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terça-feira, 9 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11821: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (41): 42.º episódio: Memórias avulsas (23): Em Bissau, adaptação e normalidade

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 4 de Julho de 2013, enviou-nos mais umas peripécias d"Os melhores 40 meses da sua vida", despedindo-se desta série, o que nós não acreditamos.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS

23 - EM BISSAU

A adaptação fez-se, tudo voltou à normalidade e acabei até para começar a ir ao médico, coisa que até agora não necessitara, pois que as pequenas mazelas, até então, resolviam-se com o Enfermeiro da Companhia.

No Hospital Militar conheci um Senhor Tenente-Médico, que depois voltei a encontrar "na" Lisboa e com quem aprendi o poder da mente. Imaginem só que certo dia e devido a excessos, senti que o meu órgão reprodutório estava a não reagir aos estímulos e isso colocava-me numa situação algo confusa, chegando até a temer que me estava a passar para "o outro lado".

Consulta marcada, apresentei o problema... o Senhor Doutor ouviu calmamente, ia tomando notas, questionou-me se era a primeira vez que tal me acontecia, mais isto... mais aquilo, etc... etc... etc... as frequências do acto... eu sei lá.
Depois dum enervante silêncio, ao mesmo tempo que ia rabiscando um papel, acaba por chamar o enfermeiro a quem segredou algo ao ouvido, este foi lá dentro e pomposamente voltou depois com um copo d'água e um comprimido, que deixou em cima da secretária e saiu.

É então que me explica que "isso pode acontecer, devido ao stress da função de que estás agora incumbido... e mais por isto... e mais por aquilo".

- Bom mas não fiques preocupado, vais tomar agora este comprimido e verás que hoje mesmo resolverás a questão que t'apoquenta" e voltas cá logo que queiras, para me dizeres como correu.

Cheio de fé fiquei, emborquei a pílula e raios m'a partam... resultou que nem ginjas, penso até que bati o meu record nessas tarde e noite.

Passados tempos encontrámo-nos, confirmei o bem da coisa e atrevi-me a pedir-lhe a receita, não fosse o diabo tecê-las e voltar a acontecer-me tão desagradável, senão incómoda situação.

- É pá isso não, não posso fazer isso mas se te acontecer semelhante tal, aparece que aqui na minha presença, tomarás tão mágica mezinha.

Por que insisti... insisti... e insisti, lá consegui que acedesse a dar-me mais uma daquelas milagrosas pastilhas. Chamou o enfermeiro, repetiu a cena do segredar-lhe ao ouvido, este ouvia religiosamente mas às tantas escangalhou-se a rir, (topei que estavam a gozar comigo) e diz:
- Ó Doutor, este gajo não é nenhum anjinho e mais vale dizer-lhe já que o que tomou foi uma aspirina.

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Entretanto chegou o Natal de 1966 e aquela noite prometia alguma paz e finalmente, algum divertimento.

Éramos cinco à mesa: eu, a minha filha então com dois anos e meio, a minha mulher um pouco mais velha, (haviam chegado para me fazerem companhia por um ou dois meses) e um casal amigo, ele também Furriel Miliciano.

Comida opípara, bebidas nos conformes e a boa disposição reinava.  Os contrastes da porca da vida, porém não deixaram que tudo fosse normal.

Cerca da meia-noite e quando a visita do Pai Natal já se anunciava, chegou o mini-moke que me procurava sempre que necessário e colocado ao serviço dos funestos acontecimentos, que me competiam após acontecidos, começar a acompanhar.
E lá fomos para o Hospital Militar.

Tragédia das tragédias, cinco dos nossos jaziam ali. Liguei para o Céu e perguntei: Porquê?

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Até que naquele dia 16 de Abril de 1967, determinaram e mandaram publicar, que eu devia embarcar no Uíge, a saudade começou aí, mas livrava-me finalmente do horror.

Voltei para a vida civil e um ano depois abandonei a Santa terrinha para vir para a Capital do Império.
Perdi coisas de que muito gostava, refiro-me ao Conjunto Sôr-Ritmo (onde fui o vocalista)... deixei as minhas mais que muitas fãs... a arbitragem de futebol e as saudações com pedras e até bocados da bancada com que me perseguiam em campo.



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P.S. -  "SE A TANTO ME AJUDAR O ENGENHO E ARTE" 

Ora aqui está uma frase que inventei agora e que decerto já leram em "Os Lusíadas", esse poema épico, escrito pelo nosso ENORME Luís Vaz de Camões.

Vem isto a propósito de que e não havendo PARA JÁ, mais a acrescentar, termino os melhores 40 meses da minha vida, mas pretendo regressar com o pós-Guiné, "Se a tanto me ajudar o engenho e arte", repito.

Grato estou aos que leram e gostaram, mais ainda aos que comentaram, aos que criticaram construtivamente.
Agradeço a todos vocês, meus novos amigos, que me "obrigaram" e mantiveram activo, vivo de verdade e rindo (também chorando) com as memórias que julgava não mais querer avivar.

Ao meu Caro Editor, SENHOR Carlos Vinhal que tão bem ilustrou e até titulou algumas crónicas, vai um especial obrigado.

Abraços para todos os que me fizeram sentir, de novo, o valor da amizade e aguardem-me porque no baú, velho como eu, ainda existem coisas para contar.

Até lá
Veríssimo Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11781: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (40): 41.º episódio: Memórias avulsas (22): Alô Guiné... estou a chegar

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11781: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (40): 41.º episódio: Memórias avulsas (22): Alô Guiné... estou a chegar

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 24 de Junho de 2013, enviou-nos mais umas peripécias d"Os melhores 40 meses da sua vida", dando-nos conta do seu contentamento por finalmente ter chegado à Guiné.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65-67 - MEMÓRIAS AVULSAS

22 - ALÔ GUINÉ... ESTOU A CHEGAR

E pronto... embarquei e cheguei todo lampeiro a Bissau, naquela manhã de Agosto de 1965.

Afinal não havia grande diferença da África que eu já conhecia através dos filmes do Tarzan e lá estavam os macacos dependurados nas árvores e os autóctones a descarregar farinha dos barcos, o que lhes dava a cor mais branca que branca. Pareciam gentes boas, nanja como aqueles que depois nos tentavam atingir nas matas do Oio, selvagens que não se mostravam... que utilizavam a crueldade das minas.

Diziam os seus mentores, que não combatiam o Povo Português, mas então se cada Companhia tinha cerca de 150 homens, todos (exceptuando os 4 ou 5 profissionais militares, mas Povo também) arrancados às suas terras e forçados a ir e a maioria nem sabia do porquê nem para quê, todos Portugueses que se tornaram heróis, então combatiam quem?
Porque utilizaram o assassinato cobarde com o uso das minas?

Se num verso inspirado, houve um poeta que disse: "num monte de pedra pode nascer uma flor", porque substituíram a flor por tais artefactos de morte, encafuados num buraco tapado com terra?

É que dói... e hoje 12 de Junho de 2013, completam-se 47 anos, que homenageio só, mas com um grande abraço, o Capitão Dinis Alberto Corte Real, Comandante que foi da minha CCAÇ 1422, vil e traiçoeiramente liquidado por uma, comandada à distância, ali perto de Farim na estrada que liga ao K3.
E já antes, a 17 de Maio de 1966, se fora o meu amigo Fur Mil Higino Arrozeiro, levado pelo mesmo método de horror, ali perto dos "carreiros".
.................................

Dizia eu atrás... cheguei a Bissau.
Ali passei uns dias e logo a seguir andei a apagar fogos, por aqui e por ali, apenas com a minha Secção de morteiros 60.
Assim conheci Manhau, onde aprendi a dor da perca, em 22 de Setembro de 1965, doutro amigo, o Jaime Feijão, Fur Mil da CCAÇ 1421, ele também vitimado por uma "bailarina" e recordo o seus gritos "arame" (o estrondo) e "médico" e mais não disse.

Conheci Mansabá e saber o que custa ser emboscado perto da Serração;
depois Bissorã e a flagelação junto ao rio;
Jolmete onde pela primeira vez reagi ao ataque ao quartel;
Pelundo e o sossego durante um mês, com morança na tabanca, a guardar um cofre do Homem Grande.

Localização da Serração na estrada Mansabá/Mansoa, e de Manhau na antiga picada que ligava Mansabá a Bafatá
Vd. carta de Farim

Interior do quartel de Bissorã em 1969
Foto: © Carlos Fortunato (2005)

Vista aérea de Jolmete
Foto: © Albino Silva (2007)

Entrada do aquartelamento do Pelundo
Foto: © António Teixeira (2011)

Só após o Natal de 1965, que passei na Amura, fui de novo integrado na Companhia que iria ser colocada em Mansabá, ao que se dizia e até fiz parte da Secção de Quartéis.
Deram-nos a volta, tal não aconteceu e acabámos sim, por trocar com a 1421, na época a construir de raiz o K3.

O depósito, onde se pode ler, ao comprimento, “Água Quente” e no topo, “Cerveja a Copo”. Era só escolher!
Foto: © Gil André, ex-Alf Mil. Bat Caç 2879 / C Caç 2548, retirada com a devida vénia da página Rumo a Fulacunda

O local era aprazível, as instalações de primeira, quartos em terra vermelha, algumas bem acomodadas suites.
A cozinha requintada e bem fornecida, comida excelente e igual para todos, talheres em prata de lei... copos de cristal e tudo servido por profissionais de libré e acima de tudo o bar 5 estrelas.

