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quarta-feira, 19 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24234: Armamento do PAIGC (3): peça de artilharia 130 mm M-46, cedida pelo Sekou Turé para os ataques, a partir do território da Guiné-Conacri, contra Guileje e Gadamael, em maio/junho de 1973


Peça de artilharia 130 mm M-46, de fabrico soviético (ano de introdução: 1954). Este tipo de armamento foi usado pelo PAIGC contra Guileje em maio de 1973, a partir do território da Guiné-Conacri. O seu alcance (máximo) é de 22,5 km.

Fonte: Wikipedia (em finlandês) (2007) (com a devida vénia...)



 Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > A peça do lado direito não pode ser  o famigerado "canhão de 130 mm", de origem russa, fornecido pela Guiné-Conacri ao PAIGC nos ataques a Guileje e a Gadamael, em maio e junho de 1973... A peça de artilharia 130 mm, M-46, tinha/ tem  um cano ou tubo de mais de 7 metros de comprimento...  O da foto é muito mais curto... 

Não era armamento do PAIGC,  deve ter sido cedida pelo Sekou Touré, exigia uma equipagem de 8 elementos, além de viatura para a rebocar,   e disparava do outro lado da fronteira... Pesava 7,7 toneladas,,,  Nunca deve ter entrado sequer em território da antiga Guiné portuguesa (*).... 

Por outro lado, também deveria ser difícil distinguir, no final da guerra,  depois da morte de Amílcar Cabral,  e com o crescente ascendente de Sékou Touré (e dos soviéticos) sobre o aparelho político-militar do PAIGC, o que era do PAIGG e o que era dos seus anfitriões ou "patrões"...

Angola foi um dos países lusófonos que dispunha desta temível arma, durante a chamada guerra da segunda independência.

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Nuno Rubim, coronel de artilharia na reforma, e especialista de renome. nacional e internacional, em história da artilharia, que colavora  com a ONG AD-Acção para o Desenvolvimento no Projecto Guiledje, no tempo do nosso saudoso Pepito (Bissau, 1949-Lisboa, 2014), confirmou-nos o emprego desta arma em 1973:

 

Excerto de mensagem do Nuno Rubim, membro da nossa Tabanca Grande, poste P1434 (*):

 (...) O Pepito foi a Cabo Verde e falou com os Cmdts Julinho de Carvalho e Osvaldo Lopes da Silva, os responsáveis operacionais no ataque a Guildeje, em Maio 1973. Colocou-lhes várias perguntas que eu sugeri, além daquelas que ele entendeu por bem e as respostas são muito satisfatórias, pese embora o tempo decorrido.

Agora vou estudar em detalhe essas informações e o ciclo continuará ...

Realmente a peça utilizada pelo PAIGC era o 130 mm M-46. O reconhecimento dos objectivos foi executado visualmente! (...)

2. Recorde-se o que já aqui escrevemos sobre o assunto (**):

(...) A artilharia 130 mm foi usada pela primeira vez contra Guileje em maio de 1973. E com crescente precisão. De origem soviética, com quase todo o armamento do PAIGC, operava a partir do território da Guiné-Conacri e tinha sido cedida pelo regime de Sékou Touré.

Entre 18 e 21 de maio de 1973 por exemplo, foram lançadas sobre Guileje cerca de sete centenas de granadas, de vários tipos (incluindo RPG 7). Média diária (4 dias): 171,25 granadas.
Entre 31 de maio e 11 de junho, Gadamael Porto foi flagelada com 1468 granadas: média diária (em 12 dias), 122,3 granadas; máximo 620 granadas (em 1 de junho), mínimo 4 granadas (em 10 de junho) (...)

3. Informação recolhida na Web > abcdef.wiki

Canhão de campo rebocado de 130 mm M1954 (M-46) - 130 mm towed field gun M1954 (M-46) - abcdef.wiki

(...) O canhão de campanha  rebocado ("towed field gun", em inglês),   de 130 mm M-46 (russo : 130-мм пушка M-46 ) é uma peça de artilharia rebocada de 130 mm, de carga manual , fabricada na União Soviética na década de 1950. 

Foi observado pela primeira vez pelo Oeste em 1954. Por muitos anos, o M-46 foi um dos sistemas de artilharia de maior alcance ao redor, com um alcance de mais de 27 km (...)


Especificações técnicas::

Massa:  7,7 t 
Comprimento; 11,73 m
Comprimento do cano: Furo: 7,15 m

Para saber mais: Canhão de campo rebocado de 130 mm M1954 (M-46)


(***) Último poste da série > 13 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24220: Armamento do PAIGC (2): Ainda as viaturas blindadas BRDM-2: em finais de 1973/princípios de 1974, o PAIGC teria apenas 2 viaturas blindadas...

quarta-feira, 1 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24110: Memórias cruzadas: onde ficava a base (logística e operacional), do PAIGC, de Hermacono? Segundo informação recolhida por Cherno Baldé, junto de um antigo guerrilheiro, ficava na linha de fronteira com o Senegal, no vértice de um triângulo que tinha como base as tabancas (abandonadas) de Farincó e Fambantã, a oeste da estrada Farim-Jumbembem


Guiné > Região do Oio > Mapa geral da província da Guiné (1961)  / Escala 17500 mil > O possível triângulo Farincó - Fambatã - Hermacono (na linha de fronteira com o Senegal)


Guiné > Região do Oio > Carta de Jumbembem (1953))  / Escala 1/50 mil > O possível triângulo Farincó - Fambatã - Hermacono (na linha de fronteira com o Senegal)

Infogravuras: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. C
omentário do nosso colaborador permanente Cherno Baldé (Bissau, mais de 270 referências no nosso blogue) ao poste P24107 (*)


Caro amigo Luis Graça,

A informação que consegui obter junto de um antigo guerrilheiro, é que a base de Ermancono ou Hermacono ficava situada perto da fronteira e nas proximidades de 3 aldeias abandonadas (Fambanta-Farinco fula e Farinco mandinga) formando um triângulo quase perfeito se tomarmos como base a estrada Farim-Jumbembem com as duas localidades a servirem de ângulos ou vértices A e C. Visto desta forma, o ângulo de cima (Vértice B) estaria próximo das localidades citadas acima (Fambanta e as duas Farinco).

Esta informação trouxe-me de volta ao livro de Amadu Bailo Djalo no depoimento sobre a sua primeira missão em Farim com o Capitão de uma das companhias sediadas em Farim num camião cujo o motor aquecia e ao qual era preciso pôr água para arrefecer (**). A missão, segundo ele, estava relacionada com a recuperação da populaçao fula da aldeia de Lambã situada mesmo na linha da fronteira e que não se sentia segura devido a infiltração frequente dos guerrilheiros. Estou em crer que o objectivo daquelas manobras na altura estaria ligado à necessidade de conseguir espaços de futuras infiltrações para o interior do território.

De notar que este corredor (de Sambuia ou Lamel?) estava ligado às bases situadas no Oio (Canjambari-Samba-Culo entre outros).

Todavia, o homem grande (antigo combatente) não conseguiu decifrar-me o significado do termo Ermancono / Hermacono) utilizado para designar a base do PAIGC.

Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
28 de fevereiro de 2023 às 12:57


2. Excerto de relatório da 2.ª Repartição/CCFAG relativo ao período de 01jan73 a 15out74,  pág. 18 (***)

(...) Dispositivo geral do PAIGC e objectivos

Algumas das Bases ao longo da fronteira tinham simultaneamente carácter operacional e logístico, constituindo pontos de apoio à entrada de grupos armados e de colunas de reabastecimento. Assim:

Na Zona Oeste, dispunha fundamentalmente das Bases de M'Pack, Campada, Sikoum, Cumbamory e Hermacono, sediadas na faixa fronteiriça da Rep Senegal, a partir das quais actuava contra as guarnições de S. Domingos, Ingoré, Guidaje, Farim e Cuntima e infiltrando-se pelos "corredores" da Sambuiá e Lamel irradiava para o interior do TO, respectivamente em direcção às áreas fulcrais de:

- Tiligi, Naga-Biambe e Caboiana-Churo, donde ameaçava directamente o "Chão" Manjaco e as povoações e Aquartelamentos ao longo do eixo Có - Bula - Binar - Biambe - Bissorã;

- Bricama, Morés e Sara, donde ameaçava as povoações e aquartelamentso ao longo do eixo Mansoa - Mansabá - Farim, a península de Nhacra e, indirectamente a ilha de Bissau; 

(Itálicos e negritos nossos: LG)



Senegal > Ziguinchor > PAIGC > 1973 > Organizando um coluna logística que vai levar armas até à base de Hermacono, na fronteira... Na imagem, um camião russo, de marca Gaz (segundo nos parece)... Para ir até à fronteira, devia haver uma estrada entre Ziguinchr e Hermacono (o fotógrafo chama-lhe Hermangono).

Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - G 23 - Life in Ziguinchor, Senegal - Carrying weapons to Hermangono, Guinea-Bissau - 1973 (Com a devia venia... )

Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)
___________


(**) Vd. poste de 12 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23777: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte VII: Em Farim, com o BCAV 490, do ten-cor Fernando Cavaleiro, até meados de 1964... Abatises e emboscadas no itinerário Farim-Jumbembem-Cuntima

domingo, 27 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23117: (Ex)citações (404): Um célebre escritor sueco de finais do séc. XVIII afirmou: “Depois dos setenta anos as únicas verdadeiras surpresas que a vida nos traz são todas relacionadas com a saúde" - Teria de mudar de opinião se lesse alguns comentários do nosso blogue... (José Belo, EUA)


José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, reparte a sua vida entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e os EUA (Key West, Nova Orleans...); (ii) foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, agora jubilado; (iii) na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); (iv) é cap inf ref do exército português; (v) durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; (vi) tem cerca de 220 referências no nosso blogue.


Aqui segue foto actualizada para quando é necessário.....Dar a Cara! Um abraco .....Luso / Sueco / Lapäo / Americano...o que é uma já boa colecäo de identidades difíceis de coordenar em momentos..."patrioteiros"!



1. Mensagem do Joseph Belo:

Data - quinta, 24/03/2022, 21:25 


Assunto -  O “tal” minuto antes das zero.


Célebre escritor sueco dos finais do século dezoito afirmou: “Depois dos setenta anos as únicas verdadeiras surpresas que a vida nos traz são todas relacionadas com a saúde".

Teria que mudar de opinião se tivesse tido a oportunidade de ler alguns dos comentários do nosso Amigo, Camarada e Poeta Graça de Abreu (*).

Estamos em 2022. São outros os parâmetros que enquadram as sociedades actuais. As “armas de arremesso“ que alguns continuam a utilizar,  estão já há muito ultrapassadas pelos novos contextos sociais. Cai-se numa agressividade contínua, pessoalizada, que acaba por raiar áreas de patologias várias.

A propósito de um texto sobre Amílcar Cabral, salta-se compulsivamente para afirmações como: “Mário Beja Santos a caminho da Ucrânia ou da Bielorrússia... suprema inteligência tuga neste blogue, debruçado sobre as bandas de Moscovo” (*).

Felizmente que este tipo de compulsividade analítica de áreas e situações já abrangidas pela paleontologia, se limita a um reduzido número de irredutíveis “passadistas”.

Só humoristas de gabarito se lembrariam hoje, tendo em conta o passado de activista maoísta do Sr. Dr. Durão Barroso aquando estudante, de sugerirem o seu abandono do alto cargo em renomado banco da alta finança internacional para ...ir beber chá com os seus camaradas de Xangai. Enfim, quase o tal... vomitar a gargalhar!

Quando activista nas lutas estudantis contra a ditadura,  não estive “debruçado sobre as bandas de Moscovo“, e muito menos fui leitor de um certo livro, fosse ele vermelho, castanho, ou furta-cores.
Não serão essas as razões deste meu despretensioso texto.

As razões que aqui me trazem foram criadas pela (feliz e oportuna) correção efectuada pelo Amigo e Camarada Graça de Abreu a uma lista valorativa de personagens apresentada pela BBC.(*).

Verifica-se que um aí citado imperador chinês mais não era que uma imperatriz. Correção feliz e oportuna (e aqui repito-me conscientemente!) por nos levar direitamente ao "clitoris" da dita senhora e a muitas das consequências político-históricas do mesmo na vida social da corte chinesa.

Tendo sido um homem de “casernas” durante mais de uma década, e, como tal, sempre com um profundo interesse por tudo que é a problemática deontológica clitoriana, quase me atrevo a perguntar ao camarada corretor se a vida da senhora imperatriz referida se encontra publicada em inocente vídeo do YouTube? (Ou talvez em alguns dos “sites” mais resguardados por explícitos?)

E já agora, algumas referências bibliográficas que venham a contribuir para uma penetração mais profunda (salvo seja!) em tudo o relacionado com a dita senhora.

Infelizmente, uma atenta e nova consulta ao Clássico português dos finais dos anos cinquenta, que circulava entre os “filhos maus de boas famílias", e que tinha por título histórico... ”A Marca dos Avelares",  não me levou a encontrar referências detalhadas à madame imperatriz e, muito menos, às suas partes, no caso não púdicas mas antes... públicas!

Espera-se bibliografia... detalhada, detalhada, detalhada!

Como se diz nos States… Another Day Another Dollar.

Um respeitoso abraço do J. Belo (**)
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Notas do editor:

21 de março de  2022 > Guiné 61/74 - P23097: Notas de leitura (1430): “Amílcar Cabral - Pensar para Melhor Agir”; edição da Fundação Amílcar Cabral, Praia, 2014 (5) (Mário Beja Santos)

(...) antonio graça de abreu disse...

Tanta traição, não é Rosinha?

Mário Beja Santos, já, a caminho da Ucrânia, ou da Bielorússia... Acho que precisam dele, suprema inteligência tuga neste blogue, debruçado sobre as bandas de Moscovo.

Pois, as teses do Amílcar Cabral, o "génio africano" segundo as palavras e o entendimento de Mário Beja Santos. Sabemos hoje que tais teses resultaram em coisa nenhuma, nada funcionou. A África esqueceu-se da luminosidade do pensamento de Amílcar Cabral, as boas intenções não deram resultado em nenhum centímetro quadrado da nossa querida África. Que nos valha o Mário Beja Santos para, com Amílcar Cabral, nos explicar, depois do colonialismo, as maravilhas que iam acontecer e que nunca aconteceram. Depois da independência, foram milhares de mortos em lutas fratricidas. Onde estava o pensamento de Amílcar Cabral?

O Mário Santos continua a vender-nos a banha da cobra. Tristeza...

Abraço,

António Graça de Abreu21 de março de 2022 às 15:48 


(...) antonio graça de abreu disse...


Curiosa a lista dos grandes líderes, elaborada por historiadores anti-colonialistas primários como Hakim Adi. Até conseguem falar num milhão de guineenses reunidos por Amilcar Cabral quando em 1973 a população total da Guiné não chegava aos 600 mil habitantes.

Curiosa também a referência a Wu Zutian (624-705) que aparece na lista da BBC como imperador da China quando na realidade foi imperatriz, do sexo feminino. Antiga concubina, serviu dois imperadores e para usurpar o poder envenenou vários candidatos ao trono. Viúva, tinha o gosto de mandar matar os homens que com ela dormiam e utilizava para o seu prazer sexual. Em algumas audiências na corte, vestia um longo casaco de brocado. Nua da cintura para baixo, fazia ajoelhar os ministros, entreabria o casaco e obrigava-os a beijar o seu exercitado clitóris. Mulher hábil, forte e determinada, ficou na História da China também por algumas medidas que tomou e que deram mais força ao império chinês. Era a figura preferida de Jiang Qing (1914-1991), a quarta esposa de Mao Zedong, a mais proeminente criatura do famoso "bando dos quatro" que se suicidou aos 77 anos.


(**) Último poste da série > 5 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22971: (Ex)citações (403): no país onde nascemos, nem as "iscas com elas" eram para todos (Eduardo Estrela, Cacela Velha, Vila Real de Stº António; ex-fur mil at inf, CCAÇ 14, Cuntima e Farim, 1969/71)

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - 23037: Memórias do Chico no império dos Sovietes (Cherno Baldé) - Parte V: No campo de férias de um Sovkhoze, a apanhar maçãs, damascos, abóboras... Um 'desastre', que acabou sem diploma de mérito nem contrapartida financeira


Cherno Baldé, em Kiev, Ucrânia, 1989


Memórias do Chico no Império dos Sovietes, 1985-1990
(Cherno Baldé) - Parte V:  No campo de férias de um Sovkhoze, a apanhar maçãs, damascos, abóboras... Um 'desastre', que acabou sem diploma de mérito nem  contrapartida financeira


por Cherno Baldé (*)


(xvii) No campo de férias de uma Sovkhoze

Aqueles que ficaram [, na Moldávia, durante as férias de verão de 1986, como Chiquinho] (*) foram convidados para integrar as brigadas de trabalho de campo numa Sovkhoze (propriedade agrícola do Estado) (**).

Logo no primeiro dia levaram-nos para a colheita de maçãs. Mal sabiam do erro que tinham cometido. A fruta estava bem madura e bem saborosa, de diferentes cores e tamanhos numa área extensa. Os estudantes assaltaram as árvores como um bando de macacos. Depois do magistral banquete, deitaram-se à sombra. 

Quando os camiões que vinham para o carregamento da fruta chegaram,  ainda nem metade do trabalho estava feito e,  pior ainda, o trabalho não tinha servido de nada, pois no dia seguinte toda a colheita tinha sido deitada fora por causa das manchas pretas provocadas pela brutalidade dos desprevenidos trabalhadores, oriundos essencialmente de países tropicais. As maçãs tinham-se mostrado ser muito mais frágeis do que as frutas que a maioria conhecia na sua terra.

No segundo dia, tentaram corrigir o erro e mandaram-nos para uma plantação de apricots (damascos). Disseram-lhes que no fim, o pagamento seria feito mediante a quantidade de caixotes da fruta que tivessem enchido. A colheita durou alguns dias e tudo parecia bem encaminhado, mas a partir da segunda semana, já cansados da rotina, começaram a procurar uma estratégia de contornar a situação.

