç Nat 63, Fá Mandin ga e Missirá, 1969/71)


1. Reprodução de texto do Jorge Cabral, ex-comandante do Pel Caç Nat 63 (Bambadinca, Fá Mandinga, Missirá, 1969/71), e antigo docente da Universidade Lusófona, onde foi presidente do Instituto de Criminologia, especialista em direito penal, advogado e escritor. O texto, já publicado em 16 de m,aio de 2006, na I Série (*), vem a propósito do poste mais recente do António J.Pereira da Costa, P11810.


Amigo Luís,

Porque comandei um Pelotão de Caçadores Nativos [nº 63] e fui amigo de alguns Comandos Africanos, a questão dos fuzilamentos toca-me profundamente (**).

Já sabia que militares guineenses pertencentes às Companhias e Pelotões de Caçadores haviam sofrido a mesma sorte. Do meu Pelotão foram três, e embora já me tenha referido a este assunto, em colaboração anterior, considero-me obrigado a mais uma vez reflectir serenamente e com a objectividade possível.

Compreendo, aceito e comungo da emoção sentida por todos aqueles que partilharam perigos, cansaços e medos com os africanos, caindo nas mesmas emboscadas e defendendo quartéis comuns.

A emoção porém, ou a falta dela, não nos devem obnubilar a razão ou tolher o raciocínio, contribuindo para conclusões simplistas. Não foram patriotas portugueses que foram fuzilados, nem o lixo, até porque a todo o Homem é devido o respeito pela sua dignidade, inerente à condição humana. Foram Homens que foram fuzilados!

Quero acreditar que todos somos contra a pena de morte e que também repudiamos frontalmente que alguém possa ser condenado sem julgamento. O ter pertencido ao Exército Português foi considerado facto suficiente para consubstanciar o crime de traição. Não se apuraram as culpas individuais, nem a consciência da ilicitude, num Tribunal imparcial, que garantisse o Direito de Defesa, como deve acontecer em qualquer parte do Mundo.

Parece evidente que o ter sido torcionário, cortador de cabeças ou criminoso de guerra, constitui uma realidade diferente do ter servido rotineiramente, por necessidade de sobrevivência, num Pelotão ou numa Companhia de Caçadores Africanos.

Tinham todos os guineenses que integravam as tropas portuguesas a consciência de que estavam a trair a sua Pátria? Haviam todos interiorizado o conceito de Pátria? Porque serviam no Exército Português?

Ao longo dos tempos, nas Campanhas de Subjugação e Pacificação, os Portugueses contaram quase sempre com a ajuda dos Fulas, os quais combatiam ao serviço de Senhores da Guerra, enquadrados em unidades africanas, ou desempenhavam funções de auxiliares. Não lutavam por nenhuma Pátria, eram aliados dos Portugueses, contra Papeis, Balantas, Bijagós, Felupes ou Mandingas, os quais se batiam em defesa do seu chão, contra o pagamento de impostos ou o recrutamento forçado para as obras. A sede do poder e da riqueza, e a possibilidade do saque, justificava a aliança Portugueses-Fulas.

A ideia do Portugal plurirracial é contemporânea do início da Guerra Colonial. A substituição do termo Colónias pela designação Províncias Ultramarinas, foi expediente saloio, para enganar a Comunidade Internacional, e procurar legitimar a Guerra – Portugal não tinha Colónias e todos eram Portugueses. Todos sabemos que se tratava de uma ficção.

Nas Colónias vigorou o Estatuto do Indigenato, de acordo com o qual, só alguns eram considerados assimilados, usufruindo da cidadania. Os africanos foram sempre subalternizados, empregados em funções menores, ou enfeitados com cargos honoríficos como os oficiais de 2ª Linha.

Até aos anos 60, nenhum negro tinha acesso à frequência da Escola do Exército. É com a guerra que esta situação vai ser alterada. A necessidade de homens para combater determinou uma estratégia de africanização, que deu lugar à criação de unidades africanas, Companhias e Pelotões, de base étnica, e primeiramente comandadas por quadros europeus. (Quando tomei conta do meu Pelotão, tinha soldados balantas, bigajós, mandingas, papeis e fulas. No fim da comissão só existiam fulas).

A primeira Companhia, totalmente africana, foi a dos Comandos Africanos, cuja instrução acompanhei em Fá Madinga. Oficiais, sargentos, furriéis e praças, incluindo mecânicos, vaguemestres, enfermeiros, todos eram guineenses.