Se estou a mentir... que me saia o euromilhões.

Não tínhamos vizinhos e como tal fui "povo que lava no rio" pois que nem lavadeiras existiam mas por escasso tempo porque um pouco mais tarde e gradualmente vieram a juntar-se, na Companhia, alguns militares "guias" casados e residentes em Farim que nos disponibilizaram tais úteis serviços.

Certo dia (Julho de 1966) e por motivos alheios à minha vontade, tive que me oferecer para a 3ª CCOM e para a qual pediam voluntários com alguma já comprovada experiência no uso das artes da guerra. Acabei contudo, por ir prestar serviço na Secção de Funerais e Registo de Sepulturas/QG.

Saíra do Inferno, entrei noutro sem querer, embora em termos de perigosidade nada tivesse a ver com o que me fora ofertado até então, mas muito mais difícil de gerir psicologicamente. Sei que tenho aqui um vazio de dois meses, que não descobri ainda como foi, mas que se deve talvez, ao uso de alguns adormecedores alcoólicos, utilizados contra-gosto mas numa tentativa, que não resultou, de atenuar o calvário das visitas que de quando em vez tive de fazer à morgue do Hospital Militar e elaborar todo um processo doloroso próprio duma realidade que magoava mesmo.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11752: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (39): 40.º episódio: Memórias avulsas (21): De lá para cá e vice-versa

domingo, 23 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11752: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (39): 40.º episódio: Memórias avulsas (21): De lá para cá e vice-versa

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 17 de Junho de 2013, enviou-nos mais umas peripécias d"Os melhores 40 meses da sua vida", desta vez as suas andanças de lá para cá e vice-versa.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65-67 - MEMÓRIAS AVULSAS

21 - O ANTES DA GUINÉ - DE LÁ PARA CÁ E VICE-VERSA

Até que um dia...
Recebido o correio que vi logo ser Militar, disse para comigo: Queres ver que já me estão a convidar para um passeio até ao Ultramar?

Mas não... tal só veio a acontecer quando já tinha 20 meses cá no burgo (e até andava já, feito pavão, com as divisas amarelas e deixara de ser "O NOSSO" cabo miliciano, para ser "MEU" Furriel).
Agora estavam apenas a solicitar-me que fosse até à Amadora.

Ali chegado nem comida me deram e voltam-me a pedir:
- Queres ir até Lamego?

Hesitei, qu'era um bocado longe mas perante a insistência e os modos simpáticos, acedi.
Ali passei umas belas férias... passeei por cima do Douro revoltoso apenas agarrado a uma corda e desci da Sé de Lamego cá para baixo agarrado a outra mas esta tinha uma roldana que deslizava num cabo d'aço.
Neste último caso havia apenas de ir agitando os pés para que ao fim da descida não partisse as lajes que ornamentavam o solo...

Dali entenderam que precisavam de mim, em Tancos, foi bom que e, se por acaso viesse a pretender trabalhar em qualquer pedreira, ali colhi os conhecimentos e a própria carteira profissional de minas e armadilhas. Recordo até, com alguma emoção, convenhamos, aquele dia em que cá em baixo, junto ao Castelo de Almourol, fui experimentar um pedaço de massa explosiva, a que chamavam farinheira. Colocada que foi, debaixo dum pedregulho de todo o tamanho, a que juntei depois um detonador, mais um cordão com 50 metros que trouxe até cá ao alto e liguei a uma caixinha com alavanca que pressionei.

O estardalhaço do rebentamento foi impressionante, levantei a cabeçorra e é nessa altura que vejo aquele monstro redondo com mais dum metro de diâmetro, a dirigir-se, precisamente para local onde me encontrava. Eu sabia que causava tal reacção nas mulheres, pois que todas tentavam sempre fugir para onde eu estava, mas com pedras, tal nunca me passara pela tola.
Contudo nada de grave aconteceu, ninguém se aleijou e mais uma vez acreditei no dito: "ao menino e ao borracho..."

Depois... fui atenciosamente aconselhado a ir para Abrantes, onde monitor fui dum pelotão de recrutas acabados de chegar.
A eles me dediquei e ministrei tudo o que havia aprendido.

Tomar a seguir e novos recrutas.

Regresso a Abrantes e de novo para Tomar, sempre a ensinar só que agora, aos meus futuros camaradas para a guerra da Guiné, ou seja a preparar a minha saudosa CCAÇ 1422.

Pelo meio deste andar de cá para lá e vice-versa, houve ainda oportunidade e que ninguém sabe porque aconteceu, de ter estado um mês, completamente sem nada fazer, no GC Trem Auto, ali na Av. Berna, Lisboa.

É aquando da última permanência em Tomar, que entretanto fui promovido a Furriel Miliciano, mas a notícia saiu na OS de Abrantes donde voz amiga me avisou. Confirmei depois e nessa noite decidi fazer uma surpresa, aparecendo na Messe dos Sargentos, divisas acabadas de sair do forno no bolso e a fim de que me fossem implantadas por um dos Sargentos-Ajudantes, que por sinal nos acompanhou como chefe da Secretaria, que outra coisa até nem poderia ser, dadas a sua idade e físico já bastante abarrigado.

- Ó Nosso cabo, então não sabe que não pode entrar aqui onde estão os homens?

Passei por cima da provocação... disse-lhes ao que ia... recebido melhor que bem, mas avisaram-me do hábito, de ter de pagar uma rodada aos presentes e duas ao padrinho.

Aqueles SORJAS eram no fundo boas gentes, mas tinham de parecer beras, o que psicologicamente resultava.

Dois meses mais tarde, embarquei no NIASSA e foi assim que na Metrópole deixou de estar cá o JE.
Parti cantarolando baixinho para os meus familiares: "Adeus até ao meu regresso"

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11716: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (38): 39.º episódio: Memórias avulsas (20): Tavira - O antes da guerra

domingo, 16 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11716: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (38): 39.º episódio: Memórias avulsas (20): Tavira - O antes da guerra

Ponte em Tavira


1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 1 de Junho de 2013, enviou-nos mais uma história ocorrida durante "Os melhores 40 meses da sua vida", na bela algarvia Tavira.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65-67 - MEMÓRIAS AVULSAS

20 - O ANTES DA GUERRA - TAVIRA

Contrariado parti, primeiro no comboio de Mora para Évora e daí em diante nem sei como, mas que cheguei... cheguei.

A janela gradeada por fora, onde estava a cama que me destinaram, ainda lá está, que há pouco a voltei a acariciar, em visita de saudade serôdia, que bastas vezes faço, bem como a "porta do cavalo" (assim chamada provavelmente porque era por ali que me desenfiava) e onde hoje ainda, costumo estacionar o meu bólide enquanto vou aos comes.

Por aí saía, pela manhã e para a ginástica matinal a praticar logo ali atrás do quartel e também para as visitas bi-semanais, às salinas que ainda ali estão, só que agora sem recrutas e onde (nesse tempo, Julho-Agosto de 1964), de botas engraxadas, fato lavado e passado a ferro, tive de afocinhar voluntariamente obrigado, naquelas empestadas águas, cheias de enguias.

A suite para 150, era razoável, melhor que a de Mafra, a comida... comia-se... o vinho Lagoa era bestial com os seus 14 graus.

Tavira não era grande, os Algarvios... avarentos de verdade e de tal maneira, que eu e habituado como era, por educação, mesmo saudando-os de borla, quer com os bons-dias quer com os olás nem sequer troco alguma vez recebi.

Uma vez por semana a visita guiada era para a carreira de tiro e isso significava descanso à sombra das alfarrobeiras, pois que só alternadamente íamos disparando lá para baixo onde estavam os alvos.

O melhor de tudo era a hora de almoço, ali mesmo confeccionado nas cozinhas de campanha com tampas abertas a fim de permitir a entrada do pó, que bom sabor a barro dava.

As noites eram porreiras, pois que me permitiram, após a primeira semana, que dormisse no exterior, em casa alugada e com mais dois amigos, além do outro lado do rio. Tal significava que jantava bem e regava melhor. A coisa nem dispendiosa ficava, papando ali nas variagadas tascas à beira do Gilão.
Lembro-me que bebendo um tinto ofereciam três carapaus fritos presos pela cabeça, com um palito.

Outras vezes e dando um salto à praia, trazíamos (éramos três) quilos de conquilhas, mas das grandes, e que depois mandávamos cozinhar e faziam-no de tomatada. Depois era só migar, qual açorda, pão lá p'ra dentro da molhança.

Graças à preciosa indicação do Senhor Aspirante Comandante do Pelotão, que me apresentou ao pai, pescador com barco, este protegeu-me e apresentou-me aos comerciantes de vinhos e seus derivados ali do burgo e tal contribuiu muito para que a minha popularidade enóloga, fosse apreciada e passei a ser convidado para acontecimentos inerentes a provas.

Também colaborei por duas vezes na pesca do atum e só vos digo, que foi das experiências mais valiosas e de que ainda guardo imagens maravilhosas.

E quando se tem sorte, tem-se e mai'nada... até os fins de semana ia passar com a família, pois que um dos camarigos do pelotão, sendo de Évora trazia-me até aí e também juntos, daí regressávamos.

