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quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20471: Tabanca Grande (489): Alexandre Margarido, ex-cap mil grad inf, op esp / ranger, último cmdt da CCAÇ 3520 (Cacine, Cameconde, Quinhamel, 1972/74)...Senta-se à sombra do nosso poilão sob o nº 801


Guiné > região de Tombali > Cacine > CCAÇ 3520 > 1973 > Uma pausa no rio Cacine, nos "turbulentos acontecimentos" de Guileje / Gadamael, em maio e junho de 1973. Alexandre Margarido CCAÇ 3520

O Alexandre Margarido, novo membro da Tabanca Grande, com o nº 801

Fotos (e legendas): © Alexandre Margarido (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Setor de Cacine > Cameconde > 1968 > Disparo noturno do obus 8.8 > Foto do álbum do António J. Pereira da Costa, que era na altura alferes QP da CART 1692/BART 1914 (Cacine, Cameconde, Sangonhá e Cacoca, 1967/69).

Foto (e legenda): © António J. Pereira da Costa (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso camarada Alexandre Margarifo, ex-cap mil op esp / ranger, último comandante da CCAÇb 3520 (Cacine, Cameconde, Guileje, Gadamael e Quinhamel, dez 1971-mai 1974).

Data - terça feira, 17/12/2019, 21h17
Assunto -  Adesão à Tabanca Grande

Caro Luis Graça,

Tenho acompanhado este Blog, com regularidade e considero do máximo interesse todo o trabalho, até aqui desenvolvido, para que não se percam, nos meandros dos interesses, que jogam com os ex-combatentes, as suas memórias e as experiências de vidas, aqui tão bem representadas.

O meu nome Alexandre Augusto Martins Margarido, fui o último Capitão Miliciano, da Companhia Independente de Caçadores nº 3520, com a Especialidade de Operações Especiais.

Estive na Guiné desde Dezembro de 1971 a Maio de 1974, tendo a minha Companhia, passado por Cacine, Cameconde, Guileje, Gadamel e finalmente Quinhamel, até ao seu regresso ao Funchal, onde se tinha formado.

Conforme as normas da Tabanca, envio duas fotos, uma actual, a outra tirada no Rio Cacine, numa pausa dos acontecimentos turbulentos de 1973, solicitando a entrada, e prometendo o envio de uma das muitas histórias, que fizeram parte dessa minha estadia, por terras da Guiné.

Forte abraço,

Alexandre Margarido
Ex-Capitão Miliciano Ranger

2. Resposta do editor Luís Graça:

Alexandre, és recebido de braços abertos, e muito provavelmente serás o último (**)  a franquear, este ano  o "hall" de entrada da Tabanca Grande (, digo "hall", porque não temos portas, nem janelas, nem porta de armas, nem  cavalos de frisa, nem fiadas de arame farpado, nem valas, nem abrigos, nem espaldões...).

Como sabes, somos uma "comunidade virtual" de antigos camaradas de armas, que passaram pelo TO da Guiné, de 1961 a 1974, fazendo a guerra e a paz...Costumamos dizer que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!... O que é verdade, temos gente, amigos e camaradas da Guiné, um pouco por toda a parte, dos Estados Unidos à Austrália, de Ponte de Lima ao Funchal, de Faro a Bissau, passando por Macau, Cabo Verde, França, Brasil, Alemanha, e por aí fora...

Da tua companhia, a CCAÇ 3520, "Estrelas do Sul" (que nome poético!), tu passarás a ser, se não me engano, o terceiro representante, depois do José Vermelho, nosso grã-tabanaqueiro nº 471, fur mil (CCAÇ 3520 - Cacine, e CCAÇ 6 - Bedanda, CIM - Bolama, 1972/74) e depois do Juvenal Candeias, alf mil at inf, que entrou para a Tabanca Grande  em 6 de maio de 2009

Mas, deixa-me lembrar-te, tu já nos tinhas feito uma "visita" em 2013 (*), comentando esse "resort" turístico que era Cameconde no teu/nosso tempo... Na altura, a Tabanca Grande "partiu mantenhas" contigo e convidou-te  para te sentares "aqui, debaixo do nosso mágico e fraterno poilão"... Não entraste em 2013, entras agora no final de 2019.  E o lugar que te calha é já o 801.. (Já podes ver o tem nome, na lista alfabética, de A a Z, que consta na coluna do lado esquerdo do nosso blogue.)

E vais concerteza ajudar-nos a manter viva e sempre fresca esta "fonte de memórias" onde vem beber a rapaziada que esteve na Guiné, em "comissão de serviço", uns no "back office", outros no "front office"... Partilhamos memórias (e afetos), contamos as nossas histórias... sem censura, sem juízos de valor, sem picardias, sem ressentimentos, procurando contar a verdade e só a verdade.

Senta-te, desfruta a nossa companhia, vai dando notícias, vai participando (com textos, comentários, fotos...) e, entretanto, faz o favor de ser feliz e tem um bom e santo Natal.


Guiné > Mapa geral da província ( 1961) > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Cameconde, a guarnição militar portuguesa mais a sul, na região de Quitafine, na estrada fronteiriça Quebo-Cacine... Em 1968 era o batalhão que estava em Buba (BART 1896, 1966/68) quem defendia esta importante linha de fronteira...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013)


3. Sobre a CCAÇ 3520, eis aqui a  ficha da unidade, segundo a Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 7º vol - Fichas das Unidades, Tomo II (Guiné), Lisboa, EME/CECA, 2002:

 (i) Mobilizada pelo BII 19 (Funchal);

(ii) Parte para o TO da Guiné em 20/12/1971 e regressa a 37/3/1974;

(iii) Passou por Cacine (mas também Cameconde) e Quinhamel;

(iv) teve quatro comandantes: cap inf Herberto Amaro Vieira Nascimento; cap mil Jaime Cipriano da Costa Rocha Quaresma; cap mil inf Armando Pimenta Cristóvão; e cap mil grad inf Alexandre Augusto Martins Margarido.
___________

Notas do editor_

(*) Vd. poste de 21 de fevereiro de  2013 > Guiné 63/74 - P11129: (Ex)citações (213): Cameconde, hoje seria um lugar de absurdo, de pesadelo e de loucura... (Alexandre Margarido, ex-cap mil, CCAÇ 3520, Cacine e Cameconde, 1972/74)

(...) Cameconde era um daqueles locais onde apenas os combatentes portugueses conseguiam manter-se durante anos, sem enlouquecerem, face à falta de condições mínimas de subsistência. Inclusive a água e os mantimentos tinham que ser transportados, numa coluna diária por um trilho rasgado na selva.

