(...) Senti-me um tanto ou quanto penhorado quando há dias visitei o nosso Blogue, e li toda a introdução deixada pelo seu autor Jorge Araújo, ex-Furriel Mil da CArt 3494, a quem quero aqui deixar muito particularmente um forte abraço, pelo facto de se ter ocupado dos acontecimentos de Canquelifá, concretamente a respeito da morte do então saudoso Furriel Luís Filipe Soares. (**)
O Luís Filipe Soares, que também era meu amigo, pois é facto que assentámos praça juntos no RI7, Leiria, na recruta de então, para apuramento dos militares cujo seguimento seria o Curso de Sargentos Milicianos (CSM). Dado na altura eu possuir o 4.º ano industrial, e tendo corrido menos bem as provas de seleção, fui considerado não apto, tendo ele seguido em frente na sua formação.
Reencontrámo-nos em Abrantes, e por ironia do destino estávamos mobilizados para a mesma Província e Companhia.
O dia 6 de janeiro de 1974 foi o dia fatídico para o Soares, que ficará para sempre na minha/nossa memória.
Após os ataques consecutivos que antecederam os dias 2, 3, 4 e 5, a Canquelifá, cuja hora de início das flagelações foi variável, no dia 6, iniciaram-se cerca das 17h30, com intervalos de bombardeamentos compreendidos entre 10 a 15 minutos. Foram estimado na altura cerca de 40 a 50 foguetões 122 mm disparados durante todo o período da flagelação à mistura com o morteiro 120.
Anso Sané, em traje domingueiro |
- Nosso Capitão, “muri-lá” nosso furriel Soares, abrigo um.
O Soares encontrava-se na vala do lado norte do referido abrigo n.º 1, próximo a si refugiava-se também o “puto africano”, ou seja, o impedido daquele abrigo, que tinha por missão
O Soares tinha chegado a Canquelifá cerca de 3 ou 4 dias antes da sua morte, após o gozo de férias na metrópole, tendo ficado retido em Bissau durante um ou mais meses por motivo de não haver transporte para Canquelifá, acabando por chegar, por fim, numa coluna de abastecimento.
Relativo ao incidente a que o Jorge Araújo alude, no trajeto da sua urna até Bissau, sinceramente, também não me recordo.... Também foi notícia para mim.
Caro Jorge Araújo, espero desta forma ter contribuído para algum desmistificar do acontecido: o nosso amigo Filipe Soares não tombou em confronto direto com as tropas do PAIGC, mas durante o ataque, perpetrado contra aquartelamento de Canquelifáendo, com utilização foguetões 122 e morteiro 120, .
Retrocedendo nos acontecimentos, e bem assim no tempo recordando desta forma o dia 3 de janeiro de 1974, cerca das 16h00, o aquartelamento começou a ser flagelado com um tipo de arma, que para nós era nova, pois tratava-se na realidade dos foguetões 122 mm, cujo término de ação já foi de noite.
As consequências foram terríveis, sem explicação.
Descrever os chamados “horrores da guerra“ que estavam a ter o seu ponto alto, não é tarefa fácil, pois durante o desenrolar da flagelação foram-se criando alguns focos de incêndio na zona da população/tabanca, tendo-se desenvolvido ao longo de todo o aldeamento, que mais se assemelhava ao fim do mundo ou a um filme de terror, provavelmente um holocausto.
De lembrar que toda a colheita da mancarra (amendoim) daquela época se encontrava arrecadada em grandes quantidades no interior de círculos formados por esteiras seguras na vertical por estacas, ao lado da morança de cada proprietário, a aguardar a sua venda, para desta forma ser realizado algum capital, dando esta ainda maior consistência ao fogo deflagrado.
Para quem não possa imaginar, o amendoim é tão combustível como se de algum derivado petrolífero se tratasse, volvidas que foram cerca de duas semanas após os acontecimentos, ainda havia focos de chamas alimentadas pelos resíduos amontoados do amendoim.
Perante a situação anteriormente descrita, uma grande percentagem da população abandonou Canquelifá, tendo permanecido apenas 3 ou 4 “putos lava-pratos” de alguns abrigos, mais fiéis, entre eles o Ernesto Somaila Sané que era filho do Régulo da zona da Pachisse, tendo este sempre rodeado o pessoal de transmissões.
No dia 5 de janeiro de 1974, por volta das 14h00, toda a malta da companhia (CCAÇ 3545), aproveitando o que parecia ser um tempo de acalmia, apenas aparente, após a análise de tudo o que se encontrava à sua volta, decidiu abandonar os abrigos, cada um acompanhado da sua arma mais os parcos haveres.
Perante tal situação, todo o pessoal que se encontrava na área das transmissões, ficou aturdido, sem saber o que se estava a passar, facto estar ali toda a companhia reunida!
A intenção não passou disso mesmo pelo facto de o capitão ter pedido alguma calma, descendo ao posto de transmissões no qual estabeleceu contacto com Nova Lamego e desta creio com Bissau.
- Rapazes, é uma virtude confiar nos chefes. Vamos todos para os abrigos mais uns dias.
E assim foi, pois toda a companhia recolheu aos seus abrigos. de armas e bagagens, reconhecendo a Liderança e Motivação de um chefe. Honra lhe seja feita. (***)
- CCaç 3545 (-) em Canquelifá
- 1 Pel em Dunane
- 19° Pel Art (14cm) em Canquelifá
- 1 Esq do Pel CanhSRc 2298 em Canquelifá
- Pel Mil 267 em Canquelifá
- Pel Mil 268 en Dunane
Notas do editor:
(**) Vd. poste de 23 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16127: (De)Caras (40): A Canquelifá da CCAÇ 3545 (1972-1974) e os acontecimentos de janeiro de 1974: a morte do "ranger" fur mil op esp Luís Filipe Pinto Soares (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)