Vínhamos no seu Mini, demoravam-se horas, mas habitualmente às 10 da noite estávamos lá. Depois faltando-me ainda 70 Km até casa recorria a boleias mas o mais tardar ao sábado de madrugada chegava cansado mas feliz.

O trajecto inverso começava ao Domingo depois das migas e levava já comigo a roupa lavada e encerada, um os dois "xóriços", um bocado de paio... ou de morcela da grossa, alguma fruta, alguns escuditos no bolso.

Assim se passaram dois meses após o que regressei com as divisas no local próprio.

O tempo passara rápido e vinha muito, mas muito mais culto qu'até já sabia "trabalhar" c'as Dreyse... FBP... Uzi... Walter... Parabellum e melhor ainda... a medida dos supositórios que usavam, ou seja 7,92 e 9mm.

(continua)
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Nota do editor:

Último poste da série de 3 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11669: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (37): 38.º episódio: Memórias avulsas (19): Mafra, Junho de 1964

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11669: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (37): 38.º episódio: Memórias avulsas (19): Mafra, Junho de 1964

Mafra, 26 de Janeiro de 1964 > O 1.º pelotão, da 1.ª Companhia ao 2.º dia de tropa.


1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 22 de Maio de 2013, enviou-nos mais uma história ocorrida durante "Os melhores 40 meses da sua vida", mais propriamente durante a recruta, naqueles belos primeiros dias de tropa.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65-67 - MEMÓRIAS AVULSAS

19 - MAFRA, JUNHO DE 1964

Entretanto vieram as marchas finais.
Era Junho de 1964 e o local, uma zona de pinhais e mato rodeando as culturas próprias dos pequenos agricultores que se esgadanhavam para tirar um pouco proveito daquele trabalho árduo.
Viam-se por ali, de sol a sol, escavando... escavando, só parando ao ver os escanzelados militares em manobras a quem ofereciam um cigarrito, um copo do vinho que faziam para consumo próprio... uma fruta.
E digam lá se a isto não se chama solidariedade?

Esta iria ser a última semana difícil em Mafra, terminando assim os cinco meses de recruta e passávamos a ser quase 1.ºs cabos-milicianos, ou seja, a mola real do Exército Português, ou melhor ainda, aqueles que sabem como é na verdade.

Houve rigor e tudo parecia ser mesmo uma guerra a sério e até nos era permitido o acesso a verdadeiras balas embora de madeira. As situações treinadas assemelhavam-se à realidade das matas africanas e sempre supervisionadas por Oficiais Instrutores oriundos da Academia Militar, com experiência quer na preparação de homens, quer até, alguns, já conhecedores da verdadeira tormenta africana.

Ambicionávamos que aquele malvado tempo passasse depressa, porque logo após, teríamos o gozo de um mesito de férias, antes do reinício do que se chamava especialidade, que todos nós escolhêramos, acreditando ser possível. Claro que a maior parte foi cair na de atirador, com'a mim.

Feitas as pazes com o inimigo, outros d'outras companhias e também instruendos, procedeu-se ao regresso, em passeio pedonal de trinta e cinco quilómetros. O estado físico geral era pior que mau, mas o ânimo voltou quando, ao chegarmos às imediações do quartel, fomos subitamente atacados pelo Hino Nacional abrilhantado pela Banda Musical Militar.

E o inimaginável aconteceu: aqueles verdadeiros homens cansados, arrebentados, tristes e acabrunhados, revigoraram... marcharam garbosamente... endireitaram-se... honraram a farda... tornaram-se capazes até... de chorar.

Domingo à espreita... e deu-se a cerimónia do "Juro, como Português e Militar... defender a minha Pátria... mesmo com o sacrifício da própria vida".

Presentes muitos dos familiares das tropas em presença, nanja os meus e bem pena tive, mas a crise d'agora já eles tinham então e desde que tinham vindo ao Mundo.

Fomos então autorizados a sair e pela primeira vez, de civis vestidos, para o retorno não definitivo à vida, que sim, essa era a nossa de antes e que iria ser a de depois. Descer aqueles 135 degraus do 5.º andar até cá baixo, nunca me atrevera a pensar que me saberia tão bem. Foi o correr para a boleia do Miranda que fez o favor de me deixar em Sta. Apolónia.

Depois... o chegar a casa... o reencontro com os familiares... a festa... a galinha assada nas brasas... o reconhecer de novo de que "como é bom ser gente"... poder ir à pesca... nadar nas águas límpidas do rio Sôr... o colher da fruta na horta... o comer uns passarinhos fritos... dormir que nem um justo.

Até que um dia e só haviam passado trinta, lá veio a desmancha prazeres da informação de que me devia apresentar em Tavira para completar o processo e poder usar as divisas de duas riscas encarnadas viradas para o cachaço e ainda outra mais pequena apontando o chão e inseridas ainda num paninho verde.
E daí em diante seria e fui para todos o "NOSSO cabo-miliciano".

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11596: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (36): 37.º episódio: Memórias avulsas (18): Aquando no CSM, Mafra, Maio de 1964

domingo, 19 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11596: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (36): 37.º episódio: Memórias avulsas (18): Aquando no CSM, Mafra, Maio de 1964

Convento de Mafra


1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 13 de Maio de 2013, enviou-nos mais uma história ocorrida durante "Os melhores 40 meses da sua vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65-67 - MEMÓRIAS AVULSAS

AQUANDO NO CSM, MAFRA, MAIO de 1964

Aquela noite prometia deveras. A minha 1ª Companhia, acampara ali a seguir ao Sobreiro, mais propriamente na Achada, e do lado esquerdo de quem vai de Mafra para a Ericeira.
Antes da saída do convento, fora-me transmitido que levasse o fato à civil, o que estranhei, pois que se íamos para passar uns dias no mato, para quê as calças, camisa, blusão azul, sapatos e meias?

O local era porreiro, junto a um riacho, cheio de pinheiros, e foi ali mesmo que se montaram umas tendas onde coubemos os 150... oficiais e tudo... a cozinha de campanha... três jeep's . A povoação ficava lá no alto e dera para ver que lugares prazentosos não faltavam, assim nos conseguíssemos desenfiar, para usufruir.

Criaram-se postos de segurança... porta d'armas... a tenda de Comando... enfermaria. Dava portanto para entender que a guerra iria ser dura, só que ainda não sabíamos contra quem, mas o ar fingido dos Oficiais, fazia-nos perceber que não seria pera doce.

Chegada a noite e consultada a lista de serviço, verifiquei que todos os meus camaradas estavam nomeados, quer fosse para Sargento de dia, quer para cozinha e limpeza, mas o meu nome não aparecia em nenhuma tarefa, o que me intrigou mas também esperançou a que viesse a ter uma noite descansada.

Não o foi... foi melhor do que isso. Chamado ao Cmdt do meu 1º pelotão, sou então informado do porquê de ter levado o paletó e quejandos. Ali fui de imediato empossado na minha função de Mata-Hari, ou seja iria fazer de espia, nas tascas lá de cima da povoação. É que acantonados do outro lado, mais ou menos a 3Km e do lado contrário ao nosso, estava o inimigo, constituído por uma Companhia dos do COM e haveria de lhes conhecer os planos e localização, e competia-me a mim, descobrir tal, sondando as patrulhas que decerto ali iriam tomar o seu copo.

Chegada a noite, lá fui, ou melhor levaram-me até lá num dos jeep's, para não aparecer de sapatos sujos ao encontro que provavelmente iria ter e tive. Também me abonaram com 15 mil réis, para pagamentos a fazer das bebidas a sorver, tendo-me entretanto sido ministrado um curso rápido de como conseguir as informações pretendidas, e descansado fiquei pois que não teria de mostrar a perna a ninguém.

Qual morador no local, fui serenamente passeando pela estrada, onde ainda transitavam duas carroças, puxadas, uma por um animal de raça asinina (portantus.. um burro de quatro patas) e a outra, com mais potência por dois muares (ou seja, verdadeiras mulas).

Eis senão quando, miro lá dentro, na taberna que fazia esquina com uma rua perpendicular à via principal, miro lá dentro repito, 3 tropas de Mauser a tiracolo e tudo... e que eram mesmo quem eu procurava. Entrei, dei as boas-noites e fui correspondido até pelo Sr. João, o taberneiro, com quem eu havia estado antes e por isso lhe sabia o nome. A noite estava húmida, algo fria e aqueles não resistiram ao chamamento do local quentinho qu'até o lume tinha aceso ali ao meio da sala de convívio.

Palavra puxa palavra, acabei por oferecer um copo aos bravos militares, quatro, pois que entretanto chegou outro que houvera saído a gritar do WC:
- Estou de "caganêra", porra.

Foi aí que percebi que o rapaz, seria meu conterrâneo lá da República Federal do Alto-Alentejo, pois que em Português se dizia:
-Estou a desfazer-me em trampa...

Aceitaram e fui-os questionando:
- Onde estão?...
- São de Mafra?...
- Quantos são?...
- O vosso Comandante é Fulano?...

Enfim, uma actuação de verdadeiro profissional acabado de ser doutorado, ou seja... eu.
Na verdade saquei o que podia, não desconfiaram de nada, e ao fim de duas horas assisti a uma deveras e acesa discussão, provocada pelos alcoóis ingeridos, pois que aguentavam pouco, ao contrário do que acontecia comigo que desde pequeno, mamava tinto.

