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segunda-feira, 27 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24172: Notas de leitura (1567): "Guinéus", por Alexandre Barbosa, um dos últimos grandes títulos da literatura colonial (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Julho de 2020:

Queridos amigos,
Alexandre Barbosa terá sido administrador colonial ou representante de alguma grande empresa, conheceu bem o Sul, deixou-nos páginas expressivas de literatura colonial, estava atento a um islamismo que cultivava (como continua a cultivar) práticas animistas, exalta a natureza pródiga, deixa-nos um glossário onde nos fala da baguiche (planta comestível) do bentém (estrado feito de troncos ou bambus e que serve de ponto de reunião), da bicuda (peixe abundante nos rios de água salgada), do bindé (arado gentílico usado por Balantas), do bushel (medida que era então vulgar na Guiné, nome decorrente dos contatos com comerciantes ingleses, hoje substituído pelo termo alqueire), do cibe, do falar mantenhas, do fritambá (pequeno antílope), do guarda-de-corpo, da má-fé, da proroca ou macaréu, do terçado e do trabalho cansado. Histórias de êxito mas também tragédias, tudo redigido num português bem cuidado e quase vernacular, destacando o indígena que obteve por conta própria de muito trabalho a cidadania portuguesa. Páginas para reter no último ciclo da literatura colonial guineense.

Um abraço do
Mário



Guinéus, por Alexandre Barbosa, um dos últimos grandes títulos da literatura colonial

Mário Beja Santos

Alexandre Barbosa, que viveu décadas na Guiné, publicou em 1962 os contos, narrativas e crónicas que anteriormente dera à estampa no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, bem como também em Ecos da Guiné e no Bolamense. Não é a primeira vez que se fala do trabalho de alguém que prometia para breve um romance intitulado "Feitoria", tanto quanto se sabe jamais publicado. Alexandre Barbosa, na esteira de Fausto Duarte, gostava de um português castigado, com recurso ao castiço, deixou diversas estampas acerca da espiritualidade de diferentes etnias, terá conhecido com profundidade a região Sul, mas não deixará de destacar uma festa rija de Felupes. Gosta de palavras sonoras, tem um entusiasmo muito especial quando fala das danças, como exemplificou: “No terreiro os corpos movimentam-se em dança estranha. Há passos sinistros de corpos arqueados, bamboleantes, desengonçados, como que a desarticularem-se; cabeças que ora descaem ora são bruscamente atiradas para trás; braços pendentes, em oscilação amortecida, e pernas que se requebram ao jeito de pedestrianistas que vão acabar exaustos”. Tudo se avoluma em sonoridades, é o empolgamento dos tantãs e depois o silêncio, a multidão exausta descansa, pelo adiante a farra continuará, celebra-se o estímulo dos êxitos agrícolas, há para ali um comerciante português, o senhor Antunes, alguém que não fez fortuna e que já não está bem de saúde. E quem esteve na farra volta a descansar, no novo dia haverá mais regabofe.

Haverá páginas de tristeza, como aquele acidente em que se destrava uma arma e uma criança inocente é brutalmente atingida, o pai, conhecido caçador, desata a correr a caminho da missão à espera de um milagre, dá-se bem com o Dr. Ferrer da doença do sono, acompanha-o muitas vezes nas artes venatórias; corrida dramática pela estrada fora, a criança ao colo a pingar como torneira gotejante. É um autor que não mascara o fascínio que tem pela natureza, socorre-se de um português antigo, profundamente telúrico, para cantar a chegada de um novo arrozal, houvera medidas de bom-senso para que o povo se organizasse e fizesse uma barragem, os Balantas lançaram-se ao trabalho, a terra fértil germinou:
“Agora cabia ao sol esterilizar o raizame e aberta que estava a quadra pluviosa competia à chuva a saturação e dessalga das leivas em poisio, enquanto arrastava do mato a lixeirada vegetal, o adubo para a futura e grande bolanha. Corridos uns dois anos, na época própria, seria a lavra definitiva: valas abertas, camalhões levantados, pequenos ouriques compostos, estes a servirem de passadiço e traçado a marcar propriedades. Era chegada a vez da transplantação da gramínea, criada em alfobres, tabuleiros verdejantes resguardados pelo arvoredo, obstáculo à ventania e ao sol forte que cresta quando no auge. Então, em toda a interminável planura, havia de desenvolver-se o arrozal, vasto relvado a esconder a água estagnada que as purgas da barragem consentissem”.

Alexandre Barbosa fala-nos dos lutadores Felupes, as imagens falam por si, usam-se técnicas antigas que lembram a luta greco-romana:
“O mancebo Felupe sente pela luta uma paixão irresistível. A natureza dotou esta singular e sedentária raça guineense com apreciáveis dotes físicos, força notável e agilidade espantosa. Os prélios são disputados quase por via de regra, entre os elementos das povoações vizinhas e da mesma raça. O bombolon – telégrafo gentílico – anuncia o programa e, em complemento, as virtudes plásticas e aguerridas dos contendores. De todos os caminhos que riscam o mato surgem homens e mulheres, jovens e velhos, achegando-se ao terreno da competição. Forma-se o círculo mano a vedar a arena e até os felupezitos já sentem na guelra o sangue presente, acomodam-se nas pernas dos adultos. Os lutadores entram no terreno. Há principiantes desejosos de medir forças; há desforras de compromissos e há, principalmente, certos despiques a arrumar entre rivais que aspiram a mesma graça feminina. As claques incitam os lutadores e estes, inebriados pelos incitamentos, rondam o círculo em passadas ritmadas e coleantes até que fixam inexoravelmente o adversário... Está lançado o repto! Então reptador e desafiado lançam-se em volteios, aproximando-se lentamente com modos de serpente magnetizadora e num repente os braços atrelam-se vigorosamente e as cabeças unem-se rígidas como uma só peça, no estudo subtil de golpes de antecipação ou de contra-ataque ao flanco desprotegido. É o início da luta aberta entre rígidas e educadas contexturas musculares impondo violentos golpes ofensivos ou paradas firmes, corpos em rebuliço entre nuvens de poeira”.
Tudo terminará quando um deles bater com as costas no chão.

Diversos autores têm tecido hossanas sobre caçadas e caçadores, não há povoação na Guiné que não disponha de um ou mais caçadores, é desporto, é bravura e é meio de subsistência, este caçador tem jus a uma posição de prestígio, reconhecem-lhe as façanhas no mato, o sangue-frio e a mestria na pontaria. Não esquecer que estes relatos terão sido redigidos na década de 1950, daí falar-se do uso generalizado da Longa, espingarda de carregar pela boca, de acabamento grosseiro, fabricada parcialmente pelos melhores ferreiros da tribo. O caçador tem ao seu dispor uma infinidade de armadilhas, pode servir-se das queimadas, no mínimo interessa-lhe em abater pequenos antílopes, mas anseia por abater gazela ou javali, o sim-sim, o boca-branca e o búfalo, o maior sonho é prostrar o hipopótamo. Abater o leopardo é também uma ambição, até porque a pele é cobiçada.

Descreve a morte e as pompas fúnebres de Sampa, um importante Mancanha da ilha de Bolama, tinha 22 mulheres e 180 vacas; 3 foram abatidas para dar dignidade ao choro. Noutro apontamento, Alexandre Barbosa exalta os pescadores Bijagós, exímios a remar as suas canoas, no caso concreto fala-nos de ilhéus Canhabaques que viajam de ilha em ilha para comerciar.

Inevitavelmente, temos a história de um indígena que fez tropa em Bolama, Abu Camará, destacou-se na instrução, no manejo das armas ligeiras, nos rudimentos cívicos e militares, patenteou qualidades de assimilação. Foi dado como exemplo, frequentou a Escola de Cabos, ganhou amizades, quando o seu destacamento percorre Bolama ele vai na escolta de honra da bandeira, sempre garboso.

Teremos também páginas sobre músicos Mandingas e Fulas, fala-se obrigatoriamente do corá, mas também da viola e nhanhéru (violino) e também dos tambores. Há um pequeno agricultor, Sajá Camará, que irá percorrer a estrada do êxito, um lavrador Beafada que soube triunfar no Forreá, partiu com a mulher e filho, criou morança e lavrou os terrenos. Foi bem-sucedido. “O administrador vindo de Fulacunda e o chefe de posto de S. João nas suas visitas periódicas à Ponta de Sajá encontram o lavrador com a família e os trabalhadores Balantas nos mandiocais ou arrozais, ora limpando mais terreno ou a plantar mais pomares”. Passaram os anos, a Ponta de Sajá é hoje uma propriedade agrícola a sério, o filho de Sajá frequentou a escola primária das missões católicas, a sua formação coexiste sem tensões com o Corão. Sajá Camará, que tinha estatuto de indígena, é hoje cidadão português. As últimas páginas da coletânea de Alexandre Barbosa são dedicadas ao rio Corubal, a obra finda com um glossário de expressões de uso local e falares crioulos. Sem dúvida, textos significativos do último período da literatura colonial guineense.

