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quarta-feira, 3 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24280: Memórias de Luís Cabral (Bissau, 1931 - Torres Vedras, 2009): Factos & mitos - Parte VI: Sexo, álcool e amuletos... A maldição ou a premonição do Amílcar Cabral ?..."Só nós somos capazes de destruir o Partido" (Boké, Guiné-Conacri, finais de 1970)


Guiné-Bissau (sic) > PAIGC > s/l > Março-abril de 1974 > Mulher com criança /Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 29 - Life in the Liberated Areas, Guinea-Bissau - Woman with child - 1974.tif

Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)






1. A seguir à invasão de Conacri por tropas portuguesas e forças da oposição ao governo de Sékou Touré, em 22 de novembro de 1970 (Op Mar Verde), Amílcar Cabral (AC) reuniu as cúpulas do PAIGC em Boké, na Guiné-Conacri, próximo da fronteira sul com o território da então Guiné Portuguesa, em data que não podemos precisar mas sabemos, pelo testemunho de Luís Cabral (LC) ("Crónica da Libertação", Lisboa, O Jornal, 1984, 464 pp.), que foi ainda em 1970, por volta do final desse  ano. (*)

AC aproveitou para fazer o balanço da "bárbara agressão do inimigo contra a capital da República da Guiné", segundo o relato do seu mano, LC (pág. 373).

Difícil para ambos  era compreender "a traição de muitos dos principais colaboradores do presidente Sékou Touré" (sic) (pág. 374). Naturalmente o AC não revelou,  aos seus  colaboradores mais próximos,  as tremendas dificuldades  (económicas, politicas,  sociais, etc.) por que estava a passar a Guiné-Conacri nem ele alguma vez denunciou a natureza ditatorial do regime de Sékou Touré. Obviamente, não iria cuspir na sopa nem dizer mal dos seus hóspedes.... e aliados. Amílcar Cabral (e o seu estado-maior) estava nas mãos do "camarada" Sékou Touré (em relação ao qual, de resto, havia um temor reverencial, visível na maneira como o LC se  referiu a ele da primeira vez que o conheceu, à distância, chegando na sua viatura presidencial ao aeroporto da capital).

Mas não deixou, o AC,  de avançar com a sua própria teoria espontânea  sobre os riscos que estava a correr o próprio PAIGC, cujas sementes de destruição não eram exógenas (ou seja, vindas do exterior) mas endógenas (geradas a partir de dentro), insistindo repetidas vezes que "só nós" (sic) (...) "estávamos em condições de destruir o Partido" (pág, 375). Uma premonição, quiçá, do seu próporio assassinato dois anos mais tarde, em Conacri, a 20 de janeiro de 1973, e onde a participação do Sékou Touré, como autor moral,  está  ainda por esclarecer, bem como a de dirigentes do PAIGC como o Osvaldo Vieira, primo do 'Nino'.

E contou, o AC, para gáudio geral da audiência,   a história ou a fábula do bode que, numa pequena terra se havia celebrizado pela sua extraordinária capacidade de procriação, até ao dia em que o presidente do município local se apressou a comprá-lo e instalá-lo num estábulo-modelo, promovendo-o a "bode municipal"...

A partir daí, bem comido e melhor dormido, o bode desinteressou-se totalmente das cabras. Quando o seu antigo proprietário, indignado, lhe pediu explicações, face às reclamações do seu novo dono ( o presidente do município). o bode limitou-se a responder, cinicamente: "Agora sou funcionário público." (pág. 376).

A mensagem que o AC quis transmitir  aos seus "generais", depois da prova de fogos  que fora, para todos aqueles que  lá estavam, a invasão de Conacri e a tentativa de derrube do regime, era clara: ninguém nos destrói,  a partir de fora, a começar pelos "tugas", se continuarmos de mãos dadas a certar fileiras... Mas nós podemos destruir-nos uns aos outros...

Foi nesta reunião de Boké que apareceu, pela primeira vez, a figura do Partido-Estado. Foi criado o Conselho Superior de Luta no seio do qual era eleito o Conselho Executivo da Luta (pág. 377). Foi também nesta reunião que passaram a fazer parte das Forças Armadas, "as forças regulares - o Exército Popular, a Marinha Nacional e, mais tarde, a Aviação Militar" (pág. 378). Por seu lado, "a Guerrilha e a Milícia foram juntas numa única organização, as Forças Armadas Locais (FAL)", cabendo a sua direção ao Comité Nacional das Regiões Libertadas (sic).

E chegamos ao ponto que nos interessa. No final da reunião, o AC punha mais uma vez o dedo na ferida, manifestando as suas reiteradas preocupações com a "vida pessoal dos quadros e dirigentes do Partido" (pág. 378).

Escreve o irmão, LC:

"Sei bem quanto era doloroso para o Amílcar ter de abordar sempre esta questão delicada cuja origem nascia do comportamento de alguns dos dirigentes da luta" (Negritos nossos)...

E o LC exemplifica, com algum prurido, duas condutas altamente perniciosas para um partido que se pretendia "libertador": 

(i) "o consumo exagerado da bebida alcoólica" (pp. 378/379); 

e (ii) a prostituição, o assédio sexual, a poligamia (pp. 380/383), 

e (iii) implicitamente a cultura do "cabra-macho"... (Claro que ele nunca usa as palavras prostituição, assédio sexual e cabra-macho..).

As questões do álcool e do sexo eram extremamente incómodas e até fracturantes num  "partido revolucionário", de inspiração marxista, como o PAIGC, que se queria frugal, puritano, impoluto. 

Os dirigentes e os quadros sabiam quem eram os visados pelas palavras de AC. Um deles seria o Osvaldo Veira, grande apreciador da "água de Lisboa", acrescentamos nós. 

No caso do álcool, LC conta que havia dirigentes que se davam ao luxo de ter os seus "furadores" privativos (!) para extraírem o vinho de palma, bebida que rareava no mato tal como as bebidas alcoólicas que eram importadas (e disputadas em Conacri).

A questão da "violência sexual" (outra expressão que nunca é usada, por falso moralismo) era outro grave problema que já vinha de trás. Diversos "senhores da guerra" haviam sido denunciados, julgados e condenados à morte, em Cassacá, no I Congresso do PAIGC, em fevereiro de 1964, acusados de brutais abusos sexuais e atrocidades para com a população, e nomeadamente para com as  raparigas e outras mulheres jovens (mas também contra os que os que se opunham a estas práticas horrendas). LC só volta a referir a persistência deste problema por ocasião da reunião de Boké, em finais de 1970.  Isto significa que ele nunca fora resolvido ao longo daqueles anos todos...

"Todos os homens normais gostam de mulheres, dizia ele [ o Amílcar Cabral] (...). No auge do seu desespero em ter de abordar esta questão uma vez mais, o Amílcar acrescentou, elevando ligeiramente a voz: 'Se pensam que são mais machos do que nós, estão enganados, se quiserem podemos ir ao quarto ao lado e fazer a experiência! Temos as nossas mulheres, a nossa família, e sabemos a responsabilidade que nos cabe nesta fase da vida do nosso povo`".(...) (pág. 382).

O que estava em causa era a cultura, então dominante no seio do PAIGC, do "cabra-macho", de peito feito às balas, de "peito vermelho", aguerrido, corajoso, mas também violento, machão, predador sexual...

Umas terceira preocupação do AC (e do LC) era o uso e abuso de amuletos, já abordado nas pp. 166/167. LC revela que os dirigentes do PAIGC, no mato, "tinham sempre um combatente muito jovem, que transportava,  num saco, os variados amuletos a que cada um tinha direito, dada a sua condição de chefia" (pág, 166). 

No caso do 'Nino' Vieira, por exemplo, não se deslocava no mato em situações de combate,  sem o seu arsenal de amuletos, e de pelo menos dois ajudantes (!),  que os carregavam, além de um bigrupo reforçado,  segundo o testemunho (suspeito) do Bobo Queita (que não gostava dele, e ainda mais depois do golpe de Estado de 14 de novembro de 1940).    [ In: Norberto Tavares de Carvalho, "De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita". Edição de autor, Porto, 2011. (Impresso na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11). Posfácio de António Marques Lopes. p. 197.)