Dos quatro, dois queriam ir ao bordel que sabíamos bem onde era e os outros dois mais calmos propuseram que fôssemos ao local onde estavam instalados, deitar abaixo um vinhito americano de sua pertença. Era em Pinhal dos Frades, (como afirmaram e bendita inocência que nem precisei de perguntar).
Calhava mesmo bem, pois disse-lhes que "moi même" vivia ali para esses lados.

Acabei por os acompanhar... bispei qu'até os sentinelas dormiam e lá me dessedentei de novo.

Regressei depois a penates... "desbronquiei" tudo... louvado fui e nessa madrugada o ingénuo inimigo foi atacado por dois dos nossos pelotões, graças à minha perspicácia evidentemente.

Aquilo foi fazer prisioneiros, primeiro os vigias, depois entrámos com grande à-vontade e abarbatámos toda a Companhia.

Dois anos mais tarde, recordámos (eu e um dos quatro daquela noite e agora Alf. Mil. do meu BCAÇ 1858) tal episódio e enquanto tomávamos um aperitivo no Café Portugal, junto à Praça do Império, Bissau.

Rimos a bandeiras despregadas e quem nos viu, decerto pensou:
-Estes amaluqueceram.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11557: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (35): 36.º episódio: Memórias avulsas (17): A invenção do "X"

domingo, 12 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11557: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (35): 36.º episódio: Memórias avulsas (17): A invenção do "X"

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 7 de Maio de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65-67 - MEMÓRIAS AVULSAS

17 - A INVENÇÃO DO "XIS"

Aquando do CSM em Mafra e foram cinco meses iniciados a 24 de Janeiro de 1964, uma das instruções que nos prodigalizaram, foi precisamente o treinar visando um "xis" que desenhávamos em qualquer vetusta árvore ali do parque onde ensaiávamos guerras.

Depois e com os pés bem paralelos e melhor assentes no chão, à distância um do outro de mais ou menos 20 centímetros, e com o objectivo a 4 ou 5 metros, íamos atirando pedrinhas num movimento brusco.

Diziam-nos e eu acreditei, que esta era a forma de aprender a disparar sem apontar com a G3, quer fosse no tiro a tiro, quer de rajada, mas tudo instintivo.

Em princípio pensei que se tratasse duma forma de nos concederem alguns bons momentos de descanso e ainda por cima naquele local paradisíaco.

Verifiquei depois e com a arma já na mão, que na realidade a coisa até funcionava mesmo, ao contrário do que hoje me acontece que e embora esteja farto de colocar "xises" nos jogos da Santa Casa, não acertei ainda nada e relembrando o descrito atrás, vou começar já esta semana a praticar de novo com a finalidade de que possa vir a ficar mais rico ainda, se tal for possível.

Põe-se-me-le contudo a questão de não saber em que árvore. Lá no monte dos meus sogros em Foros do Mocho-Montargil, junto à barragem onde pesco achigãs enormes, tenho oliveiras, figueiras, laranjeiras, pessegueiros, pinheiros bravos e mansos e até um sobreiro vejam bem... mas diz-se que dormir à sombra da figueira não é saudável e debaixo das oliveiras também não me apetece pois qu'agora estão cheias de candeio e deitam um pó verde bem desagradável.

Debaixo do pinheiro manso, também não me atrevo, porque as pinhas no ano passado não foram colhidas e de quando em vez caiem.

Ora com a sorte que tenho e considerando o peso das ditas, decerto saio de lá com a cabeça meio, ou mais, desfeita. Com os pinheiros bravos não me meto, estão cheios de nemátodo, uma espécie de lagartita originada por uma mosca, depois escaravelho, grande com'o caraças e mais parecendo um aspro, lagarta ainda maior, que tal como algumas sogras, tem de morder sete vezes por dia, senão falece.

É por isso que vou de ter de pensar melhor.

Também treinávamos enquanto instruendos, o atirar da faca de mato contra quaisquer outras árvores, se possível de tronco preto.

A intenção era a de possível eliminação de sentinelas, é verdade.

Hoje mesmo e às vezes a brincar com a que estripo e escamo os achigãs MUITA GRANDES qu'atrás mencionei e quando ainda estão vivos, às vezes atiro o facalhão contra qualquer salgueiro ali à borda e acerto mesmo.

Por acaso na última vez, vi-me aflito para o retirar, que se entranhou desmesuradamente.

De qualquer forma ali passávamos por aqueles momentos em sossego depois do matinal crosse, que é assim uma espécie de ir passear em formatura, de fato de trabalho e a correr, com cantil cheio, capacete e Mauser e com a barriguinha pesada do pequeno almoço tomado em púcaro d'aço e composto de qualquer mistela a que chamavam café com leite condensado desfeito na amarelada água do convento, amarelo decerto oriundo da ferrugem amontoada nos velhinhos canos.


Em tais crosses do que mais gostava era quando os excelentíssimos instrutores diziam uma frase assim estilo: -A tua prima é boa?

Nós correndo e ao bater do pé direito teríamos de responder:
- É.

- Angola é nossa? - e a gente tadinhos:
- É.

Em Abrantes e Tomar onde tive a honra de ajudar a preparar recrutas, inventei novas perguntas que e sendo essa a intenção, divertiam e ajudavam a suportar o sacrifício. Frases bem simples, maliciosas "qb", mas que não posso dizer pois qu'a minha superior educação não me permite recordar tamanhas indecências.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11534: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (34): 35.º episódio: Memórias avulsas (16): Os dois amigos ao chegar à Guiné

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11534: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (34): 35.º episódio: Memórias avulsas (16): Os dois amigos ao chegar à Guiné

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 22 de Abril de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65-67 - MEMÓRIAS AVULSAS

16 - OS DOIS AMIGOS AO CHEGAR À GUINÉ

O PRIMEIRO
Um ser-humano fora de série. Após um enjoo contínuo desde Lisboa, ali estava Bissau.
Levantei-me do leito, onde sempre viera, excepto às horas dos comes que se bebiam e fui para a amurada e pelo que vi, pareceu-me bonito... com cheiros diferentes... o povo visível parecia simpático... a temperatura ao meu gosto e aquela chuva quente, até me refrescou as ideias.

Tudo preparado para sair, qu'a terra firme estava já ali a cem metros, eis senão quando me avisam:
- É pá andam lá em baixo à tua procura.

Fui ver e era bem verdade. Num "zebro" gritavam pelo meu nome. Tratava-se dum individuo com ar desleixado e barbudo, mal vestido à marinheiro, a quem acenei e que me ficou a aguardar junto ao portaló.

Era "APENAS" o fuzileiro especial Sebastião, das Barreiras, lá na minha terra. Sabendo da minha chegada, fez questão de me ir abraçar, convidou-me para o almoço que já mandara preparar e lá fomos depois do acantonamento da minha CCAÇ 1422, ali mesmo no Forte da Amura.

Mais tarde, voluntariou-se para operações onde soubesse que eventualmente eu também poderia estar o que por duas vezes aconteceu. Voltávamos assim a trocar amplexos verdadeiros como próprio de quem se estima. Era um rapazão formidável, valente militar já com a maior distinção possível, na guerra de Angola e ali recebeu a segunda igual condecoração.


O SEGUNDO
- Passeou comigo em Bissau, Mansoa, Cutia, Mansabá, Bissorã, Pelundo, Teixeira Pinto, Cuntima, Canjabari, Quinhamel e Farim.
- Combateu em Buro, Berecobé, Biribão, Jolmete e K3.
- A emboscadas, respondeu comigo nas matas, nas bolanhas, nas estradas... e outras preparou ao meu lado esquerdo.
- Fomos à praia de Varela e estivemos no Senegal.
- Partilhou as minhas lavadeiras, foi "voyeur, comeu comigo à mesa, colhemos cibes cajus e mangas, caçámos crocodilos, atirámos granadas de mão de pé e deitados, disparámos morteiros e bazoocas, nadámos em rios e bolanhas e atacámos o IN.
- Assentámos tijolos e sem fio de prumo ajudante, aquando da construção da cozinha e messe colectiva.
- Compartilhou emoções boas, outras nem tanto, conheceu GENTES com letra grande e gentes apenas.
- Riu... mas também chorou.
- Embora shockprotected, tem ainda o frontispício arranhado, devido a ter batido numa mina que eu próprio desarmadilhara ali nos "carreiros" a 3 Km's do aquartelamento e por isso recebeu metade dos 300 pesos que era o preço que pagavam por tal trabalhinho. (E que pena tínhamos de não as poder levantar todas, pois que algumas, as tais de que desconfiávamos serem fornilhos, haviam de ser destruídas com trotil)
- Prantámos muitas "bailarinas" ao redor do hotel onde vivíamos, até ao dia em que entendemos não o voltar a fazer, porque de noite muita macacada as destruíam.
- Conheceu-me como ninguém e bastava fixá-lo para que me mostrasse a quantos estávamos, que horas eram e qual o dia da semana.
- Acompanha-me há 48 anos e vai também às reuniões anuais da rapaziada que esteve na Guiné e de lá... e lá no meu concelho.
- É mudo de nascença, mas falo com ele sobre tudo o que vivemos e bastas vezes lhe pergunto: - "Alembras-te pá?

Vi-o na montra da Loja Pintosinho e foi amor à primeira vista. Desembolsei por ele, os últimos duzentos escuditos, do que trouxera da Metrópole.
Falei-vos do meu automatic Cauny Prima Swiss, 25 rubis, waterproof.