Foi um estudante de Bangladesh que deu o mote, e  que rapidamente foi adotado pelo resto do grupo. Colocaram ramos da árvore por baixo dos caixotes, completando a parte de cima com a fruta vermelho rubra. O rendimento tinha aumentado rapidamente, enchendo muitos camiões. Só descobriram o logro no dia seguinte.

Em retaliação desta aldrabice, o grupo foi desmantelado, os seus elementos foram dispersos, engrossando outras equipas. O Chiquinho continuou na companhia do Amin, o genial rapaz de Bangladesh que tinha mostrado claramente que não tinha aterrado naquela terra para se transformar num Kolkhoznik (trabalhador de colectividade agrícola).

Para acabar com a brincadeira, mandaram-nos para a poda de um extenso campo de pés de uvas recém-plantadas. Com o sol a queimar as espinhas no campo aberto, não tardou muito para que a maioria se despistasse à procura de água e de sombra. Quando os vieram buscar, ao fim da tarde do primeiro dia de trabalho, ainda não tinham avançado vinte metros ao longo das fileiras que se estendiam por mais de um quilómetro de comprimento.

Do campo de uvas, foram enviados para a colheita de abóboras verdes, mas os resultados não eram muito melhores, pois os estudantes,  esfomeados, comiam a maior parte das abóboras que encontravam e que eram destinadas aos animais e à indústria da conserva. 

(xix) Valeu-lhes a bola...

No fim deste ciclo de insucessos, acabaram por ser dispensados do trabalho de campo, sem diploma de mérito nem contrapartida financeira.

O campo de férias prolongou-se ainda por mais algum tempo. Dispensados do trabalho, depois de terem demonstrado aquilo que não sabiam fazer,  que era trabalhar, criaram uma equipa de futebol para passar o resto dos dias que lhes restavam antes do regresso a Kichinev onde os esperava a afetação para as cidades onde deveriam continuar os estudos (, que no caso do Chiquinho seria Kiev, capital da Ucrânia,  onde frequentou a universidade estatal nos anos letivos de 1986/87, 1987/88, 1988/89, 1989(1990, tendo se formado em economia; regressou da então URSS em 1990).

[Fixação e revisão de texto / negritos / título e subtítulos: LG] 

Texto original: Poste P8870 (***)

(Contimua)
___________

Notas do editor:

(**) Sovkhoze (palavra russa) : s. m.  Na ex-U.R.S.S., grande herdade modelo do Estado, com a finalidade de exploração piloto. (Fonte: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa).  

Também havia o kolkhoze  (palavra russa)  s. m. Na ex-U.R.S.S., cooperativa agrícola de produção, que detinha perpetuamente as terras que ocupava e a propriedade colectiva dos meios de produção.(Fonte: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa)

(***) Vd. poste de 8 de outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8870: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (28): De Bissau a Kiev ou o percurso de um ex-rafeiro (Parte IV) (Cherno Baldé)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23027: Memórias do Chico no Império dos Sovietes (Cherno Baldé) - Parte IV: Chiquinho, aspirante comunista, não entendia a atração dos africanos (e dos próprios soviéticos) pelas bugigangas do Ocidente



Cherno Baldé, Kiev, Ucrânia, 1986


Memórias do Chico no Império dos Sovietes, 1985-1990
(Cherno Baldé) - Parte IV: Chiquinho, aspirante comunista, não entendia a atração dos  africanos (e  dos próprios soviéticos) pelas bugigangas do Ocidente 


por Cherno Baldé (*)


(xv)  Primavera, 1986: recuperação da boa disposição mental

Estava de novo apaixonado, o Chiquinho, desta vez, por uma mulher do Iémen do Norte (ou era do Sul?), sem hipótese de aproximação. Ela era casada e vivia com o marido num quarto isolado. Tinha tanta inveja do homem que queria matá-lo. Foi, talvez, a mulher mais bonita que os seus olhos alguma vez tinham visto.

Mas, ou era o sentido universalmente humano que o guiava ou era a tolice de um coração desorientado, pois no meio de tanta diversidade étnica e cultural, tinha que apaixonar-se logo por uma mulher árabe, com a carga de desprezo secular que estes beduínos do deserto nutrem pelos negros.

- Acorda, preto!.. - apetecia dizê-lo. 

Era mais um daqueles amores platónicos, impossíveis, destinados a colmatar o vazio do seu coração. O frio agudizava o seu sentimento de solidão. Começou, assim, a criar o hábito de deambular sozinho pelos parques da cidade na secreta esperançaa de encontrar, numa viragem qualquer, a sua europeia de cabeleira reluzente, a promessa de um destino que o empurrava para o desconhecido.

No entanto, ainda tinha muitas questões sem resposta. Por exemplo, por onde a pegaria?... Pela mão, no braço ou por cima dos seus ombros?... Seria capaz de adivinhar seus sentimentos encarando os seus olhos azul-marinhos?... O que lhe diria, e como lhe diria?... Contar a verdade ou mentir descaradamente sobre a sua vida como faziam alguns colegas para melhor seduzir?... Na sua terra natal ouvira dizer que a mulher conquista-se com a mentira e mantem-se com a verdade. E para os europeus, seria o mesmo?... Tinha muitas duvidas e uma certeza, a certeza de que a amaria muito, dentro do seu coração.

Com a chegada da primavera, o Chiquinho começou também a recuperar a boa disposição mental e fez mesmo parte de um grupo de estudantes que, vestidos de trajes multicolores, ensaiavam a dança tradicional moldava para apresentar em palco, para mostrar a integração cultural dos africanos. Não resultou tão bem assim, tecnicamente falando, mas permitiu apertar e acariciar as partes arredondadas das colegiais ainda adolescentes, recuperando assim um pouco da sua jovialidade e amor próprio.

A sua amiga, a Vika, parecia gostar dele, mas nunca dizia nada, limitava-se a olhar para ele e a sorrir. Também ele sorria, dividido entre o desejo de seduzi-la e o medo de enganá-la. Pode-se mentir a quem se ama?... O Chiquinho ainda vivia no mundo em que um homem era incapaz de transformar o mundo com o enredo das palavras dúbias, enviesadas, entorpecentes como a morfina.


(xvi) Finais de junho de 1986: o Chiquinho, aspirante comunista e de altos valores, não entendia a atração dos africanos e dos próprios soviético pelo Ocidente

Em finais de Junho de 1986, terminaram os exames e muitos estudantes foram a Moscovo tratar de vistos nas embaixadas para viajar aos países do Ocidente. Ele recebeu o convite de um irmão que era estudante em Lisboa, mas ainda não queria afastar-se muito do universo que queria integrar e também da posibilidade de aproximar-se da Vika. Todavia, a menina com os seus cabelos cor de trigo, não correspondia muito à imagem da europeia dos seus sonhos.

Adiou a visita para o ano seguinte. Entretanto a expetativa da viagem aos paises do Ocidente fazia furor entre os estudantes estrangeiros, particularmente nos congoleses que sonhavam com as luzes de Paris e não escondiam o seu entusiasmo. Lisboa era o destino preferido dos guineenses e angolanos.

O Chiquinho, aspirante comunista e de altos valores, não compreendia porque razão os estudantes eram tão atraídos pelo Ocidente, atitudes que ele considerava como subproduto da mentalidade neocolonial e servil. Para ele, era mais importante a apropriação da doutrina marxista-leninista, em especial o pilar da economia política que encerrava as premissas para a verdadeira libertação dos povos do terceiro mundo.

Mais surpreendido ficou ainda quando viu a avidez com que os próprios soviéticos consumiam os mais insignificantes produtos trazidos do Ocidente pelos estudantes em contrabando, bugigangas de um regime em decadência. 

Afinal, as férias dos estudantes escondiam outras realidades que, não sendo políticas nem filosóficas, contribuíam para minar os alicerces de base sovietica e comunista.

(Continua)
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 24 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23023: Memórias do Chico no Império  dos Sovietes (Cherno Baldé) - Parte III: Em Kichinev, Moldávia... Pôr-se em pelota, na inspeção médica perante um mulher?!... Mostrar tudo?!... Subahaanallai!...

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23023: Memórias do Chico no Império dos Sovietes (Cherno Baldé) - Parte III: Em Kichinev, Moldávia... Pôr-se em pelota, na inspeção médica perante um mulher?!... Mostrar tudo?!... Subahaanallai!...


URSS > Ucrânia > Kiev > 1987 > O Cherno Baldé, à esquerda, com mais dois colegas da Guiné Equatorial

Foto (e legenda): © Cherno Baldé (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 




Cherno Baldé, Kiev, Ucrânia, 1986


Memórias do Chico no Império dos Sovietes, 1985-1990
(Cherno Baldé) - Parte III:  Em Kichinev, Moldávia... Pôr-se em pelota, na inspeção médica perante um mulher?!... Mostrar tudo?!... Subahaanallai!...


por Cherno Baldé (*)


(x) A primeira viagem de comboio: até Kichinev, capital da Moldávia

A viagem para Kichinev [, capital da Moldávia,] foi de comboio. Depois da viagem do avião, esta era uma nova descoberta não menos interessante. Blagat... Blagat... Blagat... Este som, provocado pelos veios de um velho e lento comboio, tinha ocupado os seus ouvidos durante toda a noite, povoando o seu sono inquieto.