O AC, de formação católica, filho de ex-padre e professor primário (todavia, sexualmente muito promíscuo, com muitos filhos de várias mulheres), não apreciava também estes "aspectos menos racionais" do comportamento dos seus homens... Mas teve que engolir este e muitos  outros sapos (como, por exemplo,  a "mutilação genital feminina" praticada pelos povos "islamizados" da Guiné: não me lembro de ele alguma vez se ter pronunciado, ou pelo menos escrito, sobre este problema, ele que, de resto,  era pai de duas meninas, filhas de uma portuguesa... que foi alegadamente o "amor da sua vida").

"O amuleto - mezinho, como lhe chamávamos - era uma fraqueza que foi transformada em força pelo Partido" (pág. 166). Quando ainda não havia armas para se defenderem, "o Amílcar entregava-lhe(s) o dinheiro necessário para mandar fazer o mezinho - algumas citações do Corão, escritas em caracteres árabes" (...), amuleto que depois era "cuidadosamente forrado de cabedal, e que tinha a virtude de reforçar no combatente a confiança em si próprio, trazendo-lhe a confiança psíquica indispensável ao bom cumprimento da sua missão (pág. 167).

Umas páginas à frente, LC conta a história caricata de um grupo de estrangeiros, o sociólogo sueco Rolf Gustavson e uma equipa de cineastas e fotógrafos franceses, constituída por Michel Honorim, Giles Caron e Michel Carbeau" (pág. 385). Os franceses vinham do Biafra e queriam ver cenas de guerra e sangue...

Isto passa-se entre Farim e Jumbembem, quase nas barbas das NT. Face ao risco de serem apanhados por uma emboscada das tropas portuguesas, LC deu ordem à escolta, comandada por Bobo Queita, para fazer uma "retirada forçada" até à fronteira... Não tendo nada de interessante para filmar (nem sequer umas tabancas em ruínas, carbonizadas pelo napalm dos colonialistas... ), "o chefe da equipa francesa disse em voz alta que éramos um bando de mentirosos" (sic).

Apesar da desculpa do cansaço físico e da tensão acumulada, o LC é obrigado a ameaçar confiscar-lhe as películas há utilizadas. Resultado: 

"Do documentário que devia ser feito das filmagens de Michel Carbeau, pelo realizador Michel Honorim, chefe da equipa, nunca tivemos notícias" (pág. 387). 

Restou o fotógrafo Gilles Caron que terá feito, mesmo assim, algumas belas imagens dos sítios por onde passou...

Destes (e doutros nomes que andaram pelas "áreas libertadas" a documentar a luta do PAIGC) há escassíssimas referências na Net: vd. Journal of Film Preservation, 77/78, october 2008.

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23990: Fotos à procura de uma legenda (168): "Cabeças grandes" ou... uma questão de pudor feminino ? (Padre José Torres Neves / Cherno Baldé / Luís Graça)



Foto nº 5 > Guiné > Região do Oio > Sector de Mansoa > Bissá > c. 1970 > Há festa na aldeia ... e "cabeças grandes" (em consequência do excesso de "vinho de palma")... Foto do álbum do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71).

Foto (e legenda): © José Torres Neves (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Vamos passar a valorizar mais os comentários dos nossos leitores. O ano passado tivemos uma média de 3,9 comentários por poste (*). Atingimos um total de 4180 comentários (limpos de mensagens Spam), num total de 1068 postes. O que é muito bom. 

Mas também lembrámos que este valor médio não nos deve deixar enganar; "há postes sem um único comentário, a maior parte tem um, dois ou três... Às vezes podem ter meia dúzia, ou até 10... Outros podem ter, excecionalmente, algumas dezenas: 20, 30, ou até mais... Tudo depende do tema, do conteúdo, do interesse, do autor, da ilustração fotográfica, etc."Na realidade, aparecem ao longo da semana "postes mais 'polémicos' ou mais 'interessantes' ou até mais 'apaixonantes' do que outros. Tudo depende do assunto e da sua abordagem. Ou até do autor",,, Enfim, os postes, com pontos de vista menos 'consensuais' ou mais 'fracturantes' , podem originar mais comentários, às vezes 'marginais' (há uma tendência para a malta ver mais a árvore do que a floresta).

Por fim, há que não esquecer esta realidade: "ler e escrever comentar dá muito trabalho"... Mais no blogue do que no facebook onde o comentário, se bem que também "instantâneo", não fica visível na "montra grande"... Por outro lado, sofremos, nestes últimos anos, de uma "dupla fadiga": uma "bloguística" (vamos fazer 19 anos), e outra "pandémica"...

Dito isto, temos que passar a "premiar" mais quem nos lê e comenta... Um deles é o nosso Cherno Baldé, nosso colaborador permanente, a viver em Bissau, um "jovem" de sessenta e poucos anos, que elegemos como nosso assessor para as questões etno-linguísticas... Mas ele é mais do que isso: é a nossa "Guinipédia"...


(i) Tabanca Grande Luís Graça (**)


A foto nº 5 (poste P23488) (**) é "ambígua": Há festa na aldeia ... e "cabeças grandes" (em consequência do excesso de "vinho de palma")...

A legenda original, do nosso capelão José Torres Neves, era/é mais lacónica: "cabeças grandes", no plural... E o leitor pode perguntar: "cabeças grandes" deles, os rapazes, talvez milícias ou militares (um deles, pelo menos, enverga uma camisa camuflada do exército...), ou deles e dela ?

Não sei se as bajudas balantas também bebiam/bebem vinho de palma... Eram, em matéria de costumes, aparentemente mais "livres" do que as fulas, muçulmanas... ou pelo menos viviam em comunidades mais igualitárias, segundo o Amílcar Cabral que adorava os balantas, comunitaristas, e detestava os fulas, semifeudais...

Trocado por miúdos, a mulher balanta, "de jure et de facto", teria "mais direitos, liberdades e garantias" do que a mulher fula, no nosso tempo... (Segundo os usos e costumes jurídicos de cada etnia.).

Mas o nosso assessor, amigo e irmãozinho Cherno Baldé (que parece estar de férias...) logo dirá o que bem lhe aprouver... sobre este assunto sempre algo melindroso (quando mete as "filhas de Eva" e os "filhos do Adão")...

3 de agosto de 2022 às 19:40



(ii) Cherno Baldé (**)


Em África não existiam sociedades igualitárias, este conceito só pode ter surgido na cabeça de pessoas como o Amílcar Cabral que não conheciam bem a África profunda, porque em todos os casos a mulher sempre se encontrava em baixo na escala das hierarquias sociais e políticas, à semelhança do que acontecia pelo mundo fora até meados do século XX, incluindo nos países do Ocidente.

Direitos, liberdades e garantias, o tema é vasto e impossivel de apreciar cabalmente num simples comentário, abarcando a tradição, a religião e as influências internas/externas sobre as práticas culturais de diferentes grupos étnicos ao longo de um percurso histórico recente ou antigo.

Depois precisariamos fazer uma análise por faixas etárias, pois o usufruto de direitos, liberdades e garantias em África no sentido tradicional não é a mesma dependendo da idade dos grupos et+arios em presença e da mulher em particular.

Assim, na minha opinião, o comportamento das Bajudas (meninas) e das noivas (mulheres da idade de procriar) entre os Balantas parece ser, relativamente, mais livre nas suas atitudes e escolhas sexuais, mas a partir de uma certa idade (maiores de 49/50 anos) já os estatutos sociais em termos de direitos, liberdades e garantias são identicas, no geral, pois é nesta fase que começa a decadência masculina e a ascenção, de facto, do poder feminino tanto a nivel do agregado como da comunidade, mas sempre mantendo as devidas aparências do respeito pelo marido, pelo mais velho, pelas regras da tradição vs religião e diversos tabus que servem de base ao funcionamento da comunidade.

Resumindo, podemos dizer que, de forma geral, a mulher africana era muita controlada e limitada em termos de direitos sociais, designadamente da herança, dos direitos patrimoniais, nomeadamente a posse de terram assim como as garantias de seu usufruto fora do quadro familiar.

Embora tudo isso fosse mais do dominio teórico do que real, porque, actuando na sombra dos homens, as mulheres sempre conseguiram atingir os seus objectivos à revelia dos tabus discriminat+orios, das tradições patriarcais, dos dogmas religiosos e dos critérios socialmente estabelecidos para privilegiar o homem em detrimento da mulher, isto porque, a mulher africana sempre soube ser inteligente, perseverante e o pilar principal na construção e sobrevivência do agregado familiar e das comunidades rurais africanas sem, todavia, procurar humilhar ou ferir o orgulho masculino, conscientes de que sem os homens também não pode existir uma sociedade socialmente harmoniosa e equilibrada. O contrário de tudo o que o Ocidente está a promover hoje em dia nos países africanos e no mundo. A minha humilde opinião.