(continua)

OBS:- Na falta de outra ilustração, optou o editor pelo seu relógio Cauny Submarine, 17 rubis, Antichoc, Swiss, que lhe fez companhia no Funchal e na Guiné, regressando os dois ao Continente, em 1972, sãos e salvos. Ainda hoje sobrevivem.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11494: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (33): 34.º episódio: Memórias avulsas (15): O Brutubol

domingo, 28 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11494: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (33): 34.º episódio: Memórias avulsas (15): O Brutubol

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 22 de Abril de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65-67 - MEMÓRIAS AVULSAS

15 - O BRUTOBOL

Julho de 1966

Estava a realizar-se o campeonato mundial de futebol, lá p'las England's, o que deu ensejo a que o IN nos tentasse provocar.

E foi assim, que espetado num tronco dum frondoso embondeiro e já bem perto de Mansabá, mais própriamente junto a uma antiga serração de madeirame, eu tivesse colhido, numa visita que pretendia fazer aos amigos que deixara no K3 (sem a tal ser obrigado mas por parvoíce e voluntariado assaz parvo) eu tivesse colhido repito, um folheto-convite, que ao que soube nem era já o primeiro, para um joguinho onde até já tinham, árbitro e equipa. Tenho essa missiva escrita à mão, em meu poder, não sei onde mas aparecerá e lá vinha os nomes dos seus jogadores.

E então era assim:
- Guarda-redes: PPSH;
- Defesas, esqº,central e dtº: Canhões sem recuo 120mm;
- Centrais: Metralhadora pesada Degtyrev e metralhadora ligeira Bren;
- Avançados, extremos esquerdo e direito, Interiores Idem e avançado centro: Kalashnikov's.

Supus que estes últimos, seriam irmãos ou cousa parecida.

Sabem... é que eu era ainda um ingénuo, embora rico pois se até quando em Lisboa, houvera comprado a estátua do Marquês a um gajo que ma vendeu por vinte mil réis, embora estivesse a pedir trinta e já não falo das duas garrafas de Whyski que depois d'abertas eram chá de S. Roberto, cousa boa que tudo curava e era bem raro.

Já que falo nessa minha estadia no Grupo de Companhias Trem Auto, na Av. da Berna, deixem-se que vos diga que um dia fui mesmo enganado.
Senão imaginem: apanhei o eléctrico para a Praça do Comércio e sabem onde fui parar? Pois vejam bem: ao Terreiro do Paço.

Ah provinciano, provinciano que ainda és... qu'eras mesmo estúpido... eras disse eu e muito bem, pois que agora julgo ser apenas um velho tonto, "pobre... triste... abandonado". (Vasco Santana dixi)

Ainda sobre a equipa deles: verificava-se já, e tal como nos actuais benficas, portos, sportings e quejandos, que só jogavam com estrangeiros.
Propunham-se ainda, minar todo o redor do campo e marcavam a disputa para as dezanove horas.
Por isso é que desconfiámos e não comparecemos, pois que se devia tratar duma tramóia e... desconfiámos porque a essa hora seria já noite e o estádio junto ao campo de aviação não tinha iluminação.

Eles sim, estiveram lá, que bem os ouvimos, fartaram-se de rematar flagelando o aquartelamento e só abandonaram o campo quando o nosso obus, e assim estilo Mokuna (mais conhecido por fura-redes e que jogou ali na Faculdade do Futebol em Alvalade) atacou em força ripostando com sucesso contra as investidas adversárias.

Localização da "Serração" (Carta de Farim) no troço da estrada Mansoa/Mansabá, entre Mamboncó e Mansabá

Acabado o recreio, na matina seguinte, acabei por não ir ao destino a que me propusera.
Requisitado fui para que urgentemente regressasse a Bissau o que fiz no DO do correio.
Já houvera dito que estava instalado em luxuosa suite, no QG em Santa Luzia.

Apesar disso e talvez em Setº de 1966, resolvi arrendar conjuntamente com dois amigos músicos do conjunto das Forças Armadas, um apartamento bem bom e que maior liberdade desse às minhas acostumadas visitas das 2ªs, 3ªs, 4ªs, 5ªs, 6ªs e Sábados, sem terem que passar pela humilhação de deixar a identificação na porta d'armas lá de cima.

Situava-se junto ao cais do Pigiguitti e a cem metros dum local onde preparavam umas ostras de se lhes tirar o chapéu, bem como também assavam uns camarõezinhos acompanhados com molho de jindungo e limão.

Ali acolhi alguns camaradas da minha CCAÇ 1422, quando em férias ou em tratamentos hospitalares e dentro do espírito "onde cabe um Português... cabem dois ou três". Para além de que, estes eram da minha família militar.
E era uma festa ver esta rapaziada liberta da G3, com uma cama para dormir... boa comida... melhor buída... descanso... sossego... paz... e uma repartida amizade, sempre presente.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11436: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (32): 33.º episódio: Memórias avulsas (14): O desertor

domingo, 21 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11436: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (32): 33.º episódio: Memórias avulsas (14): O desertor

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 9 de Abril de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS

14 - O DESERTOR

Das duas, uma... ou eu estava a ver mal... ou aquele com as mãos no ar e a "costureirinha" bem à vista, queria entregar-se à CCAÇ 1422.

Aproximava-se vindo do lado do que fora a estrada que ligava ao Olossato, agora desactivada e foi por adrego, que o topei, ao empinar para os gorgomilos, aquele saboroso digestivo oriundo da Scotland acompanhado que estava a ser com umas mancarras acabadas de torrar na chapa, quais pipocas fossem.

Tal com'a mim, outros deram pelo que estava a acontecer e em simultâneo, dirigimo-nos para a porta d'armas, onde por acaso até m'arranhei ao desviar o "cavalo de frisa".

Requerida a urgente presença do enfermeiro chefe, logo este me besuntou e na falta d'álcool, com uma mézinha "distiled, blended e bottled" em Sacavém, que ao que se dizia era feita com água destilada e 1214 (uma espécie de tintura de iodo que tudo fazia sarar, excepto as nódoas da alma) e qu'até se bebia na falta do conhecido Vat 69.

Tínhamos a tiracolo, como sempre colada ao corpo, a prima G3, em posição não ofensiva, mas o que poderia acontecer rápidamente.

Em silêncio desconfiado arguardávamos, mas no entrementes afastei dali alguns camaradas, pois que o "tudo ao molho" poderia tornar-se perigoso e porque até nem sabíamos se não seria essa a intenção inimiga.

A cena parecia-me impossível de acontecer. Normal não era, vir um qualquer irmão Dalton incomodar-nos a horas tais, mas de qualquer forma íamos já antecipando os problemas que costumavam resultar quando se tinham de organizar colunas para levar prisioneiros a Bissau.

O inédito prendia-se com o facto de estarmos a ver em directo, um IN armado e VIVO, considerando que nem na mata se deixavam bispar, aquando nos recepcionavam e só os víramos quando a iniciativa fora nossa.
Por isso houve sempre dificuldade em fazer estatísticas de quantos eram os feridos ou os eliminados.

Mais tarde soube como actuavam para não deixarem rastos e era assim: Constituíam três grupos... um, com as armas com que disparavam mal (em 1965/1966, que depois aperfeiçoaram-se com a ajuda dos cubanos); o 2º grupo tomaria o lugar dos do 1º se atingidos; o 3º, arrastaria os feridos e os que já não diziam nem ai nem ui e também as armas destes.

Daí que a contabilidade saísse quase sempre por excesso e só através da observação dos restos do líquido espesso que circula nas veias e artérias e que por ali ficara ensopando a terra já de si vermelha, só por aí repito, é que os números batiam mais ou menos certos.

Voltando ao desertor: Ia-se apróchegando. Eis senão quando se ouve um tiro lá longe... acordou os nossos sentinelas, tendo um deles, espavorido, gritado:" lá vêm eles"...o furriel de dia, esse por nada deu e continuou a sesta debaixo do embondeiro... e nós vimos o visitante parar... tremer... fugir e recuando para o caminho donde viera, desapareceu. Contaram-nos que foi agredido pelos seus, mostrado como exemplo a não seguir e punido como traidor.

Guiné > Regiãop do Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > Um prisioneiro do PAIGC.
Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.

(continua)
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Nota do editor:

Último poste da série de 7 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11356: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (31): 32.º episódio: Memórias avulsas (13): Como uma canção bem cantada pode ser uma dissuadora arma de guerra

domingo, 7 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11356: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (31): 32.º episódio: Memórias avulsas (13): Como uma canção bem cantada pode ser uma dissuadora arma de guerra

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 25 de Março de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS

13 - COMO UMA CANÇÃO BEM CANTADA POR QUEM SABE, PODE SER UMA DISSUADORA ARMA DE GUERRA

Íamos partir de Mansabá, para tomar posse do K3, que já estava quase concluído graças à CCAÇ 1421, se é que podemos dizer "concluído", ao facto de os abrigos estarem prontos pelos quatro cantos e onde coube toda a 1422.

Coluna organizada e à frente iria a Daimler, mais vulgarmente chamada "o piolho".
Tratava-se d'uma auto-metralhadora semi-blindada, que iria disparando para a mata, durante a progressão e mais própriamente junto aos locais onde já antes houveram existido emboscadas ou flagelações.