Dança Felupe
Pescador Bijagó
Dançarino Bijagó
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Notado editor

Último poste da série de 24 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24167: Notas de leitura (1566): "Guineidade & Africanidade - Estudos, Crónicas, Ensaios e Outros Textos", por Leopoldo Amado; Edições Vieira da Silva, 2013, mais uma achega para os acontecimentos de 3 de agosto de 1959, no Pidjiquiti (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23594: Historiografia da presença portuguesa em África (332): Região de Tombali, "chão balanta"? [Cherno Baldé, n. circa 1960 / Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014)]


Distribuição das povoações do Cantanhez, segundo J. P. Garcia de Carvalho (1949) (Desenho de A. Teixeira da Mota) (*)


I. Os militares portugueses que estiveram na Guiné, no período da guerra colonial / guerra do ultramar (1961 / 74), a começar pelos oficiais (quer do QP quer milicianos),  tinham muito poucos conhecimentos etnográficos e historiográficos sobre o território (a não ser alguns estudiosos como o oficial da Marinha, A. Teixeira da Mota e, claro, os agentes da administração colonial... e os missionários). 

Não admira, por isso, que haja por vezes, nos nossos escritos, informações erróneas ou menos precisas como, por exemplo, dizer que a região de Tombali é (ou era, naquele tempo)  "chão balanta". (**)

(...) "A população de Bedanda é hoje predominantemente fula, quando a região foi sempre,
ao longo dos anos, chão balanta.(...) (In:"Panteras à Solta", de Manuel Andrezo, ed. autor, s/l, 2010, pág. 76)

É verdade que os balantas, nos anos 60, estavam em maioria, demograficammete falando e constituíam, só por si, o grosso da guerrilha.  Mas a sua presença na região não tinha mais do que 40 e tal anos... Vários grupos étnicos foram passando por aqui ao longo dos séculos, a começar pelos nalus... 

A este respeito, vamos reproduzir dois pontos de vista, guineenses, o do Cherno Baldé (assessor do nosso blogue para as questões etno-linguísticas) e o do nosso saudoso amigo engº agrónomo Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014), cofundador e líder histórico da ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau.


(i) Cherno Baldé (n. circa 1960, em Fajonquito, economista, vivendo em Bissau), comentário ao poste P23590 (**):

(...) Alguns esclarecimentos que se impõem sobre a situação da área de Bedanda, conforme descrita no presente Poste:

1. (...) "Sabe-se que populações balantas emigraram, nos anos 20/30, para a região de Tombali e ali desenvolveram a cultura do arroz. No sul, os balantas (mas também biafadas, mandingas, nalus, sossos...) são aliciados pelo PAIGC. A economia da região fica totalmente desarticulada. Bedanda, em pleno chão balanta, é agora ocupada maioritariamente por fulas fugidos do Cantanhez e doutras partes."

Efectivamente, como descrito no incio deste parágrafo, os Balantas no sul não estão no seu práprio "chao", são imigrantes que vieram do Norte onde está situado o seu chão, mais ou menos na região situado entre os rios Geba e Cacheu ou Farim. 

Bedanda, assim como toda a Peninsula de Cubucaré (maior parte da região de Tombali, que vai de Guileje até Cabedu na foz do rio Cumbijã), é chão Nalu, mas que estava sob domínio Fula desde a segunda metade do Século XIX. 

Por isso os régulos assim como os Chefes de Tabancas são da etnia Fula sem surpresas porque estão em terras conquistadas a ferro e fogo quando a presença portuguesa na zona se limitava a alguns presidios e feitoras, nomeadamente Bolama e, mais tarde, Buba, para contrariar ao avanço do exército do estado fula de Futa-Djalon. 

Foram os portugueses que promoveram e encorajaram o regresso de Nalus e Biafadas às suas terras de origem donde tinham sido expulsos pelos novos conquistadores vindos das montanhas de Boé e de Futa-Djalon, estando praticamente acantonados em algumas ilhas e zonas de tarrafo nos rios e na costa maritima. E, ironia do destino, serão estes (Biafadas e Nalus) os primeiros a se levantar contra a presença militar portuguesa no ataque ao quartel de Tite em 23 de janeiro de 1963.

2. (...) "O capitão não aceitava que a população sob o controlo das suas tropas vivesse pior do que a população controlada pelos guerrilheiros. Do lado deles não havia falta de arroz, mancarra, mandioca e óleo. Do lado da tropa tinham apenas cana, tabaco e panos que os comerciantes traziam de Bissau, e o arroz que compravam às mulheres dos guerrilheiros." (...)

Evidentemente que sim, era o estado normal das coisas antes do eclodir da guerra em 1963. Para aquelas populações, o mais importante era a sua subsistência social e económica dentro dos limites e condições materiais que lhes permitiam sobreviver e não a guerra, num circuito comercial multissecular de trabalho e de troca de produtos que consideravam normalissimo, não fora as alterações repentinas, surgidas do conflito em presença e da vinda, cada vez mais numerosa de forças expedicionarias destinadas a impulsionar a contraguerrilha. 

E, na opinião de muitos analistas, teria sido esta a fase em que, de facto, os portugueses perderam a guerra, ao perderem a possibilidade do controlo da população, designadamente Balanta que, incompreendidos e maltratados acabaram por vacilar para o lado dos "terroristas" com os quais, à partida, não partilhavam os seus ideais politícos e nem tinham quase nada em comum, sendo a maioria de origem urbana e pertencentes a outras etnias do país e dos países vizinhos.

Estes relatos e bravatas de "heróis de Ponta Cabral" são muito tipicos dos primeiros anos do conflito quando a guerra ainda parecia quase "uma brincadeira de mau gosto de um punhado de pretinhos do Ultramar". (...)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Iemberem > Simpósio Internacional de Guileje  (1-7 de março de 2008)> Visita ao sul > Dois homens grandes da Guiné, o Engº Agrónomo Carlos Schwarz (Pepito, para os amigos), fundador e director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, e o Aladje Salifo Camará, régulo de Cadique Nalu e Lautchandé, antigo Combatente da Liberdade da Pátria, o rei dos nalus, na altura com 87 anos e entretanto já falecido em 21 de janeiro de 2011, em Cadique, capital do seu reino. O rei dos nalus considerava o Pepito como "filho adoptivo". (***)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservad
os. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


(ii) Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (Bissau, 1949 - Lisboa, 2014), engº agrónomo, cofundador e director da AD - Acção para o Desenvolvimento. Excertos do poste P3070 (**)

(...) O reduzido número de fontes escritas torna muito difícil conhecer com detalhe a história do povoamento humano de toda a zona de Cantanhez. (...)

Recorremos a alguns documentos a que tivemos acesso (...). Na ausência de outras fontes, recorremos a entrevistas aos mais velhos, Homens Grandes, portadores e transmissores da História oral de geração em geração (...).

(...) Parece (...) indiscutível que os Nalus eram o povo que habitava esta zona, em especial os sectores de Cubucaré e Quitafine, e em alguns pontos isolados do Cubisseco, quando aportaram os primeiros portugueses a esta costa de África.

(...) Com a Convenção Franco-Portuguesa de 1886, procede-se a uma nova delimitação das possessões  do rei dos  Nalus: a França cedia a Portugal a zona de Cacine por troca com a Casamança.(...)

(...) Por volta de 1860 dá-se a invasão Fula que vêm de Boké na Guiné-Conakry e do Boé no Futa Djalon que apertam os Nalus contra o mar e os obrigam a refugiarem-se nas ilhas de Melo e de Como, certos da dificuldade dos Fulas em se confrontarem com a água.

De forma inesperadamente rápida os Nalus começam voluntariamente a converter-se ao islamismo e consequentemente a abandonarem a escultura, muito semelhante à dos Bagas da Guiné-Conakry, de rara beleza e simbologia.

Trinta anos depois (1890) dá-se a chegada dos Sossos, vindos de Boffa na actual Guiné-Conakry, os quais se aliam aos Nalus para se oporem ao expansionismo Fula.

É por volta de 1896 que grande parte dos Nalus que habitavam as ilhas passam ao continente e, chefiados por Cube, antigo escravo e depois batulai do régulo Fula do Forreá, fundam inicialmente a tabanca de Cabedú e sucessivamente as de Calaque, Cafal, Cauntchinque e por último, em 1926, Cadique.

Mais recentemente, por volta dos anos 1920, verifica-se a chegada massiva dos Balantas, vindos da zona de Mansoa, os quais, numa fase inicial, não são recebidos muito cordialmente pelos Nalus.

Segundo Garcia de Carvalho, na altura Chefe de Posto Administrativo de Bedanda, em 1946, os Nalús, em número de 910 almas estavam repartidos por três territórios englobando 19 tabancas:
  • Regulado de Guiledje: tabanca de Cafunaque (8 pessoas)
  • Território de Cantanhez: tabancas de Catomboi (5), Camecote (15), Camarempo (15), Sogoboli (25), Catchmaba Nalú (30) e Caiquene (25)
  • Território de Cabedu: tabancas de Cafine (60), Calaque (50), Cafal (100), Fonte Iamusa (20), Cai (10), Cassintcha (40), Catombakri (40), Cabedú (200), Catesse (50), Catifine (50), Cabante (20) e Ilhéu de Melo (40).

Por outro lado, Artur Agusto Silva, recorrendo ao Censo de 1960 que apresenta números credores de confiança, assinala a existência em toda a zona, e não exclusivamente na antiga Bedanda, 3009 Nalus.

Com o início da luta de libertação nacional desencadeada em 1963, os Nalús acabam por aderir na sua quase totalidade ao movimento pela independência da Guiné-Bissau, vivendo e sendo protagonistas exemplares na construção das primeiras zonas libertadas, em Cantanhez. (...)