Viajavam dez a doze pessoas por vagão, divididos em compartimentos, com camas individuais, o que, visto com a lupa de hoje, constituía de facto um grande luxo se comparado com as condições dos outros comboios, que viria a conhecer nas terras mais a oeste, fora do território da URSS.

Tudo decorreu conforme estava previsto. Receção na estação, distribuição de residências, roupas de frio, visita médica, salas de aulas; era simplesmente impressionante a capacidade de organização das estruturas que os recebiam. Tudo estava planeado ao mínimo detalhe, uma máquina a perfeição como só o espírito europeu sabe criar. Quando chegavam num sítio já estava alguém à espera para recebê-los e conduzi-los, a seguir, para o local indicado. 

Se o comunismo era assim, então, de certeza que podiam contar com ele, dizia para com os seus botões. Viva o Lenine!... Viva a revolução comunista!...


(xi) Inspeção médica: "uma afronta à dignidade de homem africano"...

Bem, depois passou por uma pequena afronta durante a inspeção médica que teria diminuído um pouco o seu entusiasmo. Que fosse obrigado a entregar as suas fezes e urina já era um grande sacrifício e quase que um atentado à sua dignidade de homem africano, agora pediam que tirasse toda a roupa que cobria a sua nudez, assim como veio ao mundo, diante de uma mulher.

Ele ficou aterrorizado, outros gracejavam. É bom que conste, também, que só um espírito europeu, talvez comunista, era capaz de exigir uma coisa semelhante a um indígena africano que tinha passado toda a sua vida sob uma dupla educação conservadora, tradicional e muçulmana. Mostrar tudo!?... Subahaanallai!

As enfermeiras que procediam ao exame não queriam saber de tabus, ele tinha que mostrar-lhes tudo. O Chiquinho recusou e, por isso, foi acantonado ao lado, dando lugar aos outros menos envergonhados. Quando finalmente cedeu, pegaram no seu sexo, ou do que dele restava, virando e revirando-o em todos os sentidos como que para mostrar a insignificância do seu falso sentido de pudor.

Apanhado de surpresa, o desgraçado do sexo, centro nevrálgico de pudor, de timidez mas também de orgulho e da força masculina, ficou tão retraído e minúsculo ao ponto de ser ridículo. Para o Chiquinho tinha sido uma experiência decepcionante e, para aquelas curiosas senhoras de bata branca, também, mas por motivos diferentes.

Uma das enfermeiras, pegando numa ferramenta que parecia um martelo, bateu ao de leve nos seus joelhos. De seguida, pegou no seu braço esquerdo, depois o direito à procura de uma veia saliente donde poderia retirar sangue para as análises. Deu trabalho encontrar a veia e no fim, dirigindo-se ao tradutor, aconselharam o Chiquinho a pegar numa enxada e ir trabalhar a terra todos os dias a fim de desenvolver os seus músculos de bebé. Com tais características, certamente que não se enquadrava na classe dos trabalhadores, um conceito caro aos comunistas.

(xii) Quatro meses de aulas intensivas de língua russa, segundo um método tão eficiente quanto brutal... que o fez esquecer o português!

As aulas começaram de imediato. Uma primeira fase de aprendizagem da língua onde, diga-se de passagem, se utilizava um método tão eficiente quanto brutal, em salas especiais de audição linguofónicas durante horas intermináveis. Após quatro meses de aulas intensivas da língua russa, quando o Chiquinho se sentava para escrever uma carta em português já não encontrava as palavras certas nos espaços onde estavam antes.

Ele percebeu então que o método de ensino utilizado provocava este fenómeno de erosão cerebral. Percebeu também que, apesar das graves insuficiências de instrução escolar no seu país, faziam figura de avantajados diante de outros estudantes vindos de países ditos amigos da URSS, confrontados com profundas mudanças políticas, sociais e/ou de orientação ideológica como o Congo, de Marien N’gouabi, a Etiópia, de M. Hailé Marian, a Nicarágua, Laos, Camboja, entre outros. Alguns, como era o caso do meu amigo Peruano, Aníbal, não teria feito nem o ensino primário e tinha que lidar com o teorema de Pitágoras ou dissecar o capitalismo com as pinças de “O Capital”, de Karl Marx.

(xiii) Síndroma russa, provocada pela 
desoladora visão da natureza morta, pela omnipresença do frio e pela escassez da luz solar (1)

Passados alguns meses, o Chiquinho começou a sofrer de um estranho mal-estar físico, com sintomas de uma espécie de nostalgia aguda acompanhada de uma sensação de vazio profundo provocado, provavelmente, pela desoladora visão da natureza morta à sua volta, pela omnipresença do frio e pela escassez da luz solar.

Um dia, recusou-se a ir às aulas, pronto. Só queria que o deixassem dormir aconchegado no calor do quarto e dos cobertores. Impossível. A sua professora de língua russa, a meiga e simpática Victoria Aleksandrovna, veio falar com ele para dissuadi-lo. Juntamente com a professora, tinha vindo também a Vika, uma jovem moldava, sua afilhada, que ela o tinha apresentado. Parecia ter encontrado o remédio certo. A Professora, ao menos, compreendia o mal que o clima provocava nos africanos e estava habituada a resolver estas situações de crise emocional à sua maneira. As suas palavras calmas e serenas mobilizaram o Chiquinho ao ponto de fazê-lo desistir da greve.

Não obstante, a primeira vítima desta sua estranha doença seria ela, Victoria Aleksandrovna. Num dia normal de aulas de língua russa, após três dias sucessivos a falarem do mesmo assunto, o Chiquinho não tinha conseguido conter a sua irritação e tinha afirmado, em voz alta, que já estava farto das aulas que só falavam de Lenine. Lenine na Suíça!... Lenine em Petrogrado!... Lenine em Moscovo!... Poça, vida!

Para a grande surpresa de todos, que esperavam ouvir uma repreensão muito dura da parte da professora, ela simplesmente desatou a chorar, feita uma criancinha, revelando as linhas da idade que começavam a aparecer na sua linda cara de velha solteirona.

Teria ele mexido no tabu do espírito sagrado da União Soviética e Empiriocriticista?...

(xiv)  "Com que então, estava farto de Lenine!?"

O Chiquinho não sabia e, na verdade, nem queria saber. Não era aquela a manifestação do espírito comunista que esperava encontrar, depois de toda a propaganda sobre o comunismo científico e a dialética marxista que tinha lido durante anos. Era simplesmente incrível como um espírito tão crítico, tão pragmático e oportunista como Lenine teria podido parir (produzir) uma mentalidade tão seguidista e apática, um charco de água parada. Para ele já era o bastante para perder a razão.

Depois das aulas mandaram-no chamar no gabinete do Reitor para interrogatório. O que não o surpreendeu, pois já estava prevenido pelos mais velhos de que uma provocação destas podia valer a expulsão.
- Com que então, estava farto de Lenine!?...

Quiseram saber, entre outras coisas, a profissão dos seus pais. Ele disse-lhes a verdade, que a sua mãe era camponesa e seu pai comerciante. De filho de comerciante, certamente, terão deduzido que era da pequena burguesia, logo reacionário, anticomunista.

“Autant mieux” [, tanto melhor, em francês], pensava ele. Se o mandassem de volta, até agradecia, maldito clima. Desde que o inverno começara, ele não conseguia andar direito, os pés gelavam, escorregava e caía com muita frequência, não raras vezes tivera que andar de gatas para descer ou subir nas encostas, embrulhado num enorme paletó e botas de tropa que mal conseguia arrastar com os seus pequenos pés de criança. Deslizar em cima da neve era um exercício delicado para um homem dos trópicos. Nunca poderia imaginar que pudesse sentir tanta saudade dos raios do sol e do chão firme e vermelho da sua terra natal.

O reitor foi brando com o Chiquinho, quase simpático. Provavelmente, os ventos da mudança (**) já estavam a soprar. Não o mandaram embora e, ao invés, redobraram a atenção para com ele, convidando-o para excursões e visitas culturais. Foi durante esse período que o levaram ao teatro da cidade para assistir ao ballet de Lebedinoye Ozero (O lago dos cisnes), de Tchaikovsky.

Extraordinário!... Sem o saberem, tinha sido a melhor prenda que lhe poderiam oferecer. Tratava-se de uma interpretação poética e musical de envergadura universal, executada num cenário de sonho, animada com uma cativante variação de estilos e ritmos. A dança dos cisnes, a dança polaca, húngara, russa, espanhola. Tempo de valsa, allegro, allegro moderatto, allegro vivo.

Ao contrário da maioria dos seus colegas, tinha passado a melhor noite desde a sua chegada à União Soviética. Aconteceu naturalmente. Tchaikovsky constituiria assim o primeiro passo e a porta de entrada para a poesia e a música clássica russa e europeia.
___________________

RASSIA (1)

Eu fui a Rassia
Para ler poesia,
Cheguei no Outono,
O maldito nevoeiro
Que mudou o sentimento;
Acordei no inverno
Quando a terra,
A Ukraina inteira,
Não era beleza para sedução,

O mar de lágrimas, eu vi,
Deste povo que nunca chorou,
As vítimas isoladas
Porque justamente vitimadas,
O regresso doloroso, eu vi,
Desta gente que nunca partiu.

