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terça-feira, 19 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22644: Os nossos regressos (41): O tempo até aos meus 25 anos e a minha vida de adulto (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732)

1. Mensagem do dia 18 de Outubro de 2021, do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 / BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), continua a falar-nos dos tempos próximos vividos após o seu regresso da Guiné.


O REGRESSO (3)

Os dias longos que vivi até aos 25 anos, idade do meu regresso, têm uma dimensão maior na minha memória do que os dias posteriores da minha vida de adulto, quando o tempo começou a fugir (tempus fugit). Os dias anteriores, da infância, adolescência, juventude foram dias de crescimento, de conhecimento, de reflexão, de rebeldia, à espera da independência, da liberdade e da mudança.

A vida militar pelo tempo excessivo que me ocupou e por me ter enviado dois anos para uma zona de guerra noutro continente,  partiu-me a vida em duas partes, que tive dificuldade em ligar quando regressei.

O passado volta do fundo da memória e ganha uma dimensão muito grande, longos dias os da infância, da adolescência, longos dias os da juventude passados em Portugal ou na Guiné.

Decidido a ter noites mais bem dormidas, saí da Pensão Mirandesa e fui para uma hospedaria na parte superior da rua Santa Catarina, bastante perto do trabalho, que era gerida por uma senhora "balzaquiana" solteira ou divorciada, já não sei, expedita e organizada. Fiquei num quarto individual com bom aspecto e condições, como no geral toda a casa.

Nesse tempo muitos solitários enchiam essas pensões e hospedarias legais ou ilegais, iam convivendo uns com os outros e por vezes fazendo boas amizades. Hoje não será muito diferente apesar das redes sociais.

Ao jantar, sempre bem servido, sentados à mesa, na hospedaria da D. Fernanda, estavam os seguintes comensais:
- Uma jovem atraente pela sua beleza e pela forma cuidada como se vestia e cuidava do cabelo, do rosto e da pele, que se dizia esteticista. Bem educada, procurava cultivar boas relações com todos.
- Um cabeleireiro de senhoras, divorciado, regressado há algum tempo de Angola, com cerca de 40 anos, que trabalhava na parte baixa da rua, um cavalheiro muito educado e sempre com boa apresentação.
- Um enfermeiro, divorciado, alto e forte, com cerca de cinquenta anos, regressado da África do Sul, que vivia num quarto com uma moça roliça e com pouca graça, sentada ao seu lado. Este senhor era um pouco abrutalhado, para uma profissão tão delicada, e grosseiro na sua relação com a namorada, já que por vezes, em frente de todos a descompunha por ela não arranjar trabalho. A "gata borralheira" teria o antigo quinto ano liceal mas somente tinha conseguido "esse emprego", de viver com o enfermeiro, que tirando-a de trabalhos, não lhe dava grande tranquilidade. Tinha apesar de tudo a atenção compassiva das senhoras da casa, enfim a solidariedade feminina existe.
- Um mecânico de automóveis, sociável e falador, que trabalhava numa oficina próxima.
- Dois provincianos, um do oeste, outro do leste de Trás-os-Montes, já com a tropa feita, a trabalhar nas Caixas de Previdência.
- De mim nada direi, já todos me conhecem um pouco.

Do meu colega, que trabalhava noutra instituição, e só o conheci lá, direi que era um coscuvilheiro maldizente que tendo andado a investigar a tal jovem esteticista, seguindo-lhe os passos, terá descoberto, segundo me disse, que ela não era esteticista mas sim manicure numa barbearia da rua da Constituição e que muitas vezes vinha um senhor de alguma idade buscá-la de Mercedes, perto da hospedaria.

Ele, penso que estaria frustrado por não ter as atenções da Cinderela mas na verdade ele não merecia mais do que uma bruxa má.

Por vezes em tardes de domingo que não saía fui convidado por essa jovem para estar com ela no quarto, que era grande, bem mobilado, com um toque feminino que o tornava mais acolhedor, para conversar e ouvir música, com as portas abertas, não fosse o diabo intrometer-se na nossa relação.

Tinha um bom relacionamento com ela e com o cabeleireiro, embora me parecesse que entre eles dois o relacionamento era mais próximo, o que seria natural dado que as suas profissões eram afins. Com os outros ia convivendo sem atritos.

Gostava de estar na hospedaria da D. Fernanda. O alojamento era bom, a comida também, o ambiente não era mau e estava a poucos minutos a pé, do trabalho.

Porém um dia, com muita pena para mim, fiz as malas e fui para uma casa de hóspedes mais barata, pois dei-me conta que não me sobravam muitos trocos para outros extras depois de pagar a mensalidade.

Esta ficava num quarto andar, de um prédio antigo, sem elevador da rua Formosa. Era uma casa modesta, gerida por um casal natural da cidade, ambos magros e de aspecto humilde. Fui alojado num quarto com outro hóspede um jovem de Pampilhosa da Serra que trabalhava e estava a acabar o curso de contabilidade. Gostei da companhia dele, era inteligente e trabalhador, e admirei a sua grande força de vontade já que ele, segundo contava, tinha por vezes dores de cabeça terríveis à noite devido a ter tido menigite, mas continuava a lutar pela vida, em duas frentes.

A casa entre os hóspedes era conhecida pela pensão da morte lenta. Já não sei se servia jantares, pois recordo-me de ir muitas vezes fazer essa refeição com outro hóspede, um bom camarada que tinha um trabalho técnico, natural de Fafe, a um restaurante próximo e barato.

Por vezes ia com ele ter com uns seus amigos e conterrâneos, dois rapazes próximos das nossas idades que viviam juntamente com uma irmã numa casa próxima. Trabalhavam na EDP, a irmã já não sei se trabalhava ou estudava, os três eram altos, muito agradáveis no convívio, muito parecidos, física e psicologicamente, até na forma de sorrir me pareciam iguais. A irmã um pouco mais discreta, por ser mulher, não deixava de inspirar uma abertura e franqueza idêntica aos irmãos. Havia uma grande harmonia entre eles talvez também por serem próximos na idade. Com eles e com o outro amigo sentia-me em família.

As nossas conversas versavam sobre o dia a dia, as nossas origens, as raparigas, o trabalho e pouco mais. Já todos tínhamos feito a tropa e experimentado as guerras de África mas evitávamos falar disso, porque eram memórias recentes que magoavam.

As minhas andanças por diferentes casas e ruas da cidade, irão acabar brevemente para me fixar durante alguns anos numa casa.

Até breve.
Francisco Baptista

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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22600: Os nossos regressos (40): Os nossos irmãos são sempre cópias desiguais de nós próprios, os amigos podem preencher um espaço de compreensão e entendimento que nem sempre encontramos em família (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732)

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22600: Os nossos regressos (40): Os nossos irmãos são sempre cópias desiguais de nós próprios, os amigos podem preencher um espaço de compreensão e entendimento que nem sempre encontramos em família (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732)

1. Mensagem de 4 de Outubro de 2021, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 / BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), continua a falar-nos dos tempos vividos após o seu regresso da Guiné.


O REGRESSO (2)

Os nossos irmãos são sempre cópias desiguais de nós próprios, tanto na forma como no feitio, pois na sua génese, foram buscar características que formam a sua personalidade a antepassados diferentes pelo que estão determinados a ter outras peculiaridades comportamentais que muitas vezes se chocam com as que nós recebemos. Sem sermos inimigos, o sangue comum procura impedi-lo, pela vida fora, vamos estabelecendo pontes de entendimento mas nunca nos completamos e temos tendência a desentender-nos.
Os amigos podem preencher um espaço de compreensão e entendimento que nem sempre encontramos em família.