Em 1946 havia 1295 Futa-Fulas em todo o sector de Cubucaré, o que representava 0 segundo grupo com maior número de habitantes. (...) 

Nos anos 1920, os Balantas, fruto dos massacres perpetrados em Nhacra e Mansoa por Teixeira Pinto, na chamada guerra de pacificação, e pelos trabalhos forçados a que eram sujeitos na construção de estradas, decidem imigrar para o sul, primeiramente para o Cubisseco e depois para Tombali.

Inicialmente o seu relacionamento não foi bom com os Nalus que não os receberam bem. Mais tarde a situação modificou-se, tendo estes aprendido as técnicas de orizicultura de bolanha salgada e passado a praticá-las. Instalaram-se nas zonas ribeirinhas, ao longo do rio Cumbijã, praticando um sistema de produção de bolanha, em que o arroz de bolanha salgada era o elemento quase exclusivo do sistema. 

Rapidamente passaram a ser a etnia mais numerosa, tendo sido registados 7165 habitantes em 1946, em 29 tabancas do sector de Cubucaré.

(...) Chefiados por Lourenço Davy, um número muito reduzido de Sossos terão chegado a Cantanhez vindos de Boké, por volta de 1891, criando a tabanca de Camecote, muito perto da de Iemberém.

Especialmente ligados ao comércio, impõem a sua língua como o crioulo de Cantanhez. Embora em 1946 apenas com 490 habitantes concentrados em 4 tabancas, acabam por determinar que a língua sossa seja falada por todas as outras etnias como instrumento financeiro de comercialização dos produtos. (...)

Se, nos primeiros 15 anos do pós-independência (1973), a situação das migrações para a região de Cantanhez não sofreu mudanças significativas, já nos últimos 15 anos se vem registando uma tendência para um acentuado crescimento demográfico. (...) (****)

[ Selecção / revisão / fixação de texto/ negritos: LG ]
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Notas do editor:



quarta-feira, 24 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21107: Historiografia da presença portuguesa em África (214): A imprensa na Guiné, numa tese de doutoramento de Isadora de Ataíde Fonseca, denominada “A Imprensa e o Império na África Portuguesa, 1842-1974" (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,
Impossível ignorar a grande qualidade da investigação desta tese de doutoramento de Isadora de Ataíde Fonseca. Ao interligar história, sociologia, economia e ciência política para analisar as dinâmicas da imprensa e do jornalismo nos territórios da África Portuguesa, nos séculos XIX e XX, produziu, tanto quanto me é dado saber, pela primeira vez uma leitura abrangente dos contextos sociopolíticos a par da evolução da natureza da imprensa existente. O contexto guineense é observado a fundo.
Tudo começou com o Boletim Oficial, foi a única fonte de imprensa até 1920, suceder-se-ão depois vários jornais, de vida efémera ou muitíssimo contingente. Com Sarmento Rodrigues terá aparecimento aquela publicação que ainda hoje é obrigatória para quem investiga ou sente paixão pelos assuntos guineenses: o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa.
Estando acessível o texto integral, é leitura recomendada, sem qualquer hesitação.

Um abraço do
Mário


A imprensa na Guiné, numa tese de doutoramento do Instituto de Ciências Sociais (1)

Beja Santos

A tese de doutoramento de Isadora de Ataíde Fonseca, denominada “A Imprensa e o Império na África Portuguesa, 1842-1974" (acessível pelo link https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/15605/1/ulsd069555_td_Isadora_Fonseca.pdf), é um documento que revela estudo e tratamento seguro de uma temática que tem vindo a ser abordada fragmentariamente. A Guiné e a sua imprensa, pelo rigor de análise da autora, merecem aqui o devido realce. Isadora Fonseca adverte-nos no resumo que “no estudo das relações entre a imprensa e o império adota-se uma perspetiva multidisciplinar, na qual dialogam a História, a Sociologia e a Ciência Política, permitindo uma compreensão aprofundada das interações e interdependências entre a imprensa, o império colonial e os regimes políticos. O estudo de caso da África Portuguesa demonstra que a imprensa e o jornalismo nos cinco territórios apresentaram dinâmicas e caraterísticas similares no período colonial”.

Falando da situação portuguesa na Guiné no século XIX, a autora refere dois períodos, o que se estende até 1859 e que se caracterizou pelas tentativas de reconversão económica do comércio negreiro e o segundo que se identificou pela busca de um espaço colonial que afirmasse a soberania portuguesa, fase que só terminou com as campanhas militares de 1912-1915. Faz uma breve resenha da presença portuguesa desde meados do século XV, releva as praças de Cacheu e Bissau, as mais importantes no século XIX, observando que o grupo dominante era formado pelos grandes negociantes e negreiros, representantes comerciais e funcionários superiores; a classe média incluía os pequenos comerciantes, os proprietários das embarcações, os oficiais militares e os membros da Igreja; na base estavam os soldados, degredados e os grumetes (estes descendiam de escravos alforriados e africanos cristianizados) e mesmo, mesmo no último escalão social estavam os escravos. Adianta elementos que deixam bem nítida a fragilidade da soberania portuguesa:
“A incapacidade do governo metropolitano em suprir os encargos dos funcionários e militares instalados na Guiné levou ao arrendamento do rendimento das alfândegas, a partir de 1840. Deste modo, consolidou-se a posição económica da elite afro-lusa, pois esta apropriou-se do único rendimento da região, responsabilizando-se pelos salários dos funcionários com o argumento de defender o império português. Embora exportasse amendoim desde os anos de 1830, a agricultura era quase inexistente. No campo económico, preponderou o tráfico ilícito de escravos na maior parte do século XIX e a ele articularam-se as trocas comerciais, com o domínio dos navios franceses e americanos. Ressalve-se que o transporte marítimo e o comércio com Portugal eram quase inexistentes nesta época”.

A autora chama igualmente a atenção para outro fenómeno que acabou por gerar grande instabilidade e tumulto migratório: a desagregação do império do Gabú, e a pressão conflitual dos Fulas contra os Beafadas, que levou a um quase despovoamento colonial do Forreá.

A imprensa nacional instalou-se em 1880 e com ela iniciou-se a publicação do Boletim Oficial. Semanário e com quatro páginas, o Boletim Oficial da Guiné seguia o padrão das demais colónias, dividido entre ‘Parte Oficial’ e ‘Não Oficial’. Este boletim oficial também incluía o relatório dos concelhos de Bolama e Bissau. A autora avança com saborosas e ilustrativas situações retiradas do Boletim Oficial.

E assim chegamos ao quadro da imprensa na Guiné na Monarquia Constitucional. Não houve imprensa privada e tem que se saber porquê. “A inexistência de autoridade portuguesa sobre as populações nativas, o regime de administração indireta e a multiplicidade de unidades políticas nativas, e a inexequibilidade das reformas administrativas são os fatores que caraterizam o estatuto político da Guiné no século XIX”, e a autora invoca a perspetiva dada pelo investigador António Duarte Silva. Não havia elites, acresce, como é óbvio, que a emergência da imprensa requer factos sociais, políticos e económicos que exijam circulação de informação, o que não acontecia naquele local chamado Senegâmbia. “Ao longo da Monarquia Constitucional, o Boletim Oficial foi o único meio de informação na Guiné e exerceu sobretudo o papel colaborador, apoiando o governo na execução dos seus planos. Contudo, não fosse o boletim oficial e não existiria o mínimo de informação sobre as decisões políticas, administrativas, económicas e militares do que se passou na Guiné entre 1880 e 1920, quando apareceu o primeiro jornal privado no território”.

E passamos para o regime republicano, chegou novo Governador, Carlos de Almeida Pereira, o seu nome fica ligado ao derrube dos muros que protegiam S. José de Bissau das arremetidas das populações limítrofes. Constituíram-se comissões do Centro Republicano de Bissau e Cacheu, do Partido Republicano Português em Bolama e das comissões municipais do mesmo partido em Bolama e Bissau. É referida a importância e o enigma que continua a cercar a Liga Guineense, criada em 1910, e posteriormente dissolvida, em 1915, os estudiosos invocam por vezes razões altamente discutíveis. É um dossiê em aberto. Certo e seguro é que surge em 1920 o Ecos da Guiné, Quinzenário Independente Defensor dos Interesses da Província, dirigido por José Joaquim Curvo Semedo, era uma iniciativa de funcionários públicos europeus, reproduzido na Tipografia do Estado, não sobreviveu ao primeiro trimestre de 1920. A Voz da Guiné, em 1922, escrevia que o Ecos da Guiné “quase que morreu à nascença porque a verdade é que, para viver, teria de se sujeitar a imposições do Governo”. A Voz da Guiné espelha aspirações que têm a ver não só com o desenvolvimento económico como as noções primárias de um Estado de direito. Logo no número um é referida a sua aspiração de levar longe o conhecimento do mercado guineense e de combater as infrações, defendendo a justiça e realçando o papel do direito. E promovia causas: denunciar o nepotismo, criticar a falta de higiene e de saneamento. A Voz da Guiné, Quinzenário Republicano Independente, tinha como editor Rui Carrington S. da Costa, e também era reproduzido na imprensa nacional. Teve vida efémera, foram publicados apenas onze números.