Eu fui a Rassia
Para ler poesia
Adorei Ecenin e Tsvetaeva
Pushkine e Akmatova
Em toda a mística e gratidão,
Em toda a dor e solidão,

Eu fui a Rassia
Onde a beleza de forma radiante
Acompanha a rudeza de gente arrogante
Ha...! Poltava!...
Ha...! Smolensk!...
Ha...! Tchornobyl!...
E as vossas lavras?
E as vossas lágrimas?
E Kaniev Tcherkassy?
E Taras Sevtchenko?

“Dumi moi...”
“Dumi moi...”


(Viagem pelo Dnepr/Kiev-Kaniev, Abril de 1989)
____________

Notas do autor:

(1) Rassia=Rússia; Ukraina=Ucrània;

Ecenin+Tsvetaeva+Pushkine+Akmatova=Poetas Russos do virar do séc.XIX/XX;

Poltava+Smolensk+Tchornobyl=Regiões e localidades Russas e Ucranianas, teatros de batalhas sangrentas e de tragédias humanas;

Tcherkassy+Kaniev=Região e localidade histórica e cultural ucraniana ligada ao maior poeta ucraniano de todos os tempos, Taras Sevtchenko [1813-1861]

“Dumi moi...”= Pensamentos meus...= expressao poética de Sevtchenko num poema da sua coletânea Kobazar, o Bardo.


[Fixação / revisão de texto / negritos / título e subtítulos: LG]

(Continua)
____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores:

(**) 'Ventos de mudança' que se traduziam nas célebres expressões russas Glasnost (гла́сность, transparência) e Perestroika (Перестройка, reconstrução, reestruturação) introduzidas no vocabulário político dos russos, em 1985, pelo governo de Mikhail Gorbachev, num processo de reforma que conduziria em 1989 ao fim da guerra fria e ao desmantelamento da URSS.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23016: Memórias do Chico no Império dos Sovietes (Cherno Baldé) - Parte I: De Bissau a Kiev, como estudante bolseiro ou o poder da "sétima sorte": É Deus quem afasta as moscas da vaca sem rabo...


1. Alguns dos nossos leitores mais recentes, que não acompanharam, na altura, a série "Memórias do Chico, menino e moço" (de que se publicaram, a partir de 2011,  mais de meia centena de postes), terão por certo curiosidade em saber algo mais sobre o percurso escolar e profissional do seu autor, o Cherno Baldé, no contexto do pós-independência da Guiné-Bissau..
.

Já sabemos que, em 1975, ele deixou Fajonquito (onde viveu, com os pais... e com a tropa,  desde 1968 até depois da independência), rumando a seguir, já em 1975, para Bafatá onde prosseguiu os seus estudos: ciclo preparatório e o início do ensino secundário. 

 Não temos muita informação sobre os anos de Bafatá, era ele já adolescente e e depois jovem (dos 15/16 aos 19/20 anos). Mas sabemos que não foram tempos felizes. 

Em 1979, irá para Bissau, para frequentar o liceu ex-Honório Barreto (rebaptizado, tal como quase tudo, a começar pela toponímia, com o nome de um dos fundadores do panafricanismo, Kwame N’krumah, 1909-1972).

No ano letivo de 1982/83 é colocado em Quinhamel como "professor voluntário" do ensino primário e, entretanto, habilita-se a um a bolsa de estudo para poder frequentar uma universidade estrangeira. Calha-lhe na rifa uma das repúblicas da então URSS, a Ucrânia. Será na universidade de Kiev que irá tirar o seu curso 
de Planificação e Gestão Económica, depois de ter feito um curso intensivo de língua russsa na Moldávia.

Voltará ao seu país, em 1990, já depois da queda do muro de Berlim e do fim do "império dos sovietes", e a independência da Ucrânia...Mikhail Gorbatchov era então o Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética, o 7º (de 1985 a 1991) e depois o Presidente da União Soviética (o 9º) (de 1988 a 1991)... (Curiosamente, flho de pai russo e de mãe ucraniana.)

Recorde-se que a ex-União Soviética (tal como  outros países da Europa de Leste, do então bloco soviético, mas também a China e Cuba) não se limitou a fornecer armas e munições ao PAIGC, durante a guerra colonial, ajudou a formar grande parte dos seus quadros e dirigentes políticos e militares e, depois da independência, concedeu bolsas de estudo (não podemos quantificar) aos jovens guineenses para acederem ao ensino superior.

Fomos justamente "repescar" alguns dos postes do Chemo Baldé com memórias desse tempo (1985-1990) (*)... Com a devida vénia ao seu autor, e nosso colaborador permanente para as questões etno-linguísticas, o Cherno Baldé, hoje quadro superior numa orgnização internacional a operar em Bissau: mais exatamente é gestor de projetos  na empresa MF CAON FED, Guiné-Bissau. (Vd. aqui a sua página do Facebook).


Memórias do Chico no Império dos Sovietes, 1985-1990 (Cherno Baldé)  - Parte I:   De Bissau a Kiev, ou o poder da "sétima sorte": É Deus quem afasta as moscas da vaca sem rabo...


Cherno Baldé, Kiev, Ucrânia, 1986


por Cherno Baldé


(i) Bafatá a cidade de todos os sofrimentos (1975-1979)

Após cinco longos anos passados na cidade de Bafatá, em Setembro de 1979, o Chiquinho rumou para Bissau onde devia continuar os estudos. Do grupo de mais de cinquenta estudantes que, com ele, tinham vindo de Fajonquito e Contuboel, já não restavam, na corrida, mais do que cinco.

A viagem de Bafatá a Bissau já não se fazia de barco, como antigamente, mas por via terrestre, em autocarros de uma empresa pública (Silo Diata) que seguiam por uma estrada tortuosa penetrando o Óio pelas localidades de Banjara e passando depois por Mansabá e Mansoa, com as suas vendedeiras de sandes a enxamear a estrada de saída para Bissau. Nesta época de magras receitas, são muitas as famílias que vivem do labor fortuito destas incansáveis Bideiras de rua.

Mesmo se a euforia dos primeiros anos da independência ainda continuava a alimentar as nossas jovens esperanças, entretanto, muita coisa tinha mudado, pode-se dizer mesmo que, passados os primeiros cinco anos de independência, a auréola do partido libertador estava muito ofuscada. 

Tinham conseguido, em pouco espaço de tempo, relativo sucesso na industrialização do país, com fábricas e importantes investimentos em projetos agrícolas para experimentação e vulgarização de técnicas e variedades de arroz (DEPA), mas ao mesmo tempo, a fome que grassava nas cidades, apelidada por fome de Luís Cabral, ameaçava criar fissuras no novo e frágil edifício da construção da unidade nacional.

O governo, recusando-se a importar alimentos, apostava na capacidade da produção interna numa economia pequena, fraca e extrovertida caraterizada por uma baixa produtividade e com nível elevado de pobreza. Nessas condições, tratava-se de uma decisão politicamente bem justificada, mas economicamente mal aplicada cujas consequências imediatas serviriam de pretexto para o golpe militar de 1980 que tinha posto fim ao primeiro governo saído da independência.


(ii) Rato de biblioteca em Bissau, especializado em biografias  

Em Bissau o Chiquinho encontrou o que não havia em Bafatá, sítios ideais para fugir da realidade e esconder-se da fome, chamavam-se bibliotecas. Foi nessa altura que ele deixou de ser o estudante aplicado, de caderno na mão, que sempre fora e passar a ser um rato de biblioteca, donde só saía para ir às aulas.

Adquiriu uma predileção especial na leitura de biografias de destacadas personalidades do mundo político, desde figuras sublimes e pacifistas onde pontilhavam o Mahatma Ghandi e Martin L. King, a algumas sulfurosas e místicas como Adolf Hitler ou do tipo subversivo e oportunista como Joseph Goebbels e Vladimir I. Lenine que, no fundo eram tão infelizes e solitários como ele próprio.

Quando terminava esta série, passava para os romances de Jorge Amado, vivendo os destinos trágicos dos seus personagens sui generis, tirados das favelas e praias de pescadores do nordeste brasileiro.

Dessas leituras deve ter cultivado, o Chiquinho, certa irreverência, sentido crítico e o pessimismo que ainda o caracterizam, assim como certa tendência para a evasão. Ele vivia no Bairro de Cupelum de Baixo em casa de um familiar, ex-combatente, e o sítio mais próximo era a embaixada da Líbia, na rua Pansau Na Isna, que liga o QG ao Hospital Simão Mendes, e onde metade do espólio era constituído por livros de Muahamar Kadhafi, de conteúdo intragável mesmo para um aprendiz de revolução, ainda verde.

Em Junho de 1982, com o término do ensino secundário no liceu Kwame N’krumah (antigo Honório Barreto) de Bissau, tinha-se cumprido, finalmente, uma meta importante na sua vida que, alguns anos antes, não passava de um sonho longínquo. Tinha sido necessário percorrer um caminho bastante atribulado e consentir um enorme sacrifício pessoal. Fazer o 7° ano dos Liceus ou finalizar, como se dizia na altura, era um objetivo a que muito poucos jovens da sua geração e condição social podiam almejar.