Nesse tempo tinha amigos que a necessidade de convívio criava, amigos de café, de farras ou de ocasião. Havia ainda os amigos da terra para matar saudades de expressões idiomáticas comuns e de vivências passadas na aldeia. Faltavam-me amigos que se interessassem por assuntos, fora da rotina dos dias, que dessem outra dimensão à vida, políticos, artísticos, intelectuais.


O Barcelos Monteiro veio preencher um pouco esse vazio. Nesses anos pós 25 de Abril, em que a democracia se ia consolidando aos solavancos, ele será uma referência pessoal com quem vou interagindo, em acordo ou desacordo. Sendo muito loquaz , apesar da ideologia política que defendia tenazmente, releva as diferenças políticas, para falar com quem não queira fugir ao diálogo. Como amigo, procura também pôr-me em contacto com personalidades que vai conhecendo e que me possam interessar.

Nítida no ângulo das esquinas –
ó noite mais pequena do que a morte:
nas mãos abertas onde me fechaste
ponho os meus versos e a própria sorte.


As Mãos e os Frutos
Eugénio de Andrade


Li este poema e todos os outros desse livro, na adolescência, com a sofreguidão e o entusiasmo de uma grande descoberta. Sendo um bom leitor tive desde cedo uma grande admiração por escritores e poetas, génios, cheios de talento que nunca encontrava ou porque já tinham morrido ou porque moravam longe de mim .

Eu não sabia, até que um dia o Barcelos Monteiro me disse que o Eugénio de Andrade, sem dúvida, um dos maiores poetas portugueses do século XX, também trabalhava nos nossos Serviços, onde era conhecido por José Fontinhas, o seu nome de baptismo. Era inspector dos serviços pelo que não era visto muitas vezes, na sede da instituição, por causa do seu trabalho e do seu feitio reservado. Um dia cruzámo-nos com ele e o meu amigo com o entusiasmo, que lhe era próprio, apresentou-mo, cumprimentámo-nos, ele com indiferença ou até frieza. Enfim, não conheci o Eugénio de Andrade, conheci somente o José Fontinhas, Inspector dos Serviços-Médico Sociais, insensível e exigente, segundo ouvi dizer. Senti-me bastante frustrado e consolei-me com a ideia que ele estaria ocupado a construir mais um belo poema.

Vivia dentro de si mesmo e não precisava de sair para conviver, pois sendo um artista, teria uma vida interior muito rica.

Momentos agradáveis e relaxantes tínhamos por vezes, quando um chefe de divisão nos convidava para o seu gabinete, para uma conversa amena, sem política como tema. Era um homem conservador, culto, muito educado, distinto no trajar e na fala, com tiques de ascendência nobre, real ou fictícia, casado com uma médica, o que nesse tempo dava sempre outra distinção.

Quando fui para o Porto fiquei hospedado na Pensão Mirandesa, que já conhecia, situada na Avenida Rodrigues de Freitas, numa casa antiga de dois pisos e cave. Fiquei num quarto onde dormiam mais dois hóspedes diários, que como eu trabalhavam na cidade.
Os hóspedes da Pensão Mirandesa. na sua maioria originários do Planalto de Miranda (do planalto de Miranda. fazem parte os concelhos de Miranda, Vimioso e Mogadouro), sentiam-se em casa, pois ela era tal qual uma casa transmontana. no trato. nos afectos, na cordialidade, no ambiente familiar, na alimentação, na lareira sempre acesa no tempo frio.


Alguns vinham de carro, a maioria de comboio, traziam notícias, das gentes, das sementeiras, das colheitas, da construção das Barragens no Douro Internacional. Alguns traziam couves, batatas, castanhas, garrafões de vinho, galinhas, presunto, linguiças, alheiras, etc.

Os donos da pensão eram um casal, com cerca de 40 anos, natural de uma freguesia do concelho de Miranda. Ela era uma matriarca simpática que impunha respeito, que por ser paraplégica, tinha ficado assim com o parto da filha, andava sempre numa cadeira de rodas e dava as ordens necessárias para o bom funcionamento da casa.

Ele com um passado de contrabandista, de passador de emigrantes clandestinos e de políticos, alguns comunistas, para a França, conservava ainda essa agilidade de andarilho de todo o terreno. Amigo de muita gente estava sempre na disposição de desenrascar os clientes e amigos, no que fosse necessário.

Na sede da Pide, que ficava no Largo Soares dos Reis, à vista da pensão, já tinha sido maltratado e passado alguns dias preso, por causa da sua actividade como passador. No entanto, o Ilídio, assim se chamava, era um homem sem medo, de tal forma, que nesse ano de 1973, era na cave da sua casa que os dirigentes dos sindicatos dos bancários, dos metalúrgicos do norte e mais um ou outro, se reuniam para formar a Intersindical.

Os meus colegas de quarto, um deles trabalhava na mesma rua, no Grémio dos Comerciantes como administrativo, teria mais dez anos do que eu, tinha trabalhado em Angola e estava separado ou divorciado, o outro mais novo do que eu, cerca de cinco anos estava numa escola de condução a aprender a ser instrutor.

Durante alguns meses houve um bom convívio entre os três que se foi deteriorando para mim, porque o mais velho, não sei se perturbado por problemas com a namorada, passou a deitar-se mais tarde e arrastava o mais novo para lhe fazer companhia, o que me deixava menos horas livres de descanso pois eles deitavam se a desoras
Dada a situação resolvi procurar outro alojamento, o que me custou bastante e ao Ilídio e à mulher também, já que havia uma boa relação pessoal e familiar entre nós, há anos que davam hospedagem ao meu pai que vinha com frequência ao Porto, por negócios e ao meu irmão Tomás que era camionista.

O meu irmão quando tinha lugar estacionava o camião, que era grande para transporte de cortiça, do outro lado da rua, entre duas árvores, ficando encaixado numa distância de um palmo atrás e à frente, entre elas. Era um bom condutor de carros e camiões.

Estes dois companheiros de quarto e outros dois mirandeses ainda novos que entretanto se hospedaram na pensão, e talvez outros "soldados" que contrataram, depois do 25 de Abril, querendo tirar proveito da confusão gerada pela revolução, fizeram uma operação rocambolesca para assaltar o Banco de Portugal do Porto. Eu que conhecia bem pelo menos estes quatro penso que o plano terá sido gizado pelo Laurindo (chamemos-lhe assim, o mais velho) que não tendo qualquer ideologia tinha ideias estapafúrdias e terá pensado que iria conseguir com essa acção, alguma folga financeira.

Pintaram duas ou três carrinhas de verde tropa, arranjaram umas fardas verdes do exército, umas pistolas de alarme e uns varapaus pintados a fingir espingardas e dirigiram-se para o objectivo, na Praça da Liberdade, próximo da cervejaria Sá Reis. Terão entrado no banco, a notícia do assalto veio no dia seguinte na primeira página de alguns jornais em letras gordas. Confesso que este meu relato é um pouco fantasiado pois já não recordo os pormenores. Sei que rapidamente, o falso capitão e os falsos soldados, foram todos apanhados à mão.

E assim acabou ingloriamente esta arrojada aventura, que somente por chalaça se pode comparar ao assalto ao comboio-correio do Reino Unido.

Continua...

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22566: Os nossos regressos (39): Regressei em 1972 da guerra Guiné mais queimado por dentro do que por fora (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732)

domingo, 4 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17430: Blogpoesia (513): No Dia dos Amigos (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas do BCAÇ 3872)



1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 3 de Junho de 2017:

Alguém criou um dia para os amigos como se fosse preciso um dia para comemorar a amizade.
Este dia é todos os dias e mal vamos, quando passarmos as amizades para um dia no calendário. Mesmo assim foi pretexto para escrever umas linhas e dar um abraço a todos membros deste blogue.