Entre os militares nativos do meu Pelotão, existiram os que apenas cumpriram o serviço militar obrigatório e passaram à disponibilidade, designadamente todos os cabos (Injai, Carlitos, João, Negado e outro de etnia Manjaca de que não recordo o nome). Nenhum deles era Fula. Os Fulas continuaram. Porquê? Que iriam fazer fora da Tropa? Como sobreviver? De que forma alimentariam as mulheres e os filhos? Não haviam os avós e os bisavós, combatido ao lado dos portugueses? E combatido contra quem? Contra Balantas, contra Mandingas, que agora estavam no P.A.I.G.C. Onde o conceito de Pátria? Qual Pátria?

Obviamente que o caso dos quadros dos Comandos Africanos é diferente. Para os meus amigos Saegue, Januário, Jamanca, Camará, Justo ou Sisseco, o ser oficial do Exército Português representava a ascensão social, mas também a desforra contra séculos de humilhação. Os portugueses precisavam deles. Afinal também os negros podiam comandar tão bem ou melhor do que os oficiais saídos da Academia Militar (é interessante assinalar que as reticências postas por eles à Operação Mar Verde, tiveram principalmente a ver com o uniforme: queriam ir, mas fardados de oficiais portugueses).

Que esperavam estes comandos no fim da Guerra? Não posso falar por todos. Mas conversei sobre o assunto muitas vezes com o Saegue, que acreditava numa solução política, numa independência negociada, na sua futura integração no Exército da Guiné Bissau, ou na sua vinda para Portugal, que ele conhecia, pois estudara em Santarém.

Só uma eufórica ingenuidade, pode ter permitido tão trágico quanto negligente abandono. Bastaria ter atentado no que sucedeu ao Januário, irmão de um quadro do PAIGC, que, tendo desertado em Conakry com o seu grupo de combate,  foi fuzilado, ele e os seus homens.

Não podemos emendar a História! E quanto à dramática morte de Amigos, ou de Homens com quem convivemos diariamente, assiste-nos o direito à tristeza e à mágoa, independentemente dos erros, que eles possam ter cometido.

Como sempre, um Grande, Grande Abraço,

Jorge (***)


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Nota do editor: 


(**) Vd., na I Série, mais postes sobre este tema dos fuzilamentos de antigos camaradas nossos, guineenses, no pós-independência.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11075: (Ex)citações (209): O fanado, visto por colons e colonizados...(António Rosinha / Cherno Baldé)



Guiné-Bissau > Região de Quínara > Darsalame (vd. carta de Cacine) > Festa do fanado ou cerimónia de iniciação dos jovens em Darsalame.  Foto da Galeria da AD - Acção para o Desenvolvimento, em Bissau, e parceira do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Esta foto foi tirada em 15 de abril de 2009 usando uma Canon Digital IXUS 90 IS. Foto reproduzida com a devida vénia...

"À semelhança de muitas outras etnias, os jovens balantas fazem das cerimónias de iniciação, os chamados Fanado, momentos importantes da sua vida.

É nesta ocasião que lhes são transmitidos os valores individuais e colectivos tradicionais, os segredos que devem guardar, as normas de conduta social, as leis comunitárias e onde os jovens fazem prova da sua coragem e valentia, relatando e demonstrando actos relevantes praticados antes de entrarem para o Fanado.

Durante cerca de 2 meses, os jovens recolhem-se no meio do mato, na barraca do fanado, onde ninguém os volta a ver, limitando-se as respectivas famílias a levar a alimentação de que necessitam. Antes de entrarem, os jovens brincam, fazem jogos e danças, mostrando os seus trajes de rebeldia, muito apreciados por toda a população."

Foto (e legenda): © AD - Acção para o Desenvolvimento (2013). Todos os direitos reservados.

1. Comentários do António Rosinha e do Cherno Baldé ao poste P11070:

(i) António Rosinha:

Estas práticas cerimoniais africanas que hoje se pretende eliminar, eram praticadas no tempo colonial, discretamente, um pouco às escondidas das autoridades coloniais, no caso das ex-colónias portuguesas.

No caso da Guiné, após a independência, passaram a ser praticadas publicamente e com datas próprias assinaladas pelas próprias autoridades.

Só que passou a ser testemunhado passivamente, como se fosse um inofensivo folclore, durante décadas pela UNICEF, OMS, AMI, MSF, médicos e paramédicos de Cuba, que apoiavam aquelas autoridades sanitárias incondicionalmente.