Tudo o resto tem a ver com teorias e conspirações mal justificadas.

4 de agosto de 2022 às 19:03


(iii) Luís Graça, em tempo: 

Cherno,  o autor da foto (um então jovem padre cristão, na altura com 34 anos, dez, onze ou doze anos mais velho do que a generalidade dos militares metropolitanos ali presentes em Bissá) legendou-a com uma frase lacónica: "cabeças grandes"... (***)

Mas no caso da bajuda, ela pode estar apenas a manifestar uma atitude de respeito e de pudor... Nem todos os balantas gosta(va)m de ser fotografados pelos "tugas"... E para mais este  fotógrafo era padre, capelão da tropa... Os rapazes (um deles parece ser militar) tentam, muito simplesmente, convencê-la a mostrar o rosto... 

Enfim, mais uma possível "leitura"... Mas, é verdade, o ambiente na aldeia, Bissá,  é de festa e terá havido quem tenha, nesse dia, bebido um pouco de vinho de palma a mais... Até nas "barracas" do PAIGC o vinho de palma não podia faltar... Tal como não podia faltar nos quartéis da tropa... Afinal, "mas ainda melhor que as mulheres, é o vinho que faz esquecer as mulheres" (terá dito o Luís Pacheco, o nosso escritor maldito; claro que o fígado e elas não lhe perdoaram.)

(***) Último poste da série > 30 d dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23929: Fotos à procura de uma legenda (167): "Apanhado" na Guiné, "apanhado" no PREC, "apanhado" por viver 287 km dentro (!) do Círculo Polar Ártico!... (J. Belo, Suécia)

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23752: Fotos à procura de...uma legenda (166): Que garrafa de... "bioxene" segura na mão o nosso camarada João Silva (1950-2022) e os demais elementos do grupo, na foto do Natal de 1973, no CIM de Bolama ? (Valdemar Queiroz / Fernando de Sousa Ribeiro)

Guiné > Ilha de Bolama > CIM de Bolama > Natal de 1973 > O João Silva, em primeiro plano, à esquerda, segurando na mão  uma garrafa que, ao nosso editor, pareceu de espumante, mas não devia ser...


Guiné > Ilha de Bolama > CIM de Bolama > Natal de 1973 >  Já agora quem seria este capitão matulão, em segundo plano, do lado direito?



Guiné > Ilha de Bolama > CIM de Bolama > Natal de1973 >  "Foto de grupo, cada militar segura uma garrafa de espumante que, se presume, foi-lhe oferecida"... (Detalhe)

Fotos (e legendas): © João Candeias da Silva / António Duarte (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Dois comentários, ao poste P23750 (*),  de leitores que estão sempre atentos ao detalhe e que, neste caso, não viram garrafas de espumante nenhumas...  

Vamos aceitar o desafio do nosso querido camarada Valdemar Queiroz que, além de leitor compulsivo do nosso blogue, é catedrátrico em matéria de passatempos do tipo "Descubra a  Diferença"... (Sabemos que o nosso blogue tem-lhe dado... anos de vida, a ele que, sofrendo de uma DPOC, vive sozinho trancado em casa, e que em matéria de "bioxene", já bebeu os DOC todos que tinha a beber, diz ele, com o seu proverbial bom humor de caserna).

(i) Valdemar Queiroz

Bem, no tempo que passei no CIM de Contuboel não tínhamos praia mas tínhamos rio. Também não nos foi oferecido garrafas de bioxene com fitinhas de Natal, mas foram igualmente tempos que nem parecia que estávamos na guerra da Guiné, como nestas fotos se pode observar.

E a propósito de garrafas de bioxene com fitinha de Natal que aparecem na fotografia, não parecem ser de espumante que seriam maiores e de rolha bem diferente, e nota-se não serem todas da mesma marca.

Vale uma carica a quem descobrir de que bioxene se trata, 'bora lá. (**)
(ii) Fernando de Sousa Ribeiro:

Ao olhar de lince do Valdemar não escapa nada. As garrafas parecem ser de "espumante" JB, Drambuie, VAT69, etc.



domingo, 13 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21353: Questões politicamente (in)correctas (51): “Homem, acalme-se. Ninguém lhe vai fazer mal, você não vai morrer, precisamos é de homens bem vivos como você para acabar com os filhos da puta que nos mandam para a Guiné!” (António Graça de Abreu, Cufar, 7 de setembro de 1973)


António Graça de Abreu, alf mil, CAOP (Teixeira Pinto, Mansoa, Cufar, 1972/74), autor de Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp), de que já publicámos no nosso bogue dezenas e dezenas de excertos

1. Transcrito, com a devida vánia, da página do Facebook do nosso camarada António Graça de Abreu, de 23 de agosto de 2020:

"Para falar de racismo não precisamos de estudar tempos imemoriais, séculos atrás, crueldades antigas. O país presente e gerações atuais viveram a guerra colonial, epítome e corolário do racismo. Quase todos a fizeram, quase todos pactuaram ou se calaram."

São palavras do hoje politicamente correcto, insultar quase todos os homens que passaram pelas guerras de África, 1961/1974, desta vez da pena de um escriba inteligente, Ferreira Fernandes, nas páginas do Público, de ontem, 22 de Agosto. Eu não pactuei, nem me calei, tenho orgulho em tudo o que escrevi, neste caso no meu Diário da Guiné, Lisboa, Guerra e Paz, 2007, pag.145. É por isso que me apetece mandar algumas pessoas para um sítio feio.

No meu Diário da Guiné, texto em Cufar, sul da Guiné, no fogo da guerra, a 7 de Setembro de 1973:

"Joaquim Gomes dos Santos, nome simples de homem do povo, filho do Ribatejo, 1º. cabo cripto, CAOP 1, Guiné 1973.

Ontem há noite assisti a um violento manifesto contra a guerra.


O Santos, vinte e dois anos nervosos e puros, nosso cabo nas Transmissões, foi-se embebedando numa pequena farra de soldados. Aconteceu aqui ao lado da minha tabanca e vieram-me chamar para acalmar o rapaz, o álcool subira-lhe à cabeça e ele estava fora de si. O vinho e a cerveja haviam tornado mais claras, mais ousadas umas tantas verdades recalcadas que o Santos guardava lá pelos recantos da memória. Estivera a cantar ao desafio umas quadras de pé quebrado, a beber litros de cerveja e depois começou a despejar os odores da revolta. Fervia por todo o lado. O raciocínio do bêbado é contundente, incisivo. O Santos gritava que odiava a guerra, queria fuzilar quem nos manda morrer e matar, rebelava-se contra os seus camaradas de armas, “um rebanho de carneiros sem cornos” que não protestavam e aceitavam a humilhação de fazer esta guerra. Descontrolado, insultava, queria destruir tudo o que lhe aparecia pela frente, dava pontapés nas malas, queria rasgar a pobre roupa dos outros soldados.

Em braços, trouxemos o Santos até à enfermaria, à procura de um calmante. O médico diagnosticou-lhe simplesmente a necessidade de cozer a bebedeira. À vista do clínico, o Santos libertou um pavor rubro, absoluto, irracional. Acreditou que o médico lhe ia dar uma injecção para o matar, teve consciência de que gritara algumas verdades, e pôs na boca de Salazar a frase “Se se revoltarem, serão mortos!” Onde é que a soturna figurinha, o figurão de Santa Comba disse uma frase destas?

Fiz de alferes, de pai e de amigo. Fui no jogo dele e gritei-lhe mais ou menos isto: “Homem, acalme-se. Ninguém lhe vai fazer mal, você não vai morrer, precisamos é de homens bem vivos como você para acabar com os filhos da puta que nos mandam para a Guiné!”

O discurso fez efeito. Trôpego, arrotando cerveja, cambaleando, trouxemos o Santos para o meu quarto. Deitámo-lo na cama que foi do alferes Lourenço, chorou convulsivamente, por fim serenou e adormeceu. Acordou esta manhã, como novo."

António Graça de Abreu



Capa do livro Diário da Guiné (2007)

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Os últimos cinco postes anteriores:

12 de janeiro de  2020 > Guiné 61/74 - P20551: Questões politicamente (in)corretas (49): no 1º ano do consulado de Spínola, ainda havia ou não indícios da prática de trabalho forçado (, extinto por decreto, em 1961), por parte da administração e até do exército ?