As altas temperaturas dentro dos abrigos, os insectos, as cobras que deslizavam da selva durante a noite, procurando o calor dessas fortificações, autênticos fornos, a exposição a atiradores e às flagelações por RPG, tudo isso, recuando 40 anos nas minhas memórias, era impensável ser suportado nos dias de hoje.

Obrigado por manterem vivas essas memórias.(...)


(**)  Último poste da série > 21 de novembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20369: Tabanca Grande (488): Miguel José Ribeiro da Rocha, ex-Alf Mil Inf.ª da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845 (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70), tertuliano com o número 800 da nossa Tabanca

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11577: 9º aniversário do nosso blogue: Questionário aos leitores (49): Respostas (nºs 105/106/107): João Ruivo Fernandes (CART 3494, Xime, dez 1972 / jan 1973; e depois, Nova Lamego, 1973/74), Juvenal Candeias (CCAÇ 3520, Cacine, Cameconde, Guileje, 1971/74); e José Figueiral (CCÇ 6, Bedanda, 1970/72)


Resposta nº 105; João Ruivo Fernandes  [ex-fur mil, de rendição individual, CART 3494, Xime, dez
1972 / jan 1973; e depois, Nova Lamego, 1973/74]

(1) Quando é que descobriste o blogue ?

Em Fevereiro de 2013.

(2) Como ou através de quem ? (por ex., pesquisa no Google, informação de um camarada)

 Através da Internet.

(3) És membro da nossa Tabanca Grande (ou tertúlia) ? Se sim, desde quando ?

Desde 12 de Fevereiro de 2013

(4) Com que regularidade visitas o blogue ? (Diariamente, semanalmente, de tempos a tempos...)

Semanalmente.

(5) Tens mandado (ou gostarias de mandar mais) material para o Blogue (fotos, textos, comentários, etc.) ?

Sim, vou enviar brevemente.

(6) Conheces também a nossa página no Facebook [Tabanca Grande Luís Graça] ?

 Sim, conheço.

(7) Vais mais vezes ao Facebook do que ao Blogue ?

Vou mais vezes ao Blogue.

(8) O que gostas mais do Blogue ? E do Facebook ?

 As histórias que falam dos locais que me são familiares.

(9) O que gostas menos do Blogue ? E do Facebook ?

Não gosto nada de menos em especial.

(10) Tens dificuldade, ultimamente, em aceder ao Blogue ? (Tem havido queixas de lentidão no acesso...)

Não.

(11) O que é que o Blogue representou (ou representa ainda hoje) para ti ? E a nossa página no Facebook ?

Representa o manter viva a memória dos locais e tempos que passei na Guiné.

(12) Já alguma vez participaste num dos nossos anteriores encontros nacionais ?

Ainda não participei em nenhum.

(13) Este ano, estás a pensar ir ao VIII Encontro Nacional, no dia 8 de junho, em Monte Real ?

Já pensei nisso mas não conheço camaradas que estivessem comigo no Xime ou Nova Lamego.

(14) E, por fim, achas que o blogue ainda tem fôlego, força anímica, garra... para continuar ?

Penso que sim, mas eu sou um novato.

(15) Outras críticas, sugestões, comentários que queiras fazer.

Devemos continuar a alimentar o Blogue.

Resposta nº 106 >  Juvenal Candeias
[ex-alf mil,  CCAÇ 3520, Estrelas do Sul, Cacine, Cameconde, Guileje, 1971/74]

Olá,  Luís!
Espero que estejas bem! Vamos lá vencer esta vergonhosa preguicite e, finalmente (já que não desistes!), responder ao teu questionário!



1) Descobri o blogue há cerca de 6 anos!

2) Uma cunhada terá ouvido falar da existência do blogue e, sabendo-me entusiasta das coisas e das gentes da Guiné, anotou e transmitiu-me o endereço.

3) Sou, há precisamente quatro anos, porque coincidiu com o meu 60º aniversário. [, desde 6 de maio de 2009]

4) Varia muito! Por vezes, várias vezes ao dia, outras vezes passo alguns dias, não muitos, sem por lá passar.

5) Tenho mandado alguma coisa, embora nos últimos tempos ande um pouco preguiçoso.

6) Claro que sim, e muitas vezes passo dela para o blogue.

7) Actualmente talvez.

8) Posso passar um dia no blogue a explorar sempre o mesmo tema! O facebook tem a vantagem de ires lá para qualquer outro assunto e acabares sempre na nossa página!

9) No blogue... gosto de tudo! Então? Não é um grande blogue? Verdade! O trabalho e esforço de todos que ali colaboram é demasiado bom para que me permita notar coisas menos boas! Quanto ao fb, ele não te dá para aprofundares os temas!

10) não tenho sentido essa dificuldade [, de acesso ao blogue].

11) O blogue permitiu-me, ao fim de muitos anos, escrever sobre coisas que ao longo dos anos tinha vindo a falar sobretudo com antigos camaradas e com os meus filhos, e sobre algumas de que nunca tinha falado e que estavam camufladas cá bem no fundo! Permitiu-me ainda recuperar antigas amizades e fazer outras com camaradas com quem nunca tinha falado! Enfim, permitiu-me viver e reviver Guiné! A página do facebook é, para mim, essencialmente uma via para o blogue!