(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21084: Historiografia da presença portuguesa em África (213): Para Luciano Cordeiro, de um oficial da Armada que definiu as fronteiras da Guiné - Carta do Capitão-de-Fragata da Armada Real, Eduardo João da Costa Oliveira, publicada no Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19152: Historiografia da presença portuguesa em África (135): Relatório anual da Circunscrição Civil dos Bijagós, 1932 (Mário Beja Santos)

Antiga casa comercial António Silva Gouveia, posteriormente utilizada para instalações militares do quartel de Bolama

Fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
O mínimo que se pode dizer é que este relatório não pode ser escamoteado nos estudos historiográficos da colónia, exatamente naquele tempo em que começara a submissão de Canhabaque, última etapa das chamadas Guerras da Pacificação. O administrador Manuel Luiz Silva é pouco dado a floreados e explica o que se passa com o imposto de palhota, com as roubalheiras dos grumetes, como os Bijagós desconfiam de tudo e todos e eram na verdade uma sociedade horizontal, há muito que tinham desistido de fazer guerra aos Beafadas, preferiam o seu isolamento. Atenda-se ao que o administrador diz sobre o quadro sanitário do arquipélago e à carência de meios para garantir a soberania portuguesa.

Um abraço do
Mário


Relatório anual da Circunscrição Civil dos Bijagós, 1932

Beja Santos

Quem o assina é Manuel Luiz Silva, o Administrador, andou por outras paragens guineenses, regressou aos Bijagós e revela-se hipercrítico do trabalho desenvolvido pelos antecessores. Dando cumprimento aos preceitos estabelecidos para o que deve ser um relatório anual, logo no capítulo I, referente ao solo e clima, lembra que o arquipélago possui 19 ilhas habitadas e 16 ilhas e ilhéus e diversas ilhotas desabitados. São tudo terrenos baixos, não há qualquer espécie de elevação. Ao tempo, existe o Comando Militar de Canhabaque, a ilha é insubmissa, constituído por uma ilha habitada, oito ilhas e ilhéus desabitados. Informa que não existe nenhum rio no arquipélago e que a constituição do solo não difere do do continente. Não lhe desagrada o recurso a imagens quase poéticas, como esta: “Nas marés baixas, desnudam-se grandes superfícies, na sua quase totalidade coberta de vaza lodacenta permitindo ao indígena poder deslocar-se de algumas ilhas para outras sem auxílio de embarcações. A água é mais ou menos potável. Os problemas de saúde são graves e endémicos: as ilhas de Bubaque, Canhabaque e Orangozinho foram visitadas pela febre-amarela; grassa o tracoma, com intensidade, nas ilhas de Caravela e Caraxe e com menos intensidade noutras ilhas.
Vejamos agora a fauna e flora. Todas as ilhas são verdadeiras matas. Quanto a plantas frutíferas, apenas se veem em maior quantidade a laranjeira, a mangueira e frutos silvestres. Quanto a animais, avultam a gazela e a cabra ou fritambá em pequena quantidade na Ilha das Galinhas, Canhabaque, Orango e Caravela. A ave predominante é o papagaio cinzento".

E de seguida vai esmiuçar a situação política. Em 26 de abril seguiu para as cobranças do imposto de palhota de 1930-1931:  
“Pelas ilhas onde andei, verifiquei no indígena um estado de desânimo e desconfiança. Tendo-me demorado uns 10 dias por algumas ilhas, no meu regresso mandei ao Exm.º Sr. Director dos Serviços e Negócios Indígenas uma carta em 12 de Maio com um mapa indicando o número de palhotas arroladas e cobradas durante o decénio de 1922-1932, estando nele incluído, nos dois primeiros anos, a Ilha de Canhabaque. Por ele, pode V. Ex.ª verificar a alta em 1923-1924, baixando no ano seguinte para ser elevada ao máximo em 1925-1926, sem a ilha de Canhabaque, passando a decrescer até este ano”.
Considera que os habitantes do arquipélago precisam de contrair empréstimos para pagar o imposto de palhota e assinala o êxodo para outras regiões, há indígenas válidos da ilha de Bubaque que se fixaram em Catió, alegam não terem terrenos para cultivar, pois que a Companhia Agrícola e Fabril da Guiné lhes tirou tudo, e o administrador diz que não é verdade, pois a Companhia deixa-os fazer sementeiras dentro da concessão desde que não extraiam vinho de palma, o que é inaceitável para qualquer Bijagó; dentro dessa linha do êxodo diz também que os da ilha de Soga vão assentar arraiais em Cubisseco onde têm as suas palhotas, eles dão as mesmas justificações que os de Bubaque. Comenta o administrador: 
“É uma desolação ver hoje algumas povoações, quem as viu em anos transactos, só se vêem velhos e mulheres e poucos homens novos. Sei que devido ao estado anormal em que a Circunscrição se encontra devido a enormes dificuldades em encontrar trabalho para todos, com o tempo, paciência e boa vontade, tudo se há de conseguir”.

Falando de hierarquia e poder, o relator diz que o Bijagó só reconhece como única autoridade indígena o balobeiro (padre), mas a sua obediência é só na vertente religiosa. O único régulo é o de Orango, o resto só existem para as autoridades terem a quem se dirigir.
Faz longos comentários à situação administrativa. O arquipélago dos Bijagós fez parte até 1913 da área do Concelho e da Circunscrição Civil de Bolama; em 1927 passou a ser Circunscrição Civil de Bubaque e em 1 de janeiro de 1929 ficou a fazer parte da Intendência de Bolama; em 1931 voltou de novo o arquipélago a estar sobre o regime da Circunscrição Civil e esta divide-se em quatro postos administrativos.
O relator enfronha-se agora na antropologia:
“O Bijagó, devido ao seu atraso de civilização, fugindo a esta tanto quanto pode, à sua indolência e resistência passiva, à contínua desconfiança de todos, tudo esconde”.
Falando da educação, menciona a existência da Escola Rural:
“Além de crianças de outra raça, frequentam a escola 12 indígenas que tendo vindo com as suas características saias e lopé tiveram que ser vestidos não fosse a máquina fotográfica de algum estrangeiro, auxiliado por certos portugueses, tirar alguns instantâneos, para lá fora nos deprimirem. O vestuário só o devem vestir na ocasião de irem e estarem na escola”.

Diz que o estado sanitário é precário, muitos indígenas estão atacados de bobas, bastante no estado terciário, o que leigos como ele chamam lepra; 50% da população de Caravela e Caraxe está atacada de tracoma. “Para o tratamento desta doença, o Sr. Dr. Eurico de Almeida, no seu relatório, creio que de Novembro, propunha a criação de uma ambulância sanitária em Caravela para ali os indígenas serem convenientemente tratados, mas para o bom êxito era necessário que o indígena constituísse palhotas para não dormirem na promiscuidade, para evitarem o contágio e para isso era preciso que o indígena deixasse de pagar o imposto por dois ou três anos, pois as casas não as constrói para não as pagar. Só obrigado”.

A varíola em 1930 fez grande desbaste na população. E pronuncia-se sobre a febre-amarela:  
“Todos os anos, de Outubro a Fevereiro, morrem bastantes indígenas sem se saber porquê. Dizia-se que é gripe e morrem de pneumonia. O Dr. Fritz Rennefeldt, encarregado do Hospital da Companhia Agrícola e Fabril da Guiné, em 1927-1928, diagnosticou febre-amarela. Creio que é o centro e sul da ilha de Canhabaque o foco mais ou menos virulento do vómito negro”.

Refere-se depois ao imposto de palhota e faz uma minuciosa descrição da sua cobrança. É favorável a que o imposto indígena de capitação substitua o imposto de palhota.
Quanto ao comércio, diz que o único comércio estabelecido nas ilhas é o da permuta de arroz por coconote, e nas épocas mais intensas de cobrança do imposto de palhota, aumenta o número de negociantes que se dedicam também à permuta conjuntamente com a compra de produtos a dinheiro. Revela que o indígena se desloca para fora de Circunscrição por não simpatizar muito com a Companhia Agrícola e Fabril da Guiné. A segunda empresa importante no arquipélago era a Empresa Agrícola e Comercial dos Bijagós.

Prestes a terminar o seu relatório, entende o administrador que é indispensável falar dos transportes:
“As Circunscrições do continente, todas elas, estão fornecidas de automóveis, esta é a única que não tem esse transporte nem aquele que mais precisa e bastante falta está sentindo – um barco – motor ou a vapor.
A falta de transportes com que se luta na Circunscrição, faz que em toda ela, especialmente nas ilhas onde não está autoridade que, clandestinamente se exerce o comércio com embarcações e tais comerciantes, grumetes sem dinheiro, levam os indígenas enganados para as ‘pontas’, de onde poucos voltam; induzindo os Bijagós a entregar-lhe os seus produtos e gado para irem vender em Bissau ou em Bolama por mais dinheiro do que lhe pagam os negociantes nas suas ilhas, no regresso desses indivíduos os indígenas não recebem um centavo, desculpando-se que a canoa se virou, perdendo-se tudo, só ele se salvou. Os Bijagós jamais se queixam quando lhes dizem que os produtos e gado ficaram no fundo do mar e também não são capazes de denunciar os traficantes.
Por falta de embarcações, os chefes de posto limitam a sua acção somente à ilha onde o posto está instalado. Os quatro postos precisam, cada um, de uma baleeira, embarcação que não têm, servindo-se às vezes, com o risco da própria vida, de canoas dos indígenas, assim como o signatário também já se tem servido desses dongos, uma ou outra vez de embarcações dos fiscalizados”.

