Mostrar mensagens com a etiqueta Luís Faria. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Luís Faria. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23158: Humor de caserna (46): Histórias pícaras: O Gasparinho - Parte III (António J. Pereira da Costa / Luís Faria / José Afonso / José Borrego): (vi) Picagem automática: as rajadas de G3 em vez da pica; (vii) Mensagem-relâmpago: Quem viu passar as minhas chapas de zinco, levadas pelo tornado? (viii) Informo Vexa que Sexa passou na mecha


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Aspecto do edifício do Comando após o tornado de 25 de Abri... de 1971. A maior parte dos militares portugueses não estava famializarizado com as bruscas tempestades tropicais, os tornados, nem muito menos preparado para suportar o calor e a humidade do território... Até à natureza estava contra eles...

Foto (e legenda): Fernando Barata (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuamos  a recompilar histórias do (ou atribuídas ao) cap art José Joaquim Vilares Gaspar, o primeiro de três comandantes que teve a CART 3330 (Nhamate e Bula, 1970/72), entretanto promovido a major: ainda  no CTIG, seria 2.º cmdt do BA 7 e  faria uma breve passagem pelo COP 6, em Mansabá, antes de ser evacuado para a Metrópole, alegadamente por problemas psiquiátricos. (Vd. aqui os comentários ao Poste P23156, dos nossos camaradas António J. Pereira da Costa,  Carlos Vinhal e Francisco Baptista,) (*)

No CTIG ficou conhecido pelo "nick name" Gasparinho, sendo um oficial querido entre a sua tropa e até entre aqueles que o conheceram. Apesar de (ou talvez por) as suas "excentricidades". Faleceu por volta de 1977.

O António J. Pereira da Costa comentou (*):

(...) Fui amigo do major Gaspar. Procurarei fazer umas rectificações. Creio que foi em princípios de 1972, que o major Gaspar tomou o comando do COP 6, onde se demorou pouco tempo (talvez um mês). Efectivamente, numa ida a Bissau, ele e outro camarada, terão andado aos tiros à Bandeira, à passagem por Nhacra (?) , após o que foi evacuado para a Metrópole, com problemas psiquiátricos.

Do que sei dele vi que era um frequentador de bares. Porém tinha atenuantes pois andava naquela vida desde a passagem pelo Estado da Índia Portuguesa. Casou lá, com uma senhora indiana (inglesa) de quem se terá divorciado, em poucos anos.

Não esteve prisioneiro, mas a vida correu-lhe mal, por lá. Na Guiné, andaria, pois "destroçado e enojado" e eu acrescento cansado e saturado, sendo um homem inteligente e frontal, a vida que levava era-lhe penosa. Em Bissau na companhia do tal camarada que veio com ele de Mansabá, fez alguns distúrbios.

Conheci-o na EPA (Escola Prática de Artilharia), num curso que frequentámos com diversos camaradas e vi que estava claramente perturbado. As histórias que dele se contam têm (muitas) um fundo de verdade.(...) 

Eis mais um depoimento sobre ele, e mais uma história,  desta feita pelo nosso saudoso Luís Faria  (1948-2013), ex-fur mil inf MA,  CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) (Vd. poste P4657, de 8/7/2009).


Histórias pícaras > Gasparinho
 
(vi) Picagem automática: as rajadas de G3 em vez da pica

(...) Um dia, creio que pelo final da manhã, fomos surpreendidos por disparos de G3 vindos da direcção da estrada de Bissorã e cada vez mais próximos. Ficados à defesa, depara-se-nos uma nuvem de pó cada vez mais próxima, até que avistámos duas viaturas que a antecediam: da primeira, com a pica G3 na mão, apeia-se o Cap Gaspar (Gasparinho) que era por demais falado pelas estórias que dele se contavam e contam (já referenciadas neste Blogue) e que, veio de Nhamate ao nosso burgo, se bem recordo, em missão de cortesia apresentar os cumprimentos de boas-vindas ao Cap Mil Mamede e dar uma de conversa com o pessoal e uns copos à mistura bem bebidos!!

Apesar do pouco tempo em presença, recordo-o como um homem educado e alegre, simpático e bonacheirão, terra-a-terra sem papas na língua e valente, que me pareceu gozar com a guerra e com o sistema, em especial com a hierarquia dominante, (seria curioso ver a resposta que daria ao nosso AB, o Almeida Bruno!!) o quem julgo, contribuía em parte para a estima que a sua rapaziada lhe tinha e demonstrava. 

Podiam dizer que ele funcionava assim por estar bem encostado!? Que fosse? Não me pareceu nada dar-se ares de importante e muito menos egocêntrico, como outros!

Acabada a visita, lá se montaram ele e a sua rapaziada nas viaturas, qual vedeta cinéfila aos olhos do pessoal sorridente que presenciava a sua partida, na esperança de um regresso para breve, mas que não mais aconteceu. Foram na verdade umas horas diferentes e marcantes, pela positiva.

Pena não ter havido muitos como o Gasparinho, que com todos os seus defeitos e virtudes era ao que parece, um raio de sol para a sua Rapaziada e por aquelas terras de sofrimento. Que esteja em Paz! (...)

Luís Faria
 
O José Afonso, ex-fur mil at cav, CCAV 3420 (Bula, 1971/73), a companhia do Salgueiro Maia, já aqui outra variante desta  história: vd. (iii) Reconhecimento pelo fogo, na picada de Nhamate-Binar (**).

A história seguinte também foi aqui contada pelo José Afonso:


(vii) Mensagem-relâmpago: quem viu passar as minhas chapas de zinco, levadas pelo tornado ?


(...) Em Nhamate (, sede da CART 3330, 1970/72), como em toda a Guiné de vez enquanto aconteciam pequenos tornados, anunciando que pouco tempo depois iria chover torrencialmente. 

Uma das vezes voaram as chapas que cobriam algumas casernas do destacamento de Nhamate. 

Então o Capitão Gasparinho envia uma mensagem a todas as Unidades, com grau de urgência relâmpago, nos seguintes termos:
- Solicito e informem se viram passar as minhas chapas de zinco!

(O grau de urgência relâmpago obrigava a cessarem todas as comunicações rádio, pois era normalmente utilizado para pedir evacuações aéreas, quando havia vidas em perigo,) (...)

Há uma outra variante desta história, aqui conta pelo José Francisco Robalo Borrego (Poste P4628 de 2/7/2009);

(...) A certa altura o pessoal do BEng 447 foi colocar chapas de zinco nos telhados das casernas (barracões?) da companhia. 

Passados uns dias um tornado muito forte arrancou as ditas chapas e nunca mais ninguém as viu. O inevitável capitão Gaspar perguntou ao BEng por mensagem mais ou menos nestes termos: "Solicito informe se chapas colocadas nesta em tal data… regressaram à sua Unidade de origem" (...) 

José Borrego

A história seguinte também já foi contada pelo José Afonso:


(viii) Informo Vexa  que Sexa passou na mecha!

(...) Durante o período do Natal, o General Spínola visitava todas ou quase todas as tropas aquarteladas na Guiné, mesmo aquelas estacionadas em sítios mais perigosos. Deslocava-se quase sempre de Heli e um Heli-Canhão de apoio. Nestas deslocações toda a zona onde ele circulava e os sectores envolventes tinham instruções para toda a rede de rádios estar em escuta permanente. 

Como estava prevista a ida a Bula, o Comandante do Batalhão de Bula ordenou que a Companhia do Capitão Gaspar informasse a sede do Batalhão logo que os hélis sobrevoassem Nhamate e se deslocassem para Bula.

Considerando a importância da missão, o Capitão Gaspar achou conveniente ir pessoalmente para o rádio e, assim, logo que ouviu barulho dos hélis a aproximarem-se chamou o comando do Batalhão de Bula ao rádio e informou:
- Informo Vexa (vossa excelência) que Sexa (sua excelência) passou na mecha !!! Terminado.

No dia seguinte todas as unidades do Teatro de Operações da Guiné receberam a seguinte mensagem:
- A partir desta data é expressamente proibido o uso de abreviaturas SEXA e VEXA. (...)



[ Seleção / Revisão / Fixação de textos e títulos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: LG ]
___________


(**) Vd. poste 9 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23154: Humor de caserna (44): Histórias pícaras: O Gasparinho - Parte I (António J. Pereira da Costa / José Afonso): (i) Siga a marinha; (ii) E viva a Pátria! Viva o nosso General!... Puuum"!; (iii) Reconhecimento pelo fogo, na picada de Nhamate-Binar; (iv) Não há rádios AVP1? Então mandem-me... o Teixeira Pinto!

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20668: Em bom português nos entendemos (25): Bicha de pirilau... Expressão da gíria militar do nosso tempo, ainda não grafada nos dicionários... Será que continua a incomodar o senhor general?



Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > S/l > s/d > Progressão em coluna apeada, ou em fila indiana  (no mato, no CTIG, dizia-se: "bicha de pirilau")

Foto (e legenda): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. No Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, que é o que está mais à mão, não consta a expressão, "bicha de pirilau"... Só vêm os vocábulos "bicha" e "pirilau".  No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, onde há tudo como na farmácia, desta vez não encontrei o que pretendia...

No Dicionário aberto de calão e expressões idiomáticas, de  José João Almeida (Projeto Natura, Universidade do Minho),  idem, aspas... Também no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa ninguém teve, até agora, a  curiosidade em saber o seu significado e a sua origem... Há, no entanto, uma entrada sobre "bicha" e "fila"...

Resta o nosso blogue... A locução ou expressão "bicha de pirilau" aparece amiudadas vezes nos nossos postes... Cite-se, por  exemplo, o nosso saudoso Luís Faria (1948-2103), ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791 (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72):

(...) "O amanhecer não tardaria muito quando deixámos a estrada e entrámos no desmatado, avançando em longa bicha de prilau para a mata e continuando numa progressão atenta, ziguezagueante e tanto quanto possível silenciosa, atendendo ao número de elementos, com o objectivo de detectar e interceptar um grupo IN presumivelmente numeroso, que por lá se movimentaria". (...) (*)

O vocábulo feminino "bicha de pirilau" já fazia parte do léxico militar, em 1964, aquando da Op Tridente, a avaliar pela descrição das peripécias na ilha do Como, aqui feita pelo nosso querido camarada  Mário Dias, 2º sargento comando (Brá, 1963/66):

(...) "Atravessado sem percalços este obstáculo natural, eis – nos na extensa bolanha que se estende até Cauane e à mata de Cachil mais a Norte. Aí, só era possível andar sobre os estreitos ouriques pelo que lá vamos nós em coluna por um (a célebre "bicha de pirilau", na gíria militar)" nada aconselhável em terrenos descobertos. (...) (**)

No Pequeno Dicionário da Tabanca Grande (***), há esta entrada:

"Bicha de pirilau - Progressão, em fila, no mato, mantendo cada homem uma distância regulamentar de segurança (gíria); o mesmo que fila indiana." 


Carlos Silvério, grã-tabanqueiro nº 783
2. Tudo isto vem a (des)propósito de um comentado inserido no poste P20655 (****), em o nosso cap inf ref José Belo anuncia, à Tabanca Grande, a reabertura da sua Tabanca da Lapónia:

Comentário de Luís Graça, com data de 16 do corrente:

Meu caro José:

Ando há tempos com um pedido do meu/nosso camarada Carlos Silvério, de Ribamar da Lourinhã, terra de lobos do mar... Para mais é meu primo, porque casou com a Zita, que pertence ao clã Maçarico, tal como eu... Além disso, o Carlos é também primo do tenente general Luís Silvério, filho ilustre da terra... Enfim, somos um país em que somos todos (ou quase todos) primos uns dos outros...

Mas adiante... O Carlos Silvério, nosso grã-tabanqueiro nº 783, ex-fur mil at cav, CCAV 3378 (Olossato e Brá, 1971/73) (...) tem uma pequena questão a pôr-te:

Quando ele passou pelo RI 5, Caldas da Rainha, como monitor de recruta do CSM (Curso de Sargentos Milicianos), entre setembro e dezembro 1970, ele ficou com a ideia de que tu estavas lá, como instrutor, eras alferes miliciano, acabado de regressar da Guiné...

Bate certo ? Um belo dia apareceu lá um senhor general que quis certificar-se da excelência da formação dada aos futuros sargentos milicianos... E terá supervisionado uma das tuas aulas práticas... Às tantas, falavas tu da tua experiência operacional no TO da Guiné, em 1968/70, quando usaste a expressão "bicha de pirilau"...

Parece que o general ficou "piurso", saltou-lhe a mola e deu-te uma valente reprimenda ("piçada"):

- Senhor alferes, no exército português não há bichas de pirilau!... Os nossos militares, no mato, na Guiné, em Angola, em Moçambique, andam em fila!... Ponha isso no seu léxico!...

O Carlos não sabe porque é que o senhor general afinou com a expressão "bicha de pirilau"... Seria uma reacção... homofóbica"?...

Bem, para o caso não interessa, o Carlos só me pediu para confirmar se o instrutor eras... tu. Se sim, a história é divertida... Se foi com outro instrutor, a história continua a ser divertida na mesma. (...)



José (ou Joseph ou Joe) Belo, um capitão de infantaria
que a Pátria / Mátria / Fátria tramou...
3. Resposta  do José Belo, que também se assina Joseph (na Suécia) e Joe (nos States):

Caro Luís

Näo recordo a história referida. "Correcöes" por parte de Senhores Oficiais Generais... tive a honra de receber algumas durante a minha vida militar, principalmente no período indicado do... pós regresso da Guiné.Daí ser muito possível que fosse eu.

Era um termo muito usado pelos instrutores "Infantes", mesmo na casa mãe em Mafra. O feliz termo "pirilau" não tinha neste contexto quaisquer associações com homossexuais. Creio ser um termo que era vulgarmente usado pelos vindimeiros no Norte, obrigados pelo terreno a caminhar em fila (!) por sinuosos carreiros.

A única correção que poderei fazer é o facto de que na data indicada já näo era Alferes Miliciano.
Parabéns ao camarada Carlos Silvério pela sua memória, muito melhor que a minha,felizmente cada vez mais "gasta" quanto a tudo (o muito!) que foi militar na minha vida. (...)


4. Comentário do nosso editor Luís Graça:

Desculpa, José, ou Joseph, ou Joe, conforme onde tu estejas (, e nunca ninguém sabes onde estás "just in time"...), mas o senhor general tinha razão... No Exército Português não há (ou não havia...) "bichas", mas "filas"... Muito menos "bichas de pirilau"...

Esta última expressão vê-se mesmo que era de gente "apanhada do clima"... "Fila" é que era linguisticamente correto: os mancebos, nuinhos, de pilau murcho ao frio, quando iam às "sortes, esperavam em "fila", não em "bicha", a vez de serem chamados, observados, apalpados, pela junta médica que depois os considerava aptos ou inaptos para a "função", que era... "morrer em fila, organizados"... na frente da batalha!...

Se calhar o senhor general nunca esteve na Guiné e não sabia o que era a "guerra de guerrilha", ou "guerra subversiva". Estudou, pois,  por outros canhenhos... Mas tu estiveste lá, no coração do mato, em Empada, em Bula, em Mampatá,  na região do Forré, sabias do que falavas aos instruendos do CSM, nas Caldas da Rainha...

E portanto eu reconheço-te autoridade para "grafar" a expressão... Só não entendo a reação (, algo destemperada, a crer na versão do Carlos Silvério...) do general que te deu a "piçada"... Mas, enfim, devia ser um daqueles generais da brigada do reumático que nunca foi à guerra e, como tal, era incapaz de imaginar uma fila de trânsito no mato, de gente apeada, 250 homens / 8 grupos de combate, de G3 em punho, a progredir em direção ao Poindom ou à Ponta do Inglês, e ao banho de sangue que os esperava... (Vd. o que eu aqui já escrevi sobre a Op Abencerragem Candente, subsetor do Xime, Setor L1, Bambadinca, 25-26 de novembro de 1970, estavas tu a dar instrução aos instruendos do CSM, nas Caldas da Rainha...).

Era, vista de cima, do PCV, da DO 27, uma "bicha" de todo o tamanho, entre mil a mil e quinhentos metros... partindo-se do princípio que entre cada combatente havia um espaço de 4/5 metros... ou às vezes mais...


5. O mais surpreendente é que os lexicógrafos desconhece-se a expressão "bicha de pirilau" !...E mesmo na Net, e à exceção do nosso blogue, é difícil apanhá-la... Ele há bicha-de-rabear, ele há bicha-de-sete-cabeças... mas "bicha de pirilau",... cá tem.

Em todo o caso, encontrei este "delicioso apontamento" sobre a expressão "bicha de pirilau", num blogue com um título deveras original (e muito "feminista"), de Maria Brojo:   "Sem Pénis Nem Inveja":

Domingo,  5 de novembro de 2006 > Bicha-pirilau

(...) Fomos assaltados. Roubados. Espoliados do significado de termos que eram nossos até o português exportado do Brasil os ter censurado cá, por serem pejorativos lá. Bicha foi um deles. Fila passámos a dizer, não fossem os «bichas» - homossexuais, paneleiros, abafadores da palhinha na gíria portuguesa - ficarem numa espera confundidos.