9 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20541: Questões politicamente (in)correctas (48): Op Cabeça Rapada I, II, III e IV, no setor L1 (Bambadinca), março-maio de 1969: mobilizados milhares de civis, recrutados pela administração do concelho de Bafatá... Não sabemos se foram "voluntários" e "devidamente remunerados"... (Luís Graça / Torcato Mendonça / Albano Gomes / Carlos Marques Santos)

15 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15750: Questões politicamente (in)correctas (47): o menino guineense, fumador passivo, o militar, inveterado fumador, e o neto holandês que quer que o avô chegue aos 100 anos: "Oh opa, was je in de oolog in Guinee. Wie waas in Guinee leven tot 100 jaar" (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

15 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14617: Questões politicamente (in)correctas (46): "Não sou 'tuga', sou português"... (António J. Pereira da Costa) / "Confesso que nunca me chocou como português e patriota ser chamado por 'tuga' pelos guineenses" (Francisco Baptista)...

24 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11864: Questões politicamente (in)correctas (45): Os dois príncipes: o filho de Kate Middleton e o filho da Fatwa de Catió... (Luís Mourato Oliveira, o último comandante do Pel Caç Nat 52)

domingo, 23 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21287: Controvérsias (142): Recebi algumas críticas e muitos insultos mas também muitas palavras de agradecimento de ex-combatentes, que se reviram no que está lá escrito, na minha tese de doutorammeto em antropologia sobre o uso de substâncias psicoativas durante a guerra colonial (Vasco Gil)




"Uma coisa é estudar a guerra, outra é viver a vida de um guerreiro". 

Foto (e legenda): © Vasco Gil (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Recorte da edição do Público, 2 de agosto de 2020: Texto de Patrícia Carvalho e fotografia de Daniel Rocha. O artigo só está disponível para assinantes. (Excerto reproduzido com a devida vénia...)

1. Mensagem de Vasco Gil, doutorado em antropologia pelo ISCTE [ CALADO, Vasco Gil Ferreira - Drogas em combate: Usos e significados das substâncias psicoativas na Guerra Colonial Portuguesa [Em linha]. Lisboa: ISCTE-IUL, 2018. Tese de doutoramento. [Consult. 3 de agosto de 2020 ] Disponível em www: http://hdl.handle.net/10071/18841, técnico superior do SICAD - Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependência, dependente do Ministério da Saúde; autor da entrevista ao "Público", de 2 de agosto de 2020:


Date: quarta, 6/08/2020 à(s) 13:54
Subject: Tese e entrevista sobre o uso de substâncias psicoativas na guerra colonial

Luís: Escrevi umas linhas. Se achar que faz sentido publicar, e que não será motivo de maior agitação no blogue, está à vontade para publicar: 


Deixo uma foto que poderá juntar. Vasco Gil
___________

Sou o autor da tese de doutoramento sobre o uso de substâncias psicoativas na guerra colonial e quero deixar alguns esclarecimentos sobre a entrevista dada ao "Público" [, edição de 2 de agosto de 2020] (*)

Em primeiro lugar, quero pedir desculpa pelo título e por algumas das fotos que ilustram a entrevista. A escolha não foi minha e admito que, quem não leu a entrevista, tenha ficado condicionado por algumas das fotos, que eventualmente passam uma imagem mais sensacionalista.

No entanto, quem leu com atenção constatou que o conteúdo não é esse. Nunca é dito que o consumo de drogas era generalizado ou mesmo a embriaguez. Pelo contrário, deixei bem claro que a descoberta da cannabis se deu numa fase mais tardia da guerra (no final do anos 60 e início da década de 70).

Este é um trabalho de Antropologia, pelo que não me preocupei em quantificar o uso desta substância. Deixei claro que apenas uma minoria teve contacto com a cannabis e a maior parte de quem consumiu fê-lo de uma forma experimental (uma ou outra vez, movido pela curiosidade). Mas houve alguns militares que passaram por Angola e Moçambique (na Guiné não existia cannabis) que descobriram a liamba e a suruma e usavam-na para alguns fins. Foi nesses que me foquei, mas sempre com o cuidado que ressalvar que a maioria nunca se apercebeu de nada.

Nunca uso o termo «drogados», que era um conceito desconhecido na altura. Mesmo «droga» não tinha o sentido que tem hoje. A maior parte dos militares que experimentaram fumar liamba e suruma durante a guerra não sabia bem de que se tratava, era apenas algo que viam outros fazer, nomeadamente os seus camaradas (brancos e pretos) de origem africana.

Devem ter sempre em mente que não há na tese ou na entrevista qualquer juízo de valor. Não entendo o uso de substâncias psicoativas como algo bom ou mau. O que me interessou foi perceber como é que num contexto de guerra era possível, mesmo que fosse pontual e não generalizado, o consumo de substâncias como álcool e cannabis.

E a minha conclusão foi que o uso de álcool e cannabis era um recurso terapêutico, isto é, algo que era consumido para ajudar a lidar com uma realidade muito, muito dura. De uma violência que eu não consigo sequer imaginar.

Na verdade, grande parte da tese é a explicar o quão dura foi a experiência de guerra para os militares que participaram na Guerra Colonial. E é essa violência que explica uma série de práticas. É essa a tese central.

Como tantos da minha geração, eu não conhecia nada sobre a Guerra Colonial. E descobri que foi muito mais dura e violenta do que eu supunha. Não sabia nada sobre o sofrimento, os traumas e a violência.

Tenho pena que não reconheçam que tentei fazer justiça a essa vossa experiência. Quando falo do uso de cannabis e dos episódios de embriaguez estou a criticar uma experiência de guerra tão dura ao ponto de alguns militares recorrerem a substâncias psicoativas para garantir um equilíbrio emocional (como recorriam a outros estratagemas, como o convívio, as cartas, a música, a fotografia, etc.). Não estou a criticar quem aumentou o consumo de álcool ou experimentou fumar cannabis.

Tudo o que disse atrás, aprendi com camaradas vossos, alguns que pertencem a esta comunidade. Não inventei nada, como é óbvio. Alguns trechos vêm de entrevistas, outros são citações de livros de memórias de guerra ou diários escritos na guerra (neste caso, qualquer um pode confirmar a veracidade do que é citado).

Eu aprendi como alguns de vós que os ex-combatentes se sentem muitas vezes injustiçados e pouco reconhecidos por tudo aquilo que foram obrigados a passar em África, mas não vejam em mim um inimigo. Pelo contrário, sou alguém que tentou trazer a lume mais um episódio da guerra que travaram.

Mesmo sabendo que o tema das drogas é um assunto delicado e tabu, ainda para mais para a vossa geração, acreditem que tentei fazer-vos justiça e dar a conhecer tudo aquilo que passaram.

Recebi algumas críticas e muitos insultos mas também muitas palavras de agradecimento de ex-combatentes, que se reviram no que está lá escrito.

Eu acredito que se lerem sem preconceitos e não virem nas minhas palavras um ataque à honra e uma qualquer motivação política, também se vão rever. (**)

Agradeço a todos aqueles que aceitaram colaborar com a minha investigação.

Vasco Gil
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(*) Vd. postes de:








sábado, 8 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21234: (Ex)citações (365): álcool & droga na guerra colonial: oportunismos mediáticos... agendados ou não (José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia)



1. Mensagem de José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia: 

Date: sexta, 7/08/2020 à(s) 00:04
Subject: Oportunismos mediáticos... agendados ou não. 

Com as malas feitas [para os States], aqui envio um curto "protagonismo" numa análise de um assunto cáustico (e sério ) de que não deveria ser descurado  por todos os que serviram na Guiné.

Este blogue tem sabido, balancear, navegar, abranger, as opiniões  dos seus leitores e participantes.  Felizmente.

Na sua história de já muitos anos surgem por vezes assuntos que, pela sua seriedade e importância acabam por unir mesmo alguns dos mais "desunidos".

As menos verdadeiras generalizações quanto ao uso de drogas por parte de militares aquando da guerra na Guiné são um bom exemplo de que, quando "toca a reunir", os antigos combatentes ainda sabem formar quadrado.

Tudo o resto fica esquecido quando os Camaradas da Guiné se unem em defesa da honra, dignidade e respeito, pelo esforço e sacrifício oferecido com a honestidade da nossa juventude.

As fileiras dos jovens portugueses que serviram em África, na sua quantidade numérica, na sua inclusão geográfica e social, e num espaço de tempo de 13 anos, acabaram por criar uma verdadeira "rotatividade geracional" que veio a afetar a sociedade portuguesa na sua generalidade.