Tinha no exterior um morteiro 60 e um banco acoplados pela rapaziada engenhosa das "mecânicas auto" e lógicamente que era ali necessária, quando em viagem, a permanência dum elemento que soubesse trabalhar c'o canhão.

Auto Metralhadora Ligeira Daimler

Foto do nosso camarada Carlos Pinto, ex-1.º Cabo Condutor-Apontador Daimler do Pel Rec Daimler 2208


Tal como nos bailes onde se me atrasasse me saía a mais feia, também ali me calhou tal sorte. Encomendaram-me essa missão, mas compreendi, modéstia à parte... eu era o especialista... eu era o mais bom melhor, e já que ali teria de ir, sentado em poltrona d'aço verde, pelo menos seria o primeiro de duas coisas:

1ª - Ou a enfrentar o inimigo e levar um balázio nas trombas;
2ª - Ou no destino, receber as honras de primeiro a chegar.

Subi para o poiso, conjuntamente c'a minha Vat 69 a fim de ganhar embocadura para a viagem, aconcheguei-me emborcando antes, quase metade da dita cuja.

Passados que foram dois ou três quilómetros, começou-se-me a vir à memória a minha santa terrinha e o Conjunto musical "Sôr-Ritmo", pois então.
Tinham lá um vocalista fora de série, um tal de Veríssimo Ferreira, que encantava e deliciava as jovens d'então e também as suas próprias respectivas, mães.


E vai daí... atento venerador e obrigado a ir ali exposto e sem defesa possível, comecei a trautear, qual Chatotorix, uma coladera que aprendera a dançar há dias, no Pelundo, só que às tantas, entusiasmei-me, e lá foi em alta voz a "Nha Bolanha"*.

Avisado fui, ao que soube mais tarde, para me calar, mas com aquela barulheira de tantas viaturas, nada ouvi e fui bisando continuadamente, os versos que sabia.

Chegámos sem problemas, caso único e nunca mais repetido, mas ficou-me sempre a mágoa do não saber porquê de não nos honrarem com qualquer ataque, ou ao menos ter sido accionada uma minazita que fosse.

Seria porque me viram ali na frente e acagaçaram-se? Ou seria porque abominaram a minha voz?
Bom... apeámo-nos e lá fomos observar o hotel.

O abrigo que me fora destinada estava nos conformes. Descíamos quatro degraus, depois mais cinco para a esquerda e ali estava a suite. Embora não época das chuvas, o chão ladrilhado de terra encarniçada, tinha já dez ou mais centímetros d'agua, o que era porreiro mesmo e propício à propagação da matacanha, bichinho comichoso, como sabem.

Os locais para dormir eram dez, tantos quantos éramos, dispostos em cinco grupos, ou seja um por cima e outro por baixo. Fizeram-se as escolhas e a mim tocou-me o último em cima, mas com visibilidade para a seteira do abrigo o que era óptimo pois que assim até poderia reagir, deitado.

Ali mesmo ao lado, em baixo, ficava a vala que nos levava de gatas, ao local donde dispararíamos o morteirómetro se atacados, o que aconteceu logo nesse fim de tarde. Não havendo necessidade de fazer a cama que lençóis "cá tem" entretivémo-nos a tentar tapá-la com a lingerie possível a servir de mosquiteiro, que também "cá tem".

Depois, hora para o remanso, que aproveitei para procurar o bar. Bem no meio do aquartelamento, lá estava o malandro e também debaixo do chão e que surpresa foi verificar que nada faltava do que eu utilizava por questões medicinais.
Ele havia wisky's... tintos e brancos... cervejas... Gin... e coca-cola que na Metrópole estava proibida, e até frigorífico a petróleo, vejam bem !!!

Acalmei a sede, afinfei duas sandes de pão com pão e levei dez sagres de seis decilitros para os meus. Enquanto bebíamos cá fora chegaram as boas-vindas inimigas e lá se foi o jantar que por acaso nem havia sido confeccionado ou sequer planeado.

(continua)


Filme de autoria do nosso camarada Jorge Félix, ex-Alf Mil Pilav, tendo como tema musical "Nha Bolanha" 
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 24 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11306: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (30): 31.º episódio: Memórias avulsas (12): Acção psico-social

domingo, 24 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11306: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (30): 31.º episódio: Memórias avulsas (12): Acção psico-social

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 18 de Março de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS

12 - PSICO-SOCIAL

Turismo de guerra foi o que fiz por quase todo o Norte da Guiné, particularmente na zona do Oio e pelas matas que rodeavam Morés, que acabei por não visitar, dado que me mandaram regressar à Metrópole. Poderiam ter tido a hombridade de perguntar: "Queres ir ou ficar?"

Demais a mais até porque só ainda ali estava há 20 meses e agora já me tornara um verdadeiro profissional especialista na arte do atacas ou te defendes.

Teria assim oportunidade de visitar tal local, onde constava existirem grandes árvores queimadas por cima, por via dos T6, que de quando em vez largavam por ali, umas bombitas inofensivas e que apenas serviam para acordar quem ali procurava refúgio depois de ter aterrorizado e fugido das nossa tropas, para além de também destruírem as casas dos passarinhos que ali nidificavam.

O motivo por me não quererem mais, julgo dever-se ao facto de pensarem que eu era açoriano.
Dizia-se que onde estes estavam, acabava a guerra, sendo vulgar ouvirem-se os gritos do inimigo:
- Fujam, fujam, não embosquem esses gajos... são dos Açores.

Passeei por Mansabá, Manhau, Bissorã, Pelundo, Jolmete, K3 e QG com visitas de pacificação acidentais, por Teixeira Pinto, Cacheu, Bula, Binar, Mansoa e Quinhamel.

Conheci tanta gente boa, de várias etnias, com quem partilhei, solidariedade, ajuda, estima ao próximo, amor à próxima, respeito e consideração, "coisas" que eu já tivera recebido e que por isso mesmo sabia agora praticar.

Equipamento básico para um bom desempenho de turismo de guerra

Nascera eu, em 1942, época da II Grande Guerra e jovenzito conheci "a maldita" (vulgo fome), mas cedo nos ensinaram a dar a volta.

Faltando o melhor, sempre haviam umas frutas que comprávamos sem falar com os donos... uma túberas que colhíamos nos pinhais... uns coelhitos bravos que caíam nos "ferros" e que assávamos em brasas de lume... uns peixinhos do rio que tadínhos, invadiam o interior das garrafas a que havíamos cortado o fundo para que entrassem e que depois como não conseguiam sair, devorávamos quais jaquinzinhos fossem... uns ovos que sacávamos dos ninhos... uns pardalitos que levavam com uma pedra arredondada e disparada pelas nossas fisgas... enfim, não faltando o engenho, lá nos íamos amanhando.

Relembro também a Intendência. Era uma loja para onde íamos fazer turnos de duas horas e a partir das sete da tarde até às nove da manhã do dia seguinte, hora a que então começavam a distribuir senhas que davam direito aos pobres poderem adquirir, ou um quilo de arroz... d'açucar... farinha... pão.
Mas do que eu mais gostava, (a partir de 1946 e seguintes) era de quando a minha avó, me mandava comprar cinco tostões de capilé, para adoçar um "café" que ela fazia com boletas (da azinheira) e grão rebuscado.
Tudo torrado, esmagado e fervido, constituía o meu pequeno almoço, antes da escola.

E gostava de ir, porque para lá levava um púcaro de esmalte até à taberna do senhor Firme e com ele deveria regressar com, pretensamente o equivalente aos 50 centavos antes referidos, lá dentro, só que como eu ia sorvendo umas pinguitas, chegado que era, só lá restavam três tostões.

No fundo, sempre eram cem os metros entre a tasca e a nossa moradia de soalho de terra (o que nos obrigava a limpar os pés quando entrávamos na rua). Ali vivíamos sete pessoas em vinte metros quadrados e quartos separados com mantas. A luz era a do candeeiro a petróleo ou das velas. O telhado deixava passar a chuva para alguidares de barro.

Alonguei-me, dispersei-me?

Quis apenas que compreendessem que ser solidário implica algumas vezes, que nos debrucemos pelo que passámos e pelo que nos fizeram, o que não quer dizer, que tais dificuldades sejam condição para praticar o bem, mas como se costuma dizer "quem sabe da poda é o podador".

Recebi mais do que dei, senão reparem, neste tão comovente convite:
- "Nôsso Furié" deixa que si for minino seja Veríssimo?

Vinha tal pedido, da esposa grávida, dum dos meus camaradas, soldado futa-fula.
Pensei recusar... vi que triste seria para aquela moçoila e acedi vaidoso e foi assim que lá ficou em Farim um... minino de apelido, Veríssimo.

(continua)
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 17 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11269: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (29): 30.º episódio: Memórias avulsas (11): O porquê do abandono do K3

domingo, 17 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11269: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (29): 30.º episódio: Memórias avulsas (11): O porquê do abandono do K3

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 12 de Março de 2013, enviou-nos esta história de arrepiar, infelizmente não singular, para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS

11 - DEIXEM QUE RECORDE MÁGOAS E EXPLIQUE O PORQUÊ DE ABANDONAR O K3

Foi-me dada a ordem para ir emboscar num local onde só deveria ser preparada tal operação, com um efectivo mínimo humano, equivalente ao d'uma Companhia (O Sr Cmdt Batalhão o dissera) e não apenas com nove homens tantos quantos constituíamos a Secção de Morteiros.