Um abraço
Juvenal Amado


AMIZADE

Saio de dentro de mim
Pairo sobre o meu corpo
Volteio no éter
Inspiro à minha volta
Explodem!
Novas e velhas recordações
Tantos rostos, nenhum ódio
Os sentimentos tocam-me
Recordo a dor sem a sentir
Sinto os gritos sem os ouvir
Bebo sem engolir
Vejo o que percorri
Caminho mas não sinto o impacto
Um rio corre lá em baixo
Mergulho a pique
Sinto a água mas estou seco
Revisito-me e misturo as imagens
Algumas são só sombras
Adivinho-lhes o perfil
Modelo-lhe as formas
Quase lhes sinto o cheiro
Confuso abro as cortinas
Deixo entrar essa luz
Que clarifica e é continuidade
Que mantém o meu rumo
Que eterniza o sentimento
Estendo as mãos e toco-lhes
Porque a amizade
Essa vai continuar presente.

Para os meus amigos no dia da amizade
Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Junho de 2016 > Guiné 61/74 - P17428: Blogpoesia (512): "Hora da sorte"; "Convénio de gansos" e "Renegado...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16912: Inquérito 'on line' (96): "O meu inimigo de ontem nunca poderá ser meu amigo"... Resposta até ao dia 9, segunda-feira, às 18h36...



Guiné > Região de Gabu < Paunca > CCAÇ 11 (1969/74) > c. junho / julho / agosto de 1974 > A paz, depois da guerra, ou a guerra e a paz, como duas faces da mesma moeda... > O fur mil op esp J. Casimiro Carvalho, "herói de Gadamael", no meio dos inimigos de ontem... Fotos do seu álbum fotográfico, sem legendas... (*)

Agradecemos-lhe a coragem e a frontalidade com que, dezenas de anos depois, ele nos deixou ver, digitalizar e publicar essas fotos de inegável interesse documental. Este nosso camarada que vemos aqui a abraçar os inimigos de ontem, foi o mesmo que tinha escrito à mãe, em 6 de junho de 1974 a seguinte missiva:

"(...) Ficou, nesse encontro, determinado que amanhã o inimigo vinha a um quartel nosso visitar-nos, conhecer-nos, nós que nos matavámos [uns aos outros] sem nos vermos. Enfim, agora como está previsto, conhecer-nos-emos, se não houver imprevistos, e eu, que tanto os odiei, com o ódio que ganhei com a guerra, devido ao sangue que vi derramar, irei... talvez - quem sabe ? - ABRAÇÁ-LOS. Sim, porque eles lutaram para defenderem o que por direito lhes pertencia, um chão deles, bravos soldados como nós." (...).

É o mesmo J. Casimiro Carvalho que na batalha de Gadamael pôs a vida em risco para salvar outros camaradas (e nomeadamente o seu capitão) e que chegou a ser ferido.

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



I. INQUÉRITO DE OPINIÃO:

"O MEU INIMIGO DE ONTEM
NUNCA PODERÁ VIR A SER MEU AMIGO"


1. Não, nunca poderá vir a ser meu amigo


2. Sim, poderá vir a ser meu amigo


3. Talvez, depende das circunstâncias


4. Não sei responder


Este é o primeiro inquérito de opinião do ano de 2017... Vá lá, façam, o favor de responder... no canto superior esquerdo do blogue... 

Precisamos de 100 respostas, que é um número redondo... Até ao dia 9, próxima segunda-feira. O encerramento das "urnas" é às 18h36...(**)

O tema foi suscitado pelos postes do José Teixeira (P16905) (***) e do Carlos Vinhal (P16908) (****).


II. Comentário de Carlos Vinhal (****):
(...) E agora chegamos ao que aqui me traz, o inimigo de ontem, amigo de hoje.
Os movimentos de libertação foram criados e dirigidos por africanos portugueses que adquiriram formação académica universitária na capital do império, onde nas barbas do poder se organizaram. Apoiados por potências com ambições estratégicas em África, e acompanhando os ventos e marés que se faziam sentir, não foi difícil começarem a guerra que iria desgastar uns e outros quase até à exaustão. Portugal mobilizou metropolitanos e locais, e os grupos de libertação tentaram localmente arranjar simpatizantes para a sua causa. Os seus quadros tiveram formação de luta de guerrilha principalmente nos países do leste da Europa, acabando por terem no terreno a colaboração activa de especialistas cubanos e o apoio material desses mesmos países e outros.

Dizia Cabral que não lutava contra os portugueses mas contra o colonialismo, logo os quase 9000 mortos do nosso lado foram vítimas dos chamados efeitos colaterais. Alguns dos guineenses, amigos de portugueses e de Portugal, ao passarem-se legitimamente para o lado do PAIGC, movimento pelo qual lutaram, tornaram-se naturalmente nossos inimigos. Pergunto eu: e agora, acabada a guerra, voltaram a ser nossos amigos? Maneira muito romântica de ver a coisa.
Aquele guerrilheiro, que no calor da luta não me matou por caso, é agora meu amigo, também por acaso, digo eu. Se me tivesse acertado, lá se tinha ido a nossa amizade do pós-guerra. (...)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 29 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9826: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (9): Cartas de Paunca, SPM 5668, Parte II (J. Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp., CCAÇ 11, mai-ago 1974)

(**) Último poste da série > 6 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16805: Inquérito 'on line' (95): Texto e contexto: batota, balda, ronha, cobardia, indisciplina, traição?... Ou às vezes, também bom senso, experiência, velhice, sensatez ? (Hélder Sousa, ex-fur mil trms TSF, Piche e Bissau, 1970/72)

(***) Vd. poste de 1 de janeiro de  2017 > Guiné 61/74 - P16905: Fotos à procura de... uma legenda (80): Inimigos de ontem, amigos de hoje... (José Teixeira)
(...) O que estarão estes dois combatentes a planear?

Um, português, alferes miliciano, comandante em exercício da Companhia algures na Guiné. Outro, combatente do PAIGC. Reencontraram-se em 2013. Localizaram pontos comuns de convivência em barricadas opostas e toca a desenhar no terreno as suas posições estratégicas no passado ano de 1970 em que se enfrentaram em Jumbembem... Conversa amena que solidificou feridas e terminou num abraço.

Infelizmente o africano, funcionário da AD em Iemberém, já faleceu. Quem reconhece o nosso camarada, membro da nossa Tabanca Grande ? (...)


(****) Vd. poste de 2 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16908: (In)citações (104): Inimigos de ontem, amigos de hoje? (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil da CART 2732)

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14882: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (4): Os amigos e amigas que nos ligaram ao nosso mundo (José Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 12 de Julho de 2015, onde nos fala dos amigos que,  de alguma maneira, foram o suporte moral de muitos de nós, combatentes, enquanto em campanha.

Caríssimos
Não foram apenas a família e as namoradas que nos ligaram ao mundo do lado de cá da guerra, como podem ver nos anexos.

Abraços
Zé Teixeira


OS AMIGOS E AMIGAS QUE NOS LIGARAM AO NOSSO MUNDO

Alguma coisa se tem escrito sobre as noivas e namoradas que viram os seus “amores” partirem para Guerra Colonial. Seguiam-se normalmente cerca de dois anos de separação em que o amor e os afectos eram alimentados pelas cartas e “bate-estradas”,  vulgo aerogramas. Tempo de sofrimento. Tempo que nunca mais passava.

Um camarada meu recebia um montão de cartas sempre que a avioneta chegava com notícias frescas. A sua namorada assumiu o compromisso de lhe escrever todos os dias e ...ele correspondia de igual modo. Teve azar o Miguel. Uma mina traiçoeira roubou-lhe uma perna. Os seus gritos de dor eram entremeados com gritos de desespero porque pensava que ela, a sua querida, não ia querer um manco como marido. Felizmente o drama acabou bem. Hoje são um casal feliz.