12) Participei o ano passado.

13) Estive inscrito, mas a mudança de data caiu em cima de outro evento combinado há muito! Estou ainda a ver se consigo dar a volta para estar presente... e levar mais alguns!

14) Enquanto houver um ex-combatente da Guiné vivo... vai haver blogue!


Grande abraço Luís e vou ver se ainda consigo que nos encontremos no dia 8.
Enviado via iPad


Resposta nº 107 > José Figueiral [, ex-alf mil da CCÇ 6, Bedanda, 1970/72]


1) Suponho que em 2010.

2) Através de um camarada amigo.

3) Sim, desde 2010. [, membro da TG desde 8 de fevereiro de 2011]

4) Inicialmente,todos os dias. Agora, de tempos a tempos.

5) Os meus fracos conhecimentos de informática impedem-me de participar mais.

6) Sim e visito-a diariamente [, a nossa página no Facebook].

7) Ao facebook, diariamente e essa é a razão pela qual vou menos vezes ao Blogue.

8) O Blogue vale pelo imenso conteúdo nele existente.O Facebook é mais fácil de consultar, porque aparece diariamente.

9) Nada tenho a apontar.

10) Efectivamente, considero o acesso lento [, ao blogue].

11) O Blogue continuará a ser o livro aberto ou a Bíblia da Guiné. O Facebook é o jornal diário.
12) Não.

13) Não,mas participei e participarei sempre no Encontro Anual dos camaradas de Bedanda.

14) Continuar, sempre. Acabar,nunca. «Tudo vale a pena,se a alma não é pequena». Um abraço e o meu reconhecimento pelo vosso trabalho e dedicação.

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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11127: Memória dos lugares (214): Cameconde, no subsetor de Cacine, o destacamento mais a sul do CTIG... (José Vermelho / Augusto Vilaça / Juvenal Candeias)



Guiné > Mapa geral da província ( 1961) > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Cameconde, a guarnição militar portuguesa mais a sul, na região de Quitafine, na estrada fronteiriça Quebo-Cacine... Em 1968 era o batalhão que estava em Buba (BART 1896, 1966/68) quem defendia esta importante linha de fronteira...


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

1. Há mais de duas dezenas de referências a Cameconde, no nosso blogue, mas há informação este destacamento, que dependia de Cacine (*). Fomos recolher alguns apontamentos:




Guiné  > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > c. maio de 72/abril 73) > O José Vermelho, quando passou pela CCAÇ 6, as "Onças Negras".

Foto: © Vasco Santos (2010). Todos os direitos reservados.


(i) José Vermelho, nosso grã-tabanaqueiro nº 471, fur mil, CCAÇ 3520 - Cacine, CCAÇ 6 - Bedanda, CIM - Bolama, 1972/74):

(...) Cameconde era um destacamento de Cacine, distando 6/7 Kms entre si.

Tinha uma forma mais ou menos rectangular, talvez aí de uns 50 por 70 mts., encravado no meio da mata, completamente isolado, sem qualquer população civil.

Era o destacamento das N/T situado mais a sul da Guiné.

Tinha em permanência 1 Pelotão de Artilharia + 1 Grupo de Combate de Cacine, sendo este substituído mensalmente por outro, em regime rotativo.

Era feita uma coluna diária Cacine - Cameconde (com picagem) e volta.

Nos primeiros meses de 1972, também fui um dos "turistas voluntários à força", convidado a visitar Cacoca...isto é...o pouco ou nada que restava dela!

Um abraço para todos os camaradas

José Vermelho [ Comentário ao poste P11109]


(ii) Augusto Vilaça [ex-Fur Mil da CART 1692/BART 1914, Sangonhá e Cacoca, 1967/69]

Quando viemos para Cacine, tínhamos o destacamento, Cameconde, onde tínhamos de estar 15 dias. Quando haviam flagelações, bastava uma "obussada " para que os turras desistissem. Eu tirei a especialidade em artilharia, mais concretamente em armas pesadas, como bazuca, morteiros de 60 ou 120 mm. Chefiava uma secção de 5 homens.

Pergunta do J. Casimiro Carvalho:

Ó Gusto, isso aí deve ser um 10,5  [,. referência a foto, a seguir,  do Augusto Vilaça junto a um obus que me parece ser 8.8] ?! Cameconde era com abrigos, casamatas ? Eu estive aí em 73.

Resposta de Augusto Vilaça:

Olá. Quando lá estive, o nosso refúgio eram os abrigos, um em cada quadrado. Como sabes, esses abrigos eram muito frágeis. Felizmente nunca caíu um morteiro neles, senão.....

Comentário de Silvério Lobo:

Amigo augusto estive lá, em 2008, com o Luís Graça, vi um abrigo bem forte, com alguns frases do vosso tempo [Eu e o Silvério Lobo, estivemos em Cacine, não em Cameconde]

Comentário de J. Casimiro Carvalho:

Eu estive de passagem em Cacine. Cameconde tinha casamatas fortificadas e estava desativado. Ou estou enganado ?

[Fonte: Página do Facebook da Tabanca Grande, Grupo Antigos Combatentes da Guiné, 30/7/2012]


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Setor de Cacine > Cacine, na margem esquerda do Rio Cacine > 2 de Março de 2008 > Simpósio Internacional de Guileje (1-7 de Março de 2008) > Visita dos participantes ao sul > Por aqui passou a CART 1692... Esta tosca placa em cimento, delicioso vestígio arqueológico dos "tugas", diz-nos que em dois dias, de 16 a 18 de Abril de 1968, foi construído este abrigo, em tempo seguramente recorde, a avaliar pelas "60 bebedeiras neste 'priúdo'... TRABALHO RÁPIDO". Estão também gravados dois topónimos portugueses, Nisa e Alenquer.