A comunicação foi-me imposta directamente pelo, DESDE HÁ DUAS HORAS, Cmdt Companhia, cargo que ocupou dado o desaparecimento físico do Senhor Capitão, vitimado que fora por traiçoeira mina comandada.

Revoltei-me inicialmente, dados os riscos e o possível desastre, mas acatei e cumpri, como não podia deixar de ser, não sem que antes recordasse a determinação superior de que "nos carreiros não menos de 150 homens a emboscar".

A progressão enviesada através da mata fez-se após preparada com redobrados cuidados. Chegados ao local, dispus as tropas em presença, ao longo de mais ou menos 50 metros e ladeando o objectivo, que ficava perpendicular à estrada que fazia a ligação do e para o K3.

Talvez uma hora depois, o "vigia" mais afastado, veio rastejando até mim e segreda-me:
- É pá, vem ali uns "zaravultos" e não são tão poucos como isso.

Desloquei-me lá e apesar da copiosa chuva, do nevoeiro e da mata cerrada, confirmei que na verdade, havia movimentações ali a 100 metros e que apesar da forma cuidadosa na deslocação, iriam cair na boca do lobo.

Alterei de imediato o dispositivo antes montado, de forma a constituir nova zona de morte para quem lá vinha (o inimigo decerto, ou muito provavelmente).

Pelas experiências antes vividas, foi minha convicção que após aí entrados, não mais de lá sairiam para contar como fora.

Passados foram minutos terríveis, os dedos já tremiam nos gatilhos, e se não liquidámos o 2º Pelotão da nossa CCAÇ 1422, foi porque ouvi do lado de lá:
- Oh Veríssimo... NÃO DISPARES... SOU EU O MACEDO.

Acontecera que, no aquartelamento e após acalorada discussão (ao que soube mais tarde), aquele Senhor Alferes Miliciano também sabedor da ordem dos 150, tomara a iniciativa de ir colaborar e ajudar no nosso regresso, não sem que antes tivesse a autorização do mandante, arrancada a ferros, dizem.

(Este acontecimento doía-me cá dentro há 47 anos mas penso que desta vez lá se vai tal "fantasma")

Crente não fui ou sou, mas naquele dia e àquela hora, Deus passou por ali, materializado naquela voz:
"OH VERÍSSIMO NÃO DISPARES"

Barro > Uma emboscada montada pela CCAÇ 3
Foto: © A. Marques Lopes. Todos os direitos reservados.

Contei metade? Está contado.

Ponderadamente pensei depois, qual a atitude a tomar e decidi ser preferível e aproveitando a oportunidade dum pedido de voluntários para a constituição duma 3ª CCOM/QG, oferecer-me para tal, em vez de continuar ali onde agora teria de, para além de combater o IN, também combater ordens como a daquele terrível dia 12 de Junho de 1966.

Só que não me foi fácil desistir daqueles camaradas e amigos... da minha 1422 que ajudara a preparar desde o RI 15... que comandei no desfile antes do embarque no Niassa e que fazia parte agora da minha família.

(continua)
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 10 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11229: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (28): 29.º episódio: Memórias avulsas (10): Ninguém me ama

domingo, 10 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11229: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (28): 29.º episódio: Memórias avulsas (10): Ninguém me ama

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 4 de Março de 2013, enviou-nos mais esta história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA (28)

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS 

10 - NINGUÉM ME AMA

Na anterior missiva, falei da visita que fiz à Sé de Bissau, mas olvidou-se-me acrescentar, que nessa altura (Julho de 1966), falei com quem manda lá no sítio, combatente d'outras causas mas que injustiçado tem também sido, tal como nós os que combatemos com G3.

Conversámos sobre o 21 de Fevereiro de 2013; do Blog Luís Graça & Camaradas da Guiné onde eu iria ser e com muita honra, o grã-tabanqueiro 581 e dialogámos ainda sobre o facto de me irem votar ao ostracismo, nem me dando os parabéns pelo 71º aniversário e pior ainda... o não me ofertarem e publicitarem o costumado quadro de aniversariante.

Tal, originaria que mais 580 camaradas me presenteassem com os seus votos.

Compreendendo a minha profunda mágoa, respondeu-me lá do alto do seu púlpito:
1 - Fá-los chorar cantando-lhes com a tua tonitruante voz, o "Adeus Guiné" ;
2 - E só lhes perdoarás, quando te enviarem meia dúzia de seis garrafas do tinto "Barca Velha 2004".

- Ó MEU, não não e não disse-lhe eu... trata-se de GENTE muito atarefada, são apenas dois Administradores e simultâneamente Editores com muita categoria... que tanto farão (estávamos em 1966) para a memória colectiva futura.

Parece-me um castigo demasiado duro, por isso te peço que lhes perdoes 50% e a que eu acrescento os outros 50. E mais lhe disse:
-Eles passarão, decerto, também por aqui um dia mais tarde, pois que embora muito novos ainda, terão essa sorte malvada e por isso cá estou a desbravar e a pacificar os terrenos que pisarão a fim de que tenham uma melhor estadia.

Quando tal acontecer podes ser tu a admoestá-los? Intransigentemente não aceitou a minha proposta e ordenou-me que só relapsasse o acontecido, contra a entrega duma dúzia de Dão Meia-Encosta 2010 (substituíndo a meia dúzia antes imposta), e com o que tive de concordar dada a suavidade da pena.

Mais me disse:
- E mesmo fora de tempo que publiquem a moldura, que mais bonita ficará com uma embelezante tua foto.

Disse... está dito.

O postalinho que não foi publicado (CV)


O CÉU - 2ª parte Bissau pois então.

Apesar da minha nova tarefa, um descanso quanto a guerras, a coisa não era fácil, tanto que perdi o sono d'algumas noites.

Iniciava o dia papando meio quilo de rim cortado ós códradinhos e frito em manteiga com alho, regando continuadamente com os 6 dcl da Cuca. A molhança era ensopada em pão e absorvida qual açorda fosse. Passava pelo "escritório", actualizava o expediente e lá ia para os contactos mais urgentes. Eles eram com o cangalheiro civil, com o Hospital, com o Senhor Capelão Militar, com o cemitério onde havia conseguido que um grupo de pedreiros e pintores militares, o alindassem com muros de 30cm à volta das sepulturas, dispusessem relva por cima e que na limpeza se esmerassem.

Ritual se tornou a minha visita diária à capela mortuária, visita que a mim próprio impusera, para acompanhar camaradas que partiram ao serviço da Pátria ingrata. Fi-lo sempre até à entrega da urnas de chumbo nos navios. Sofri que nem um perdido com algumas das notícias vindas da Metrópole (raros casos) dando conta que ninguém se interessava (ou recusava até) receber o corpo e este haveria de ser sepultado ali mesmo.

Na época todos seriam trasladados sem quaisquer despesas para as famílias enlutadas.

Para aguentar e chegada a hora do almoço, tomava uns alcoóis duplos em vez dos adormecedores Vallium's.

Passadas foram, tardes e noites, salvo quando em emergências, compilando, organizando, pressionando para que tudo corresse rápido e com o respeito devido àqueles HERÓIS.
Respeito merecido que alguns tiveram enquanto vivos e outros nem tanto. Respeito e consideração que também nós que regressámos pelos nossos próprios pés deveríamos merecer, mas o que não aconteceu ainda e até hoje, pelos poderes instituídos, que são bem minorcas como sabemos.

O que lá vai, lá vai, mas nada de bom, desejo a tais políticos.
Por isso o ódio se foi em mim instalando, aumentando e anseio para que a terra lhes não seja leve.

Revolto-me todo cá por dentro e exteriorizo-o mais, quando ao ler loas aos mandantes inimigos, afinal os principais, senão únicos, culpados da guerra para onde nos mandaram e que nos foi imposta.

(continua)
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2. Comentário de CV:

Cabe aqui e agora um breve comentário à "indirecta" do nosso camarada Veríssimo Ferreira quanto ao deixarmos passar em branco o dia do seu aniversário.

1.º - Não me lembro de ter lido em lado nenhum deste Blogue que o camarada Veríssimo tivesse nascido a 21 de Fevereiro de um qualquer ano da graça da primeira metade do século XX. Se foi escrito e não reparei, as minhas desculpas pelo lapso.

2.º - Se o camarada Veríssimo estava crente que nos iríamos basear na data escrita no seu facebook, pois não voltamos a cair noutra. Este "esforçado" editor, (ir)responsável, entre outras tarefas, pelos aniversários, uma vez publicou, baseado nos dados do facebook, os parabéns de um camarada que afinal não fazia anos naquele dia, que tinha escrito aquela data como podia ter escrito 30 de Fevereiro de mil novecentos e troca o passo. E o editor ficou com cara de cu.

3.º - Mais se informa que, para memória futura, já consta da vastíssima base de dados deste Blogue a data de 21 de Fevereiro como dia de aniversário do nosso ilustre tertuliano Veríssimo Ferreira.