Só agora? antes tarde que nunca.

Antº Rosinha

(ii) Cherno Baldé:

Caros amigos,

Este tema já aqui foi objecto de discussão mas nunca é demais voltar a rebatê-lo pois é importante a sensibilização das pessoas a volta dos nossos problemas sociais e culturais.

Sobre esta problemática já Cabral nos dizia, mais ou menos nestes termos: "devemos manter os aspectos bons da nossa cultura, mas devemos combater e abandonar os que concorrem para manter o nosso povo no atraso e no obscurantismo".

Claro que na altura não tinham declarado guerra aberta a estas práticas, suponho que, pelas mesmas razões porque o Governo colonial não o fazia.

Do meu ponto de vista a excisão feminina resultou, históricamente, de uma simples transposição da circunscisão (fanado masculino) por iniciativa e vontade próprias da mulher, como uma instituição social de purificação, como diz o Luis Graça e também de educação ou socialização das meninas para o exercicio da função e do papel de mulher e como tal não podia ser anterior a islamização do mesmo modo que a circunscisão resulta de uma prática bem conhecida e intimamente ligada a religião que remonta até Abraao, este é o primeiro ponto.

Mas, ao mesmo tempo, a excisão feminina não resulta de nenhuma imposição ou fanatismo religioso como, erradamente, se pode pensar e o "fatwa" proferido pelos Imames no Parlamento, é demonstrativo deste facto. Da mesma forma que também ela não resulta de uma discriminação ou imposição dos homens em relação as mulheres nas nossas sociedades.

A luta contra a MGF, antes de mais, deve ser travada no seio da própria camada feminina, mas também no campo do desenvolvimento integral do Homem em geral (homens e mulheres) e, sobretudo, no dominio da educação.

Lembro que o meu pai não era letrado e vivia no campo, mas o simples contacto com comerciantes Lusos (portugueses e Caboverdianos) nos anos 60 foi o suficiente para abrir os olhos e mudar a sua filosofia de vida e o caminho escolhido para os seus filhos numa época em que as forças do obscurantismo ainda reinavam.

Assim, para as novas gerações da Guiné, a batalha contra a MGF e as práticas culturais consideradas nefastas só poderão ser ganhas se o combate contra a pobreza e o analfabetismo for encarado com firmeza e determinação, mas para isso precisamos de mais e melhor organização, de mais e melhor estado que possa conceber politicas e fixar metas que sejam económica e socialmente exequíveis.

Bem, depois de todo esse trabalho, esperamos que, a seguir, não nos venham a dizer para legalizarmos o casamento gay porque, convenhamos, isto dos direitos humanos pode ser uma verdadeira caixa de pandorra.

Um abraço amigo,

Cherno Baldé
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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11049: (Ex)citações (208): Monóculo de Spínola oferecido ao Museu Etnográfico de Silgueiros - Viseu (Amaral Bernardo)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11070: Recortes de imprensa (64): Ontem, Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, cerca de 200 imãs guineenses decretaram, em Bissau, uma fatwa contra o fanado (Lusa / Público)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 80:  Mulheres, de rosto tapado, na festa do fanado (?)... Ignora-se o que faziam junto ao edifício do comando do batalhão... Fotos do álbum do José Carlos Lopes, ex-fur mil reabastecimentos.

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)

1. Ontem foi o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina... A MGF é também conhecida por corte dos genitais femininos, circuncisão feminina, excisão, fanado, sunna, circuncisão faraónica...E ainda se pratica em cerca de três países de África, Próximo Oriente e Sudeste asiático... Portugal, França  e outros países europeus que acolhem imigrantes, nomeadamente da África Ocidental, são também países de risco. Este ano a Organização das Nações Unidas está otimista quanto à possibilidade de, num futuro próximo, ainda se poder pôr fim a esta prática não só atentatória dos direitos humanos como altamente nociva à saúde sexual e reprodutiva das raparigas e mulheres excisadas.

Dados fornecidos pelo International Day of Zero Tolerance of Female Genital Mutilation/Cutting, das Nações Unidas, parecem indicar um decréscimo da prevalência desta prática, em geral, estando a geração mais jovem menos vulnerável  hoje do que no passado.