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cacine > 2 de março de 2008 > Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 março de 2008) > O Silvério Lobo junto a uma "bunker", construído pelas NT em cimento armado (, seguramente pelo BENG...).

Fotos: © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados


(iii) Quem tem estórias, deliciosas, de Cameconde (e de Cacine) é  o Juvenal  Candeias (, ex-alf mil, CCAÇ 3520,  Estrelas do Sul, Cacine e Cameconde e Guileje, 1971/74]  [, foto à esquerda]

Reproduzo aqui, a do Viente Piu (**)

(...) Vicente era o Furriel de Minas e Armadilhas do 2º Grupo de Combate da CCaç 3520! Popularmente era conhecido por Piu, alcunha que nada tinha a ver com um temperamento piedoso, mas simplesmente com o seu vício de caçador de passarada!

Era ele, provavelmente, quem mais contribuía para o moral elevado das nossas tropas. Embora não fosse aquilo a que habitualmente chamamos uma figura carismática, o Vicente era a boa disposição permanente e contagiante, que nos permitia rir com gosto e facilidade!

Era o homem sempre pronto a pregar partidas aos camaradas!

O Vasconcelos, Furriel de Artilharia em Cameconde, homem dos obuses 14, era uma das suas principais vítimas! Pequenino e bom de bola, fazia inveja ao Garrincha, de tal modo as suas pernas eram arqueadas, e, segundo o Piu, bastante feias! Por essa razão, andava sempre de calças e só tomava banho à noite e sozinho! Salvo quando o Vicente lhe colocava baldes de água em cima das portas por onde ele ia passar!

O Vasconcelos veio à Metrópole de férias e terá conhecido, numa festa, uma miúda por quem se apaixonou! Quem escolheu para confessar a sua paixão? Exactamente o Piu, que explorou exaustivamente a situação, obtendo informação detalhada! Estava em marcha mais uma partida!

O correio enviado diariamente por Cameconde aguardava transporte em Cacine. A correspondência chegava e partia de Cacine, na melhor das hipóteses uma vez por semana, em avioneta Dornier 27. O pessoal que estava destacado em Cameconde recebia o correio no dia seguinte, através da coluna auto que todas as manhãs ligava os dois aquartelamentos.

Com alguém em Cacine feito com o Piu, o Vasconcelos começou a receber correspondência da sua paixão, aerogramas que eram escritos e falsificados em Cameconde pelo Piu, vinham a Cacine e voltavam a Cameconde, sempre que havia correio geral a distribuir. Naturalmente que as respostas do Vasconcelos nunca passavam de Cacine, voltando a Cameconde, onde eram entregues ao Piu.

O detalhe da tramóia incluía carimbos e restantes pormenores que faziam acreditar no realismo da correspondência! O conteúdo, inicialmente erótico, posteriormente pornográfico, com inclusão de sexo virtual, era do conhecimento de todos, apenas o Vasconcelos desconhecia a partida! Estava cada vez mais apaixonado… e continuava a confessá-lo ao Piu com quem, ainda por cima, comentava o correio que recebia da sua paixão!

A partida durou as semanas que o Piu entendeu e quando se fartou… escreveu uma última missiva, identificando-se, descompondo o Vasconcelos e chamando-lhe alguns nomes que pouco abonavam a sua masculinidade!

Acabou, assim, deste modo abrupto, um passatempo que animou, durante algum tempo, o destacamento de Cameconde, buraco do… cú do mundo, onde nada existia e nada acontecia, para além de umas bazucadas com maior frequência que a desejada! (...)

(iv) Sobre esta região, o Quitafine, leia-se o excelente enquadramento feito pelo Juvenal Candeias  [, foto à direita, então alf mil da CCAÇ 3520] (***):
(...) A região do Quitáfine, a Sul de Cacine, era considerada o santuário do PAIGC, que aí estava fortemente instalado e provido de dispositivos de segurança, que tornavam os nossos movimentos impossíveis, salvo com utilização de meios excepcionais. Trilhos minados e sentinelas avançadas, permitiam-lhes uma tranquilidade apenas quebrada pelos obuses de 14 cm, disparados do nosso destacamento de Cameconde!

Os efectivos de que dispunham com um grupo especial de 20 lança-granadas, responsável pelas constantes flagelações a Cameconde, apoiado por um bigrupo disperso pela zona de Cassacá e Banir (onde se supunha estar o comando), eram reforçados por uma vasta população armada em auto-defesa, distribuída, entre outras, pelas tabancas de Ponta Nova, Bijine, Dameol, Cassacá, Banir, Campo, Cassebexe e Caboxanque.

O PAIGC furtava-se sistematicamente ao contacto, optando por uma estratégia defensiva de protecção às populações que controlava, privilegiando as flagelações e a colocação de engenhos explosivos! Quem circulava a Sul de Cambaque (que distava cerca de 3 Km de Cameconde) tinha como certo algumas surpresas no trilho! Provavelmente um campo de minas e a seguir (algum humor-negro), munições de Kalash espetadas no chão formando a palavra PAIGC!

O Quitáfine permitia ainda,  ao PAIGC,  um reabastecimento regular e seguro, processado a partir da República da Guiné, através de vários rios, em especial o Caraxe e o Camexibó! Ao dispositivo militar juntava-se uma mata densa intransponível!

Os pára-quedistas, após uma operação no Quitáfine, só à noite conseguiram chegar a Cameconde, com grande dificuldade e orientados pelo clarão da queima de cargas de obus, em cima dos abrigos!  O grupo de Marcelino da Mata, largado de helicóptero, fez um golpe de mão a Cabonepo, a base do PAIGC mais a Norte do Quitáfine, onde estaria instalado um posto transmissor. Quando chegou, após lenta progressão através da mata… não havia lá nada… a base tinha sido abandonada momentos antes!