E, quantas vezes, o tempo que teimava em não passar, fazia arrefecer o calor desse amor jurado e selado com beijos de saudade. Namoradas que, cansadas de esperar, por quem nunca mais chegava, mandaram o parceiro dar uma volta ao bilhar grande, para desgosto e sofrimento deste. O contrário, creio bem, que também aconteceu.

Os que conseguiram vencer esta difícil etapa tiveram com certeza uma recompensa proveitosa.
As madrinhas de guerra e o seu excelente papel no apoio aos seus afilhados. Algumas, deixaram-se apanhar pelo “cupido” e transformaram-se com o andar dos tempos em namoradas e até esposas. Outras, assumiam o papel de madrinhas de guerra como uma missão humana quando não patriótica. Elas eram raparigas novas cheias de vida, quantas vezes com compromissos de namoro assumidos com outro, eram mulheres casadas e até velhinhas.

Recordo o caso da madrinha de guerra de proveta idade, já avó e viúva que decidiu entrar nesta roda. Deu o seu nome a uma revista fofoqueira da época e lá lhe apareceu um candidato. Ao fim de algum tempo o “atrevidote” pediu-lhe uma fotografia, que teimava em não chegar. Depois foi mais longe e pediu em namoro. Claro que recebeu uma carta da senhora a dizer que aceitava o seu pedido de namoro.

Aproveitou para lhe enviar uma fotografia pessoal e informou-o do seu estado civil. Calculem o estado de espírito com que ficou o nosso camarada.

Havia ainda os amigos e amigas, sem qualquer rótulo, que nos acompanharam com a sua palavra escrita, naquele tempo de sangue, suor e lágrimas.

Há dias em conversa com uma amiga e esposa de um camarada combatente na Guiné, ao tempo, estudante na ESBAP – Escola Superior de Belas Artes do Porto, hoje uma conceituada pintora da nossa praça, disse-me ela que, em determinado ano escolar, os rapazes da sua turma desapareceram. Apenas ficou um porque era deficiente motor. Os outros “voaram” todos para a Guerra Colonial. A turma ficou vazia. A colega e amiga, tomou a iniciativa de manter uma ligação de carinho e amizade com os desventurados estudantes que desde há vários anos eram os seus amigos do dia-a-dia, assumindo o compromisso de lhes escrever a contar as novidades da escola e da terra. A linguagem que utilizou foi a que eles como estudantes de Belas artes melhor entendiam. O desenho com arte e imaginação, como se pode ver nas imagens.

Um dos colegas com quem ela se correspondeu, muitos anos depois, recordou esta forma de estar e devolveu-lhe com carinho alguns dos belos desenhos que recebera na selva africana, que aqui se reproduzem.

Eu fui dos que tive a sorte de ter alguém que de vez em quando me presenteavam com notícias frescas do meu País. Muito lhes devo pela sua presença fraterna e amiga que de vez em quando, dava sinais de vida, a lembrar-me que eu não estava só. A sua forma de escrita era diferente. Liberta de sentimentos amorosos e preocupações, enviavam notícias, comentários, contos e ditos, enfim!
Transportavam-me de novo ao meu mundo.

Acabada a guerra. Regressado ao ninho de afectos. Abraços distribuídos. Algumas cenas do outro mundo, contada. E a vida recomeçou. Cada um de nós seguiu o seu caminho. A amizade e a gratidão, essas ficaram cá dentro de nós, estejam eles ou elas onde estiverem.

Nunca mais pensei nesses amigos e amigas como os tais que se preocuparam com o meu bem-estar durante a guerra. Apenas a amizade ficou mais solidificada.

José Teixeira





(Cortesia de uma amiga que, ao tempo da guerra colonial, era estudante de belas artes. JT)
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Nota do editor

Primeiros postes da série:

26 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14799: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (1): Carta aberta aos camaradas da Tabanca Grande: o que fiz (e não fiz) como cofundador e dirigente da associação APOIAR (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

sábado, 8 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10773: Do Ninho D'Águia até África (33): O Grupo do Cifra (Tony Borié)

1. Mais um episódio, enviado em mensagem do dia 4 de Dezembro de 2012, da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (33)

O Grupo do Cifra

Perdoem lá, mas este texto é um pouco mais longo, pois o Cifra quer apresentar-vos as personagens que o acompanharam durante dois anos neste conflito, em que esteve envolvido, sem nunca ter dado um tiro, e para ele uma granada, era um bloco de ferro que o Curvas, alto e refilão às vezes carregava no bolso.

O Cifra tem fotografias de alguns, mas como devem compreender, não as pode publicar, pois não sabe se estão vivos, o seu estado de saúde, ou o seu estado social, portanto não quer de maneira alguma ferir a sua muito digna personalidade, oxalá estejam vivos, leiam estes textos e se retratem nestas personagens, pois foram os seus companheiros, os seus “heróis”, dos quais guarda as suas imagens, no fundo do seu coração, e o acompanharam em momentos de angústia, amargura, também com muitos sorrisos e às vezes até chorando, durante o tempo em que esteve neste conflito. Esta é a homenagem que lhe presta. Portanto cá vai, com a vossa também muito digna compreensão.

O Setúbal, para o Cifra, era mais do que o companheiro, o militar, o guerreiro ou o amigo, era qualquer coisa como aquele “garoto”, que todos nós tivemos na infância, que vivia na porta ao lado da nossa casa, na mesma rua ou na mesma aldeia, com quem brincávamos, jogávamos à berlinda, à bola, roubávamos fruta do quintal do vizinho, às vezes zangávamo-nos e andávamos à porrada, mas sempre amigos. Sim, era isso tudo, mas adultos e confidentes, pois o Setúbal, contava coisas ao Cifra da sua vida privada com aquela que iria ser a sua esposa amada, e que às vezes o Cifra não queria ouvir e lhe dizia:
- Essas coisas não se devem contar, são coisas tuas e da tua noiva, pensa nelas, nesses momentos que são única e simplesmente vossos, e que ao pensar neles, mais faz fortificar o desejo de a tornar a ver, e deste modo, não a vais esquecer nunca, e o amor entre vocês, cada vez vai ser maior.

Ele ao ouvir isto, começava a chorar, mas ao fim de algum tempo, voltava ao normal, e com a chegada até eles do Curvas, alto e refilão, que vocês já conhecem a sua desafortunada história, de relatos anteriores, que foi abandonado pela sua mãe, que andava “na vida”, ainda criança, e viveu “ao Deus dará”, como é costume dizer-se, sem nunca ter um carinho ou alguém que lhe limpasse o ranho do nariz, e sem nunca ter conhecido a palavra “mãe” ou a palavra “família”, passando quase a sua adolescência em escaramuças, negócios ilícitos e em esquadras e cadeias da capital, a perguntar:
- O que é que passa com este agora? Eu não disse, que depois que veio de férias e viu a noiva, veio um pouco “amaricado?

Mas adiante, o Cifra, o Setúbal e o Curvas, alto e refilão, eram amigos e faziam um grupo unido, era uma espécie de “Trempe”, era um “Triângulo”, a quem outros companheiros, às vezes queriam modificar, como por exemplo, o Mister Hóstia, a todo o momento, nunca perdendo nenhuma oportunidade de tentar convertê-los em bons cristãos, dizendo-lhes:
- Toda a vossa força unida tem que estar ao serviço de Deus, rezem e ajoelhem-se perante Jesus, que é o vosso Salvador, no lugar de andarem sempre a fumar e a beber, só pensarem no mal e nas “bajudas”, que vão ser a vossa perdição.