Bichas eles ou as gentes em carreira esperando a vez? As novelas brasileiras tiveram o (des)mérito de obrigar ao volteio do português escorreito. Banais acrescentos como lingerie, hobby, gays ou stress? Talvez, mas por pertencerem a língua comum falada em continentes diferentes, formiga dos termos a adopção.

Bichas há muitas: gatas e cadelas, fila indiana, ficar como uma bicha (fulo, danado), ver se as bichas pegam (tentar obter o desejado), bicha-pirilau.

Esta é, de longe, a mais impressiva. Usada no mundo militar, é gritada por sargentos aos recrutas temerosos se alinhar é preciso. Um "bicha-pirilau" trovejado,  com voz de comando por arregimentado façanhudo, a uma mulher, daria vontade de rir;  aos mancebos magricelas e fardados soará como clamor dos Infernos.


Mas faz sentido:  homens formando linha direita, pirilaus erectos acompanhando o desenho. Duvido, porém, do estado hirto e firme dos atributos masculinos embrulhados nas fardas e alinhados em parada. Estivessem com bravura todos erguidos em carreira, e constituiriam, sem que prante a menor das dúvidas, espectáculo digno de ser visto. (...)

Fonte: Do blogue Sem pénis nem inveja, editado por Maria Broja > Domingo,  5 de novembro de 2006.


6. E voltando ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, portal que eu muito admiro... Encontrei, em todo o caso, esta deliciosa resposta do João Carreira Bom, cofundador com José Mário Costa, do Ciberdúvidas, e infelizmente já falecido... A resposta é a uma questão sobre a diferença entre "bicha" e fila"... Aqui vai, para o nosso comum enriquecimento linguístico (*****). Porque a falar é que a gente se entende, e de preferência em bom português. Vou pôr esta questão, algo melindrosa para os nossos generais,  ao meu amigo José Mário Costa, o Senhor Ciberdúvidas, coordenador editorial do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa:

(...) No «Novo Dicionário da Língua Portuguesa», de Cândido de Figueiredo, editado em 1939 (Bertrand), bicha é associada a «qualquer objecto que, pelo seu feitio ou movimento sinuoso, dá ideia de um réptil». Entre outros sentidos, Cândido de Figueiredo atribui-lhe o de «fileira de pessoas, umas atrás das outras». Fila, na mesma obra e no significado que aqui nos interessa, é uma «série de coisas (animais ou pessoas) dispostas em linha recta. Enfiada; fileira: uma fila de cadeiras.» Nos dicionários mais recentes que consultei, seguem-se, no essencial, estas indicações.

Não pude confirmar, assim, a especialização de sentido que, quanto ao movimento, o prezado consulente fez o favor de nos referir. Mas concordo consigo no aspecto mais importante: querem matar uma palavra necessária. Bicha está a ser comida à má fila nas cabecinhas, tão piedosas quão perversas, de alguma classe média.

Contrariando opiniões que recolhi e atribuem o fenómeno às telenovelas brasileiras, não cometerei grande erro se disser que já existia em certas camadas da sociedade portuguesa um preconceito sexista em relação a esta palavra. Um preconceito muito mais ténue do que no Brasil, mas lembro-me de uma «tia» me corrigir, na minha adolescência, por haver utilizado a sonora expressão «bicha do eléctrico». As telenovelas brasileiras não criaram, pois, o preconceito. Tê-lo-ão difundido um pouco mais.

Até demonstração do contrário, continuarei a dizer «fila de automóveis», «fila de soldados», «fila de cadeiras», «bicha do IRS». E, se calhar, até digo «bicha de carros», «bicha de espera». Na bicha para a compra do passe, nunca ouvi exclamar: «Olha a espertinha, está a passar à frente da fila!» Os elementos mais pretensiosos da classe média, pelo seu número e posição, podem ser muito influentes. Mas não vão para as bichas dos transportes públicos. Afigura-se-me não terem influência directa para provocar a morte de uma palavra inocente que, afinal, os perturba. Eles lá sabem porquê.

João Carreira Bom 1 de janeiro de 1997.

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/bichas-ou-filas/219 [consultado em 18-02-2020]
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de maio de  2009 > Guiné 63/74 - P4361: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (14): Um mês complicado (3): O osso

(**) 15 de dezembro de  2005 > Guiné 63/74 - P353: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16323: Fotos à procura de... uma legenda (74): A faca de mato... afinal, para que é que servia ?


Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > 35ª CCmds e Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73) > Foto nº 56 do álbum de Francisco Gamelas  > Março de 1972 > Estrada Teixeira Pinto. Cacheu >  O alf mil comando Alfredo Campos, da 35ª CCmds, abre, com a sua faca de mato, uma lata de conversa de fruta, num momento de pausa e descontração.

Foto (e legenda): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Fotos à procura de... uma legenda  > faca de mato... afinal, para que é que servia ?

Não tenho a certeza se fazia, obrigatoriamente, do nosso equipamento inidvidual durante a guerra colonial... Eu sei que tinha uma, não sei se me foi distribuída pelo exército ou se a comprei no Casão Militar...

No Manual do Oficial Miliciano (1965), era considerada uma arma importante na contraguerrilha:

(...) As armas mais convenientes para serem usadas na guerra da selva, onde a observação e o campo de tiro são muito limitados, são armas de curto alcance, de fácil remuniciamento e fácil transporte sobre terreno difícil. As armas que reúnem melhores condições são a espingarda, a baioneta, a espingarda-metralhadora, a pistola-metralhadora, a carabina, granadas de mão e de espingarda, a catana e a faca de mato. (...) 

In Manual do Oficial Miliciano: parte geral, 1º volume. Edição do Ministério do Exército, Estado Maior do Exército, Rep Instrução,  1965 (*)

As tropas paraquedistas, julgo, usavam uma, especial, da marca espanhola Aitor...

Afinal, para que servia a faca  de mato ? Levantar minas ? Silenciar sentinelas ? Abrir latas de conservas ?  Servir de talher ? Limpar as unhas ?... Ou era só "ronco" ?

Os nossos camaradas de minas e armadilhas não prescindiam dela, a "amiga" faca de mato, O nosso saudoso Luís Faria (1948-2013) tem uma história, reveladora da relação especial que alguns de nós tinham a sua faca de mato (*)...

E o resto da "tropa-macaca" ? Que histórias tem para contar deste utensílio multiusos que faz parte das nossas memórias ?

Fica aqui um interessante desafio (e passatempo) para o fim de semana (**)... Ponham, por favor, uma legenda, na excelente foto do Francisco Gamelas, acima reproduzida... Mandem fotos, mandem histórias, façam comentários... A Tabanaca Grande agradece... LG

___________

Notas do editor:

/*) Vd. poste de 3 de abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2717: Exército Português: Manual do Oficial Miliciano (1): A Selva, perigos, demónios e manhas (A. Marques Lopes)



Foto do saudoso Luís Faria (1948-2013),
ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, 
Bula e Teixeira Pinto, 1970/72

(...) Tinha-a comprado no Porto. Era equilibrada,  adaptava-se muito bem à minha mão, éramos inseparáveis e até dez passos o lançamento não falhava o alvo. Levantou 1032 minas, mas nunca chegou a ser usada em/contra alguém.

Um dia, numa operação na zona de P. Matar, embrulhei (amos) forte e feio. Durante o regresso dei pela falta dela. Por qualquer motivo, desembainhou-se e lá se foi, no campo de batalha. Fiquei bem aborrecido! Era a minha companheira, tinha-lhe um carinho especial e ela transmitia-me uma sensação de segurança. Não tinha hipótese de voltar atrás para a procurar. Por lá ficou, perdida mas não esquecida.

Talvez numa próxima visita aquela zona tivesse a sorte do reencontro, quem sabe?

Alguns dias passados, estava com dois ou três amigos a beber uns copos na tasca do Silva (creio que era o nome) e às tantas uma bajuda abeirou-se deu-me um um pedaço de papel enrolado, disse: 

- É do Furié… - e rapidamente desapareceu, não dando tempo a qualquer pergunta.

Desenrolei o papel e… era a minha faca de mato! (...)


(**) Último poste da série > 20 de junho de  2016 > Guiné 63/74 - P16220: Fotos à procura de...uma legenda (73): O alferes miliciano piloto aviador Carlos Gonçalves em janeiro de 1972, no bar de oficiais de Teixeira Pinto (Lino Reis, cor piloto aviador ref)

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12167: Blogoterapia (238): Descansa em paz, Luís Faria (1948-2013), meu amigo, meu camarada (António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas, CCAÇ 2790, Bula, 1970/72)

1. Comentário do António Matos (ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72) (*):


À laia de discurso fúnebre e para os amigos e conhecidos comuns, deixo aqui a minha homenagem póstuma ao Luis Faria que a emoção não permitiu verbalizá-la in loco.