O Quitáfine era, efectivamente, o santuário do PAIGC, desde o início da guerra! Foi ali que se realizou, na tabanca de Cassacá – a 15 Km de Cacine e a 8 Km de Cameconde -, em meados de Fevereiro de 1964, o 1º Congresso do PAIGC, com a presença de Amílcar Cabral, Luís Cabral, Aristides Pereira e outras individualidades do Partido!

A CCaç 3520 tinha chegado ao porto de Cacine, a bordo da LDG Montante, em 24 de Janeiro de 1972, para render a CCaç 2726 – companhia açoriana comandada pelo Capitão Magalhães -, o homem que retorcia as pontas do bigode com cera e a quem o tabaco nunca faltava! Dizia-se mesmo, à boca pequena, que, quando o tabaco acabava em Cacine, o PAIGC deixava, no mato, uns macitos para o Capitão! Rumor ou realidade… ninguém sabe! Ficou por provar!

Decorria ainda o período de sobreposição, que se prolongou até 22 de Fevereiro, quando foram recebidas instruções de Bissau, para ser preparada uma operação ao Quitáfine – Cabonepo e… Cassacá! (...)



Plano de retração das guarnições militares portuguesas, no pós-25 de abril. Região sul. Cameconde e Gadamael foram desativados no mesmo dia,  19 de julho de 1974. Cacinbe, uns dias mais tarde, a 12 de agosto.  Nesta lista há 3 aquartelamentos que pertenciam ao leste, não ao sul: Bambadinca, Mansambo e Xime. Reprodução (parcial) da página 54 (de um total de 74) do relatório da 2ª rep/CC/FAG, publicado em 28 de fevereiro de 1975, e na altura classificado como "Secreto".

Sangonhá e Cacoca já tinham sido abandonados no início do consulado de Spínola, no 2º semester de 1968, como conta aqui o António J. Pereira da Costa, numa das histórias da sua "guerra a petróleo", e quando ele foi alferes QP da CART 1692.

Digitalização do documento: Luís Gonçalves Vaz (2012) / Edição das imagens: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2012) ]
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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11109: O Nosso Livro de Visitas (162): João Vaz, natural de Teixoso, Covilhã, naturalizado francês, vive em Pau, perto de Lurdes... Foi 1.º cabo apontador de obus, esteve na BAC 1, entre 1968 e 1970, e passou por Bissau, Cameconde, Buba e Cuntima



Guiné > Região de Tombali > Mapa de Cacoca / Gadamael (1960) (Escala 1/50 mil). Posição relativa de Cameconde. Se não erro, depois da  retirada de Sangonnhá e Cacoca,  Cameconde, a sul de Gadamael,  era a nossa única guarnição do regulado de Cacine na região abrangida pela carta de Cacoca.

 Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Telefonou-me, este fim de semana, um camarada da diáspora, João Vaz, hoje naturalizado francês, Jean Vaz. Vive na cidade de Pau, perto de Lurdes, no departamento dos Pirinéus Atlânticos.

O João é natural de Teixoso, Covilhã. Foi 1º cabo apontador de obus, de rendição individual, tendo estado na BAC (Bateria de Artilharia de Campanha), entre 1968 e 1970. Passou seis meses em Cameconde. Voltou a Bissau, e foi de novo colocado no mato, em Buba. Acabou a comissão em Cuntima. Ainda chegou a estar escalado para Gandembel, mas safou-se.

Era tradição na BAC passar-se um ano no mato e outro em Bissau.

O João Vaz vem a Portugal todos os anos. É assíduo e apaixonado visitante do nosso blogue. Gostaria de encontrar malta do seu tempo, e nomeadamente da BAC. Convidei-o para integrar a nossa Tabanca Grande e participar no nosso próximo VIII Encontro Nacional, que se vai realizar em Monte Real, em 22 de junho próximo. Vamos ficar em contacto. Aqui fica o seu mail: jean.vaz@sfr.fr

Eis aqui alguns camaradas que estiveram em (ou passaram por) Cameconde (que, tanto quanto sei, seria um destacamento de Cacine, pelo menos no tempo do Augusto Vilaça):

Tony Grilo, ex-sold apontador de obús 8,8 cm, BAC 1,  Cabedu, Cacine e Cameconde, 1966/68(, vive no Canadá);

Júlio Dias, Pel Rec Daimler 2049 (Cacine e Cameconde, 1968/70) /, vive em Sidney, Austrália);

Juvenal Candeias, ex-alf mil, CCAÇ 3520, Cameconde, 1971/74;
Augusto José Saraiva Vilaça, ex-fur mil da CART 1692/BART 1914 (Sangonhá e Cacoca, 1967/69):

António José Pereira da Costa (Cor art ref, ex-alferes de art na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69;  e ex-cap  e cmdt  das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74).
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segunda-feira, 23 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9781: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande (12): Muitas caras novas...

VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012 > O Valentim Oliveira e a neta Cyndia,  de 19 anos > O nosso camarada, que vive em Viseu, estava desolado por duas razões: (i) o Ruiz Alexandrino, por motivos de saúde, não pôde comparecer à última hora. ele que tem sido uma presença frequente nos nos encontros; (ii) o Virgínio Briote e a Maria Irene desta vez também falharam... O Valentim, um bravo da Ilha do Como,  fez este ano, em 5 de janeiro, a bonita idade de 70 anos... Recorde-se que ele foi Soldado Condutor da CCav 489/BCav 490, e portanto camaradada nosso coeditor Virgínio Briote (mesma companhia). Estava desolado por ser o único representante do batalhão... A Cyndia, por sua vez, tinham estado na Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, no IV Encontro Nacional da Tabanca Grande, em  20 de Junho de 2009, com a mãe da Maria Irene e sogra do Virgínio, a senhora dona Irene Fleming (hoje com 100 anos!). Por outro lado, o Valentim estava orgulhoso da sua neta que, além de já ter carta de condução, é estudante de marketinh, no Instituto Superior Politécnico de Viseu. Ficámos muito felizes por rever o nosso camarada e a sua neta.