Como isto não chegasse, o Pastilhas, sempre que via qualquer um deste grupo aproximar-se da enfermaria, logo ia esconder o frasco do álcool, e dizia:
- Bêbados, vão morrer queimados por dentro e eu tenho muito prazer em ir ao vosso funeral.

Claro que o Curvas, alto e refilão, logo lhe respondia, naquela linguagem porca e agressiva:
- Oh pastilhas, deixa-te merdas, pois nós sabemos que às vezes ao fim da tarde, essas faces rosadas na cara, não são só do sol e o teu nariz às vezes também vermelho não engana, o que tu queres é o álcool só para ti.

O Furriel Miliciano, era tratado por este nome, porque era o seu posto militar, mas no tratamento, era simples, amigo, parecendo mais um companheiro, soldado combatente e sofredor. Do seu grupo de combate fazia parte entre outros o Trinta e Seis, o Marafado, o Setúbal, o Mister Hóstia e o Curvas, alto e refilão, e diziam que esse sim, era o líder. Quando saíam em patrulha, ele gostava do grupo, convivia, pois via neles uns “gajos fixes”, que fumavam cigarros feitos à mão, e sempre prontos para uma farra.

O Arroz com Pão tinha as suas queixas, mas passageiras, e no fundo, tirando o roubo do pão e de algum vinho, até gostava deles, pois às vezes ajudavam a descascar batatas, mas só em última necessidade, mesmo quando não houvesse mais ninguém, pois estragavam mais batatas do que o normal e queriam sempre a caneca do café cheia de vinho, às vezes dizendo:
- Fora daqui, vai-te lucro que me dás perca!

O Trinta e Seis, um soldado telegrafista, era um homem adulto no seu proceder, até responsável de mais para a sua idade, tinha algum poder de influência sobre o Curvas, alto e refilão, que o ouvia e só a ele obedecia, sem refilices. Diziam que quando saíam em patrulha, o Trinta e Seis ia sempre junto do Curvas, alto e refilão, e além de se protegerem um ao outro, o Trinta e Seis, controlava-o nas suas, por vezes, descontroláveis acções.

O Marafado, no princípio era alegre, gostava de vinho, e até cantava uns fados desafinados, mas depois que presenciou uma cena de uns prisioneiros mortos, onde os seus corpos foram queimados e enterrados numa vala, nunca mais foi o mesmo homem, para o final era um homem calado e marcado pela guerra, raras vezes se juntava, passava o tempo ouvindo música, o relato do seu Benfica e notícias no seu rádio portátil.

O sargento da messe compreendia o grupo, facilitava o acesso ao bar dos sargentos, talvez porque precisasse da ajuda do Cifra nas contas, pois era este que lhas acertava todos os meses, pois tinham sempre que terminar em zero, sem lucros nem perdas, e ele não era lá muito bom com algarismos, até diziam que era “burro”, passe o termo, pois era uma excelente pessoa, pelo menos para o Cifra.

O Comandante não queria que lhe fizessem a saudação, talvez para não saberem que era comandante e que dava ordens que matavam pessoas, dizia que estavam todos no mesmo barco mas com diferentes responsabilidades, o Cifra mais tarde veio a saber que era um apaixonado pela arte de fotografar, queria respeito, às vezes quando as coisas não corriam bem ficava com cara de Comandante, e quase todos o evitavam.

Também havia as filhas do Libanês que eram importantes para os militares estacionados em Mansoa, havia até quem dissesse que elas eram as causadoras de os militares tomarem banho mais frequentes vezes, vestirem roupa lavada e fazerem algumas vezes a barba, e pentearem o seu cabelo, portanto tinham mais poder e influência nos militares do que os seus superiores, que podiam dizer mil vezes para terem mais higiene pessoal, que a esses mesmos militares não lhes importava qualquer ordem nesse sentido, e que acima de tudo enchiam a igreja de perfume exótico, também se dizia que se não fossem elas a igreja talvez, em alguns dias, ficasse vazia. Talvez não fosse verdade.

Havia o “Life Boy”, de quem ainda não falei, mas irei falar lá mais para a frente, que veio para o aquartelamento algum tempo depois, que parecia um chinês, já sei que vão dizer que só faltava o “chinês”, e tinha uma costela de “Libanês”, pois passado pouco tempo de ter chegado ao aquartelamento, já se andava a fazer a uma das filhas do Libanês, era um pequeno comerciante dentro do aquartelamento.

A menina Teresa era quem escrevia as cartas que a mãe Joana mandava ao Cifra, tinha alguma influência nas decisões da família do Cifra e as referidas cartas tinham sempre o seu aval final, portanto quando o Cifra lia uma carta da mãe Joana, mais de metade eram opiniões dela, que vai ser protagonista de uma história um pouco bizarra.

Só havia o tal Major das Operações Especiais, o tal que deu uma bofetada, que mais parecia um murro, na cara de um guerrilheiro fardado, com as mãos amarradas, e que caiu no chão desamparado, por lhe ter dito que queria ser tratado como prisioneiro de guerra. O apelido do Major era Sardinha, portanto o Major Sardinha logo foi rebaptizado de Major “Petinga”. Queria a saudação sempre que com ele nos cruzávamos, o Cifra pensava que devia de ter sido promovido há pouco tempo, pois andava sempre vestido de camuflado, com um cinto, onde trazia uma pistola, os galões novos e reluzentes nos ombros, as botas sempre engraxadas, e como no comando a que o Cifra pertencia, tirando militares condutores auto, era tudo pessoal de gabinetes, que não deviam de saber acertar com um tiro duas vezes no mesmo sítio, alguns nunca tinham pegado numa G-3 nem nunca tinham tirado uma cavilha a uma granada, aquele Major vestido assim e com aquelas atitudes, fazia rir o pessoal, portanto, com tanto exagero, tornava-se ridículo.

A apresentação das personagens vai já terminar à frente. Um dia, este grupo do Cifra, do Setúbal e do Curvas, alto e refilão, mais o Trinta e Seis, regressando da sede do Clube de Futebol, juntos, passa pelo tal Major, que logo diz, com uma cara séria, mostrando autoridade:
- Vocês não podem andar assim em grupos, portanto a partir de agora separem-se, só podem andar dois militares juntos.

Nesse momento, o tal Major estava na companhia de mais dois ou três militares graduados, e o Curvas, alto e refilão, como era seu costume, pois não recebia ordens, logo lhe respondeu, colocando-se na posição de sentido, com a sua medalha Cruz de Guerra ao peito, fazendo o tal Major “Petinga”, também colocar-se na mesma posição, dizendo com a maior das calmas:
- Essa lei é só para nós ou para todas as patentes militares?














O Major “Petinga”, que era muito mais baixo na estatura, virou os olhos para o chão e respondeu:
- Vão lá embora, por esta passam.

Pouco depois, o Curvas, alto e refilão, quando junto do seu grupo, disse:
- Gostava de apanhar este filho da p..., lá no mato, debaixo de uma emboscada dos guerrilheiros, pois deixava-o lá sozinho.

Passado uns dias, quando o Cifra foi entregar uma mensagem decifrada no comando, o major “Petinga”, pergunta ao Cifra:
- Ouve lá, sabes se aquele soldado, a que chamam Curvas, alto e refilão, já matou alguém? Ele olhou-me com uma cara!

Pronto, já ficaram a conhecer esta “cambada”, que se forem simpáticos, pacientes e se também tiverem um pouco de heróis combatentes, mas mesmo muito pacientes, ao ponto de terem pachorra e resistência para estarem tanto tempo sentados e ler até ao fim estes textos, que às vezes a brincar, conta a verdade das situações de dor, sofrimento, angústia e também de algumas ocasiões menos más, não muitas, que todos nós vivemos nessa maldita guerra, na então província da Guiné.