"Luís,

A bombástica e surpreendente notícia do teu falecimento tolhe-me o discernimento para articular as palavras que gostava de te dirigir aqui e agora.

Contudo, recordo que bastos foram os bons 
e os menos bons momentos que passaram a constituir o acervo da nossa amizade.

Foram várias as fases das nossas vidas que, ao se cruzarem, alicerçaram essa amizade e a tornaram muito sincera, verdadeira, fraterna e sempre condimentada com o sal das nossas diferenças comportamentais, os feitios e a postura face às agruras e felicidades do momento.

Recordo-te desde os tempos liceais em Guimarães onde, um dia, te "contratei" para fazeres parte dum número musical numa récita de finalistas atendendo à tua mestria no domínio da viola...


Posteriormente, viemos a encontrar-nos aquando dos nossos tempos militares...

Apresentámos-nos ambos nas Caldas da Rainha mas logo nos separámos com o meu ingresso em Mafra...

Com os preparativos da ida para o ultramar, fui para os Açores de onde embarquei.

Um dia, na viagem a bordo do Carvalho Araújo, alto mar, descubro que seguias também nessa odisseia ...




Uma vez na Guiné, fomos para locais diferentes; tu para Teixeira Pinto e eu para Bula mas em 1971/72, voltamos encontrar-nos fazendo parte da equipa de montagem (e posterior desmontagem) daquele imenso campo de minas ao longo de cerca de 10 kms ...

Foram tempos terríveis mas que executámos com a perícia, a garra e a sorte que só a frescura dos nossos 20 anos permitiu ...

Regressados e com arraiais montados na zona de Lisboa, cada um a seu tempo casou, apareceram os filhos, e partilhámos vidas ...

Integrámos os nossos familiares no núcleo duro do nosso habitat ...

Conheci os teus pais, os teus sogros, conheço os teus irmãos, cunhados, sobrinhos ...Apadrinhei o teu filho ...

O tempo passava ...

Mantivemos sempre o contacto quer pessoal quer através das redes sociais quer mesmo através das intervenções que ambos fazíamos no blog da Guiné ...

Hoje, sem aviso prévio, de surpresa, com a saudade a instalar-se em todos nós, foste embora ...

Descansa em paz, Luis Faria !" (**)

___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12157: In Memoriam (162): Faleceu ontem, dia 15, o Luís Sampaio Faria, que foi Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72; tinha 65 anos (1948/2013), era natural de Felgueiras, vivia em Paranhos, Porto. O funeral é 5ª feira, dia 17, pelas 15h00, na igreja de Paranhos (Magalhães Ribeiro)

(**) Último poste da série >  14 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12149: Blogoterapia (236): Sê feliz, Cátia (Paulo Santiago)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12157: In Memoriam (162): Faleceu ontem, dia 15, o Luís Sampaio Faria, que foi Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72; tinha 65 anos (1948/2013), era natural de Felgueiras, vivia em Paranhos, Porto. O funeral é 5ª feira, dia 17, pelas 15h00, na igreja de Paranhos (Magalhães Ribeiro)

1. Camaradas: 

Acabei de ver há pouco, no meu e-mail, uma mensagem proveniente do António Matos [ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72] dizendo simplesmente “Eduardo, publica por favor, urgente, a notícia do o falecimento do Luís Sampaio Faria [, foto à esquerda] . Obrigado.” 


Ainda estava a acabar de “digerir” esta tristíssima e chocante notícia, e procurava algum modo de a confirmar, não porque duvide da palavra do Matos, como é óbvio. mas porque não consegui reagir de imediato ao desgosto, quando pelas 00h50, via facebook, vejo surgior uma mensgaem desta vez do Jorge Fontinha: “Olá, Magalhães Ribeiro. Venho dar-te uma notícia das últimas horas. Morreu o meu grande amigo e camarada da CCAÇ 2791, o Luís Faria. Julgo que não ficaste contente mas agradecido por te informar. Gostaria que, no Blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné, saísse a notícia. Não sei pormenores, liguei à filha Daniela e só me disse que o funeral seria quinta feira, na zona de Paranhos (cidade do Porto). Amanhã saberei mais qualquer coisa.”

INFORMAÇÃO ÚLTIMA HORA (por António Matos): 

1º - o corpo será levado para a Igreja da Paranhos ( Porto ) hoje por volta das 14 horas / 14h30.
2º - o funeral será amanhã, dia 17, às 15 horas no cemitério de Paranhos


2. O nosso camarada Luís Sampaio Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) era um dos mais produtivos contadores da sua história de vida na Guiné. Tem cerca de 80 referências no nosso blogue. O seu último poste foi o P12053, relativo ao 60.º episódio da sua formidável série: VIAGEM À VOLTA DAS MINHAS MEMÓRIAS (60) 1 - Nos “trilhos da guerra”.

Entrou para o nosso blogue em 31/10/2008: vd. poste P3388. As suas primeiras palavras foram as seguintes:

"Luis Graça:  Cumprimentos e parabéns pelo Blogue que de há uns tempos para cá tenho visitado com agrado. Quem me deu a dica foi o Jorge Fontinha, meu grande amigo e camarada de armas na mesma CCAÇ 2791 (FORÇA). Vi também que o Júlio César, meu amigo, também camarada de armas e conterrâneo, faz parte da Tabanca. Óptimo

Sou : Luis Miguel C Sampaio Faria, Furriel Miliciano, CCaç 2791, Mobilizado na Guiné, de Outubro 1970 a Setembro 1972 (embarque a 19 de Setembro no Carvalho Araújo)"(...)


No 1º convívio da CCAÇ 2791, em setembro de 2002, o reencontro dos ex-fur mil Jorge Fontinha (à esquerda) e Luís Faria (à direita) com o ex-soldado Mário Lobo (ao centro). Foto do Jorge Fonbtinha.
Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Setembro de 1970 >  Escala do T/T Carvalho Araújo, a caminho da Guiné No cais, com o Monte Cara ao fundo....
Guiné > Bolama > CCAÇ 2791 (1970/72) > Outubro de 1970 > Luís Faria, à civil, na marginal... Em Bolama ia-se fazer a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional)...
Guiné > Bula > CCAÇ 2791 (1970/72) > O operacional, na Ponta Matar

Fotos: © Luís Faria (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


3. Em nome do Luís Graça, editores, colaboradores e demais camaradas desta Tertúlia, resta-nos por agora enviar à família enlutada as nossas mais sentidas condolências e dizer que, com a súbita falta deste nosso Amigo, sentimos esta nossa família muito mais pobre, bem como o sentirão os Camaradas da sua CCAÇ 2791. Que Deus o guarde no seu infinito e misericordioso reino!


Eduardo Magalhães Ribeiro

PS - Natural de Felgueiras, o Luís Sampaio Faria nasceu em 14 de abril de 1948. Completou  este ano os 65.
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:


terça-feira, 17 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12053: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (60): Nos trilhos da guerra

 


1. Em mensagem do dia 14 de Setembro de 2013, o nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) enviou-nos o 60.º episódio da sua série Viagem à volta das minhas memórias.




VIAGEM À VOLTA DAS MINHAS MEMÓRIAS (60) 

1 - Nos “trilhos da guerra”

Introdução

Vinte e cinco longos meses passados na Guiné, em defesa da Bandeira Portuguesa, tiveram a sua origem em todo um trajecto preparatório que se espraiou por diversas regiões do, à altura, ”Portugal do Minho a Timor”.
No meu caso metropolitanas, essas andanças em aprendizagens diversas, que se estenderam por uns quinze meses, levaram-me por ordem cronológica, a Caldas da Rainha, a Lamego, a Tancos, a Évora e a Oeiras (Espargal) de onde saímos uma madrugada, para embarcar no Carvalho Araújo, que nos levaria num “cruzeiro” em mares por vezes alterosos, excursando por duas ilhas nos Açores e por Cabo Verde até nos largar no destino: Guiné

 “Viagem à volta das minhas memórias” ficará com certeza menos incompleta se nela forem incorporadas lembranças deste período preparatório, também ele longo e recheado de momentos e peripécias que me ficaram retidos em memória, e que por vezes relembro com saudade e prazer.

Com um filho já a prestar serviço militar na Guiné, na hora da minha ida à inspecção, minha mãe dizia que a guerra não chegaria até mim, ao que meu Pai retorquia com um “vamos a ver…,vamos a ver?!”.
Filho “caçula” de cinco, quatro rapazes e uma rapariga, quatro anos me separavam do irmão seguinte, que estava mobilizado na Guiné (Alf - 3ª CCmds) e dez da irmã, a mais velha.