Queixa-se e reclama, a autoridade portuguesa só se poderá verdadeiramente sentir quando houver meios minimamente suficientes.

Este importante relatório está na secção dos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa.


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Nota do editor

Último poste da série de 24 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19134: Historiografia da presença portuguesa em África (133): Relatório referente ao uso e costumes dos indígenas da Região de Farim (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19067: Historiografia da presença portuguesa em África (133): Um administrador de Fulacunda reticente às ordens do Governador Carvalho Viegas, 1935 (Mário Beja Santos)

Monumento comemorativo das operações de pacificação em Canhambaque, 1935-1936.
Fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2018:

Queridos amigos,

Se uma andorinha não faz a primavera, um relatório preparado à pressa por um chefe da 4.ª Secção explicando ao Senhor Governador Carvalho Viegas porque não fora bem sucedido no cumprimento da terminação de trazer 150 Beafadas para a campanha de pacificação do Canhambaque, e em que o funcionário denuncia processos de obstrução do administrador da circunscrição de Fulacunda não traz por si qualquer fotografia de um quadro de hostilidade entre o governador e os seus diretos colaboradores, os administradores da circunscrição.

O funcionário António Pereira Cardoso tinha que justificar por que é que trazia tão poucos Beafadas para a campanha, e o relatório desvela que o administrador pretendia gerir vários equilíbrios entre os régulos Beafadas do território. A mensagem principal, no entanto, parece clara: a Administração da Guiné ainda estava muito tenrinha, com muitas pontas soltas, com contestações algo surdas e veladas.

Um abraço do
Mário


Um administrador de Fulacunda reticente às ordens do Governador Carvalho Viegas, 1935

Beja Santos

Nos Reservados da Sociedade de Geografia encontrei o relatório de António Pereira Cardoso relativo ao trabalho de que foi incumbido em 1935, no sentido de mobilizar auxiliares indígenas para serem incorporados no contingente militar enviado à ilha de Canhambaque “para chamar à nossa soberania os naturais insubmissos havia anos”. António Pereira Crespo era o chefe da 4.ª Secção da Repartição Central dos Serviços da Administração Civil, em Bolama, data o seu relatório de 13 de novembro. Poderá ser para os historiadores peça extremamente útil para aquilatar a fragilidade das relações entre o governador e administradores de circunscrição, com o recurso a tricas e rivalidades entre régulos.

Escreve-se assim:

“Em 11 do corrente segui para Fulacunda, acompanhado pelo chefe dos Mandingas de Bolama, Mamadu Canté, para trazer para Bolama 150 indígenas Beafadas com destino a Canhambaque.
As instruções do Capitão Sinel de Cordes eram para preferirem indígenas voluntários de acordo com o chefe dos auxiliares, régulo Mamadu Canté. Ficou combinado que só viria um régulo que Mamadu Canté escolheu, o da região de Quínara, Buli D’Jassi. Considerei de boa política, dadas as rivalidades existentes entre os régulos Beafadas da Circunscrição Civil de Fulacunda, que não fosse só aquele régulo a fornecer homens, pelo que se convidou os régulos de Fulacunda e de Gam-Pará, Sene D’Jassi e Malam Mané.

O administrador de Fulacunda informou-me que era impossível conseguir os 150 homens de um dia para o outro, este serviço não se faria em menos de 5 dias. Ripostei com os comprometimentos do régulo Buli D’Jassi e dos régulos de Fulacunda e Gam-Pará, pelo que dissemos ao administrador que não sairíamos dali sem cumprir a determinação de Sua Ex.ª o Governador.

Telefonei para S. João para que o chofer trouxesse arroz para ali, visto que os indígenas se iriam concentrar às primeiras horas da manhã, e que lhe comunicasse para Fulacunda o número de homens que chegassem com o régulo Buli.

O régulo Buli não chegou ao longo do dia 12, a resposta foi negativa, facto este que se repetiu durante o dia. Entretanto, particularmente, era informado por Mamadu Canté que o régulo Buli lhe dissera que o Senhor Administrador de Fulacunda estivera lá na véspera, dia 10, e este senhor lhe dissera que não deixasse sair ninguém nem fornecesse gente alguma, e que isto já lhe havia sido confirmado a ele, Mamadu Canté, durante aquele dia 12, razão por que Buli, com receio de ser castigado pelo Senhor Administrador, desobedeceu ao que por Sua Ex.ª o Governador lhe fora mandado cumprir.

No dia 12, em Fulacunda, e cumprindo as ordens de Sua Ex.ª o Governador, chamei para junto de mim Mamadu Canté, na varanda da Administração, e com o seu auxílio principiei a relacionar e identificar por cada regulado e povoação os indígenas que se apresentavam por intermédio dos régulos, tendo a dada altura o Senhor Administrador arrancado o gorro de lã que o régulo Buli trazia na cabeça, atitude esta contra o que o primeiro pretendeu reagir, alegando não se encontrar dentro da Administração e já ter cumprimentado aquela autoridade.

Aconselhado o chefe citado a cumprir a ordem do Senhor Administrador, o signatário conseguiu sanar o incidente, pretendendo no entanto aquele senhor que os régulos acompanhassem a sua gente, ao que retorqui, dizendo que as ordens de Sua Ex.ª o Governador e do senhor Capitão Sinel de Cordes eram terminantes: o chefe dos Beafadas, na campanha, seria Mamadu Canté e o subchefe Buli D’Jassi, régulo de Quínara. Mediante este esclarecimento, o Senhor Administrador de Fulacunda fez incluir no número dos indígenas recrutados um enviado de cada um dos régulos de Gam-Pará e Fulacunda, enviados esses a quem deveriam obedecer os recrutados referidos.
Perante, porém, a minha insistência, sobre as ordens que recebera, aquele senhor transigiu, condicionando que a acção de tais enviados terminaria no momento em que fossem entregues em S. João.

Pouco depois das 12 horas do já citado dia 12, como a única camioneta que se encontrava em serviço do transporte de indígenas não fosse suficiente para poder, a tempo e horas, dar cumprimento ao que me fora determinado, isto é, estarem todos os indígenas em S. João às 19 horas, mandei perguntar para o depósito de STT se não haveria mais alguma disponível, sabendo então, por intermédio do Secretário da Circunscrição, Sr. Eduardo de Lencastre Laboreiro Fiúza que o senhor Capitão Cordes se encontrava ali e a quem, veladamente, dei a entender o que se estava passando. Depois de eu ter largado o telefone, voltou o senhor Fiúza a entabular conversa com o senhor Capitão Cordes, enquanto que a lápis ia anotando o telefonema que deste senhor estava recebendo e em que o último pedia, em nome de Sua Ex.ª o Governador a cedência da camioneta da Administração para facilitar o serviço.

De posse do recado, dirigiu-se o Sr. Secretário à Administração, de onde e daí a pouco e quando o relatante aguardava a chegada dos indígenas, chegou até si o diálogo, um pouco violento, trocado entre o Senhor Administrador e o Secretário, em que o primeiro daqueles dizia em voz alta e bem timbrada: ‘Meta-se no seu serviço que já não faz pouco!... Quem manda aqui sou eu!... Deixei o resto comigo!...’.

Forçado a intervir no assunto, o caso ficou arrumado sem que a minha intervenção nele houvesse influído.

Pouco depois surgia em Fulacunda o senhor Capitão Cordes, que tomou conhecimento do número de indígenas que ali se encontravam, regressando novamente a S. João.

Pouco depois das 16 horas, tomava eu o caminho de Bolama, acompanhando os últimos indígenas – de Gam-Pará e Fulacunda –, ficando na povoação do régulo Buli, a fim de inquirir os motivos da sua desobediência e falta de palavra.

Disse-lhe algumas palavras amargas; fui até duro para com ele, e atingi-lhe o ponto vulnerável dos Beafadas, chamando-lhes preguiçosos, eternos desgraçados, acriançados, desobedientes.
Então, a reserva e o mutismo a que Buli se havia remetido quebraram-se e ele falou que a sua gente estivera toda reunida e estava ainda, quando recebeu um recado de Fulacunda dizendo que ele não seguiria. Que, em face disto, os seus homens dispersaram procurando as suas povoações, era este o motivo por que eu ali não achara ninguém e ele estava agora a sofrer de tal vergonha.
Como a camionete havia seguido para S. João, levando os últimos recrutados, pusemos os dois os pés a caminho e procurámos remediar este contratempo.

Concluindo:

Às 23 horas, pouco mais ou menos, chegávamos a S. João com 27 homens da jurisdição de Buli D’Jassi (que fiz transportar, juntamente comigo, em duas canoas gentílicas) desembarcando em Bolama cerca da uma da manhã, completamente encharcados, fazendo-os recolher à povoação de Mamadu Canté. E, sem ter jantado, sem dormir desde as duas da manhã do dia 11, após ter mudado de fato, acompanhado de Buli D’Jassi, uma hora depois, às duas da manhã, atravessámos para S. João indo percorrer o Quínara em busca de voluntários, onde conseguimos mais 23 que, também em canoas, fizemos transportar para Bolama, hoje às 8 da manhã.”