Nos 29 países da África e do Médio Oriente onde a prática da MGF está concentrada, uma média de 36% de raparigas,  na casa dos 15-19 anos, foram excisadas, percentagem essa bastante inferior à estimada (53%) para as mulheres da faixa etária dos 45-49 anos.  Esse declínio é mais evidente em países como o  Quénia em que a percentagem de mulheres excisadas é três vezes superior à das raparigas entre os 15 e os 19 anos.

Para o director executivo da UNICEF,  Anthony Lake, "este progresso mostra que é possível acabar com a MGF". Estas estimativas recentes produzidas pela UNICEF mostram que pelo menos 120 milhões de meninas e mulheres sofreram MGF / Circuncisão, nestes 29 países. Dadas as tendências atuais, pelo menos 30 milhões de meninas com menos de 15 anos de idade ainda poderão  estar em risco.  

Em  dezembro passado, foi adotada por unanimidade uma resolução da Assembleia Geral da ONU , c condenando a MGF / Circuncisão e convidando os Estados membros a intensificar os esforços para a sua eliminação completa. (A MGF/Circuncisão engloba 4 tipos de práticas: vd. Quadro 1, a seguir).


Fonte: Yasmina Gonçalves - Mutilação Genital Feminina. Lisboa: Associação paar o Planeamento da Família. 2004.


2, Também na Guiné-Bissau surgem algumas boas notícias neste campo. Reproduzem-se aqui excertos de uma notícia da Lusa, publicada no Público, de ontem;


(...) "Líderes islâmicos guineenses pronunciaram esta quarta-feira, no parlamento do país, uma fatwa (um decreto religioso) proibindo a prática de excisão, que afecta cerca de 50% de raparigas e mulheres.

"Cerca de 200 imãs vindos de todas as partes do país assistiram, no parlamento, à leitura da fatwa e declararam solenemente que, a partir de hoje, vão reforçar o apelo para o abandono da prática da excisão, por não ser uma recomendação do Islão".

O influente imã Mamadu Aliu Djaló, da mesquita central de Bissau, que é também o segundo vice-presidente do Conselho Superior dos Assuntos Islâmicos,  declarou que "a excisão não está no Islão, e nos ensinamentos do profeta Maomé também não vimos nada disso, até porque as filhas do profeta, as filhas dos seus discípulos, não foram submetidas à excisão. Isto é um uso e costume de certas comunidades islâmicas”.

Segundo a fonte que estamos a citar (Lusa / Público),  "o presidente do parlamento guineense, Ibraima Sory Djaló, que presidiu ao acto, declarou que se alcançou “um grande marco” no país com a adopção da fatwa, o que, disse, vai ao encontro da lei aprovada pelos deputados em 2011 criminalizando a prática. “Esperamos agora que a lei seja respeitada, para que não seja necessário que se prendam pessoas por causa da excisão” na Guiné-Bissau, declarou Sori Djaló, apelando, contudo, para o reforço da divulgação da lei.

Ainda segundo a Lusa / Público:

(...) Para Fatumata Djau Baldé, presidente do Comité Nacional para o Abandono de Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança, um consórcio de 18 ONG guineenses e estrangeiras, “hoje é um grande dia” na luta contra “a tragédia silenciosa que afecta cerca da metade das raparigas e mulheres” da Guiné-Bissau. “Hoje é um dia histórico. Não ganhámos a guerra contra a excisão, mas alcançámos uma grande conquista contra essa prática degradante para a saúde da mulher guineense”, disse Djau Baldé, emocionada. [Ela própria foi vítima, em criança, da MGF].

O ministro da Saúde Pública guineense, Agostinho Cá, considerou o dia de hoje como sendo aquele em que se prestou um dos melhores serviços ao povo com a adopção da fatwa “pelos chefes religiosos” islâmicos, “proibindo uma prática secular” que se caracteriza pela submissão da mulher a situações “atentatórias da sua dignidade”.

Assistiram à leitura e adopção da fatwa, a primeira a ser pronunciada na Guiné-Bissau, elementos do corpo diplomático e o representante adjunto do secretário-geral das Nações Unidas, Gana Fofang, que é também o coordenador do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) no país.

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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10931: Recortes de imprensa (63): Homenagem, em maio de 2008, ao tenente capelão Joaquim Ferreira da Silva, jesuíta, natural de Santo Tirso, que pela sua coragem e lucidez terá evitado um banho de sangue no campo de prisioneiros de Pondá, Goa, em 19 de março de 1962 (JN- Jornal de Notícias, 12/5/2008)