Oh meu Deus, só agora é que vi, o texto é mesmo longo, desculpem lá!

(Texto, ilustrações e fotos: © Tony Borié (2012). Direitos reservados) 
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Dezembro de 2012 &amp;gt; Guiné 63/74 - P10759: Do Ninho D'Águia até África (32): Falsa notícia (Tony Borié)

sábado, 20 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3657: (Ex)citações (8): As lágrimas e os amigos (Ana Mendonça)

1. Mensagem de ontem, da nossa amiga Ana Lourdes Mendonça, esposa do nosso camarada Torcato Mendonça, e que passou recentemente por uma prova de fogo (*):

Obrigada, amigos (**).

Parafraseando um grande poeta:

“Amigos verdadeiros não são os que nos secam as lágrimas..
são sim os que não nos as deixam cair…”

BOAS FESTAS, FELIZ ANO 2009


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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 19 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3652: Blogoterapia (72): Voltamos a pôr a Ana (e o José...) a sorrir, na nossa fotogaleria (Luís Graça)

(**) Vd. último poste da série (Ex)citações > 28 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3533: (Ex)citações (7): A reciclagem das garrafas de cerveja na Ponta do Inglês (José Nunes / Manuel Moreira)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2472: Guineenses da diáspora (1): Luís Humberto Monteiro, há 23 anos no Brasil (Virgínio Briote)


O Luís Humberto, procedendo a arrumações (?), num local (Brasil?) que não indicou.

Foto: Luís Humberto Monteiro (2008).



Notícias da diáspora guineense... Não podemos ignorá-la... Os melhores quadros da Guiné-Bissau (médicos, engenheiros, juristas, investigadores, gestores, empresários...), mas também muitos dos seus melhores jovens vivem e trabalham no estrangeiro... Que esperança resta a quem fica ? É importante conhecermos as histórias de vida, os sentimentos, as emoções, as expecativas de quem, um dia, por uma razão ou outra partiu, à procura de melhor sorte..

O termo diáspora não tem nada de crítico, depreciativo, paternalista ou, muito menos, neocolonialista. Ainda recentemente se realizou, em Lisboa, de 7 a 9 de Dezembro último, o I Fórum de Diálogo e de Intercâmbio da Diáspora Guineense em Portugal... em que, de resto, participou como orador o nosso tertuliano Leopoldo Amado...

Por outro lado, as remessas de dinheiro, enviadas pelos guineenses da diáspora para as suas famílias são de uma importância vital para a economia da Guiné-Bissau. Segundo uma estimativa do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), um organismo ligado à ONU, a Guiné-Bissau seria o país de África mais dependente das remessas dos seus emigrantes:

(...) Em África há países cuja 'dependência' das remessas é mais do que notória, sendo a Guiné-Bissau um deles. Com uma diáspora recente, e com o país praticamente paralisado economicamente, as transferências da diáspora guineense responderam, em 2006, por 48% do PIB desse país, o que o coloca no primeiro lugar de África. Em S. Tomé e Príncipe, essa contribuição ficou calculada em 39%, seguindo-se a Eritreia com 38%...

Relativamente a Cabo Verde, cuja contribuição das remessas para a formação do PIB tem vindo a decrescer com a expansão de outros sectores económicos, nomeadamente o turismo, as divisas dos emigrantes agora representam 34%, ainda assim um dos mais altos do mundo (...) (A Semana 'on line').

Abramos, pois, uma nova série para falar sobre (e deixar falar) a diáspora guineense... (LG)


1. Do Brasil, mensagem de Luís Humberto Freire Monteiro, 15 de Janeiro de 2008, enviada ao co-editor vb:

Gostaria de conhecer um pouco da tua história como comando e dos demais companheiros, tais como o Djamanca (...).


2. Comentário do vb:

Pensei que fosse um antigo Camarada da guerra da Guiné, residente no Brasil, querendo saber de Camaradas que eventualmente tenha conhecido naquelas terras. Respondi em 20 de Janeiro de 2008:

Luís Humberto,

Publiquei em tempos um blogue, o
http://tantasvidas.blog.pt/, um 'ajuste de contas' com o meu passado militar. Nele pode encontrar referências e imagens do Djamanca e de outros Camaradas daqueles tempos.

Cumprimentos,

vb

3. Nova mensagem do Luís Humberto Monteiro, com data de 21 de Janeiro

Agradeço por ter respondido meu e-mail. Eu sempre tive admiração dos comandos africanos desde os idos anos 72. Na verdade eu já era um moço, e com certeza se não fosse a independência eu seria dos comandos.

Pena que a nossa história fala pouco ou quase nada a respeito. Na verdade digo mais, a política de Spínola POR UMA GUINE MELHOR, houvesse tido sucesso, seria uma Guiné Melhor, e não a Guiné de hoje.

Eu sou Guineense radicado no Brasil por conta própria, há 23 anos e sempre tive curiosidade de ler as informações que o Sr. Luís Graça nos proporciona na Internet, daí eu vi que tu eras um dos comandos no front em Bissau.

Resolvi-te mandar este pequeno e-mail solicitando algumas informações a teu respeito e a dos demais comandos.

O que poderes me mandar a respeito da guerra colonial eu agradeço desde já,
Um grande abraço


4. Identificado o Autor da mensagem, prossegui, incentivando-o a dizer algo sobre ele:

Caro Luís Humberto,

Une-nos um passado comum. Assim quis a História dos nossos Povos Irmãos. Nem sempre nos demos muito bem, o que só dignifica a natureza de que és feito. Pertences a um Povo indomável, orgulhoso da Mãe África.

Luís, fala algo de ti, apresenta-te. Onde nasceste, quando, quem eram os teus Pais, qual a tua etnia de origem, onde estudaste, como foste parar ao Brasil. Lembras-te de alguma coisa da Guerra no teu País? Tens uma foto tua, para dar a tua entrada no blogue? E permites que a faça?

Um abraço, com os desejos que sejas muito feliz,

Vb

5. Não tardou a resposta do Luís Humberto (*):

Eu sou Guineense radicado no Brasil há 23 anos, vim para cá aos 19 anos, porque percebi após o golpe de estado do NINO, Bissau estava indo para bancarrota, resolvi sair fora em 1984, quatro anos após o golpe de estado.

Nasci em Bissau no bairro de Am[e]dalai, estudei na missão católica, frequentei o liceu de Bissau, e a minha etnia é PEPEL.

No Brasil formei minha família com Brasileira e tenho dois filhos (um casal), especializei-me na área de informática , tenho nível médio, é com essa formação que sustento minha família.

Não tenho partido político desde 1998 e não vou a Bissau de férias.

Eu lamento profundamente que a Independência que todos nós almejámos não era essa independência (dependência) que hoje a Guiné-Bissau vive. Temos um velho ditado que diz TEMPO DI TUGA MÁSSABI (traduzindo, Tempo Colonial Era Melhor). O PAIGC não gostava muito de ouvir isso.

Volto a repetir a título de informação, me interessei pelo blogue do Sr. Luís Graça, porque é o que mais abordou a nossa história da guerra , e por seres um dos daquela época, resolvi te procurar.

Muito obrigado pela interação.

__________

(*) Em anexo o Humberto enviou-me o artigo transcrito abaixo e publicado, em 18 de Janeiro de 2008, no sítio
http://www.didinho.org/pensador.htm

Crónica de um Descrente!



Elia, o homem mais velho da aldeia. Foto de
Ernst Schade, publicada na página do Fernando Casimiro (Reprodzida aqui, com a devida vénia...).