Com o filho ainda na Guiné, meus Pais viram o mais velho dos rapazes avançar para Angola (Alf -médico), ao que me parece saber em opção à faina do bacalhau que lhe teria sido proposta.
Entrementes, se não erro, o filho do meio, Alf Eng fica-se por Beirolas (material de guerra?).

Depois… bem, depois as dúvidas de meu Pai confirmaram-se e arranquei eu para a Guiné estando ainda meu irmão em Angola, a par do outro na Metrópole. Só dos Açores dei conhecimento por Bilhete Postal, o que quererá dizer que já estaria n Guiné quando meus Pais souberam! Achei, talvez mal, melhor assim. Explicarei posteriormente!

Assim, de 66 a 72 tiveram quatro filhos a prestar Serviço Militar, sendo que, em permanência e com sobreposições temporárias, um de três filhos mobilizado no Ultramar. Se fosse Enfermeira se calha nem a filha teria escapado! Não há dúvidas que, como tantos outros, a minha família deu um bom contributo para o esforço de guerra na defesa de um Hino e de uma Bandeira, símbolos que se sentiam.

Tendo “chumbado” a Matemática e Física no sétimo ano e como “manobra de recurso“ não ter corrido nada bem a prova de desenho no Instituto Engª Porto (?) (actual ISEP), não me foi possível ingressar na Medicina ou na Engenharia Técnica. Ponderada a situação, com possibilidade de adiamento de incorporação e já a trabalhar, optei por me voluntariar para a tarefa militar, já que a guerra parecia estar para durar. Ganharia tempo e como militar passaria a poder ter mais uma época de exames (mais facilitados?), creio que em Janeiro, o que acabou por me não ser possibilitado.

É facto que, se tudo tivesse corrido normalmente, minha Mãe acabaria por ter tido razão e eu não teria talvez ido para aquela guerra, já que estaria a cursar. Assim, o meu destino imediato: 

CALDAS DA RAINHA - RI 5
Chegado antes da hora estipulada, um magote de Mancebos aguarda ao portao de entrada, mirando-se na esperança de reconhecimentos. Claro que os houve, alguns até seriam das mesmas terras. Quanto a mim, conterrâneo e amigo, julgo que só o A. Varela.

Não recordo já o seguimento, talvez partes burocráticas e apresentação distribuição por Companhias. A mim coube-me a 3.ª
Giacomino Mendes Ferrari era o Comandante do RI5.
Distribuída a Companhia, houve que escolher o beliche e respectiva cama, situação que me parece recordar, resolvida sem conflitos, pela generalidade da Mancebagem!

Nova fase da vida:
INSTRUENDO
Dos Instrutores recordo o nome do 1.º Cabo Mil Op Esp Henrique(s), nariz meio ”apapaigado”, inicialmente incisivo e meio duro mas… compreensivo. A mandar ”encher"… era useiro e vezeiro!! Até que gostei dele! Do Capitão e do Alferes, não lembro nada. Do outro Cabo Mil, recordo as feições ao tempo arruivado, mas do nome???

Começam as formaturas, a Ordem Unida, as aulas em semicírculo de armas e outras…
A injecção mata-cavalo a uma 6.ª feira e o recambiamento para casa com instruções para mexer bem o braço!!!
Depois, as marchas, os obstáculos… enfim a dureza vai aumentando gradualmente, a par de um entrosamento mais confiante entre os deveres e obrigações e a própria hierarquia.

A minha/nossa guerra havia começado e estaria para ficar durante longos meses.

Luís Faria
____________

Nota do editor

Último poste da série de 23 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11142: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (59): "Está na mala", azimute: "peluda"

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11142: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (59): "Está na mala", azimute: "peluda"

 


1. Em mensagem do dia 13 de Fevereiro de 2013, o nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) enviou-nos mais este episódio para a sua série.




Viagem à volta das minhas memórias (59) 

“ESTÁ NA MALA”

Azimute: “PELUDA”

CUMERÉ, derradeiro estacionamento da FORÇA que aguardava regresso à Metrópole, depois de honroso e meritório desempenho que se deveu à generalidade dos seus Homens, a quem pertenci de parte inteira e com orgulho, muito orgulho.

Acabados os “trabalhos” que me prenderam por Bula e tendo a sonhada pré-peluda “ido pelo cano”, creio que na antevéspera de embarcarmos nos TAM rumo à PELUDA acabei por me reunir à minha CCAÇ 2791, que havia já tempo aguardava embarque no Cumeré.

Destas instalações não me recordo absolutamente nada, talvez pelas poucas horas que por lá estive, divididas ainda por uma ida a Bissau para umas poucas compritas de última hora.

Mal pareceria regressar a casa de mãos a abanar, já que nem a roupa civil ou militar traria. À excepção da camisa e calça número dois, respectiva boina e cinturão personalizado que traria vestido na viagem de regresso à metrópole e do famigerado pólo “Lacoste” azul-marinho (ex-pertença do Fur. Trms. Lourenço e que por birra mútua lhe andei a pagar durante a comissão inteira, até ao último dia) todos os meus pertences tinha já ficado por Bula, ofertados. Só o meu lenço vermelho, as minhas botas “mineiras” e o meu camuflado de mato - espécie de amuletos da sorte e da vida - ficaram já no Cumeré com o Sá, Fur. ”Pira” por quem senti amizade logo aos primeiros contactos e que achei merecedor do “legado”. (Posteriormente foi incorporado, creio não errar, na CCAÇ 13 onde teria passado por momentos complicados e viveu a transição. Ao fim de trinta anos de o procurar, reencontramo-nos e a partir daí, volta e meia, a par de mais uma dúzia de Companheiros juntamo-nos numas petiscadas, em convívio saboroso.)

Assim e no final da ida às compras, como o patacão se foi esgotando noutros bens “mais prementes e essenciais” … os “recuerdos“ ficaram pelas intenções e acabei por só comprar uma “Gillette” para a barba, já que teria de a desfazer à maneira no dia seguinte, para embarque que se efectuou pela tarde num Boeing dos TAM.

Da viagem ficou-me na lembrança o servirem vinho num canecão em alumínio e a chegada a Figo Maduro onde um personagem entrou de aspersor nas mãos, borrifando a cabine com uma bomba tipo “Sheltox”, como que a desinfestar-nos (bem sei, Vinhal, bem sei que não era a nós) enquanto na “montra elevada exterior” familiares e amigos expectantes e ávidos de reconhecimento aguardavam que colocássemos os pés em terra.

Depois foi o embarque nas viaturas rumo ao RAL 1,onde de entre outros procedimentos se acertaram contas (recordo que ainda recebi algum dinheiro) e se deu por findo o nosso contributo militar à Pátria, ficando desde esse momento e por mais uns bons anos obrigatoriamente disponíveis para novo “chamamento” em caso de necessidade. Íamos pois passar à chamada disponibilidade.

Consoante a Rapaziada entrava na “peluda”, a maioria desaparecia rápido da vista, não dando tempo a despedidas ou quaisquer trocas de informações. Salvo excepções, queríamos era ir ter com quem nos aguardava lá ou e em casa. Aquele passado recente era para começar a esquecer (?!). “Estava na mala”! Vida nova começava a despontar!

Pelo que me toca e lembro, aguardavam-me alguns familiares, para além da já minha noiva e futuro sogro (italiano) que, talvez por ter sido veterano da guerra da Abissínia, me deitou a mão à camisa nº 2 que vestia, estraçalhando-ma, fazendo com que a única peça de roupa que trazia na maleta, o “bendito” pólo azul “Lacoste”, viesse a recompletar a roupagem na ida à “Churrasqueira do Campo Grande” para uma jantarada de boas vindas.

(Foto LF) Quadro-recordação

Tinham-se passado vinte e quatro longos meses vividos em terras sob desígnio da Bandeira Nacional a que prestáramos um juramento que cumprimos da melhor maneira que soubemos e conseguimos, usando as nossas capacidades humanas físicas e psicológicas para ultrapassar o dia-a-dia nas suas incertezas, nos seus receios e medos, no cansaço, nas saudades…, apoiando-nos na Fé e na Esperança, na amizade e na camaradagem, na confiança e na disciplina.

Foram meses de vivências que rápida e extemporaneamente levou rapazes a transformarem-se em homens de juventude interrompida e futuro incerto, que se apoiavam entre si como verdadeiros Camaradas de armas no cumprimento do dever e na persecução do objectivo sobrevivência.

Também meses de ganhos em Amizades desinteressadas, melhor dizendo desinteresseiras, que prevalecem até aos dias de hoje e que parecem renovar-se a cada reencontro mais ou menos intervalado no tempo (que alguns imbecis apodam depreciativamente “… de saudosistas decrépitos…!?”), onde também se recordam e por vezes parece reviverem-se momentos de situações boas e más, que por um ou outro motivo ficaram retidos nas nossas memórias e que se complementam, eventualmente formando perspectivas mais abrangentes do que foi vivido em conjunto.