As boas e más experiências de todos estes milhares de jovens vieram a refletir-se, tanto nos seus familiares próximos  como nos outros grupos etários que não participavam diretamente na guerra.
Uma vivência quase (!) generalizada hoje difícil de ser compreendida por gerações nascidas e educadas fora dos parâmetros incrivelmente limitativos da conjuntura político-social da época.

As novas gerações com um conhecimento das guerras através de filmes mais ou menos fantasiosos feitos em Hollywood, em que soldados e drogas é imagem comum, podem ser facilmente levadas a associar a guerra de África e o soldado português com estas "realidades ". Identificações geracionais.

Estudiosos sérios deveriam ter consciência de que "flashes" jornalísticos, sejam eles apressados ou agendados, poderão dar-lhes alguns momentos de ribalta mediática, acabando no entanto por criar... apreciações menos verdadeiras e conclusões erradas!

Como quase sempre, são as leituras demasiado apressadas por parte do "grande público" que acabam por criar as verdades do momento.
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P21233: (Ex)citações (364): canábis e álcool na guerra colonial (António Ramalho)

Mensagem de António Ramalho  [, natural da Vila de Fernando, Elvas, a viver em Vila Franca de Xira, foi fur mil at da CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), membro da Tabanca Grande, com o nº 757: tem mais de duas dezenas de referências no nosso blogue]

 Date: quarta, 5/08/2020 à(s) 18:25 

 Subject: Cannabis e o álcool na guerra colonial 

 Caro Luís Graça, boa tarde. 

Depois de ler o excerto que publicaste e os comentários sobre o tema (*), acho duma ligeireza a tese de doutoramento, com o devido respeito, resultante de uma entrevista a 200 ex-combatentes, que além do mais com a agravante do distinto doutor declarar nunca ter ido à tropa!

Como foi possível apresentar e defender uma tese com um número tão restrito de entrevistados num universo por onde tantos de nós andámos, aos milhares e, que segundo referes só estão mencionados Angola e Moçambique, a Guiné foi excluída!

Entendo a reacção do nosso camarada Carlos Pinheiro pelo inexpressivo número de testemunhos além do conceito filosófico em que assenta, mas neste Mundo já nada me admira!

Dissertar sobre temas tão sensíveis onde o saber e o conhecimento escasseiam e a ignorância prevalece além de especulativo, é um atrevimento à luz daquilo que nós sabemos pela nossa experiência, porque estivemos lá, não ouvimos histórias!

Ao longo dos tempos tenho lido e ouvido os comentários mais desapropriados, desproporcionados e distantes da realidade sobre a guerra colonial, muitos de Mensagem de ex-fur mil at caves por gente que também lá esteve, outros de familiares e pessoas próximas que de barco só viajaram até Cacilhas! 

Não li o artigo, desconheço o carácter científico do mesmo mas daquilo que me lembro de ter contribuído para o nosso bem-estar momentâneo era o efeito da Coca-Cola e da Chandy, fabricadas e importadas da África do Sul que nos davam alento e energia para tudo e mais alguma coisa!

É verdade que tínhamos toda a liberdade para beber toda a variedade e qualidade de bebidas, independentemente do local, situação ou posto. Infelizmente essa liberdade originou alguns momentos de descontração que terminaram em tragédias.

Convivi com um cabo enfermeiro de outra Companhia, competentíssimo, que na vida civil era ajudante de anatomopatologista, que só conseguia ir para o mato com um grãozinho na asa, contingências da vida!

Não tenho meios nem provas para contrariar o ilustre doutor, muito menos conhecimentos científicos onde assenta a sua tese, também não ponho de parte que tenha havido algum contributo ilícito do género, pelos poderes instituídos da altura, nalguns pressupostos onde assenta a tese.

Daquilo que me lembro e que julgo ter resultado positivamente foram os tratamentos profiláticos e preventivos para melhorar a salubridade das águas, para o paludismo além de outros para determinados descuidos em momentos de euforia!...

Também me lembro da má qualidade do vinho tinto que segundo julgo saber era "baptizado" logo à saída de Lisboa com a bênção do Cristo Rei, que nós substituímos com as bazucas da Sagres, Vat 69, Dimple e similares que tinham muito mais qualidade!

Será difícil contar a história da guerra colonial só numa direcção, houve acontecimentos tão díspares, para o bem e para o mal, desde as más condições das estradas, falta de pontes, de transporte, de alojamento, de segurança, da qualidade e quantidade do armamento disponível, por planeamentos (obtusos) elaborados no QG ou na Amura e outros, que cada um de nós teve que interpretar e suportar cumprindo tendo sempre no horizonte a segurança de todos os envolvidos nas acções.

Termino lembrando que a nossa missão em África, hoje ex-combatentes, não foi devidamente reconhecida, começando pela classe política que por desconhecimento, incompetência e falta de respeito, com total e especial relevância para os que lá ficaram e para todos aqueles que regressaram com enormes sequelas físicas e mentais para o resto das suas vidas, esses nunca farão parte da história muito menos de teses de doutoramento.

Tenho uma resposta: estes nossos eleitos nunca foram à tropa, muito menos estiveram na guerra!

Um forte abraço

António Ramalho (membro da Tabanca Grande, nº 757)
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Notas do editor:

 (*) Vd. poste de 4 de agosto de 2020 > Guiné 51/74 - P21222: Recortes de imprensa (112): entrevista ao antropólogo Vasco Gil Calado sobre droga e álcool na guerra colonial, "Público", 2 de agosto de 2020 (Carlos Pinheiro)

(**) Último poste da série > 29 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21206: (Ex)citações (363): Colonialismo e pós-colonialismo: as três cidades da África Ocidental: Bissau, Conacri e Dacar (António Rosinha / Cherno Baldé)

Guiné 61/74 - P21232: Parabéns a você (1845): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado CAR da CART 3521 (Guiné, 1971/74) e José Santos, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 3326 (Guiné, 1971/73)


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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21228: Parabéns a você (1844): Coronel Inf Ref Fernando José Estrela Soares, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2445 (Guiné, 1968/70)

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21230: Casos: a verdade sobre... (11): Álcool & drogas na guerra colonial: de consumidores a traficantes de canábis... Seleção de comentários ao artigo do Público, de 2/8/2020 - Parte III


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (1963/65) > 1964 > Uma pausa nos trabalhos ciclópicos de construção do famoso "Forte Apache"

Um dos piores lugares do inferno verde e vermelho que foi, para muitos de nós, a Guiné... Foto do álbum do José Colaço (ex-Soldado Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) (*)

Foto (e legenda): © José Colaço (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Seleção de comentários ao poste P21222 (**) - Parte III (***)

(xv) Hélder Sousa

Comecemos pelo princípio.

O Carlos Pinheiro fez bem em trazer para aqui esta questão que teve então a relevância que lhe foi dada pelo artigo do "Público". E fez bem, não só a avaliar pela quantidade (e qualidade) de comentários já existentes, alguns colocados de forma "apaixonada", mas principalmente por, a partir dele, se poder escrever mais alguma coisa sobre o tema.

Várias coisas entrelaçadas aparecem por aqui. Por um lado é costume haver lamúrias sobre o desprezo, o esquecimento, o mal-tratamento com que a questão das "guerras africanas" e principalmente os seus protagonistas são tratados e/ou ignorados. Por outro, sempre que aparece qualquer coisa (atenção! não estou a dizer que seja boa ou má) que pode servir para aumentar, ampliar ou dar maior visibilidade ao debate, costumam vir as observações de que "querem destruir a nossa imagem", "deturpam tudo", etc.
Muitas vezes os comentários (os mais indignados) partem da leitura de títulos (já de si concebidos para chamariz) bombásticos, a puxar para a polémica por causa das audiências e "shares"...

E uma coisa será a entrevista de uma pessoa e outra a tese escrita pela equipa que a produziu e não são as mesmas pessoas.

Num primeiro impulso rejeitei a ideia/tese em si mesma e nos "considerandos" que li nos resumos. Mas será pouco, deverei ter que ler mais.

Claro que, obviamente, não conheci o que se passava ou passou em Angola e/ou em Moçambique, pois não estive lá. E mesmo que tivesse estado como se pode "conhecer" tudo, quando uma pessoa individualmente estaria em apenas alguns, poucos, locais? Teria certamente uma visão muitíssimo limitada e seria desonesto fazer generalizações. Se por acaso visse algum consumo de droga (e parece que o foco é na "liamba") era abusivo dizer que todo o TO consumia. Se por acaso não tivesse visto nada, também não poderia dizer mais nada a não que "onde estive, não vi" e não fazer generalizações.