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012 > O Carlos Pires e a Joaquina (Amadora)... São duas caras novas. O Carlos foi nado e criado na Guiné, filho de pais portugueses, comerciantes. Fez a tropa lá, no início da década de 1970. Pertenceu à CCAÇ 13. Ficou muito feliz em conhecer o Carlos Silva e o Manuel Joaquim, dirigentes da ONGD Ajuda Amiga cujo presidente da direção é, nem mais menos, o Carlos Fortunato, um homem da primeira geração da CCAÇ 13 - Os Leões Negros. O Carlos Fortunato, soubemos através do Carlos Silva, está ainda em Bissau, sem conseguir desalfandegar o contentor com material para diversas intituições, incluindo a AD. Deve regressar esta semana, ficano o Pepito de acompanhar as operações alfandegárias, quando (e se) a vida  se normalizar em Bissau. Pela conversa que tive com o Carlos Pires (que vive em Portugal desde o 25 de abril), tem diversos amigos na Guiné-Bissau, ou naturais da Guiné-Bissau (como é o caso do António Estácio que, embora inicialmente inscrito no nosso Encontro, acabou por não poder vir). 


Representação da CART 1746 no VII Encontro da Tabanca Grande em Monte Real. Da esquerda para a direita: ex-Alf Mil João Mata, ex-Cap Mil António Vaz e ex-1.º Cabo Manuel Moreira.


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012 > Da direita para a esquerda, o António Vaz (ex-cap mil da CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69) mais dois dos seus alferes, o João Mata e um outro camarada, angolano de nascimento, amigo do Rui Alexandrino, mas cujo nome não retive... Homens com grandes histórias, confidencia-me o António Vaz... Fique na mesma mesa, e conversámos um bocado... Quero vê-los inscritos como membros da Tabanca Grande, e conto para isso com os bons ofícios do António Vaz (, que se revelou para mim um excelente conversador: falámos bastante do Xime, da Ponta do inglês, dos picadores e guias do Xime, como o Seco Camará  ou do Mancaman, já aqui em tempos recordado pelo ex-alf mil capelão Arsénio Puim).


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012  > O meu camarada António Mateus, da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71), recentemente entrado para a Tabanca Grande, juntamente a esposa Laura. Vivem em Guifões, Matosinhos, são vizinhos do Albano Costa que me mandou um grande abraço, através deles.


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Duas caras que já são familiares, na nossa Tabanca  Grande, dois camaradas e amigos do meu tempo de Bambadinca, o António F. Marques e o J. L. Vacas de Carvalho que desta vez não contou nenhum fadinho "por falta de ambiente intimista"...


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Em primeiro plano, o meu querido ciriurgião ortopedista, que tratou do meu joanete, o Francisco Silva... A seu lado, um outro camarada, o  António Silva, da mesma companhia e do tempo de Xitole, a CART 3492 (1971/74).


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012 >  O Alexandre Margarido e o José Vermelho.


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012 >  O Manuel Carmelita  (Vila do Conde) e o João Marcelino (Lourinhã)


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012 > O João Marcelino e o Juvenal Candeias (ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Estrelas do Sul, Cacine, Cameconde, Guileje, 1971/74)... Pel comversa que tive na mesa com estes cacineiros, terá sido o Juvenal Candeias quem trouxe ao nosso encontro o Margarido (ex-alferes mil, graduado em capitão, da CCAÇ 3520)... Fotos (e legendas): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados
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Nota do editor:

terça-feira, 9 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5962: Antropologia (17): A Condição da Mulher em Cacine, em 1972 (Juvenal Candeias)

Guiné > Região de Tombali > Cacine > Binta, a bajuda contestatária, recusou  o casamento forçado com um homem grande




Guine > Região de Tombali > Cacine > "Hospital Central de Cacine”: todas as especialidades (incluindo partos)

Foto: © Juvenal Candeias (2010). Direitos reservados.


1. Mensagem, com data de ontem, do Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Estrelas do Sul (Cacine, Cameconde, Guileje, 1971/74):

 Assunto: A Condição da Mulher em Cacine, em 1972


 Camaradas,


Não quero deixar passar o Dia [Internacional] da Mulher sem vos enviar este texto, singela homenagem  à Mulher Nalú, que muito admirei, pela sua força, coragem e importância na comunidade.


Tomara que essa força e coragem tenha entretanto sido devidamente orientada!... Penso que ao texto deveria antes chamar Elementos para o Estudo da Condição [da Mulher]... deixando para os sociólogos - parece que há um aí bem perto - o verdadeiro estudo da Condição  da Mulher em Cacine.


Como diria Filinto Barros, este texto não é "nem sociologia, nem história, nem política, é tão-somente um conjunto de memórias com 38 anos.


Um forte abraço a todos.


Juvenal Candeias


PS. À atenção do Luís Graça: observa a fotografia da enfermaria de Cacine. Do lado direito podes ver como era o bunker cujas ruínas fotografaste há relativamente pouco tempo.


2. A CONDIÇÃO DA MULHER EM CACINE, EM 1972
por Juvenal Candeias


Em Cacine predominava a etnia Nalú, tradicionalmente animista, convertida ao Islamismo por influência dos Sossos, etnia minoritária, mas culturalmente mais evoluída

A islamização dos Nalús transformou completamente a sua cultura, afectando de modo significativo a condição social da mulher. O casamento poligâmico forçado, o trabalho feminino e o fanadu (mutilação genital da mulher) surgiram como novas realidades ou revestiram aspectos totalmente distintos.

- O CASAMENTO

O casamento, que tradicionalmente era feito por troca, passou a ser feito por compensação (pecuniária e/ou em géneros).