Por Marinheiro da Solidão (em homenagem a Jorge Cabral)
Janeiro de 2008

Após quase 4 horas de viagem, o avião inicia o seu trajecto descendente. Começa-se a vislumbrar o verde do meu país , cortado por braços de água. Uma imagem quase idílica. Não há dúvida que a mãe natureza foi generosa.

O avião imobiliza-se. Somos recebidos por um bafo de humidade. Estamos em casa. O aeroporto encontra-se apinhado de gente. Está quente. Vejo vários aparelhos de ar condicionado, mas nenhum parece funcionar.

À entrada uma oficial da Polícia de estrangeiros e Fronteiras dá-me as boas vindas. Quase que nem olha para o meu passaporte. Diz-me directamente e sem grandes subterfúgios:
- Amigo...Nô tene peditório!
Diz-me isso com o ar de quem não está à espera de uma resposta negativa. Confiança acima de tudo! Siga!

Passado esta recepção agradável, chega a etapa de arranjar um pedaço de chão em frente ao tapete rolante. As pessoas armam-se como podem para a batalha da colheita de malas.. Aqui e ali ouve-se:
- Amigo, amigo, qui mala i di mi, qui mala i di mi...
Após uma longa batalha e litros de suor...tenho a minha mala. Dizem-me que tive sorte. Ela chegara intacta! Pelos vistos, não tem sido costume.

Segue-se a etapa da abertura e revista das malas. Diz-me um militar todo solícito:
- Djubi dé...pa ka no cansau kabeça, danu dê qualquer kussa...

Que simpático, penso eu! Ao fim de 2 horas no aeroporto, vejo o sol. Vamos enfrentar a cidade de Bissau.

Cá estou eu na Avenida principal a caminho do centro da cidade. De ambos os lados vejo, em construção, autênticos palacetes... dizem-me que é a nova moda (da estrada do aeroporto a Antula, do Bairro de Ajuda ao Sacor, passando por Safim). Pelos vistos, muita gente recebeu heranças inesperadas em pouco mais de um ano. A julgar pelo que vejo, acredito!

Chegado a casa, dizem-me que estão há 5 dias sem água ou luz. Não acho estranho, estou mentalmente preparado! Mas de repente...dizem-me que sou um sortudo...Não é que "luz ku iagu bin"! Alegria total.

Nos dias seguintes sou brindado por imagens de jeeps e mais jeeps (seja o célebre Hummer ou o K7 ou sei lá mais o quê). Está bem que a estrada não está lá grande coisa, mas com aqueles carros quem é que precisa de estradas? O trânsito está infernal na Av 14 de Novembro. Pelos vistos não há mais nenhuma estrada de jeito!

Encontro toda a gente preocupada com os salários...Todos perguntavam se o governo iria pagar antes das festas (tanto muçulmanas como católicas). Pelos vistos, até ao fim do ano não houve nada para ninguém! Também não ouvi nenhum governante dar explicações. Aliás, em duas semanas, não me lembro de ter ouvido alguém com responsabilidades no país dizer alguma coisa sobre qualquer coisa.

Pessoas próximas contam-me de casos passados no Hospital Simão Mendes. Parecem tirados de um filme de terror de 7ª categoria. Por exemplo, na maternidade há preços para tudo. Uma cesariana custa à grávida 45.000 francos XFO, tendo ainda de pagar:
- O jantar do médico (com letra bem pequena) - 10.000 XFO
- As noites passadas no hospital (sendo que o dormir no chão custa 2500 XFO/noite)
- As enfermeiras cobram para cada curativo ou cada injecção, tendo ainda as pobres parturientes de se levantar, indo ter com as excelentíssimas senhoras enfermeiras (elas dizem que sim) aos seus cadeirões respectivos para fazerem, muito contrariadas, o tal penso!

Sinto-me nauseado. Prefiro não ouvir mais. Mas pelos vistos nem tudo corre mal. As discotecas encontram-se cheias. Qual cenário hollywoodesco...é ver chegar carros topo de gama com jovens da nossa praça que, de um momento para o outro, são os novos ricos do país, concorrendo pela posse das miúdas, mesas na discoteca e em casos extremos fazendo uso das suas belas pistolas em plena pista para marcar o seu território nos negócios! Um cenário a lembrar os gangs dos Estados Unidos..muitos filmes andam a ver de certeza. Dizem-me que são presos na hora pelos Ninjas. Mas no dia seguinte encontro-me com eles pelas ruas esburacadas de Bissau. Afinal quem é que manda?

Pela primeira vez na vida, estou desejoso para que as férias em Bissau cheguem ao fim. Mas antes de deixar o país sou confrontado, no aeroporto Osvaldo Vieira, com mais uma sessão de peditórios, desde o pessoal que anda a fazer revista das malas ao oficial de polícia que tem como obrigação controlar o passaporte no acto de saída (a este, digo que já não me resta um único euro...olha-me com um ar furioso! -ali bu passaporte!). Agradeço.

Finalmente, o Airbus da TAP faz-se à pista e descola! Pela primeira vez sinto-me aliviado ao deixar o meu país.

Durante a viagem vem-me à cabeça o poema, Desafio, de
Tony Tcheka.

Desafio

Até parece
que a Sul o tempo parou
até parece que o Sol
que nos queima
é obtuso e sisudo
até parece
que fomos privados
do apetite
da vontade
da lucidez
até parece
que irrompemos
d'algum ventre enteado
palavra que parece
Até parece que perdemos o Norte
e que o Sul é recôndito
confinado à malvadez
e cozinhados da fada má
Sul é amargo da boca
e o Santo na mão
Será sina castigo ou destino
marcado nos porões negreiros?
E o desespero a fome
a doença os bolsos minguados
todos esses fieis companheiros serão mosteiros
ou simples penitência
para salvar a alma do corpo sofredor?
Mas palavra que apetece
soltar um grito
e desafiar de vez
esta força imensa
que se alimenta da minha doir
da nossa dor!
__________

Nota de vb:

A propósito de um artigo do Leopoldo Amado (salvo erro) "Coisas de Brancundade", escrevia eu, vb, há tempos atrás a um Camarada do blogue:

"O que dirão os que lutaram pela independência dos seus chãos? Foram tão dignos na luta, como indignos devem ter sido alguns que assumiram o poder depois de Setembro de 1974.

Mas, este assunto é deles, de um país independente. Como é que verão, como é que eles nos verão a discutir assuntos da vida deles?

Do nosso blogue, sei-o porque já o ouvi, fala-se que é um blogue do lado deles, do PAIGC, entenda-se. Que estamos a glorificar a luta deles, com pouco respeito pelos nossos que lá deixaram a carne, os ossos, tudo. E que o Simpósio da Guiné, é o exemplo da negação da nossa luta e da justiça da luta deles.

E, se agora, abrimos o blogue a um diário da Guiné actual, o que dirão de nós? E, no entanto, faz-nos falta que alguém nos fale da Guiné."


A resposta do Camarada:

"Não temos medo das palavras... O nosso blogue deve ser um espaço aberto, crítico mas aberto e franco. E porque não fraterno ? Agora, não é decididamente do PAIGC. O que se passa hoje na Guiné-Bissau (e que é trágico, deprimente) não tira qualquer legitimidade (histórica) à luta do PAIGC.

A nossa guerra estaria, sempre fatalmente, condenada à derrota. Eu sei que é duro dizê-lo, em letra de forma, ainda hoje, perante camaradas (portuguses e guineenses) que deram o melhor da sua juventude na luta contra a guerrilha do PAIGC (e muitos a vida ou a saúde). Respeito profundamente esse sentimento de perda, de luto e de impotência. "

domingo, 5 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1250: Os amigos são mesmo para as ocasiões, Leopoldo Amado!