Não vale a pena fazer conjeturas sobre o procedimento do Administrador de Fulacunda quanto às instruções firmes do Governador Carvalho Viegas. Continuavam a ser muito melindrosas as relações entre os régulos Beafadas, não há qualquer elemento, só da leitura deste relatório, que permita supor que o Administrador geria airosamente o relacionamento entre régulos, procurava contrariar orientações de Bolama que agravassem as suscetibilidades entre régulos.

Acresce a hostilidade permanente entre os Beafadas e os Bijagós, estes últimos tudo fizeram para subjugar Beafadas, foram escorraçados, depois de muitas e ásperas lutas. E há documentos, como os relatórios dos gerentes do BNU da Guiné, assegurando que as vitórias de Carvalho Viegas nos Bijagós eram bem precárias. Mas em 1936, Canhambaque preferiu a capitulação, em todo o arquipélago passou a pagar-se tributo, a Guiné era oficialmente dada como colónia pacificada.




Primeira e última página do relatório do Tenente José Ribeiro Barbosa, à frente do Comando Militar do Oio, com data de 1 de janeiro de 1915, respondendo aos quesitos do Governador, publicados num Boletim Oficial de 1914.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19049: Historiografia da presença portuguesa em África (131): Relatório de um alto funcionário maltratado na Revolução Triunfante, 1931 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18553: Notas de leitura (1060): “Integração Nacional na Guiné-Bissau desde a Independência”, por Christoph Kohl, no Caderno de Estudos Africanos do Centro de Estudos Africanos do ISCTE, n.º 20, Janeiro de 2011 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Maio de 2016:

Queridos amigos,
Não se pode deixar ter em atenção a argumentação expendida por este antropólogo social alemão: o nível da integração nacional é relativamente forte, apesar da diversidade étnica. Ao longo de décadas, constituíram-se cimentos para o sentimento nacional: o crioulo como língua veicular, as mandjuandades, a rejeição à fragmentação étnica, a expulsão dos invasores no conflito militar de 1998-1999, as festas carnavalescas. No entanto, apesar deste sentimento nacional, os guineenses sentem-se desafetados do Estado, vítimas dos políticos e há um termo crioulo que surge sempre quando se fala (e muitas vezes se fala) de pobreza, infelicidade e miséria: koitadesa.

Um abraço do
Mário


A integração nacional na Guiné-Bissau

Beja Santos

No Caderno de Estudos Africanos do Centro de Estudos Africanos do ISCTE, n.º 20, referente a Janeiro de 2011 e organizado pelo investigador Gerhard Seibert sob o título “Identidades, Percursos e Clivagens nos PALOP”, tem particular interesse para aqueles que estudam a Guiné o artigo de Christoph Kohl denominado “Integração Nacional na Guiné-Bissau desde a Independência”. Christoph Kohl é antropólogo social.

O que o autor dá como apurado é que na Guiné-Bissau o nível de integração nacional é relativamente forte, apesar da diversidade étnica. Este caso de integridade nacional baseia-se na ideologia e política do antigo movimento independentista e na prática do jovem Estado pós-colonial onde se advogou um modelo de unidade nacional da diversidade étnica. Mas também nesta pesquisa se apurou que os guineenses vitimizam a sua nação quando a confrontam com o Estado. Uma invasão estrangeira durante o conflito militar de 1998-1999 reforçou ainda mais a integração nacional. Nesse mesmo conflito apurou-se uma ingerência da diplomacia francesa que se colocou ao serviço de Nino Vieira, no fim do consulado deste as instalações diplomáticas francesas foram assaltadas e destruídas, houve mesmo que vir ao auxílio das tropas francesas presentes.

Após descrever os pontos mais relevantes da luta armada e do papel do PAIGC, o autor refere-se à era de Luís Cabral a que se sucede o consulado de Nino Vieira que a despeito do multipartidarismo em que já decorreram as eleições de 1994 manteve o autoritarismo político e fomentou lutas pelo poder na esfera político-militar. A despeito dos rótulos de “frágil”, “colapsado”, “fraco”, etc, existe uma forte consciência nacional em que o crioulo é um verdadeiro cimento.

Muitos estados africanos têm sido qualificados nos anos mais recentes por fracos, não-Estados, frágeis, mas apesar destas nomenclaturas, as respetivas nações têm sobrevivido. É importante separar analiticamente os conceitos de Estado e de nação. Mesmo se um Estado é apresentado como inteiramente disfuncional, ou seja, o seu funcionamento não corresponde ao clássico modelo europeu baseado na terminologia de Max Weber, o Estado continua a existir se é caracterizado por uma pronunciada identidade nacional, mesmo que haja uma fraca identificação da nação com o Estado – é o que se pode verificar em muitos países que vêm no Índice dos Estados Falhados.

Os ideólogos europeus estavam convencidos que havia uma incontestável congruência nas entidades políticas e nacionais. Acreditava-se que uma homogeneidade cultural e étnica constituía a nação-Estado. No estudo sobre a Guiné-Bissau, é patente haver posições da nação contra o Estado. Para se perceber esta tensão, é preciso ir mais atrás, às fundações da Nação. Em contraste com líderes como Touré, Nkrumah ou Machel, Cabral não supunha ser necessário erradicar as identidades étnicas para afirmar a nova identidade nacional. Cabral estava convencido que fora ultrapassada a era dos grupos étnicos, dizia abertamente que todos poderiam avançar juntos em unidade.

A nação-Estado pós-colonial foi constituída por um partido, o PAIGC. A transformação da sociedade pós-independente pautou-se por um severo controlo político, uma expansão da burocracia, um novo regime em que foram excluídos os apoiantes dos portugueses e eliminados os dissidentes. As instituições eram controladas pelo Estado, o tribalismo passou a ser silenciado, era assunto tabu. Muitos dos elementos da elite dirigente do PAIGC estavam influenciados pela ideia europeia do Estado-nação. A esta recetividade agregou-se o anti-imperialismo marxista, apresentava-se como uma atrativa ideologia que prometia a liberdade face à denominação colonial. Entretanto, os sentimentos nacionais foram crescendo à volta do crioulo, das mandjuandades e as diversões carnavalescas, é esta a tese do autor.

 Guineenses em manifestação, arvorando sempre a bandeira do país

O crioulo é linguagem veicular interétnica por excelência. Recorde-se que durante a luta armada a Rádio Libertação privilegiava o crioulo. Passo a passo, o crioulo transformou-se de uma frente linguística do meio condutor do projeto da nação-Estado.

Mandjuandades são instituições de assistência mútua, são espaços de sociabilidade; há mandjuandades cristãs, muçulmanas e multiétnicas.

Depois da independência, era a Juventude Africana Amílcar Cabral quem coordenava as festas do Carnaval, a partir de 1984 será a Direção-Geral da Cultura a liderar o acontecimento. O Carnaval veio a criar uma identidade comum.

O autor questiona as ameaças postas pela fragmentação étnica. O exemplo mais evidente é Kumba Ialá e a tentativa de balantização do regime. O antigo Presidente da República foi frequentemente acusado de manipular e explorar vínculos étnicos para ganhar apoios e votos. Nas eleições presidenciais de 2005, puseram frente a frente Nino Vieira e Malam Bacai Sanhá, Nino insinuou os perigos de uma absoluta islamização de poder caso Malam Bacai Sanhá ganhasse. Nino apresentava o rival como um Mandinga quando este era de etnia Beafada. Isto fazia parte de uma estratégia deliberada para desacreditar Sanhá aos olhos dos Fulas. Porém a convivência pacífica nos grupos étnicos não foi profundamente afetada.

Passando para o conceito de vitimização da nação, recorde-se que os guineenses continuam a sentir-se comprometidos com a sua nação apesar de se sentirem desafetados do Estado. Os guineenses dão de si próprios um retrato de comunidade solidária de vítimas. O termo crioulo koitadesa deriva dos termos portugueses pobreza, infelicidade e miséria. Os guineenses têm uma longa experiência de autoritarismo e uma mentalidade de dependência, o que faz com o cidadão veja a classe política como aquela que procura o auto-favorecimento onde os políticos são indiferentes aos interesses nacionais. Algo se modificou com o conflito político-militar de 1998-1999. Este conflito é o exemplo mais eloquente de que uma população heterogénea pode cerrar fileiras face à chegada de tropas estrangeiras, a população guineense acabou por os encarar como inimigos da Nação. Outro aspeto curioso deste conflito é que as fações lideradas por Nino Vieira e Ansumane Mané reclamavam representar em nome da nação. A fação de Nino insistia na legitimidade constitucional e nos compromissos de assistência militar mútua com o Senegal e a Guiné-Conacri. A Junta Militar reclamava estar a combater pelo bem-estar da nação e acusava Nino Vieira de corrupção e má governação isto a par das reivindicações para melhores condições para a tropa e para os veteranos combatentes. A maior parte da população apoiou a Junta Militar enquanto as tropas estrangeiras eram consideradas como invasoras e uma ameaça para a nação guineense.

A França procurou aproveitar-se para ganhar influência política e económica, havia já um longo historial da presença francesa na região, no Casamansa, rios Nuno e Cacine no século XIX. O Senegal e a Guiné Conacri tinham pretensões quanto à Guiné-Bissau, tudo acabou por favorecer o sentimento nacional guineense.