Quando as jovens tinham 12 ou 13 anos, apresentavam-lhes um homem dizendo-lhes que era o seu marido. Não havia relações sexuais prévias, não havia namoro, não havia nada que permitisse à mulher conhecer o marido, muito menos decidir se com ele queria viver!

A negociação das bajudas (mulheres jovens) era feita no momento, por proposta efectuada pela família do pretendente à família da jovem, mas o comprometimento de bajudas ainda na infância, também era vulgar. Neste caso, o noivo passava desde então a ajudar a família da noiva, até que esta, alguns anos mais tarde, lhe fosse entregue.

O número de mulheres de cada homem dependia da sua capacidade financeira e determinava mesmo o seu estatuto social na comunidade.  Não eram raros os homens grandes (velhos) com 3 ou 4 mulheres, algumas bastante mais jovens. É que, para além do eventual interesse sexual, as mulheres significavam também mão-de-obra barata.

O casamento imposto, verdadeira violência psicológica exercida sobre as mulheres, raramente tinha contestação, por um lado, porque se efectuava logo a partir dos 12 anos, quando a mulher tinha pouca possibilidade de se opor, por outro lado, devido à pressão social que a própria comunidade exercia sobre as eventuais contestatárias.

Contudo, esporadicamente ocorriam alguns casos, como o de uma bajuda, residente na Tabanca Nova – reordenamento estrategicamente colocado junto à picada, a meio caminho entre Cacine e Cameconde – que perante o iminente casamento negociado pela família com um homem grande, mais interessada num jovem, recusou, acabando por fugir para o mato, onde andou sozinha cerca de uma semana.

De nada lhe serviu! Encontrada e repreendida, o castigo terá sido severo, uma vez que durante bastante tempo ninguém viu a Binta!

O ambiente familiar, com várias esposas de um mesmo homem que entre si se designavam por cumbossas, era, naturalmente, de grande rivalidade, salvo quando a diferença etária entre as cumbossas era significativa, situação em que as mais velhas, a troco de trabalho, podiam mesmo dar alguma protecção às mais jovens.


Apesar de toda esta envolvência, as crianças eram tratadas como filhos por todas as cumbossas, independentemente de quem fosse a verdadeira mãe. Era uma original, mas real situação de crianças com várias mães!

No âmbito do casamento também a herança era um fenómeno original e penalizador da condição da mulher. A viúva não tinha direito a herdar os bens do marido. Os mesmos eram herdados pelos irmãos, fazendo a mulher, ela própria, parte da herança do falecido marido.

Para além de perder o marido e os bens, via-se na contingência de integrar uma nova família a quem era obrigada a servir e ainda a manter relações sexuais com um novo homem que, naturalmente, também não escolhera!

A extrema submissão a que as mulheres estavam sujeitas levava a que questionar uma mulher,  sobre as diferentes situações de violência no seio do casamento, era obter, invariavelmente, a resposta, por estas ou por semelhantes palavras: “sempre foi assim…”, “é Deus que quer…”

- O TRABALHO DA MULHER

O casamento a que nos referimos, determinava que a mulher via a sua posição degradada, fora convertida em servidora, verdadeira escrava da luxúria do homem, que a transformara em simples instrumento de produção e reprodução.

Esta situação acabava por influenciar, ironicamente, a posição preponderante que a mulher desempenhava no seio da família e a importância da sua acção na comunidade. De facto, à mulher estava atribuída a responsabilidade da alimentação, vestuário, manutenção da casa e educação dos filhos, áreas em que os homens não tinham a mínima interferência.

A família não se sustentava só com o que comprava com os parcos rendimentos obtidos pelos homens mas, sobretudo, com o que resultava de a mulher transformar muitas horas de trabalho.

Algum destaque deverá ainda ser dado à educação dos filhos. Era garantida em exclusivo pelas mulheres que, contraditoriamente, acabavam por ser as transmissoras de comportamentos e valores enraizados, ligados a um processo de socialização de que elas próprias eram as principais vítimas.

As crianças do sexo feminino eram preparadas pelas mães para o processo de submissão à vontade do homem e da comunidade e as do sexo masculino para perpetuarem o domínio dos homens.

O analfabetismo era outro problema grave. Atingia valores extremamente elevados nos homens e era total nas mulheres.

O Furriel Miliciano Lopo mantinha uma escola primária a funcionar diariamente, onde nunca conseguiu ter um aluno do sexo feminino!

Estas horas de trabalho invisível desenvolvido pelas mulheres eram fundamentais para garantir a economia doméstica e a evolução da comunidade e da cultura da própria etnia. Para os homens, contudo, este trabalho pouco contava, estava praticamente oculto atrás da fachada da família poligâmica, permanecendo invisível, porque não se traduzia em produtos visíveis.

Muitas horas de rude desgaste diluíam-se magicamente, permanecendo na clandestinidade a forte contribuição da mulher Nalú para a comunidade.

À mulher competia ainda outro trabalho, um pouco mais visível… Apanhar ostras e proceder à sua venda - a cotação da bacia de ostras era de 10 pesos – apanhar mangos, cultivar mandioca e mancarra, semear arroz… enfim, pouco restava para os homens fazerem, para além das rezas e do descanso tranquilo nas suas cadeiras de encosto!

Sempre que a tropa passava pela tabanca em deslocações de trabalho ou de patrulhamento, o cumprimento era um paradigma:
- Eh pessoal! Manga de trabalho!

A resposta, indolente, vinha lá bem do fundo da cadeira:
- Manga deeeele!

- O FANADO

O fanado, ou mutilação genital feminina, dizia-se ser um processo mais amplo, que podia descrever-se como uma cerimónia ou ritual de iniciação que preparava as jovens para a vida adulta, para a sua responsabilidade na comunidade e para a habilidade de continuar a cultura da própria etnia.