No meu caso particular, em que estive na Guiné, sabemos todos que não havia "liamba" e, como tal, não havia o seu consumo. Por extensão, os nossos militares não a consumiriam como forma de se alienarem, fosse para "ganhar coragem", fosse "para esquecer", fosse lá para que raio fosse. A ausência de "liamba" (que parece ser o foco) na Guiné é referida no artigo, ou pelo menos, no resumo que li. Portanto, de forma geral, não temos com que nos preocupar com "enxovalhos" desse tipo.

Mas a insinuação de que tais processos "aditivos" (como modernamente se referem a esses casos) era para a superação psicológica é muito "forçada" para não dizer desonesta e com pouca inspiração, parecendo aparecer na senda do que se disse, escreveu e viu, com os militares americanos no Vietnam.

Sobre a "cola", na forma de "noz de cola" já foi por aqui falado bastante. Também quis experimentar mas não "pegou". Sabor amargo.

Aquando da estadia em Piche havia um estabelecimento comercial (digamos assim...) onde para além de venda de artigos vários também serviam refeições (normalmente "frangos") e bebidas entre as quais o café.

O proprietário, sr. Tufico, costumava perguntar, quando lhe pedia café, "com bolinha ou sem bolinha?". Disseram-me para pedir "com bolinha" pois aquilo era bom, saboroso e "animador". Claro que experimentei mas nunca senti qualquer efeito especial a não ser ter ficado com a ideia que aquilo que ele colocava no café (as tais "bolinhas") eram pequenas sementes de anis. Pelo menos era esse o sabor que memorizei.

Não posso jurar que em alguns locais, em Bissau, pessoal mais abastado (lá está, o consumo das "drogas" não poderia ser assim, generalizado, ao militar comum, com poucos recursos), com mais acesso a "modernices", com maior integração em "certos ambientes", não pudesse fazer outro tipo de experiências mas, obviamente sendo humanamente impossível falar por todos os locais do interior, é minha forte convicção de que o "acesso a drogas" não foi utilizado e muito menos para os "objectivos" propalados.

Quanto ao consumo de álcool.... entendido aqui como "bebidas alcoólicas em geral"... Ao lermos (no resumo, insisto) uma pequena frase "mortal", a qual pelo seu tom dá logo a entender a tendência/conclusão do que se pretende, de que "a adoção de padrões de consumo intensivo de bebidas alcoólicas que a logística militar distribuía pelos quartéis" revela ignorância dos ambientes e um grande desfasamento dos costumes da época, apreciados à luz dos conceitos e preconceitos actuais.

Não resulta seriedade quando se apreciam e/ou valorizam comportamentos passados há 50 anos, quando se os avaliam com os "olhos de hoje". A frase insinua que o "consumo de álcool" era incentivado e estimulado pela hierarquia militar, através da logística militar. Por extensão pode-se concluir que isso era propositado e objectivamente para "embebedar" os militares.

Vamos lá a ver, "bebidas alcoólicas" vão desde o vinho às aguardentes, passando pela cerveja e também bebidas espirituosas. O vinho, convém lembrar, para além dos seus efeitos benéficos para a saúde, agora tão defendidos em artigos mais ou menos científicos, era uma situação bem aceite na nossa sociedade de então, mesmo para além daquele velho slogan de que "beber vinho é dar de comer a 1 milhão de portugueses". Os militares no interior pediam e bebiam vinho à refeição nas messes, não para ganharem "coragem para as missões".

A cerveja não era distribuída insidiosamente pela "logística militar" mas sim fortemente exigida pelos militares no mato. No regresso aos aquartelamentos, após as missões, encontravam de facto conforto numas "bejecas" bem fresquinhas. E isso era recompensador.

As outras bebidas mais "finas", principalmente os wiskies foram, realmente, oportunidade de "descoberta" para a generalidade dos nossos militares oriundos de zonas menos citadinas do nosso Portugal mas, lá está, mais uma vez como forma de "ascensão social" e não para "ganhar coragem".

Hoje por hoje há imensos cursos de antropologia, de sociologia, teses de mestrado, disto e daquilo e, como é natural e acho bem, embora com descoberta tardia, o(s) tema(s) das "guerras africanas" podem estar na ordem do dia.

Não deve haver "condenação" por esse facto. É muito melhor que se debrucem sobre esses tempos do que se continue a ignorá-los. É claro, também, quem nos tempos de feroz concorrência que os académicos e também os livreiros vão vivendo, parece ser uma atracção fatal a procura de "temas fracturantes", ou apresentados de forma polémica. Mas para isso devemos ter a serenidade necessária (e a firmeza) para desmontar o que for preciso e dar o desconto ao que tiver menos importância.

Em resumo:

O título da entrevista é bombástico/provocador. Não conheço (não li) essa entrevista nem a tese a que se refere. Do que me apercebi dos resumos há algumas "falhas" que se podem perfeitamente corrigir.
O problema é "onde", "como" e "quem", pois o jornal tem a audiência que terá e nós aqui "falamos" uns com os outros.

Tenho como posição que é melhor falarem e abordarem as questões que nos dizem respeito, mesmo com falhas e/ou erros do que manterem a ignorância e ostracismo habitual.

Hélder Sousa
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9360: Operação Tridente, Ilha do Como, 1964: Terminada a operação, a luta e a labuta no Cachil continuam (CCAÇ 557): Parte II (José Colaço)

(**) Vd poste de 4 de agosto de 2020 > Guiné 51/74 - P21222: Recortes de imprensa (112): entrevista ao antropólogo Vasco Gil Calado sobre droga e álcool na guerra colonial, "Público", 2 de agosto de 2020 (Carlos Pinheiro)

(***) Vd. os dois últimos postes da série:

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21229: Casos: a verdade sobre... (10): Álcool & drogas na guerra colonial: de consumidores a traficantes de canábis... Seleção de comentários ao artigo do Público, de 2/8/2020 - Parte II


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá >  Setor L1  (Bambaddinca) > Mansambo > CART 2339 , "Os Viriatos" > Abril de 1968 >  Não, não estavam a curar nenhuma bebedeira daquelas de " caixão à cova", estavam simplesmente a dormir ao luar...

Fase de construção de raiz, "a pá, enxada e pica" (!),  do aquartelamento de Mansambo (que a "Maria Turra", na rádio Libertação, em Conacri, chamava "campo fortificado de Mansambo")...Os alferes milicianos Cardoso e Rodrigues apanham "banhos de luar" (sic)...

 Legenda do nosso saudoso coimbrão Carlos Marques dos Santos (1943-2019), o primeiro dos "Viriatos" a chegar ao nosso blogue, logo em 2005, tendo depois trazido com ele o Torcato Mendonça: 

(...) "Em Mansambo, a céu aberto. Camas de ferro nos fossos que iriam ser o aquartelamento fortificado de Mansambo. Data: abril de 1968. A foto é do Henrique Cardoso, alferes da CART 2339 e seu comandante. Os 3 Capitães, que comandaram a Companhia anteriormente estiveram sempre doentes !!! Ele assumiu o comando. Era miliciano e responsável" (...).

Foto (e legenda): © Henrique Cardoso / Carlos Marques Santos (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Seleção de comentários ao poste P21222 (*) - Parte II (**)

(viii) Tabanca Grande Luís Graça

.(...) As fotos de "arquivo" (não se identificam as fontes, o que é lamentável para um jornal como o "Público" que dantes tinha um "livro de estilo"...), das páginas 6 e 9  [,do suplemento dominical, P2, 2/8/2020] são "fotos de caricatura" ou de "pura bravata", não podem ser tomadas como "retrato socioantropológico" do quotidiano da guerra: 

Na página 6, um soldado, empunhando uma G3, com uma fita de metralhadora de HK 21, ao pescoço, na caserna com beliches, e uma mesa com cerca de 4 dezenas de garrafas, sobretudo de cerveja (Cristal) e 4 garrafas de vinho e/ou bebibas destiladas (reconhece-se a marca Macieira, o brandy mais acessível às praças)... Sem data, sem local, sem legenda... O rosto desfocado...