O "esforçado" editor
Carlos Vinhal
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 3 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11188: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (27): 28.º episódio: Memórias avulsas (9): Do inferno para o céu

domingo, 3 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11188: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (27): 28.º episódio: Memórias avulsas (9): Do inferno para o céu

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 24 de Fevereiro de 2013, enviou-nos mais esta história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA (27)

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS

(9) DO INFERNO PARA O CÉU

Confesso que me tem sido útil estar aqui a VIVER Guiné e por isso se foram alguns dos fantasmas que me incomodavam desde 1967. E tenho-o feito a brincar... a brincar com os momentos vividos, particularmente no que se refere aos doze meses no mato em Mansabá, Bissorã, Manhau, Pelundo, Jolmete e K3. Já os últimos oito meses da comissão foram passados em Bissau.

Tiro... e queda... e nem ainda hoje acredito... mas na verdade tive de abandonar a minha CCAÇ 1422.

Inicialmente, por motivos odiosos e alheios à minha vontade, "voluntariei-me" para fazer parte da 3ª Companhia de Comandos do Quartel General, só que essa integração após a aprovação dos exames a que me sujeitaram, não foi possível dada a chegada duma verdadeira, treinada e formada na Metrópole.

Enquanto aguardava o regresso ao ponto de partida, colocaram-me, para ajudar administrativamente, na Secção de Funerais e Registo de Sepulturas/1ª Repartição/QG e que acabei por vir a chefiar.
São-me disponibilizadas, residência militar junto à messe em Santa Luzia e também uma viatura descaracterizada, um mini moke.

Sem obrigações nem horários, competia-me unicamente, estar sempre disponível para enfrentar os funestos acontecimentos, inerentes à função que agora exercia. Ao saber destes, tinham de ser imediatamente tomadas as providências para que tais cruéis notícias fossem transmitidas para Lisboa, a fim de que, do HORROR, fosse dado primeiro, conhecimento aos familiares.
Impunha-se-me, que nalguns casos, fizesse o reconhecimento presencial, na morgue do Hospital Militar, se antes as Companhias onde o desenlace se dera, mo não comunicassem. Vinham a seguir, as cerimónias religiosas e toda a elaboração da documentação para a célere trasladação.

Como vêem, saíra do Inferno e estava agora no purgatório nada fácil e com tantos sentimentos contraditórios, a quererem destruir-me.

O CÉU Bissau pois. A cidade tinha de tudo... fui sócio da UDIB; ia ao cinema... ao aeroporto... ao cais ver quem chega, nem sonhando a que martírio..., contrastando com a alegria dos que partiam... nos : Uige... Niassa... Manuel Alfredo... Rita Maria... Ana Mafalda.

A minha presença era requerida no futebol... nos locais com boa comida... na piscina de Nhacra... nos camarões em Quinhamel... e tudo no maior sossego que por ali não se vislumbrava ainda a guerra ...nem haviam bolanhas para atravessar... nem percutores do morteiro para substituir ou sequer G3 para olear.

A relação com os cidadãos, de amizade mais tarde, era excelente e facilmente nos acolhiam nos seus seios. Existiam grandes armazéns que tudo vendiam desde agulhas a automóveis e nos mercados nada faltava.

As noites eram famosas e já apareciam simulacros de boites. Em momentos vagos, visitei a Sé... o Liceu... o palácio do Governador (Arnaldo Schutlz então)... o Pilão... a fábrica da gasosas... o café Portugal... o Pintosinho... a Ultramarina... a casa Gouveia... O BNU... a rádio... as tascas que serviam ostras ao natural... as...........enfim!!!

Sozinho rezei, sem o saber fazer, na capela do cemitério e aí então, esgotei as lágrimas enquanto "falava" com os amigos que já não me podiam responder.

(Continua)

Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério Municipal > Talhão Militar Central > Abril de 2006 > Monumento que celebra os soldados portugueses, mortos nas diversas campanhas de pacificação da Guiné, desde a Campa do Geba (1890) à Campanha do Cuor (1907/08), passando pelas Campamhas do Oio e Bissorã (1913), onde se destacou o Capitão Diabo, Teixeira Pinto. 
Neste cemitério (que tem três talhões, reservados aos combatentes portugueses mortos em campanha), repousam os restos mortais do Sold António da Purificação Marques, morto no início do ano de 1966, em combate, em Darsalame, no Cantanhez. Campa nº 33. 
Foto: © Hugo Costa (2006). Direitos reservados.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 24 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11146: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (26): 27.º episódio: Memórias avulsas (8): Alto e pára a guerra

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11146: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (26): 27.º episódio: Memórias avulsas (8): Alto e pára a guerra

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 5 de Fevereiro de 2013, enviou-nos mais esta história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA (26)

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (8)

ALTO E PÁRA A GUERRA

A partir de 17/5/1966, primeira data trágica para a CCAÇ 1422, ficou esta como que hibernada durante um mês. As ordens vindas do Comando do Batalhão sediado em Bula e não do nosso 1858, que andava lá por baixo em Catió, foram bem claras: nada de saídas para o mato; dediquem-se a terminar a construção do aquartelamento (havia sido iniciada pela CCAÇ 1421); patrulhamentos só de protecção às colunas de abastecimentos - mas não passem para lá dos carreiros - local a 3 Km na "estrada" para Mansabá e onde o horror se havia dado.

Não queria dizer contudo, que não fossem destacadas uma ou duas Secções para acompanhar grupos que nos viessem ajudar a pacificar os campos circundantes, que foi o que se deu, como descrito na anterior crónica "Inventámos o Santo António".

O acontecimento que narramos abaixo, passou-se precisamente no regresso desse passeio pedreste. Já com a bolanha cheia pela maré e em local desabrigado, e como tal propício a vários perigos dada a exposição, atravessou-se à minha frente, um não menos perigoso individuo do sexo masculino (como mais tarde confirmámos), grande... escamoso e a quem chamavam "o crocodilo".

Ele ia... e roçava-se pelo meu belo camuflado à prova d'água; ele vinha... de boca aberta e reincidia no roçar-se; e repetiu... repetiu... repetiu, até que me enervei e pedi à rapaziada amigalhaça para que me segurassem os canhões, e fui-me à fera, desarmado e tudo e nem faca de mato usei, creiam.

Só lhes disse, ao voluntariar-me, heroicamente, confesso:
-Este gajo tenciona morder-me, coisa de que não gosto, e assim sendo a primeira dentadinha serei eu a dar.

Qual intrépido acagaçado, apanhei o anfíbio pela lombada e rodopiámos nas sujas e lamacentas águas... ora eu por baixo, ora ele por cima (sic), mas que venci a besta reptiliana... lá isso... venci e os aplausos foram a demonstração para quem tivera as coragem e valentia, para enfrentar tão temível e bera sáurio, quiçá com risco da minha própria vida... disse.

O bicharoco era enorme, prái uns 60 centímetros e ainda mamava.
Considerado foi, prisioneiro de guerra e para além dum burro, era o meu segundo troféu.

Aberta uma piscina ao lado da minha suite, ali o prantei e todos o mimámos, dando-lhe também do leite condensado que fazia parte das refeições matinais, usando um biberão com tetina apensa no bocal da garrafa, evidentemente. Viveu apaparicado até ao fim da época das chuvas, desaparecendo depois vitimado sabe-se lá do porquê e foi com tristeza que o esventrei, salguei e sequei ao sol e hoje ainda me acompanha transformado que está em cinto.

Com poucos afazeres a não ser os triviais e dentro daquela languidez com que agora vivíamos, entretivémo-nos também a prestar atenção à vida selvagem dali.
Tanto assim que acolhemos umas cabras, conhecidas por "isso do mato" e que seriam resultantes do cruzamento de gazelas, com bodes compíscuos.

Tal miscibilidade deu origem a uns belos assados em forno de lenha, ou em brasas de lume, não sem que antes marinassem 12 horas e fossem esfregadas com manga de piri-piri e chaibéu.

Com as fressuras, criámos um prato típico conhecido lá na zona, por "chanfana à Saliquinhedim". E para que aos outros "comíveis" nada parecesse mal, também lhes permitíamos que convivessem com as nossas frigideiras e vai daí, tadinhos dos pombos verdes... das cinzentas rolas... dos coelhitos, quando se atreviam a passar pelo ponto de mira de qualquer vulgar G3.

Ficaria mal não falar dos macacões , qu'os havia de várias cores e tamanhos. Os mais pequeninos viviam agarrados às mães o que significava serem presa fácil para os predadores humanos que nelas atiravam para os surripiar. Depois era só domesticá-los o que acontecia se levassem porrada.
Vi e nem acreditava, mas na verdade o estilo era mesmo esse do "quanto mais me bates mais gosto de ti".

Dos "crocodis" esqueci-me de mencionar que os seus bifes são um petisco de se lhe tirar o chapéu, Provei em Bissorã e comi dezenas deles em Farim, onde os caçavam diariamente, mesmo ali às bordas do rio, mais propriamente para lhes aproveitarem as peles que alguns de nós, e ao regressar, trazíamos para ofertar às queridas. Por mim falo, que trouxe uma com 5 metros que me custou mil e quinhentos pesos, ou seja o equivalente a trinta garrafas de "Cavalo Branco" ou a quinze serviços de café casquinha d'ovo.

(continua)

OBS: - A foto retirada da internete para ilustrar a estória do nosso camarada Veríssimo Ferreira, não deslustra de modo nenhum a prova da sua coragem e valentia aqui relatada.
O editor
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 3 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11047: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (25): 26.º episódio: Memórias avulsas (7): 13 de Junho de 1966, inventámos o Santo António