1. Mensagem do nosso amigo, tertuliano, luso-guineense, Leopoldo Amado (1):

Organizado pelo Centro de Estudos de História Contemporânea do ISCTE, em Lisboa, teve lugar, entre os dias 3 e 4 do corrente mês, uma conferência em que se discutiu a guerra colonial. Fui convidado como conferencista a proferir umas palavras sobre «as implicações internacionais das guerras de libertação: o caso da Guiné».

Surpreendentemente, o Carlos Fortunato, o Pedro Lauret e o Luís Graça (todos membros da nossa Tertúlia) resolveram fazer-me uma agradável surpresa. Compareceram os três e pudemos conhecer-nos em pessoa. É escusado dizer que para mim foi algo extraordinário (certamente para eles também), pelo que aqui os deixo o testemunho do meu regozijo e os profundos agradecimentos pelo seu gesto.

Por razões profissionais e outras, lamento estar por agora um pouco arredado dos nossos profícuos debates, mas aqui fica a promessa de um regresso a breve trecho.

Cumprimentos
Leopoldo Amado


2. Comentário de L.G.:

Leopoldo: Os amigos são mesmo para as ocasiões. Eu já sabia da tua participação nesta iniciativa através de um e-mail do nosso camarada João Tunes. Divulguei, muito em cima da hora, através da nossa rede, a notícia desse Encontro Internacional, em Lisboa, nos dias 3 e 4 de Novembro, subordinado ao tema do Império: Guerra, Revolução e Descolonização… Foi, de facto, no ISCTE, aqui em Lisboa. A entrada no Encontro era livre, mas uma inscrição de 5 euros dava acesso aos resumos das comunicações e ao catálogo da exposição.

O nosso tertuliano Leopoldo Amado (doutorando em história contemporânea, pela Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa) fez uma comunicação, na manhã do dia 3, sobre As implicações da guerra de libertação: o caso da Guiné-Bissau...

Fiz um esforço para lá dar um salto, ainda tive a sorte de ouvir o Leopoldo, de lhe dar um abraço, de lhe desejar boa sorte para as provas públicas em que irá, em breve, defender a sua tese de doutoramento, e ainda por cima tive a grata supresa de encontrar o Carlos Fortunato, além do Pedro Lauret (de cuja presença, aliás, eu já estava à espera)... No meio dos abraços (havia ainda gente do meu tempo de ISCTE, a começar pelo Prof. Doutor Arsénio Nunes), deixei fugir o Aniceto Afonso, coronel e historiador, que o Pedro Lauret ficou de me apresentar...

Estamos a organizar um pequeno/grande grupo de amigos e camaradas da Guiné para dar apoio ao nosso Leopoldo, quando em breve ele for defender, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a sua tese sobre a Guerra de Libertação 'versus' guerra colonial: o caso da Guiné-Bissau... Mais do que convidados, estão mobilizados todos os nossos amigos e camaradas de Lisboa e arredores, que estiverem disponíveis na altura (O dia, a hora e o local serão oportunamente comunicados à tertúlia)... Vamos mostrar-lhe o que é amizade, a camaradagem e a solidariedade luso-guineenses...
____________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 4 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P840: Curriculum Vitae do nosso doutorando Leopoldo Amado

sexta-feira, 3 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1244: Continuaremos... amigos, brancos e negros (Paulo Santiago)

Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > Saltinho > Pel Caç Nat 53 > Distintivo da unidade: "Continuaremos"...

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.

1. Texto do Paulo Santiago, de 6 de Outubro de 2006:

Luís

Pedias um título para as histórias da minha vivência na Guiné com o Pel Caç Nat 53. Fui ao distintivo do 53 e penso que poderá ser CONTINUAREMOS...AMIGOS.

CONTINUAREMOS...AMIGOS dos nossos camaradas do Pelotão, brancos e negros;
CONTINUAREMOS...AMIGOS de outros camaradas militares com quem convivemos;
CONTINUAREMOS...AMIGOS dos civis que conhecemos pelas tabancas;
CONTINUAREMOS...AMIGOS dos outrora designados inimigos.

Aguardo a tua opinião sobre o assunto.

Junto o distintivo do Pel Caç Nat 53.
Um abraço do
Paulo Santiago

PS - Não sei qual o meu antecessor que imaginou o emblema.


2. Comentário de L.G.:


Olha, Paulo, se queres saber a minha opinião, não te achava com tiques de poeta, o teu ar de guerreiro, viking, façanhudo era mais consentâneo com a ideia que a gente faz de um comandante de pelotão de caçadores nativos... Não segui a tua sugestão, pela razão simples de que a vida de um editor de blogues é uma grande blogaria, o que o obriga a decisões rápidas, que nem sempre são as mais acertadas e concertadas, como deves imaginar... Se eu fiz mal a escolha (1), espero que me perdoes...

Em contrapartida, achei bonita, solidária, apropriada, congruente, de bom gosto, a tua glosa... Ficaria mais preocupado se tivesses uma deriva para o abismo, do género Continuaremos... pátria ou morte; Continuaremos... até à última gota de sangue; Continuaremos... até onde der o depósito de gasolina; Continuaremos... até à vitória final; Continuaremos... até ao fim; Continuaremos... até que se acabem as munições; Continuaremos... até à próxima curva do caminho... A ideia pode heróica, mas a frase não se presta a título de post: preferi um título mais prosaico, Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (que de resto mereceu a tua posterior concordância)...

A verdade, amigo e camarada, é que não se passa impunemente, incolumemente, pela Guiné sem deixar lá nossa amizade e trazer de lá a amizade dos guineenses... Os conflitos passam à história, e fica o melhor de cada um dos nossos povos.... Não é demagogia: tu mesmo, durão, tiveste que lá voltar, à Guiné, com o teu puto (que lindo!), no regresso de todas as emoções, em Fevereiro de 2005...

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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado

13 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1170: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (2) : nhac nhac nhac nhac ou um teste de liderança

19 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1192: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (3): De prevenção por causa da invasão de Conacri

quinta-feira, 14 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1072: Uma comunidade de afectos: relembrando o Furriel Branquinho (Pel Caç Nat 63) (Jorge Cabral)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 > Março de 1970 > Dois amigos, o Alf Mil Jorge Cabral, e o Fur Mil Branquinho.
Foto: © Jorge Cabral (2006)


Companheiro Luis,
Também graças ao blogue, estou a recordar os Amigos do Pelotão. Hoje é a vez do Branquinho.

Um grande Abraço
Jorge


Os Amigos

Todas as minhas estórias, aventuras e desventuras, foram vividas colectivamente, entre Amigos, no meu Pelotão, que constituía, acima de tudo, uma Comunidade de Afectos.

De todos, furriéis, cabos, soldados, guardo as mais gratas recordações, mas hoje quero realçar, porque é de Justiça, o meu Amigo Branquinho.

Ao longo da vida conheci e trabalhei com muita gente, mas jamais encontrei alguém tão leal. Entre nós, logo desde o início, estabeleceu-se uma tal cumplicidade, que nem sequer necessitávamos de palavras para nos entendermos. Juntos estivemos vinte e um meses, e nunca surgiu a mais leve desavença. O Branquinho, mais do que o meu braço direito, foi sempre o Amigo Certo, na Alegria e na Tristeza.

É tempo de te dizer, Branquinho, Obrigado! Pela quotidiana, sã e total fraternidade!

Às vezes eu próprio me interrogo. Saudades da guerra? De quê? Dos Amigos! E de entre eles, do Branquinho. De poder contar com um Amigo como ele, nesta época de compadrios, interesses e troca de favores, sim, faz-me sentir saudades!

Jorge Cabral