Na página 10, dois militares (?) , um dá a beber a outro, através de um funil, com uma garrafa de uma bebida licorosa (não se consegue ler o rótulo..., talvez "Cointreau"). Sem data, sem local, sem legenda. Os rostos desfocados...

O artigo do suplemento de domingo (P2), do Público, edição nº 11057, de 2/8&2020, "Cannabis e álcool: as companheiras esquecidas dos combatentes da Guerra Colonial", é da autoria de Patrícia Carvalho (texto) e Daniel Rocha (fotografia).(...)


(ix) António Graça de Abreu

(...) Diz este senhor: "Na guerra, os militares portugueses recorriam às duas drogas como forma de ultrapassar as dificuldades, vencer o medo e lidar com uma realidade difícil de suportar." 

Leram bem: "Os militares portugueses". Os militares portugueses somos todos nós. O álcool, com certeza, o canábis é droga que nunca vi, nunca soube que fosse consumido e fizesse parte dos quotidianos dos "militares portugueses", e peregrinei pelo norte, centro e sul da Guiné, 72/74. 

É mais uma das muitas mentiras factuais com que nos carimbam a nós, "tropa colonial-fascista". Apetece mandar esta gente (a crescer em Portugal!) para a grande p... que os pariu. (...)


(x) Antº Rosinha

(...) Parece-me que estamos a falar de "liamba", "maconha"... que nem droga (perigosa) era considerada, entre os negros velhos e novos de Angola, tal como na Guiné é o consumo da tal noz de cola.

De facto em Angola, nos últimos anos, chamemos-lhe no pós-Salazar, em que talvez por uma questão psicológica,  tudo pareceu mais moderno, mais aliviado, mais descontraido, também jovens brancos eventualmente poderiam aparecer com os olhos muito vermelhos e meio atordoados: eram já os maconheiros,  tal como aparecia o velho cozinheiro, o vendedor de jornais, o velho criado...etc.

Entretanto já se falava no negócio à porta dos liceus, mais judiciária, já se falava no consumo por gente fina,  mais por alferes milicianos e furriéis, não pelo soldado, pois era preciso alguma classe para consumir.

Portanto, com a bandalheira (abertura) que se adivinhava com a novidade do marcelismo, entre os jovens era fino consumir, constava.

De repente,  o 25 de Abril e com os retornados vinha maconha, diamantes e caixotes, dizia-se.
Hoje o haxixe é remédio.

Entretanto o uísque (a pataco) para a tropa, isso é história já velha, que até o Lobo Antunes náo deixou passar em branco. (...)

(xi) Jorge Picado

O nosso Comandante [da Tabanca Grande] já referiu que o autor "previne contra o enviesamento da jornalista". Desculpem-me aqueles que de facto são jornalistas (muito poucos, na verdade), mas hoje em dia esta é uma classe de jornalixa(o)s.

Lá que se bebia, é uma verdade. Mas isso era a própria máxima do "ex" [, Salazar,] que tinha incutido na mente do Zé Povinho que "beber é dar de comer a um (uns) milhão (ões) de Portugueses".

O mais grave é que passamos todos nós, os ex-combatentes, a ser catalogados como drogados e não se admirem se amanhã, algum dos muitos iluminados que agora por aí campeiam,  vier dizer que foram os ex-combatentes os responsáveis pela introdução deste flagelo, no País.

Só vi bebidas, conheci os naturais a mascarem cola, mas "cânhamos" só na minha activadade, como engenheiro agrónomo.


(xii) Rui G. dos Santos

(..) Sinto-me ofendido bem como aos meus soldados nativos, Não havia Canábis, havia , sim, Cerveja, Uísque e Vinho. A noz de cola era consumida pelo velhos/as das tabancas por causa das dores, quando andava de noite por entre as moranças das tabancas via os velhotes sentados num banquinho mastigando e ficando com a boca vermelha, nunca vi um soldado meu consumir que não fosse cerveja, ou vinho ... E pergunto atualmente quem não bebe álcool ??? 

Matreirices por detrás deste "jornaleiro" que pretende minimizar o trabalho que nos foi dado, expondo o peito às balas, o corpo aos rebentamentos sucessivos enquanto que muitos que hoje se intitulam de qualquer titulo "meritório" da tanga como diziam os meus soldados PAPA KI PARE !!!!

Rui G dos Santos, Comandante de um pelotão de nativos em Bedanda 4ª CC 1963/64, 
Comandante de dois pelotões de Instrução em Bolama no CIM 1964/65
 
(xiii) Valdemar Queiroz


(...) Esta é das boas, e ainda nos apanharam vivos para dizer, como a outra, É MENTIRA!!

Não li nada sobre as 200 entrevistas, e não sei quem fazia parte desse universo, como: data da comissão, território do cumprimento da comissão, dentro desse território no mato ou em localidades (aqui a Guiné era mais complicado), patentes militares, acções em combate e ambiente familiar na metrópole..e o clima.

Todos nós sabemos bem, dos mais antigos aos mais novos, que na Guiné estávamos dentro da guerra e nesses 200 entrevistados teria que haver uma ponderação especial em relação a Angola ou Moçambique.

Todos se recordam de chegar a Bissau e logo começar a atestar umas cervejas ou uns uísques com coca-cola no Bento ou na Solmar e à noite ouvir Tite a 'embrulhar'.  E desde esses dias foi um ver se te avias, uns mais outros menos, lá se 'embrulhava' no mato e lá se mandavam abaixo uns bioxenes.

Não me recordo de haver bebedeiras por cagufa, nem nunca vi, enquanto estávamos à noite de prevenção nas valas, haver alguém acompanhado com garrafas de cerveja ou vinho.

Até aconteceu com os nossos cabos e soldados de cá, quando saíamos em patrulhamento, nas primeiras vezes alguns levaram vinho no cantil em vez de água, mas serviu-lhes de emenda pela sede que passaram. 

Realmente os nossos soldados fulas, muçulmanos e por isso nada de bioxene, todos mascavam a tal castanha, cola, que, diziam, era para matar a sede. Eu experimentei e realmente criava uma maior quantidade de saliva mas nada de especial e não serviu para criar habituação.

Essa do Rosinha achar que a efémera primavera marcelista veio criar hábitos modernos do consumo de drogaria,  tem graça. Todos sabemos que foi por causa da guerra do Vietname e tudo o que se seguiu é que deu origem ao consumo generalizado e depois ao grande negócio da droga à escala mundial.

Uf!! agora ia mesmo um bioxene com duas pedrinhas de gelo e uns amendoins bem torrados. (...) 

(xiv) José Belo

(...) Certamente que “a estrutura militar,  logística,ou Comando, não fornecia bebidas alcóolicas a preços baixos ao pessoal para criar um ambiente de alienação “.

Os Excelentíssimos Quartéis Mestres Generais (plural,  devido ao longo período da guerra) não seriam de modo algum...perversos alienadores psicodélicos! Tinham outras grandes qualidades humanas na bagagem ontológica militar.

Mas que os fornecimentos, desde os "rebatizados"  vinhos a água da bolanha somada às águas municipais da Manutenção Militar em Lisboa, aos famosos-inesquecíveis-supra-especiais Whiskys de “candonga”,  ajudavam alguns dos muitos e inocentes “sacos azuis” intermediários....Iso fazia parte de um certo ambiente de alienação controlada.

Muito controlada mesmo. Chegou a dizer-se, em meios certamente subversivos, que o pano azul para a fabricacão  dos referidos sacos se esgotava rapidamente.

Subversivos e ...invejosos!

Um abraço do J. Belo

PS - Que alguém aponte, onde quer que seja por esse mundo fora, uma Manutenção Militar onde tais “alienações” não existam. (...)

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terça-feira, 4 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21222: Recortes de imprensa (112): entrevista ao antropólogo Vasco Gil Calado sobre droga e álcool na guerra colonial, "Público", 2 de agosto de 2020 (Carlos Pinheiro)


Recorte da edição do Público, 2 de agosto de 2020: Texto de Patrícia Carvalho e fotografia de Daniel Rocha. O artigo só está disponível para assinantes. (Excerto reproduzido com a devida vénia...)  


1. Mensagem do nosso camarada e amigo de Torres Novas, Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70)

Date: segunda, 3/08/2020 à(s) 18:23

Subject:  Artigo no jornal "Público" sobre álcool e droga na guerra colonail

Caros companheiros e amigos

Peço imensa desculpa de vos estar a incomodar, mas o trabalho que abaixo partilho, Cannabis e álcool: as companheiras esquecidas dos combatentes da Guerra Colonial, e que, possivelmente muitos de vós já tereis visto, feito por um fulano para a sua tese de doutoramento, depois de ter entrevistado 200 ex-combatentes, incomodou-me sobejamente porque – posso estar a ver mal – o senhor chegou aquelas conclusões depois de ter falado com uma inexpressiva percentagem daquelas muitas centenas de milhares de jovens que durante 14 anos deram o corpo ao manifesto.