(iii) Visita à família em Fajonquito, aproveitando as férias grandes (agosto-setembro de 1982)

Pensando agora no futuro, ele tinha feito um pedido no Ministério da Educação solicitando um lugar para lecionar como voluntário, condição que, em princípio todos deveriam preencher antes de pretender candidatar-se a bolsa de estudos para o exterior, mas a que, na verdade, alguns conseguiam esquivar-se, acedendo diretamente às bolsas para países da sua escolha. Eram todos iguais, mas uns eram mais iguais que outros. Mais que poder continuar os estudos, a sua maior expetativa residia, de facto, na possibilidade de poder voar para longe, conhecer outros países, outras gentes, outras bibliotecas.

A seguir, ele aproveitou para visitar a família durante as férias grandes (de Agosto a Setembro de 1982) em Fajonquito. Na verdade tratava-se de uma visita de regozijo pessoal para acenar aos colegas o seu estatuto de finalista. Durante muitos anos tinha sonhado com este dia, imaginando os mais diversos cenários, como se o mundo fosse mudar com este trivial acontecimento. No fim, não só não aconteceu nada de especial, mas ainda teve que ouvir e engolir alguns ditos maldosos de colegas e de pais invejosos que diziam na sua cara preferir a sétima sorte em lugar do sétimo ano.

A sétima sorte, onde estava ela!?... O Chiquinho não sabia que o trabalho e o esforço pessoal pudessem dar a tal sétima sorte. Tratava-se de palavras ocas, carregadas de inveja e de mesquinhez de gente que era incapaz de fazer melhor. O seu pai, esse, estava feliz, imaginando poder contar em breve com a sua contribuição no sustento da numerosa família.


(iv) Colocado em Quinhamel como "professor voluntário": É Deus quem afasta as moscas da vaca sem rabo...

Quando voltou à capital já tinham feito a colocação sem contar com ele. Por preencher restavam somente alguns postos de escolas situadas em localidades pouco atrativas. Assim, ele teve que escolher entre uma escola de Susana e outra de Quinhamel. 

Sendo originário do leste, era a primeira vez que ouvia falar dessas duas localidades, pelo que se deixou guiar pela intuição e pela música da intonação. Escolheu Susana, bonito nome, e parecia-lhe estar a ver a aparência das meninas locais, susanamente lindas. Devia voltar no dia seguinte para as formalidades.

“Deus ki ta bana baka ki katen rabu” (É Deus quem afasta as moscas da vaca sem rabo), diz um provérbio guineense e foi o que aconteceu com ele. No dia seguinte já só restava uma única possibilidade, a de Quinhamel, alguém tinha ocupado o posto de Susana. Ainda bem. Só muito mais tarde saberia da sorte que acabava de ter. 

Nesse mesmo dia pegou na guia de marcha sem perder mais tempo e foi descobrir, não muito longe de Bissau, uma pequena vila adormecida à volta de palmeirais e cajueiros e pendurada nos dois lados da estrada entre Bissau e Pikin, nas margens do oceano atlântico.

No fundo, o local de afetação era-lhe indiferente desde que não se chamasse Bafatá, a cidade de todos os sofrimentos. Assim, Quinhamel ultrapassaria todas as suas expetativas. Tinha uma escola nova, construída e equipada pela cooperação sueca, um excelente ambiente de vida e camaradagem entre os educadores pouco educados que eles eram, longe dos rigores religiosos do chão fula e muçulmano onde o gesto mais banal era um sacrilégio, onde jovens ainda na flor da idade tinham que encher os ouvidos com sermões obscuros em que o último dos profetas distribuía lugares no cruzamento entre o fogo do inferno e a frescura da glória.

Em Quinhamel residiam meninas simpáticas vindas das localidades circunvizinhas. Os costumes locais, superficialmente tocados por uma igreja católica que o advento da independência colocara fora de jogo, eram muito brandos, o que favorecia um convívio mais livre e saudável entre os jovens. Nos fins de semana ele voltava a Bissau para informar-se das notícias da família.

Aqui, de forma inesperada, ele começou a frequentar a missão católica local onde fez amizade com uma diocesana brasileira (Irma Beatriz) que lhe ensinava a arte de tocar violão com a Bíblia por baixo e, também, começou a colaborar nas atividades da Juventude do Partido (JAAC) através de colegas que faziam parte da sua direção regional e, por esta via, circulava muito entre as aldeias da zona, integrando, por vezes, as comissões de redação no decorrer das conferências do Partido que se organizavam todos os anos.

Se bem que colaborasse com a Juventude [do PAIGC], no seu forro íntimo, detestava o Partido pelos crimes cometidos na sua terra natal e tinha guardada dentro de si a promessa de nunca integrar as suas fileiras. 

Estes encontros, já sem qualquer interesse político, eram momentos de verdadeiras orgias festivas onde as bebedeiras eram uma constante. Não era raro acontecer em plena reunião que grande parte dos distintos camaradas delegados estivesse a dormir numa boa, embalados pela monotonia dos discursos e pelo vinho de caju, abundante na região. Sem o saber, esta sua aparente adesão viria a ser importante para a obtenção da bolsa de estudos.


(v) Pedida de bolsa para estudar no estrangeiro atendido em 1985: a "sétima sorte" contempla-o com Kiev, na Ucrània, URSS

Dois anos mais tarde, o Chiquinho fez o pedido da bolsa para o estrangeiro, com boas referências da comissão regional da Juventude de que fazia parte, ainda assim, só viria a ser atendido em 1985. Neste ano, ele fez parte do grupo de estudantes contemplados com bolsa de estudos para a URSS.

Depois de ter encabeçado durante muitos anos a sua lista de preferências, curiosamente, [a URSS] já não era o país que mais desejava, mas seria uma grande sorte se conseguisse partir. Durante alguns meses reinou a dúvida e a incerteza quanto à viagem, devido a informações contraditórias e às mudanças de última hora nas listas de bolseiros. Ele acreditava tratar-se da tal “sétima sorte” de que tanto ouvira falar na sua aldeia, durante as férias.

Pensando bem, havia muito tempo que convivia com ela, a sétima sorte, desde os dias em que ainda criança, armado com um simples bastão, seguia atrás de manadas de gado bovino em louca correria, fugindo das rajadas de vento carregadas de chuva, pelas bolanhas de Berecolon, zonas deixadas há muito para a gente do mato ou quando se pendurava escondido, nas traseiras de um velho Unimog que ia buscar água para a tropa em Contuboel, no rio Geba, a uma distância de 30 km, colocando o seu amigo Dias perante o facto consumado.

(Continua)

Fotos (e texto): © Cherno Baldé (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

[Fixação / revisão de texto / negritos / título e 
subtítulos: LG]
_________

Nota do editor;

sábado, 1 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22866: In Memoriam (423): Jorge Cabral (1944-2021): cerimónias fúnebres, na Igreja do Lumiar, Lisboa, hoje, a partir das 17h00 (Pedro Almeida Cabral)


Rússia > Moscovo > Praça Vermelha > 2019 > "O meu pai, em Moscovo, no verão de 2019 (uma das várias viagens que fiz com ele) na Praça Vermelha, com o seu olhar curioso e atento, tão característico." Foto de Pedro Almeida Cabral, com a devida vénia.


Foto (e legenda): © Pedro Almeida Cabral  (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de Pedro Almeida Cabral, publicada ontem no Facebook do seu pai, Jorge Almeida Cabral (1944-2021):


As cerimónias fúnebres do meu pai terão lugar amanhã, sábado, e domingo, na Igreja de São João Batista do Lumiar (Igreja do Lumiar) (*):

Sábado, 1 de janeiro, a partir das 17h., será o velório.

Domingo, 2 de janeiro, às 15h., realizar-se-á uma cerimónia religiosa, 
seguida de funeral no cemitério do Lumiar.

Não há quaisquer restrições a não ser o uso de máscara. Porém, tendo em conta o estado pandémico que vivemos, o meu pai compreenderia todas as cautelas e a ausência na cerimónia, naturalmente.

Em baixo, novamente em Moscovo, no verão de 2019 (uma das várias viagens que fiz com ele) na Praça Vermelha, com o seu olhar curioso e atento, tão característico. Deixo um pequeno poema que escreveu quando a morte já o fitava no horizonte, embora ele ainda andasse animado, e que deixa bem ver a forma como o meu pai vivia.


Para morrer eu quero um Pôr do Sol
E um perfume forte a algas e a Mar,
Um cheiro bom e honesto a pão mole
E uma forma de ser e nunca estar.

Inventem, de mim, que fui à Lua
E que venci um milhão de gigantes,
Que fui o Herói da minha Rua
E que antes de mim nunca existiu um antes.

Contem por mim muitas estórias
De Homens, de Mulheres e de Crianças,
Transformem as derrotas em Vitórias,
E jurem que eu vivi cheio de Esperanças!...


Jorge Almeida Cabral, junho de 2021.

[ Revisão / fixação de texto, para efeitos de publicação no blogue: editor LG.]
_________

Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série >

sábado, 3 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20031: Escritos do António Lúcio Vieira (1): A suprema mas vã glória de afundar um submarino inimigo... no Rio Mansoa, nas imediações de João Landim... Ou os delírios de um alferes de engenharia que não ficou na História Pátria!