Por último, recorda o autor, convém não esquecer que a nação guineense se construiu depois da função do Estado independente. Em suma, a Guiné-Bissau viu primeiro construída a nação e continua problemática a construção do Estado.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18542: Notas de leitura (1059): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (31) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18533: (D)outro lado do combate (27): A mobilidade das populações por efeito da guerra: o caso de Quitafine, com 41 tabancas que foram riscadas do mapa (ou cuja população foi deslocada), segundo relatório de cabo-verdiano, comissário político, José Araújo (1933-1992), casado com a Amélia Araújo, a nossa "Maria Turra" (Jorge Araújo)


Citação: Mikko Pyhälä (1970-1971), "José Araújo e Nino Vieira" [dois cérebros da guerra, sendo o primeiro, cabo-verdiano, com formação universitária portuguesa], CasaComum.org, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/ visualizador?pasta=11025.008.026 (2018-4-13) [ Fonte:  Fundação Mário Soares > Casa Comum >Arquivo Amilcar Cabral...com a devida vénia]



O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494  
(Xime-Mansambo, 1972/1974).


Mensagem do nosso editor, Jorge Araújo, com data de 13 do corrente:

Caro Luís, boa tarde.

Perdi a cabeça... numa 6.ª feira, treze.

Fiz mais um texto... deixando para trás outros mais antigos... é a vida!

No final do documento coloquei mais três fotos para, caso entendas escolher alguma, ou todas, as poderes utilizar.

Até breve. Bom fim-de-semana.


Ab. Jorge Araújo.

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > A FISIONOMIA HUMANA NO SECTOR DE QUITAFINE [FRENTE SUL] APRESENTADA POR JOSÉ ARAÚJO À DIRECÇÃO DO PAIGC EM RELATÓRIO DATADO DE 16OUT1971: A MOBILIDADE DAS POPULAÇÕES POR EFEITO DA GUERRA 


1.  INTRODUÇÃO



Porque tudo na vida é processo e projecto, conceitos que se reformulam na dialética "ordem / desordem" para dar lugar a uma nova "ordem", apresento hoje no fórum mais um tema novo, se a memória e a investigação não me atraiçoam, este relacionado com a "mobilidade das populações da Guiné, do nosso tempo, por efeito da guerra". (*)

É que, de facto, o comportamento psicossocial das populações no início do conflito ficou marcado, ou foi influenciado, inexoravelmente, pela sucessão de acontecimentos, que deram lugar a uma inevitável "desordem" social e étnica, alguns ainda antes do 23 de janeiro de 1963, com o ataque ao quartel de Tite, localizado na região de Quínara, e que depois se alargaram cumulativamente a todo o território.

A oportunidade desta apresentação, a meu ver, enquadra-se nas imagens que o nosso camarada tertuliano, o ex-alf mil inf Luís Mourato Oliveira,  tem vindo a partilhar neste espaço colectivo que é a «Tabanca Grande», e que estiveram guardadas durante mais de quatro décadas no seu baú de memórias. (**)

Por isso é justo e oportuno agradecer-lhe essa disponibilidade e atenção, ele que ficou também na história da guerra por ter sido, em função dos acontecimentos do "25 de Abril", o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74) antes da proclamação da independência da Guiné, declarada em 23 de Setembro de 1974.

Por outro lado, as últimas imagens postadas nos P18504 e P18517, tendo por pano de fundo a delegação do PAIGC que visitou Missirá em julho de 1974 no âmbito dos acordos de cessar-fogo, e com as quais se fecharia o ciclo temporal deste conflito armado, que uns chama(ra)m «guerra do ultramar», outros "guerra de África", outros "guerra colonial"  e outros  ainda  «guerra de libertação», conforme a sua posição no cosmo, continuam a suscitar novas reflexões, sinal que se mantêm bem vivas, em cada um de nós, algumas das memórias gravadas ao longo das múltiplas vivências desses tempos ultramarinos, independentemente do lugar, época e contexto.

Porque nos postes acima se referem as imagens de alguns dos actos finais ocorridos na mata do interior do território (Missirá, sector L1, região de Bafatá. zona leste, "chão fula"...), proponho voltar ao início do conflito, apresentando um pedaço da "geografia social e étnica" dessa época, em particular da região da Frente Sul [, segundo o dispositivo do PAIGC], especificamente do Sector de Quitafine, por onde tenho "circulado" nos últimos tempos (entenda-se, em termos de investigado), de modo a fazer-se a ponte temporal de mais de uma década.

Em função do exposto, é difícil não concordar que a mobilidade das populações, por efeito da guerra, foi uma realidade, obrigando-as a tomar opções concretas no imediato, cujas decisões só tinham três hipóteses principais: a primeira, ficando sob o controlo da "ordem instalada" (a administração portuguesa); a segunda, transitando para além das fronteiras (exterior); e a última, aceitar fazer parte do universo da guerrilha nacionalista.

Para a elaboração deste trabalho socorri-me, uma vez mais, de um documento existente nos arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973), disponível na Casa Comum – Fundação Mário Soares, intitulado «Relatório sobre o Sector de Kitáfine», assinado por José Araújo, Comissário Político e Produção para a Frente Sul, datado de 16 de Outubro de 1971, com trinta e nove páginas (sitio: hdl.handle.net/11002/fms_dc_40058).





Folha de rosto e introdução do relatório do José Araújo, "O Sector de Kétafinme" (sic), datilografado, 39 páginas, datado de 16 de outubro de 1971, e feito na base de Kandiafara (Guiné-Conacri). Fomte: Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral (com a devida vénia...)


Quanto ao perfil de José Araújo, de seu nome completo José Eduardo de Figueiredo Araújo (1933-1992), à data do relatório, ele era também membro do Conselho Superior da Luta e do Comité Executivo da Luta. 

À laia de resenha biográfica, acrescente-se que este dirigente do PAIGC nasceu em 1933 na cidade da Praia, ilha de Santiago, em Cabo Verde, foi aí que fez os seus estudos primários. Em 1942, com apenas 9 anos, seguiu com a família para Angola, uma vez que o seu pai era funcionário da Fazenda (Finanças). Com uma bolsa de estudos atribuída pelos Correios de Angola, José Araújo desloca-se para Lisboa com o objectivo de realizar os seus estudos universitários na Faculdade de Direito de Lisboa, onde, em 1961, concluiu a sua licenciatura em Direito. 

Porém, no ano anterior tinha-se tornado militante do MPLA na clandestinidade, depois de ter-se envolvido numa intensa actividade associativa universitária. Em 1961 faz parte do grupo de africanos,  universitários, que decidem fugir para França. Seguiu-se depois o Gana. Após ter militado no MPLA, associa-se ao PAIGC, vindo a instalar-se em Conacri, com a sua família, dois anos depois, em 1963.

Com a independência da Guiné-Bissau, as suas novas funções políticas foram desenvolvidas como ministro do Secretariado. Entre 1975 e 1980, foi ministro sem pasta. Após essa data transferiu-se para Cabo Verde, onde desempenhou as mais elevadas responsabilidades políticas no novo contexto, em particular o cargo de ministro da Educação. Viria a falecer na sua terra natal, exactamente dezanove anos depois do assassinato de Amílcar Cabral, em 20 de Janeiro de 1992 (Fonte: adapt. de pascal.iseg.utl.pt/~cesa/images/files/ diaspora2016_texto4.pdf).

À data da sua morte era casado com Amélia Araújo, a locutora da "Rádio Libertação", conhecida entre nós como "Maria Turra"  (vidé P15434).


2. A MOBILIDADE DAS POPULAÇÕES NO SECTOR DE QUITAFINE POR EFEITO DA GUERRA – 41 TABANCAS DESAPARECIDAS


A propósito do conteúdo do "relatório" elaborado por José Araújo, este refere que ele tem por base a sua missão ao Sector de Quitafine [, Kétafine, sic, como vem grafado no relatório], realizada entre 14 de setembro e 8 de outubro de 1971. Aí teve a oportunidade de contactar com todos os responsáveis desse sector, incluindo a visita a duas bases do Exército (em Comissorã e em Cabonelo), ao Hospital (em Campo, ou Campum, no relatório) e ao Posto Civil (em Cassacá), local histórico para o PAIGC, pois foi aí que realizou o seu 1.º Congresso, que decorreu entre 13 e 16 de fevereiro de 1964.

Acrescenta que o Sector de Quitafine foi dos primeiros em que se fez a mobilização e se instalou a luta armada. Foi aí, no mato de Campo, que, dizem os pioneiros, nasceu a primeira "barraca" [acampamento] do partido no Sul, ainda antes da guerra.



Guiné > Região de Tombali > Carta de Cacine (1960) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Cassacá, a 15 km a sul de Cacine, região também como conhecida como Quitafine (falta-nos  a carta de Cassumba, com a ponta sul de Quitafine, que não está "on line"... Ver também carta de Cacoca.)

Fonte: Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)

"A situação criada à aviação inimiga [NT] com a instalação de antiaéreas em Quitafine e as pesadas derrotas que sofreu na sua tentativa de recuperação dessas armas, talvez expliquem a sanha com que se dedicou à destruição de tudo quanto via mexer em Quitafine, nos anos 68 e 69. A partir de 69 (fins), Quitafine começou a "arrefecer". […]

"É preciso ter-se em conta este passado para se compreender muito da actual fisionomia de Quitafine e os seus problemas. Quitafine, que era das áreas mais povoadas do Sul, só tem hoje [1971] 12 tabancas, organizadas em 9 comités. Repare-se que aquilo a que hoje se chama Tabancas e a que se dão nomes antigos, pouco tem a ver com as antigas tabancas. As populações, que conservaram os nomes das suas antigas tabancas, estão dispersas nos tarrafos e num ou noutro mato mais favorável. 