Ele, segundo diz, nunca se tinha interessado pela Guerra Colonial, e só agora, não sei porquê, realizou o tal trabalho e chegou a estas "esplêndidas" conclusões.

Não me quero alongar mais, mas permito-me perguntar se este senhor não mereceria que lhe fosse dirigida uma reacção que desmontasse o que o senhor afirma doutoralmente.

Já me têm feito confusão algumas teses de doutoramento, mas esta suplantou todas as medidas.

Se algum ou alguns dos meus amigos se quiserem dar ao trabalho de alinhavar algumas palavras acerca do assunto, fico grato.

Cá fico à espera.

Um grande abraço, virtual

Carlos Pinheiro

 PS - Vd. artigo no jornal Público de 2 do corrente:

2.  Nota do editor LG:

Obrigado, Carlos pela tua oportuna chamada de atenção. Mas é preciso ir  às fontes, ler em primeira mão o autor, para depois se ter uma opinião fundamentada.  O tema é delicado mas não é tabu. Temos, no nosso blogue,  30 referências sobre alcool, mas apenas duas sobre drogas... 

Percebo, pelo título do artigo, que possa desencadear reações emotivas (, já me chegaram ecos de Trás-os-Montes...), porque mexe com a nossa autoestima e pode ferir a honra da generalidade dos combatentes. Mas não vamos provocar aqui uma "caça às bruxas"... Há 16 anos que falamos, aqui, no nosso blogue, de tudo ou quase tudo, com frontalidade e verdade. Mas o nosso blogue não tem por missão produzir "trabalho científico", apenas partilhar "memórias"... A ciência é com os cientistas,,,

Começo por dizer que não li a entrevista do "Público", nem o livro, mas vou consultar a tese de doutoramento, do Vasco Gil Calado,  em antropologia, pelo ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, defendida em provas públicas em 17/9/2019.  Temos que separar o artigo de jornal (e os títulos de caixa alta dos jornais provocam muitas vezes leituras enviesadas) e o trabalho académico.

Este é um trabalho com arbitragem científica. E terá por certo méritos e desméritos. Não há trabalhos científicos perfeitos.  E é bom desde já chamar a atenção que não é um trabalho de  investigação (quantitativa) em epidemiologia mas um trabalho de investigação (qualitativa) em antropologia. Portanto, é preciso ter cuidado com as eventuais generalizações abusivas.

Este trabalho académico pode ser consultada no Repositório desta instituição ["O Repositório Institucional do Iscte tem como objetivo preservar, divulgar e dar acesso à produção intelectual do Iscte em formato digital. Na medida em que reúne o conjunto de publicações académicas e científicas do Iscte, contribui também para o aumento da visibilidade e impacto do trabalho de investigação a nível nacional e internacional."]

Referêmcia bibliográfica:

CALADO, Vasco Gil Ferreira - Drogas em combate: Usos e significados das substâncias psicoativas na Guerra Colonial Portuguesa [Em linha]. Lisboa: ISCTE-IUL, 2018. Tese de doutoramento. [Consult. 3 de agosto de 2020 ] Disponível em www: http://hdl.handle.net/10071/18841. 

O acesso é restrito, por vontade expressa do autor (, por razões que desconheço, talvez relacionadas com a proteção das fontes e a confidencialidade da informação...),  podendo ser lhe pedida uma cópia em formato digital. Os trabalhos académicos, produzidos no âmbito das universidades públicas, devem estar ( e em geral estão)  em "open acesso", isto é, abertos à consulta pública.

Aqui fica o resumo da tese, o que é que está disponível "on line" no repositório, a par das palavras-chave: Antropologia cultural | Guerra colonial | Colonialismo português | Abuso de drogas | Memória coletiva | Usos e costumes | Portugal.

A Guerra Colonial Portuguesa foi um conflito de guerrilha marcado pelo desgaste físico e psicológico, tendo decorrido a milhares de quilómetros da «metrópole», em territórios inóspitos e em muito diferentes do que os jovens portugueses conheciam. 

Entre as novas experiências que tiveram lugar durante a comissão militar em África conta-se a descoberta da cannabis, uma planta de consumo tradicional em Angola e Moçambique, e a adoção de padrões de consumo intensivo de bebidas alcoólicas que a logística militar distribuía pelos quartéis. 

De acordo com as narrativas dos ex-combatentes, os usos de cannabis e álcool desenvolvidos pelos militares portugueses estão intrinsecamente relacionados com as circunstâncias do conflito, com as normas sociais e com as motivações de consumo. Na guerra, os militares portugueses recorriam às duas drogas como forma de ultrapassar as dificuldades, vencer o medo e lidar com uma realidade difícil de suportar, fosse pela omnipresença da violência, do tédio ou da tensão emocional. 

Embora a cannabis fosse uma planta que o olhar europeu historicamente associou à desordem e ao comportamento bárbaro, a partir do final da década de 60 do século XX os militares portugueses deram-lhe um uso diferente, consumindo-a de forma terapêutica, sem que isso desse aso a castigos disciplinares. No entanto, ao mesmo tempo, na «metrópole» o poder político iniciava uma «guerra às drogas», criminalizando o uso de cannabis e de outras substâncias psicoativas e fazendo da droga um problema social, associando-a à contestação social. 

Tudo isto permite perceber que a droga é um constructo social e um objeto eminentemente político, pelo que nada no uso de drogas é um facto adquirido ou algo que decorra exclusivamente das propriedades farmacológicas de cada uma, antes é condicionado histórica e socialmente, nomeadamente em função do contexto político. [Fonte: http://hdl.handle.net/10071/18841]

Há também um artigo do mesmo autor,  disponível em texto integral, "on line", na revista "Etnográfica" [Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia], e que já li em tempos (**).

Vasco Gil Calado, « As drogas em combate: usos e significados das substâncias psicoativas na Guerra Colonial Portuguesa », Etnográfica [Online], vol. 20 (3) | 2016, Online desde 27 novembro 2016, consultado em 04 agosto 2020. URL : http://journals.openedition.org/etnografica/4628 ; DOI : https://doi.org/10.4000/etnografica.4628

Resumo: Apresentam-se as principais questões suscitadas pelo trabalho em curso acerca do uso de substâncias psicoativas na Guerra Colonial Portuguesa (1961-1974). São identificados alguns aspetos-chave que emergem das narrativas dos ex-combatentes acerca da sua experiência de guerra e que contextualizam um conjunto de práticas, entre elas o uso de drogas. Confirma-se o abuso de álcool e o uso de canábis entre os militares das forças armadas portuguesas envolvidas no conflito, numa altura em que em Portugal surgiam as primeiras iniciativas de combate às drogas. Tanto o consumo de bebidas alcoólicas como de outras drogas pode ser entendido como uma forma de lidar com a ansiedade e a violência do quotidiano.

Em tempos, o Gil Vasco Calado pediu-nos ajuda para  este trabalho académico (**). Já não me lembro se me chegou a entrevistar, nem tenho a certeza de o conhecer pessoalmente,  O poste P16807 teve 12 comentários.
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(**) Vd. poste de 6 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16807: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (39): pedido de ajuda para tese de doutoramento em Antropologia, pelo ISCTE-IUL, sob o tema do uso de álcool e drogas na guerra colonial (Vasco Gil Calado)

(...) Chamo-me Vasco Gil Calado, antropólogo e técnico superior do SICAD [Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências]. 

Estou a fazer o doutoramento em Antropologia, no ISCTE, sobre o tema do uso de álcool e drogas na guerra colonial. Foi o Renato Monteiro quem sugeriu que o contactasse, na condição de grande especialista e dinamizador de um blog essencial sobre a guerra colonial. No âmbito académico da tese, gostava de o entrevistar, de forma anónima e confidencial, naturalmente.

O meu orientador é o Prof. Francisco Oneto, do departamento de Antropologia do ISCTE.
Nós cruzamo-nos no ISC-Sul, numa pós-graduação de Sociologia da Saúde, em que deu um módulo sobre Educação para a Saúde, se bem me lembro, para aí em 1999 ou algo do género. (...)