Guiné > Região do Cacheu > Mapa de Bula (1953) > Escala 1/50 mil > Pormenor: Rio Mansoa e passagem em João Landim.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


Guiné > O fur mil cav Lúcio Vieira, da CCAV 788 / BCAV 790 (Bula e Ingoré, 1965/67), no rio Geba.

Foto (e legenda): ©Lúcio Vieira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Um conto do [António] Lúcio Vieira,  ex-fur mil cav, CCAV 788 / BCAV 790 (Bula e Ingoré, 1965/67), escritor, residente em Torres Novas. novo membro da nossa Tabanca Grande (*):

SUBMARINO À VISTA!

esta é uma estória realmente surreal

por Lúcio Vieira

[O editor decidou situá-la em João Landim, no Rio Mansoa, à revelia do autor, que apenas esclareceu o seguinte, em email que lhe mandou ontem, em resposta a uma pergunta sobre o lugar:  (...) "sobre o episódio do submarino, não me recordo, francamente, como a estória me chegou. Talvez tenha acontecido em João Landim, mas não sei. Sei, isso sim, é que me pareceu tão deliciosa que não resisti." (...) Ainda bem que o Lúcio Vieira não resistiu... Independentemente do sítio exato onde aconteceu, é uma daquelas histórias que fará parte, seguramente,  da antologia do nosso humor de caserna. Recorde-se, por outro lado, o currículo do autor, enquanto combatente: " "Cruzei o rio Mansoa (na legenda troquei-o, inadvertidamente com o Geba) durante toda a comissão. Tal como o Cacheu.  (...) Estive seis meses de intervenção em Bula e 17 meses em Ingoré, na fronteira norte com o Senegal. Daí conhecer muito bem as passagens em João Landim e S. Vicente."]

Até no desenrolar dos dramas mais pungentes emergem, com alguma frequência, pequenos oásis de balsâmica voluptuosidade, preciosas gotas de água, que se libertam das nuvens da vida e nos refrescam o escaldante quotidiano, pautado pelas dores que sempre resultam das tragédias.

Também no seio dos conflitos armados desabrocham, por vezes, essas pequenas e decisivas pérolas, que nos ajudam a refazer o debilitado estado de espírito e nos criam uma reserva de revigorante resistência, aos sucessivos assaltos de uma sorte mais madrasta do que a madrasta da Cinderela.

Chega. Nada melhor do que contarmos, sem mais delongas, o insólito episódio, ocorrido algures nas margens de um caudaloso rio africano e tendo como cenário um diminuto cais, junto às pré-históricas instalações de um pequeno destacamento militar, algures nas entranhas da Guiné, em meados da longínqua década de 1960.

Manhã cedo – pouco passaria das sete e meia – de um dia já a aquecer e a prometer mais uma escaldante jornada, em tudo igual às que habitualmente pautavam aquele, quase esquecido, reduto de uma reduzida unidade de Engenharia. A capital não distava muitas léguas e o local, quase inacessível por terra, alcançado apenas por tosca e estreita estrada, era classificado, à época, como um reduto seguro, pouco susceptível de se apresentar como alvo de ataques inimigos.

A famosa jangada de João Landim, no rio Mansoa
Foto de Virgínio Briote  (c. 1965/66)
Atracada, uma tosca jangada, de motor assustadoramente periclitante – na ausência de uma mais sofisticada LDM da marinha - aguardava a chegada de uma qualquer coluna de veículos em trânsito, que ali necessitasse efectuar a travessia do largo curso de água.

Pelo espaço em redor, após um reconfortante pequeno-almoço, os rapazes desentorpeciam as pernas, puxavam umas fumaças nos cigarros americanos, trazidos de Bissau e preparavam-se para mais um dia monótono e arrastado, igual aos restantes dias da monótona e arrastada comissão de serviço.

Uma pasmaceira, aquele restar por ali, entre as refeições, umas partidas de sueca, umas mornas e coladeiras na rádio, umas revistas com gajas nuas, as sessões de anedotas, os aerogramas para a Maria, algumas fotografias e, quando calhava, três ou quatro viaturas, para enfiar na jangada e transportar para a margem contrária.

Perdiam-se os olhos na imensidão do rio, pela cinzenta mancha de bolanha, que quase cercava as pequenas barracas, forradas a chapa de zinco, que o destacamento habitava; pelo renque de árvores – bissilões, na sua maioria – que ornavam a estrada na margem norte do rio, a dezenas de metros de distância, do outro lado onde os combates se iam tornando, cada vez com maior intensidade, um acontecimento diário.

Mais a sul, por entre os restos de neblina que se elevavam da bolanha, os olhos ainda distinguiam a enorme mancha verde-escura do tarrafo que, da margem virada a poente, se alongava até perder de vista, para as bandas do mar.

Dois ou três, dos homens do destacamento, ocupavam-se entretanto, junto ao cais, na recolha das armadilhas, deixadas no rio na noite anterior. Havia sempre peixe que optava por não dormir e o que buscava o engodo, nos engenhos de rede, habitualmente dava para uma refeição à pequena guarnição do destacamento.

De pé, encostado à tosca viga de palmeira-dendém, num dos cantos do alpendre, do polivalente refeitório-secretaria e sala de convívio, o alferes que comandava o destacamento observava, a espaços, a paisagem em redor, por vezes de binóculo em punho, com o olhar atento e perscrutador, que se exige à suprema responsabilidade dos lideres, a quem compete zelar pelas vidas dos homens sob o seu comando e dos haveres, que o estado português confiara à sua guarda.

Pese embora o facto de, por aquelas bandas, jamais ter havido notícia de presença inimiga, o homem sabia que não podia baixar a guarda. Quando menos se espera… E recordava, amiúde, os episódios lidos e relidos, sobre guerras distantes ou passadas, nos quais se dava conta das surtidas traiçoeiras, dos audaciosos golpes furtivos e das mil e uma artimanhas, que o génio dos grandes cabos de guerra sempre souberam engendrar, para colher o inimigo de surpresa.

E também da importância estratégica de destacadas zonas do globo, locais cirurgicamente nevrálgicos para o rumo dos conflitos. Assim, aquele perdido posto militar, encravado entre a bolanha e o largo rio, bem podia ser – quem sabe - o seu estratégico rochedo de Gibraltar, ou algo semelhante.

Por isso o nosso alferes não baixava a guarda. Cônscio da importância de uma observação constante e minuciosa, o homem queimava as pestanas, observando metro por metro, litro por litro, as margens e o leito do rio, que na sua frente se abriam. Com ele, ficasse o inimigo a saber, não contassem para menosprezar os perigos, muito menos para se entregar ao desleixo da rotina, que a experiência lhe dizia ser sempre má conselheira.

Um homem, enfim, ciente da sua responsabilidade e da transcendência da missão que até ali o levara; àquele pasmado e frustrante longe de tudo, perdido entre nenhures, onde, habitualmente, o mais emocionante, do arrastado quotidiano, era a passagem, no seio das colunas militares, de uma ou outra bajuda, à boleia.

No seio, foi o que atrás se escreveu, porque nos ditos das moçoilas, rijinhos e ali ao léu, vulgarmente designados por “mama firmada”, já a rapaziada ia, despudoradamente, e sempre que o ensejo se proporcionava, aquecendo as manápulas, naquele tão cativante, quanto emotivo e patriótico, exercício de acção psicossocial.

Estava-se nisto quando, binóculos virados a montante, algo lhe chamou a atenção, lá longe no caudal do rio, logo após a curva junto ao mangal. Havia ali qualquer coisa a navegar, lentamente, em total discrição, descendo sorrateiramente o rio, bem no meio da corrente.

Deixou o local de vigia, no alpendre do barracão e aproximou-se da margem. Não, não havia dúvidas: vinha ali qualquer coisa estranha, com um navegar manhoso. Algo enfim, naquela manhã, descia, lenta e matreiramente, a corrente. Mal se vislumbrava o dorso escuro do enigmático objecto, mas bem se via que era algo grande, arredondado e estranhamente silencioso.

Por entre a onda de espuma que a sua passagem levantava, erguia-se sobre ele, na vertical e a cerca de um metro acima da água, hirto e misterioso, um outro objecto, igualmente redondo e escuro, a fazer lembrar um vulgar tubo de canalização. “Diabo, se aquilo não parece um submarino…”, cogitava o intrigado graduado, de cenho franzido e sentidos alerta.

Voltou a mirar o estranho objecto que sulcava as águas, bem no meio da corrente, a uns bons cem metros da margem. Numa daqueles clássicas decisões, bem expressas nos cânones da caserna, que mandam, em caso de dúvida, atirar primeiro antes de se perguntar “quem vem lá?”, o homem tomou de imediato uma decisão de radical efeito. E tudo ali então se precipitou.

De binóculo em riste - em clara desvantagem ante o, bem mais potente e avantajado, “periscópio” inimigo - porém munido de corajoso ímpeto de destemido afrontamento, o alferes gritava a plenos pulmões: “Peguem nas armas! Vai ali um submarino!”, enquanto os homens, dispersos pelo recinto, de expressão aparvalhada, tentavam perceber a situação. Antes de desaparecer no interior das instalações, em busca da sua própria arma e de umas quantas granadas defensivas, ainda o espavorido oficial repetia à restante guarnição: “Porra, vão buscar as armas!”