A força da vida levou-nos por caminhos diversos mas deixou-nos ligados por elos que de novo se unem, remoçando-se nestes reencontros que só pecaram a meu ver, por norma tardios, já que poderiam ter contribuído mais cedo para eventuais expurgos de “fantasmas” psicológicos inibidores de uma vida mais sã.

Luís Faria
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 13 DE NOVEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10662: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (58): Bula - Pré-peluda

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10662: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (58): Bula - Pré-peluda

 


1. Em mensagem do dia 10 de Novembro de 2012, o nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) enviou-nos mais este episódio para a sua série.
 




Viagem à volta das minhas memórias (58)

Bula – Pré-peluda

Surpresa

Perguntava-me o José Dinis sobre Bubaque, em comentário ao meu “poste” anterior…

Terminados os “festejos” pelo final do trabalho de “mineiro” e recuperado dos seus efeitos, começava a ser hora de iniciar a preparação para a entrada na pré-peluda, ou seja abalançar-me para uns diazitos na sonhada e ansiada Bubaque, o que envolveria alguns trâmites de ordem burocrática e logística, a começar pela efectiva autorização superior e respectiva guia de marcha (?) assim como a procura e espera de transporte. Tudo isto levaria talvez dois ou três dias, com sorte.

Estando já no Cumeré a “FORÇA”, incluso creio o pessoal administrativo, já não recordo a quem me reportava, se ao Comando antigo, se ao novo, se a alguma das Companhias que nos foram substituir. Não sei.

Sei é que nos entretantos e sem que minimamente estivesse a contar, me incumbiram de um novo trabalho que me fez ficar ”puto da vida”. Demonstrar o meu desagrado protestando em nada resultou !!! Ordens… eram para ser cumpridas! Tinha é que interiorizar a situação, mentalizar-me e na hora não deixar que qualquer sentimento de revolta afectasse a concentração no trabalho a desenvolver.

Qual o mancomunado trabalho? Um “convite”, ao que recordo em exclusividade à minha pessoa, para levantar um campo de minas, relativamente pequeno é certo, lá para as bandas esquerdas de S. Vicente, nas bordagens de uma bolanha.

Era certo, lá se me iria a ante-gozada “pré-peluda” pelo cano abaixo. Ordens… eram ordens e estas vinham de cima. Porquê a mim? À altura apeteceu-me mandar tudo “p´ro car… ” e fugir… achei injusto, na minha óptica era injusto.

Assim, no dia e hora aprazados, vestido e calçado para o efeito e munido com a “ferramenta” habitual monto-me na viatura juntamente com a rapaziada da segurança comandada pelo então Cap. Salgueiro Maia.

Chegado e referenciado o campo, surpresa… era quase só lama e água!!!

Comecei a sentir a vida a andar para trás… logo nos primeiros lançamentos… a pica nada detectou na localização assinalada nem nas proximidades. Reconfirmadas as referências e diversificadas as experiências… manteve-se a situação. De repente, talvez a um passo ao lado do pé avisto uma e na proximidade… uma outra… plásticas, digamos a boiar, completamente deslocalizadas, que lá não estavam!!! A movimentação dos pés tê-las-iam feito deslocar? Assim sendo quereria dizer que mesmo picando centímetro a centímetro estava sujeito a pisar uma vadia.

Não, não ia “entrar numa fria”. Senti que não havia a mais pequena hipótese com e naquelas condições de levar a bom termo a empreitada, pelo que não estava nada disposto a arriscar na sorte e só na sorte.

Não, nem pensar, decidi. Já havia tido que bastasse.

Chamado o Capitão… mostro-lhe as “boiadoras” - que acabei por neutralizar - e o estado em que está o campo. Esclareço-o (como se fosse necessário?!) da periculosidade e exemplifico-lhe a quase impossibilidade da detecção que só por sorte, muita sorte mesmo, seria possível sem que houvesse um acidente.

Procura dar-me ânimo e incentivar-me ao levantamento. Para além do já explicado e demonstrado, refiro-lhe o estar a poucos dias de embarcar, ao que responde com um incisivo (do género) ”tem que ser feito”, que não me agradou nada, mesmo nada.

Já decidido pelo não, ao sair-me um agressivo (quase sic), “então levante-as o meu Capitão”, vi-me de imediato com uma porrada e a prolongar a comissão num qualquer “burako” do território. ”Fod…” devia ter sido diplomático… ou fingir que torcia um pé… ou um jeito nas costas… mas o que já tinha saído, ficava… paciência, assumiria as consequências como me tinham ensinado e desde miúdo cumpria.

Se bem recordo ficou a olhar para mim surpreso e bastante “chateado”, mas não tenho ideia de quaisquer mais palavras agressivas ou ameaças… estou em crer que nada disso houve. Fiquei à espera e a mentalizar-me para a “pancada”, coisa mais que natural por ter virado costas e me ter recusado a uma ordem directa, ainda para mais vinda de “cima”.

Bem, mas como havia aqueles meus pensamentos secretos (meter o xico)… não iria ter que me esforçar a decidir, já que após o que se passara, na certa ficaria decidido por “inerência”.

Daí a uns poucos dias e sem ter vislumbrado Bubaque, estava no Cumeré sem que tenha tido conhecimento de qualquer evolução sobre o acontecido, não sei porque… talvez pelas consciências terem trabalhado… apontando a clarividência.

Julgo que três dias depois e com uma ida a Bissau pelo meio, estaria a embarcar no “Boeing” dos TAM juntamente com a Rapaziada, rumo à PELUDA.

E José Dinis, assim foi a tal pré-peluda. BUBAQUE… nem por um canudo… só um sonho relaxante e lindo!

Luís Faria
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10544: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (57): Bula - A guerra das minas (7): Bula - Minas, fim do suplício

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10592: História da CCAÇ 2679 (55): A mina do acaso - Pauleiro, o feeling do combatente (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 27 de Outubro de 2012:

Olá Carlos,
Hoje envio-te outro pedaço da história da CCaç 2679, uma ocasião de grande felicidade para mim.
É uma estória sobre esses engenhos traiçoeiros, que constituem verdadeiros riscos. Daqueles que dois camaradas, embora em circunstâncias muito diferentes, já aqui deram muitos testemunhos de fazer arrepiar; e a quem dedico o presente texto. Refiro-me ao António Matos e ao Luís Faria.
Para o Foxtrot, um excelente grupo de combate, vai a minha admiração e apreço.

Para ti e para o Tabancal envio um grande abraço
JD


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (55)

A mina do acaso
Pauleiro, o feeling do combatente

A época seca já durava há muito, corria lenta e escaldante, às vezes sentia-se uma brisa quente do deserto. Nós entráramos no segundo ano de permanência e de hábitos em relação ao clima e ao relevo. As reservas físicas compensavam as assaduras do sol, mas os cantis eram indispensáveis nas bagagens individuais. Naquele dia saímos cedo para uma coluna a Copá.

Tratava-se de uma acção vulgar, apesar de termos a "obrigação" de picar um pouco mais além do que meio caminho. A picada arenosa, levantava uma escassa e fina poeira à nossa passagem, por meio de uma vegetação de capim amarelado e seco, e algumas árvores de pequeno e médio porte, umas vezes espaçadas, outras em definhada mata, marginavam a "estrada" durante quase todo o percurso. O chão evidenciava uma vegetação rala, quase limpo sob as copas das árvores. Agradava-me o calor matinal.

A coluna alongava-se pelos vagares da caminhada. e acompanhava as ligeiras curvas que desviavam a picada de árvores mais volumosas, que não apaziguavam os calores de cada um, porque, naquela região, a luz solar incidia na vertical. Caminhei durante algum tempo, mas depois de iniciar uma conversa com o condutor da Mercedes que seguia após os picadores, decidi subir e sentar-me a seu lado. Distraía-me do que estava a fazer, e o ramerrão daquelas viagens dava "confiança" para descurar. Mas não vou contar-vos nada que se possa imputar a uma distração, além de que outros cumpriam as suas funções, e eu não tinha lugar certo no dispositivo, andava por onde achava que devia andar.

Picadores em acção. Foto: © Jorge Teixeira (Portojo) (2009). Direitos reservados.

A velocidade da deslocação seria de uns cinco/seis quilómetros por hora, conforme as pernas permitiam e a determinação do momento. Não se ouvia mais do que o suave ruído dos motores, uma ou outra pica bater em solo mais rijo, um ou outro chamamento das aves. De súbito, ligeiramente à frente e a partir da orla da mata, ouviu-se com estrondo. Há minas!