Além disso, grande parte (se não a maioria) da população das tabancas antigas ainda "presentes" dispersou-se pelas tabancas fronteiriças da República da Guiné, quando não foi juntar-se aos tugas. Penso também que alguns erros cometidos no trabalho político inicial devem explicar a actual fisionomia humana de Quitafine" (op. cit., pp 2/3).


No Relatório estão identificados os nomes de quarenta e uma Tabancas que deixaram de existir na região de Quitafine, e que serão referidas abaixo.

A organização da sua apresentação contém alterações em relação à original. Como metodologia seleccionada, optámos pela ordenação alfabética para melhor localização da ordem estabelecida. Quanto ao conteúdo textual, existem algumas (pequenas) correcções, particularmente no que concerne à construção semântica e unificação da descrição, mas que não alteram o sentido apresentado.

Eis, então, os nomes da Tabancas desaparecidas por efeito da guerra no Sector de Quitafine (n=41)

● BANERE –> Tabanca de Fulas. Retiraram-se para CAMABANGA e SATENIA, na República da Guiné. O chefe – Mamassalu – encontra-se na segunda destas tabancas.

● BIRCAMA –> Tabanca de Beafadas. Foram todos para os tugas.

● CABOBAR –> Tabanca de Nalús, pequena. Uma morança só. Toda a gente retirou-se para GÃ BIT FONE, CARAQUE e BISSAMAIA, na República da Guiné.

● CABOXANQUE –> Tabanca de Fulas. Foram todos para a República da Guiné, tendo-se instalado em várias tabancas, em especial na de CUN-HA e CAMABANGA. [Não confundir eventualmente com Caboxanque, no Cantanhez, na oputra margem do Rio Cacine]

● CABOXANQUEZINHO –> Tabanca de Fulas e Tandas. Os tandas espalharam-se na República da Guiné, longe da fronteira. Os Fulas foram para os tugas, à excepção de duas pessoas (Beila  Baldé e a irmã), que foram para CALAFIMETE, na República da Guiné.

● CABOMA –> Tabanca de Sossos. Só duas pessoas foram para os tugas. O resto juntou-se à população de CAMISSORÃ.

● CABONEPO –> Tabanca de Sossos e Beafadas. Havia também um cabo-verdiano de nome Leão Gabriel. O caboverdiano foi para Dacar (ao que parece). O resto foi para CARATCHE, GAFARANDE e CABACO, na República da Guiné. Só ficou um Homem Grande, de nome Idrissa Keita, que se instalou no mato, em CASSACÁ.

● CACAFAL –> Tabanca de Nalús. Toda a gente foi para os tugas, à excepção do camarada Ansumane Djassi, do Exército, que está em FULA MORI.

CACOCA –> Tabanca de Sosso, Nalús, Bagas, Fulas e Lândumas. Só se retirou uma família (Canforseco Keita), que está em CAPOQUENE. O resto ficou com os tugas.

● CADUCÓ –> Tabanca essencialmente de Nalús. Foram para a fronteira, tendo-se instalado em CAN-HOR, uma parte, e a outra em CATCHIQUE.

● CAIANQUE –> Tabanca de Nalús. Refugiaram-se em CAMAÇO e CATCHIQUE, na República da Guiné,

● CAIÂNTICO –> Tabanca de Beafadas. Foi gente para os tugas e o resto para HAMDALAYE e CABUM-ANE, na República da Guiné.

● CALAQUE –> Tabanca de Sossos, Fulas, Manjacos e Lândumas. À excepção de duas moranças de Manjacos, toda a gente retirou-se para tabancas fronteiriças da República da Guiné. As duas moranças de Manjacos instalaram-se no mato de CALAQUE.

● CAMBAQUE –> Tabanca de Nalús. A maioria da população foi para os tugas. Alguns elementos foram para CASSAMA e CARAQUE, na República da Guiné. 

● CAMBEQUE –> Tabanca de Nalús. Retirou para BAKILONTON E IAMAN, na República da Guiné. Alguns foram depois daí para os tugas.

● CAMBRAZ –> Tabanca de Mandingas. Toda a população juntou-se aos tugas.

CAMECONDE –> Tabanca de Nalús. Só retiraram duas famílias (Almani Keita e Braima XCamaré), que estão em CASSANSSANE, na República da Guiné. O resto ficou com os tugas.

● CAMISSORÃ –> Tabanca de Sossos, Nalús, Mandingas, Beafadas e Fulas. Os Fulas foram todos para a República da Guiné. Houve também gente de outras tribos que se refugiou. Ficou pouca gente, que se refugiou nos tarrafos de CAMPUM [ou Campo], e que tem o seu comité.

● CAMPEANE –> Tabanca de Nalús e Sossos, essencialmente. Refugiaram-se igualmente em CAIETCHE e CATCHIQUE.

● CAMPEREMO –> Tabanca de Nalús e Beafadas. Uma morança de beafadas está em Hamdalaye. Uma outra (Mamadu Dabo) está para os lados de CANELAS. Duas famílias estão em CARATCHE (Ansumane Dabo e Tomás Dabo). O resto foi para os tugas.

● CAMPO –> Tabanca de Fulas. Retiraram-se para CASSEMAQUE, BAGADAYE, e outras, na República da Guiné.

● CANDEMPANE –> Tabanca de Nalús. Só ficou o camarada Ansumane Dabo, que é actualmente instrutor das FAL no sector. O resto foi para os tugas.

● CANFEFE –> Tabanca de Sossos e Nalús. Retiraram-se todos para tabancas da República da Guiné.

● CANTEDE –> Tabanca de Nalús. Toda a população juntou-se aos tugas.

● CANTOMBOM –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.

● CARIMPIM –> Tabanca de Nalús. Toda a população refugiou-se em CARATCHE.

● CASSENTEM –> Tabanca de Nalús e Balantas. Os Nalús foram para CALAFIMET e CAMAÇO, na República da Guiné. Os Balantas mantiveram-se no interior, tendo-se instalado nos tarrafos de TAFORE e CASSEBETCHE.

● CASSOME –> Tabanca de Nalús. Instalaram-se em CARAQUE, na República da Guiné.

● CATONAIE –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.

● CATRIFO –> Tabanca de Nalus. Toda a população foi para os tugas, à excepção da família Ali Keita, que retirou-se para MAMADIA, na República da Guiné.

● CATUNAIE –> Tabanca de Nalús. Ficou uma família (Abdu Camará) nos tarrafos de CASSEBETCHE. O resto refugiou-se em CASSEMAQUE, na República da Guiné.

● CATUNGO –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas, à excepção de uma mulher, Mama Camará que está em CARATCHE, na República da Guiné.

● CAULACA –> Tabanca de Sossos e Nalús. Dessa tabanca, que se tinha retirado para a fronteira com a República da Guiné, toda a gente voltou para dentro. Estão instalados nos matos de CASSACÁ.

● CUGUMA –> Tabanca de Nalús. Foram todos para CACINE.

● CUNFA –> Tabanca de Nalús. Toda a tabanca foi para os tugas, à excepção de uma família (Amadu Dabo), que retirou-se para IAMANE, na República da Guiné.

● DÉBIA –> Tabanca de Nalús. Alguns elementos refugiaram-se em TANENE e IAMANE, outros foram para os tugas.

● MANSABATÚ –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas, só tendo ficado uma pessoa – um camarada, o enfermeiro do bigrupo em missão na área, de nome Mamadu Keita, mais conhecido por Tam Atna. [Este bigrupo tinha como Cmdt Cinur N'Tchir, natural de Cafine, onde nasceu em 1943. Actuava na Frente «Buba – Quitafine»[

SANCONHÁ –> Tabanca de Beafadas. Foram poucos para os tugas, os outros estão para os lados de SANSALÉ, na República da Guiné.

● TADI –> Tabanca de Nalús. Toda a população refugiou-se em CARATCHE.

● TARCURÉ –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.

● TUBANDI –> Tabanca de Djacancas [um subgrupo da etnia Mandinga]. Retirou para CAPOQUENE e N'DJAILÁ, na República da Guiné.

Será que alguém ouviu falar ou esteve em alguma destas tabancas? [Há referências no nosso blogue a algumas destas tabancas, não fiz unma pesquisa exaustiva.]

Aguardo. Obrigado pela atenção.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
13ABR2018.



Citação: (s.d.), "Tabanca no interior da Guiné, ao fundo distinguem-se mulheres cozinhando", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_ dc_43022 (2018-4-13) (com a devida vénia).



Citação: (1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC numa tabanca", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43109 (2018-4-13) (com a devida vénia).

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Notas do editor:


(**) Vd. poste de 12 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18517: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, ago 73 /ago 74) (27): Visita de uma delegação do PAIGC a Missirá, em julho de 1974, no âmbito dos acordos de cessar-fogo - Parte II: Dando uma oportunidade à paz, depois de oito anos de guerra: os últimos dias dos bravos do pelotão