Atarantados, os rapazes corriam, desordenadamente, para o interior dos barracões, em busca das G3. Pelo caminho, um ou outro, de mente menos confusa, ia-se deitando a matutar que ideia seria aquela de enfrentar um submarino com umas reles espingardas automáticas, mais umas pobres granadas, que tanta falta faziam para as radicais pescarias do peixe mais graúdo. Mas pronto, o alferes é que tinha os livros; por aquelas bandas, ainda era quem mandava na guerra.

Entrincheirado com a jangada, o destemido comandante da guarnição abria fogo de rajada sobre o “submersível inimigo”. Só podia ser inimigo, já que a pelintra marinha de guerra nacional ainda não conseguira orçamento para tais luxos. Porém, o PAIGC ainda menos. Era pois, seguramente, um vaso de guerra de leste, da União Soviética, que todos sabiam estar de panelinha com os movimentos guerrilheiros.

“Fogo, fogo nele!”, gritava o homem, qual Rommel no deserto, qual Napoleão antes da debandada em Waterloo, qual Nuno Álvares em Aljubarrota ou, mais adequadamente, qual Mouzinho em Chaimite. As balas – apenas as dele, adiante-se – tracejavam as águas, levantavam cogumelos de espuma, enquanto por ali, deitados no chão, em posição de fogo, os homens se entreolhavam, de expressões idiotas, sem entender patavina da situação.

“Aquilo é um submarino! É ou não é, malta?”, interrogava ele, aos brados, num esforço de autoconvencimento. “É, é, meu alferes! Vê-se bem…”, respondiam os homens, confusos e sem coragem para contrariar o agitado superior. “Fogo nele! Afundem os gajos!” Relutantes, os subalternos lá iam disparando uns tiros dispersos, que aquilo de estar ali ao desvario a atirar para o boneco, não lhes cabia lá muito na cachimónia. O intrépido alferes, entretanto, em pequenas corridas pela margem, na busca de melhores posições de tiro, não dava tréguas ao misterioso objecto navegante.

Era uma cena patética, digna da mais talentosa opera-buffa, dos gloriosos tempos da commedia dell’arte.

Nos fugazes segundos que mediariam, entre o gizar de uma estratégia de ataque, ao iminente, inevitável e definitivo afundamento do descomunal submersível, o homem imaginava-se nas capas dos jornais da longínqua capital do império, sob os holofotes da televisão e os microfones das rádios, nos gabinetes dos ministérios e chancelarias, nos jantares de gala em sua honra, no decorrer dos quais, uma vez mais, se enalteceria, nas vozes embargadas dos nossos mais lídimos representantes, o seu heróico feito.

O homem já se via - mais do que numa qualquer e banal entrega de medalhosas distinções, no Terreiro do Paço - nos próprios salões do palácio de Belém, altivo, impante, solene, distinto, em farda de gala, na presença das mais altas figuras da nação. E depois – oh, subida glória! – recebendo, das mãos do venerando chefe de estado, uma qualquer comenda, das várias com que o patrono das ordens honoríficas habitualmente ornamenta o pescoço e o ego dos nossos mais distintos eleitos.

Depois, como corolário, talvez o nome numa rua da sua vila natal, quiçá de vilas e cidades de norte a sul do país, e a inevitável promoção por distinção que, unanimemente, as altas chefias forenses não deixariam de lhe proporcionar.

Que subida honra, que glória, que página, nos anais onde se canta a imortalidade dos heróis. Caramba! Não é todos os dias – nem, por ventura, em todas as guerras – que se abate, sem remissão, ou se aprisiona, um submarino inimigo, recheado de uma tripulação amedrontada e rendida à heroicidade de meia dúzia de bravos militares portugueses. De Engenharia. Ainda por cima, homens da Engenharia!

Toda a pequena guarnição estava, pois, prestes a protagonizar um feito único nos anais da história militar lusíada. Uma epopeia que contariam aos filhos e netos, os quais, orgulhosos do apelido e do sangue herdados, haveriam de se rever nela por incontáveis gerações.

“Atirem, não o deixem escapar!”, e os rapazes, mais para evitar reprimendas do que para confrontar a ameaça navegante, lá iam despejando carregadores, para aquele intruso flutuante que, oriundo por ventura dos confins soviéticos, ali lhes calhou em sorte, por certo numa missão de solidária “mãozinha” ao inimigo.

Uma, duas rajadas. O arrojado alferes não descansava. Depois, granada na mão, cavilha arrancada com um gesto largo e decidido e o lançamento do engenho para bem longe, nas águas do rio. À boca pequena comentava-se: “O nosso alferes não ‘tá bom da cabeça”. Então “aquilo” estava a ir ali a mais de cem metros de distância… quem é que o alferes pensava que era: “campeão do lançamento do martelo, ou quê?”

Entretanto, mesmo ali frente ao cais, com um repentino remoinhar das águas, o “vaso de guerra inimigo” inverteu o “leme” a estibordo e parecia querer rumar a montante, de onde havia pouco surgira. “Está com medo, rapazes: ele está com medo. Vai voltar para trás! Fogo, não o deixem fugir!” E as armas voltaram a troar, rasgando de novo a quietude da manhã.

E que manhã! Ciente agora que o matreiro submersível tentava escapar, o homem lembrou-se que, no reduzido espaço que servia de paiol, repousava a um canto uma metralhadora ligeira. Lá estava, havia muito, para o que desse e viesse. “A Dreyse, tragam a Dreyse!”. Lesto, o cabo e um soldado ergueram-se, entreolharam-se por momentos e partiram numa corrida, desaparecendo no interior das instalações.

Quando voltaram, de metralhadora em punho e uma braçada de carregadores a caírem dos braços, deixaram a arma nas mãos decididas do alferes e aprestaram-se para o municiar. Da ponta da jangada, já sobre as águas, a Dreyse iniciou então o ritmado e mortífero concerto. As balas sulcavam as águas e atingiam certeiramente a misteriosa “embarcação”, ante o eufórico frenesim que agitava o bravo oficial.

Fosse por acção das balas, ou por capricho da corrente do rio, o manhoso “submarino” inverteu de novo a rota e voltou a navegar para jusante, rumando, tranquila e suavemente, para a foz. Ficava já fora do alcance do fogo lançado da margem e parecia ir perder-se para lá da curva frente ao bosque de palmeiras, na viagem que o levaria ao oceano.

As armas calaram-se. Uma densa e negra nuvem formava-se agora, nos olhos e na mente do ofegante comandante do destacamento de Engenharia, aquartelado naquela perdida margem de rio. As honrarias, as comendas, os jantares e discursos e as ruas com o seu nome esfumavam-se assim, mais depressa do que o fumo que se evadira dos canos das armas. Oh, glória tão efémera e vã! Oh, história tão ingrata, que assim lhe iria olvidar o nome.

Que dia aquele, de tanto fervor patriótico e de tanta alma guerreira, transformados, ingloriamente, na mais redundante e decepcionante manobra militar, alguma vez encetada em terras da Guiné. Os deuses, os tais do Olimpo, deviam mesmo estar loucos. Oh, com os reveses enchem, tanta vez, as guerras de infortúnio. Ia assim o homem cismando, tentando refazer-se dos amargos de boca, resultantes da frustrante acometida.

Acalmara-se um pouco. Acendeu um cigarro e encaminhou-se, cabisbaixo e de cenho franzido, para o recato das instalações. Necessitava de um revigorante whisky, para encarrilar as ideias.

No exterior, ainda aturdidos, os homens olhavam-se, acendiam igualmente cigarros e, entre o encarrilar de ideias e a sequente procura do revigorante whisky, quedaram-se, por momentos, a matutar, que raio de mosca teria mordido ao alferes, para desatar a ver submarinos e a despejar quilos de munições, num pobre e inofensivo tronco de bissilão que, inadvertidamente, entendeu entregar-se aos prazeres da navegação no dia errado, no rio errado e na hora errada.

O perturbado alferes, esse entretanto e enquanto via esvaírem-se os sonhos de glória e imortalidade, de olhar lançado ao alto e pensamento embargado pela emoção, justificava a si próprio o desaire, citando – como, de resto fica bem em situações tão dramaticamente solenes, como aquela – as palavras do poeta: “malhas que o Império tece…”

Perdão, tecia.

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Em rodapé, aqui - como preito de homenagem ao avisado bom senso - se regista o alívio da restante guarnição, pelo facto de, na balburdia gerada pelo fragor da insólita “peleja”, o inefável e confuso alferes nunca se ter lembrado de, via rádio, pedir o apoio dos T-6 da Força Aérea, ou dos patrulheiros da Marinha. Valeu esse lapso porque, para ridículo, já tinham de sobra para contar.

António Lúcio Vieira
CCav 788 / BCAV 790 ( Bula e Ingoré, 1965/67)
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Nota do editor:

(*) Vd. poste  de 2 de agosto de  2019 > Guiné 61/74 - P20027: Tabanca Grande (483): Lúcio Vieira, ex-fur mil, CCAV 788 / BCAV 790 (Bula e Ingoré, 1965/67), natural de Torres Novas, jornalista, poeta, dramaturgo, encenador: senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 794