As reacções eram as que tínhamos treinado e intuído. Não havendo tiros, cada um dos que seguiam na frente aguardava no lugar pela minha aproximação, que de pica, e lentamente, descobria caminhos da saída. Depois de uma olhada pelas bermas, verificou-se que não havia cordões detonantes. A mata apresentava-se serena, não havia turras emboscados. O Pauleiro permanecia no local de onde soltara o brado. Aproximei-me: - Por que é que há minas? Respondeu-me apontando para uma porção de terra seca, que eu achei que seria o resto de algum pequeno baga-baga. Mas o Pauleiro estava determinado de que se tratava de terra removida da picada. Mexi na terra quase solta e a dúvida estava instalada.

Andei em frente da Mercedes a avaliar a situação. Depois pedi aos picadores para picarem densamente e com toda a atenção desde a viatura. Eles fizeram-no sem resultados. No entanto, dei-me conta de que havia um espaço entre a roda e o extremo do pára-choques onde as picas não iam. Pedi ao condutor para engatar a marcha-atrás, mantendo a direcção, e que movimentasse a viatura cerca de um metro. Sem alteração da trajectória, não aconteceu nada. Voltei a pedir aos picadores para usarem as picas desde as rodas a cobrir aquela zona onde nada víramos. Agachei-me a olhar atentamente para o trabalho que desenvolviam. A um dos picadores pedi para recomeçar, porque andara depressa em relação aos outros e tinha-me distraído. Reiniciou-se a operação. O resto do pessoal estava disposto ao longo da estrada e fazia segurança. Ouvia-se o silêncio, apenas quebrado pelo picar o chão.

Ao bater de uma das picas, fiquei com a sensação de se ter projectado um pedacinho de madeira. Alto, fiz sinal. Não via qualquer pedaço de madeira, mas sabia de onde o imaginava ter partido. Saquei da faca e actuei. As primeiras tentativas revelaram um solo duríssimo, mas, de repente, novo indicio de madeira. Mais uns movimentos de remoção e a mina estava identificada, talvez a escassos quinze centímetros da roda da Mercedes sobre a qual eu seguia sentado. Com a faca fiz uma avaliação do terreno envolvente e não havia outros engenhos. Os picadores foram avaliar a situação em redor da viatura e até à terceira.

Eu esgravatava no solo, pedi ajuda a alguém para remover a terra de um lado, enquanto eu o fazia do outro, mas os progressos eram lentos, pois o chão afigurava-se rijo, rijo demais para um terreno argiloso. No entanto, a tampa do caixote já estava a descoberto. A transpiração escorria e os olhos acusavam o salitre com grande incómodo. Quase me esfarrapei para cavar até à dobra inferior do caixote. Talvez uma hora depois, limpei as zonas envolventes, o braço direito a acusar o esforço, e a mina apresentava-se esplendorosa e exercia o magnetismo de atracção. Apesar de cansado, apesar da ajuda, estava tranquilo do que devia a fazer.

Nunca me tinha acontecido uma tarefa tão difícil. Os turras estavam a evoluir na técnica, e fora um milagre que o Pauleiro se tivesse deslocado da picada para uma mijinha, tivesse olhado para a terra removida e suspeitado do que vira. Era um militar com faro e com muitas provas dadas de excelentes capacidades. Concluí que ao colocarem a mina terão feito uma massa de argila e água, que depois serviu para a cobrir. Em seguida cobriram-na com uma camada de areia fina, e depois o sol e o calor completaram a intenção de dissimulação. Aquela devia estar armadilhada, a avaliar pelos cuidados, desconfiei.

Uma equipa de minas e armadilhas neutralizando uma mina AC. 
Foto: © Carlos Vinhal (2012). Direitos reservados.

Pronto, só faltava retirar a mina. Mandei a todos que se afastassem e deitassem no terreno, quando fiz um laço em torno do caixote, pelas faces laterais. e puxei, puxei com força por mais duas ou três vezes, movimentando-a. Do meu conhecimento só havia um disparador por descompressão - o célebre rato, que funcionava subitamente quando era aliviado do peso. Aproximei-me do buraco levantei a corda, e pedi para a puxarem pela extremidade, o que conferia novo ângulo de movimentação. A mina deslocou-se sem que dali viessem indesejáveis barulhos. Não estava armadilhada.

Foi um dia de muita sorte para mim, seguramente dos mais afortunados. Aquele engenho tinha sido astutamente instalado, com recurso a nova técnica, que consistia no recurso à lama que cose ao sol e fica como cimento, mas o grupo de combate, mais uma vez conseguiu dar a resposta adequada. Prosseguimos viajem e imaginava a decepção do artista que colocou o minão. Seguia a pé junto dos picadores, mas aquela era uma mina solitária.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10530: História da CCAÇ 2679 (54): Quatro tiros para o Pedro (José Manuel M. Dinis)

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10544: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (57): Bula - A guerra das minas (7): Bula - Minas, fim do suplício

 

1. Adivinha-se o fim desta série que o nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) tem mantido com tanta regularidade.

Este episódio chegou até nós no dia 16 de Outubro de 2012:



Viagem à volta das minhas memórias (57)

Bula – Minas, fim do suplício! 

Vista parcial de Bula
Foto: © Victor Garcia. Todos os direitos reservados


Bubáque e “Peluda” à vista ?!

Os dias certamente pareceriam querer ficar cada vez mais longos e penosos, como que a querer resistir a um final de comissão de data marcada que se ia avizinhando.

Para além das actividades atribuídas e como sinal de final de comissão próximo, o Pessoal ia-se entretendo a fazer os caixotes em madeiras diversas mais ou menos valiosas e com volumetrias condicentes com a carga prevista, por norma grande. Desde gravuras, estatuetas, peles, panos, artesanato, roupas, rádios, máquinas, ventoinhas e sei lá que mais,… “coca-cola” verdadeira, “Perrier”… até peças de mobiliário nacarado asiático… tudo era encaixotado para ser despachado via marítima para a Metrópole. Claro, não podiam ser esquecidas as garrafas - distribuídas a pagantes e acumuladas ao longo dos meses - de uísques e licores, por vezes às dezenas e alguns de gabarito! Havia até negócio à conta das ditas, do tipo duas por uma ou até venda inflacionada devido à já inexistência ou à escassez de abastecimento em tempo útil. Depois de despachada, creio que pela Companhia, a caixotaria seria levantada em Alcântara (?).

Em data prevista, a CCAÇ 2791 no seu todo ou faseada, já não recordo, arrancou para o Cumeré onde iria aguardar o embarque para a Metrópole, rumo à “peluda”, deixando-me de certo modo “desenquadrado e abandonado ao destino” lá por Bula, ainda no exercício de funções mineiras. Mais tarde e se não protagonizasse um qualquer acidente, ir-me-ia juntar à Rapaziada da minha “FORÇA”.

Em dia que não registei, acabou finalmente o trabalho no campo de minas que havia estropiado uns tantos, demasiados, que deu cabo dos nervos a alguma boa gente que por lá cirandou e até a outra que por lá não tinha sequer posto os pés. Muitos milhares tinham sido levantadas. Tendo o meu contributo sido de mil e trinta e duas, a sensação de alívio, paz, tranquilidade e de certezas num futuro, só sentida se poderá entender!

Era hora de festejar o fim do suplício! Depois… dois ou três dias de recuperação e preparação já que de seguida… Bubaque,- que me tinham contado paradisíaca – se perfilava no horizonte próximo do meu pensamento como destino de uns poucos dias de descanso prometidos e a meu ver merecidamente ganhos. Com alguns “pesos” economizados no bolso iria ser, sonhava, uma pré-peluda à maneira, de “papo ao sol”, águas mornas e límpidas, peixinho fresco grelhado, bebida a contento, na certa boa companhia… enfim uns diazitos a não esquecerem! Seguir-se-ia o reencontro no Cumeré e o ”Boeing” dos TAM para a PELUDA!

Entremeados por bons momentos, aqueles meses tinham sido duros, bastante duros mas o passado já era e como se diz, ”tudo está bem quando acaba bem”. Pelo menos até ao momento assim acontecera comigo que, comparativamente, tinha sido um felizardo. Tirando uns sustos ou melhor, “cagaços” valentes e uma morteirada que mandei e me pôs a mão como uma bola, nem sequer um paludismozito apanhei.

Dizia, antes de começar a divagar (?!), que a data era para festejar e assim foi. Claro que o conceito de festejo, programado ou não, é subjectivo e variável em função do estado de espírito, dos meios e do meio, do momento e outros elementos susceptíveis de o condicionar. Para além dumas cervejolas frescas, não foi programado e foi acontecendo ao sabor dos impulsos e dos ditames mentais no momento, deixando-me em memória uma ou outra situação, se calhar para muitos e à luz de hoje, pouco próprias. Naquele contexto, aconteceram!

 Luís Faria em Bula num momento musical

Terminado o trabalho e chegado ao quartel, talvez uma das primeiras coisas que aconteceram foi tomar uma banhoca. Sim, uma banhoca, já que não resisti ao impulso de me enfiar completamente vestido no bidão de água omnipresente à porta do quarto, talvez perante as bocas de alguns e espanto de outros.

Depois de certamente ter ido ao petisco civil e regressado ao quartel, já pela noite recordo acabar no bar a pedir um “cocktail” especial, composto por uma medida de tudo o que continha o vasilhame exposto nas prateleiras do bar. Em conformidade com o pedido e sob meu controlo, foram entrando no agitador medida após medida de diferentes uísques e licores, de águas-ardentes, brandies, bagaço… até que é dado por terminado. A única medida que não foi considerada foi a do “Elsève Balsam” (?) - champô de ovo. Sob protesto e incredulidade (?!) do “barman”, não recordo o nome, e ante a minha ordem… acabou por ser também incluído na mistura, talvez deva antes dizer… mixórdia! Os passos seguintes foram emborcar a mistela, perante a expectativa dos presentes.

Tempos após e já noite adentro vejo-me meio zig meio zag , em cuecas, a jogar um jogo a céu aberto, em que o objectivo era manter à raquetada uma bola em movimento circular à volta duma haste vertical a que estava ligada por um cordão ou corrente (?).

Claro que a “mixórdia” já fazia os seus efeitos e os rodopios que os falhanços na bola me obrigavam a fazer, levavam-me a por vezes percorrer uns metros em busca do equilíbrio, acabando sentado no chão! Por fim o apelo da cama acabou por ser mais forte.

Ao acordar pela manhã seguinte senti um mal-estar horrível e uma agitação mais que anormal, parecendo-me que as veias iam rebentar. Estou f… é a merda do champô que me anda no sangue, pensei resolvendo ir tomar um banho na tentativa de acalmar. Qual quê, pareceu-me ficar pior… as veias pareciam rebentar… assustei-me de verdade e não recordo se acompanhado ou não dirigi-me para o posto-médico ali próximo. Só lembro que de imediato abri (arrombei?) a porta do médico Alf. Cruz e… acordei fresco e firme como o aço, não sei quanto tempo depois, como se nada tivesse acontecido.

Nova vida estava prestes a começar. Pensamentos secretos de “meter o chico” iriam esperar resolução mais tarde. Iria depender de auto análise mais aprofundada e da situação a encontrar na Metrópole.

Luís Faria
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10360: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (56): Bula - A guerra das minas (6): A "sentinela"

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10360: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (56): Bula - A guerra das minas (6): A "sentinela"

1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 4 de Setembro de 2012:

Amigo Carlos
Diziam-me e penso ser verdadeiro que, naquela guerra os “Unimog” e outras viaturas militares, à falta de gasolina aceitavam qualquer tipo de álcool como combustível. Vinho inclusive! Parece-me que tinham até um comutador?
Bom, vem isto ao caso porque o tipo de combustível que tem sido gasto nesta “Viagem à volta das minhas memórias” está a entrar nas reservas que e aproveitando as descidas só irão permitir-me chegar ao destino. A ser verdade as viaturas poderem usar combustível do tipo “tintol verdasco” de que gosto e havendo postos de abastecimento… bom, talvez me disponha e consiga conduzir-me numa outra viatura mais ligeira em passeio à aventura, sem destino e ao destino.
Como se dizia na minha terra em troca do ver-se-á: “depois verá-se!”

Espero que tenhas tido e aproveitado umas boas e calmas mini-férias.
Um abraço para ti e outro para a Rapaziada, com votos de saúde e qualidade de vida.
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (56)

Bula- guerra das minas 6

A “sentinela!”

Como de outras vezes em que recordo estes momentos, revivo-os e um arrepio percorre-me o corpo.
Na minha perspectiva e à altura, no intuito e esperança de se conseguir viver com alguma normalidade a anormalidade daquele enfileiramento de dias e mais dias em que palmilhávamos na monstruosidade de extensão e densidade daquele campo de minas, julgava que o melhor a fazer era assumir e mentalizar que o momento ou o segundo seguinte podia marcar a diferença numa vida ainda jovem mas já envelhecida.

A par, havia que interiorizar fortemente as já anteriormente abordadas medidas preventivas e não condescender na sua aplicação, pois eram fatores de esperança na ultrapassagem de obstáculos e desastres recorrentes, na não paralisação por receios ou medos, no acreditar e seguir em frente.

Vem isto ao caso pela especificidade de uma situação vivida conjuntamente pelo António Matos (P4296 de 7MAI09) e por mim, que passarei a referir com alguns pormenores que na certa continuarão a ter registo vivo na minha memória ao longo do tempo.

Já bem avançados no campo e com o final da campanha mineira de certo modo à vista, já não recordo por qual dos dois, a mina metálica portuguesa (fragmentação) procurada é localizada. Era um valente “cú de boi” que se apresentava meio escondida por um tufo de vegetação e bastante incrustada no “sopé da encosta” dum bagabaga que por ali tinha nascido naqueles passados anos. Parecia até que as formigas, cientes dos tempos que se viviam, tinham construído ali a sua nova cidadela com o fito de aumentar a sua segurança contra intrusos e acabaram por envolver esta “sentinela” assassina num abraço de reciprocidade protectora!

Por oferecimento altruísta de ajuda expresso por um de nós, creio que do A. Matos, o certo é que nos achamos de facas nas mãos a esgravatar minuciosamente e em conjunto o condomínio formigueiro em volta da “sentinela”, com o intuito da sua neutralização e posterior “sequestro”!

Era uma acção difícil e de risco, sabíamo-lo bem e como tal usamos de toda a precaução e tempo exigível em conformidade. Creio que não nos passou sequer pela cabeça e como tal não nos questionamos sobre a hipótese do rebentamento provocado sob controlo. Não sei porque, talvez por não ser possível ou outra razão qualquer, não recordo.

De volta da mina, o primeiro passo seria cavilha-la logo que possível, o que se tornou um bastante moroso e dificultado por parte do sistema de percussão e até os orifício superior (primário) de cavilhamento estar parcialmente obstruído não permitindo meter a cavilha e o inferior lateral (secundário) não estar visível.

Com paciência, muita sensibilidade e calma, fomos aligeirando o abraço desbastando o bagabaga, acabando por desobstruir o orifício primário e conseguir espaço para enfiar a cavilha, se bem que não correctamente, por impossibilidade ao momento. Continuamos o trabalho atento e meticuloso de desencastamento do engenho, acabando por pôr a descoberto o orifício lateral de segurança secundária. De seguida dou início a introdução da cavilha que finalizaria a neutralização do percutor do engenho e nos permitiria desencarcerá-lo à vontade. Aponto-a mas não chego a coloca-la…!

“CLICK” … este som macabro em simultâneo com uma ligeira pancada sentida nos dedos, transporta-me (nos) a um silêncio absoluto… talvez do “Além”?

O sangue fugiu para os pés deixando a lividez espraiar-se num suor gelado que nos alagou. Olhamo-nos mudos e incrédulos. Onde estávamos? Ainda por cá? Como? O que tinha acontecido de errado?

Os cigarros começam a queimar-se. Olho para a mina e vejo que a cavilha superior, que por impossibilidade só estava parcialmente enfiada, está completamente torcida e vergada de viés pelo percutor. Por milagre aguentou!

Julgo que sentados e mudos com olhar distante e incrédulo, vão-se somando cigarros. Ninguém se terá apercebido do acontecido.

Muito… pouco? O tempo vai passando e os cigarros sucedem-se.

O Cangalhas, Alf OE em comando local por mais velho, atira-nos um mais ou menos “vamos a levantar…!?”

“Que o pariu!”…depois… depois consumamos o “sequestro” e recomeçamos a levantar minas!

Na sua memória o António Matos tem registado que a mina não detonou por envelhecimento, apodrecimento. Talvez!

Na minha e conforme narro, ainda que deficientemente colocada a cavilha não saltou e aguentou, ficando toda torcida de viés mas empancando o percutor que realmente desceu um pouco na manga guia. Teria descido o suficiente para percutir?

Hoje, como à altura, não tenho resposta para o disparo ter acontecido mas… aconteceu, simplesmente!

Luís Faria
____________

Notas de CV:

Foto: © António Matos (2009). Direitos reservados - Com a legenda: O nosso camarada António Matos manuseando uma mina portuguesa.

Vd. último poste da série de 15 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10268: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (55): Bula - A guerra das minas (5) - Um jogo de "apanhadinha"