O fanado tinha na mutilação genital feminina a sua face mais negra. Ocorria na época das chuvas, altura em que as mulheres padidas (que tinham sido mães recentemente) se ocupavam da construção das barracas do fanadu, integralmente em material vegetal e longe da tabanca.

Tudo o que se relacionava com o fanadu não tinha intervenção do homem, que estava até impedido de se aproximar do local da cerimónia.

Eram as mulheres padidas que “montavam segurança” nas imediações do local e um cusco da nossa Companhia teve mesmo direito a perseguição e caça, no meio de tremenda algazarra, salvando-se apenas com a entrada no aquartelamento, após longa corrida.

Construídas as barracas, apenas as meninas que iam ser sujeitas ao fanadu (com cerca de 10 anos), as fanatecas e algumas mulheres grandes, lá entravam!

O que acontecia no interior das barracas, durante semanas, ninguém sabia com absoluta certeza.

O fanado era um ritual secreto do qual apenas se conhecia a mutilação genital e a transmissão, pelas mulheres grandes, dos valores atrás referidos.

Constava, contudo, que a mutilação era efectuada pela fanateca, que dispunha de uma faca própria para o efeito, que os cortes eram efectuados a frio, sem sombra de anestesia, sucessivamente a todas as bajudas, sem condições sanitárias, sem sequer a faca ser esterilizada após cada utilização.

Esta intervenção provocava problemas imediatos de hemorragias e infecções de que se desconhecia a exacta dimensão, uma vez que, devido ao carácter secreto da cerimónia, o facto não era muito comentado e nenhuma jovem podia recorrer a apoio médico.

As consequências nefastas do fanado projectavam-se sobre o futuro das bajudas e agravavam-se com maternidades precoces. Hemorragias e outros problemas no momento do parto eram comuns e levavam as mulheres a recorrer às enfermarias militar e civil, aqui já sem grandes inibições.

Em casos extremos, mas não raros, verificava-se mesmo a incapacidade para ter filhos.

Apesar de todos estes problemas, a mulher Nalú nem um gemido largava ao parir e levantava-se imediatamente a seguir ao parto, para efectuar a limpeza total do local.  Era uma questão cultural, de honra e prestígio.

O fanado era, portanto, uma cerimónia absolutamente generalizada. Não passar pelo fanado era algo de inconcebível, determinando a exclusão social, a discriminação, a recusa de casamento e de tarefas no seio da família, dado que a jovem não tinha sido purificada. Se as bajudas não fossem ao fanado,  as suas preces não seriam ouvidas, por mais que se lavassem nunca ficariam limpas…

Consequentemente, e em casos extremos, as próprias mães chegavam a fazer o fanado às filhas!

De resto o fanado era uma festa que se prolongava por várias semanas, em que o principal programa era comer, beber (apesar da islamização) e dançar!

Juvenal Candeias

Março 2010

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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

18 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5295: Histórias de Juvenal Candeias (6): Padaria de luxo em Cacine

16 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5113: Histórias de Juvenal Candeias (5): Vicente, o Piu

16 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4961: Histórias de Juvenal Candeias (4): Há periquitos no Quitáfine

1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4623: Histórias de Juvenal Candeias (3): Um Manjaco em chão Nalú

12 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4323: Histórias de Juvenal Candeias (2): Incêndio no Rio Cacine

7 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4299: Histórias de Juvenal Candeias (1): Pirofobia ou a mina que não rebentou por simpatia

6 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4294: Tabanca Grande (136): Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cameconde (1972/74)

(...) Era Alferes Miliciano, Atirador, com recruta e especialidade em Mafra a que se seguiu Tavira durante 3 meses!



Mobilizado para a Guiné, fui formar Companhia no BII 19, no Funchal, donde saí com a Companhia de Caçadores 3520 para Bissau, onde cheguei ao fim da tarde de 24 de Dezembro de 1971 (que rica noite de Natal, no Cumeré!!!)


Após a IAO no Cumeré, fomos parar a Cacine (mais o destacamento de Cameconde), onde permanecemos até final de Outubro de 1973! (...)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5532: Efemérides (40): Cerimónia de homenagem ao Gabriel Telo (Juvenal Candeias)


1. O nosso Camarada Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cameconde, 1971/74, enviou-nos uma mensagem do dia 22 de Dezembro de 2009, com uma reportagem da cerimónia de homenagem ao Gabriel Telo:

1º Cabo GABRIEL FERREIRA TELO, mobilizado no Batalhão Independente de Infantaria nº 19, no Funchal, integrando a Companhia de Caçadores nº 3518, solteiro, filho de João de Jesus Telo e Maria Flora Ferreira Telo, natural da freguesia de Paul do Mar, concelho de Calheta - Madeira. Morreu em Guidage em 25 de Maio de 1973, vítima de ferimentos em combate durante um ataque inimigo ao aquartelamento. Foi sepultado no cemitério de Guidage. (Extracto do poste P5240, José Martins).

Camaradas,
Só na passada semana recebi alguma informação sobre a cerimónia de homenagem ao Gabriel Telo, que decorreu no Paúl do Mar.

A informação chegou-me através do João Viveiros, ex-1º Cabo da CCaç 3520.


A cerimónia constou de uma missa na Igreja do Paúl do Mar, freguesia de naturalidade do Gabriel Telo, seguida do funeral para o cemitério da localidade.

Estiveram presentes autoridades representativas da Região Autónoma da Madeira e centenas de pessoas, em especial ex-Combatentes dos diferentes ramos das Forças Armadas, incluindo um elemento de uma Companhia de Comandos Africanos.

A homenagem terá, naturalmente, sido bastante emotiva e da mesma terá sido dada uma grande divulgação em toda a ilha.

Junto duas fotografias elucidativas e um recorte do JM (Jornal da Madeira) do dia 23.11.2009.


Creio que o atraso na informação, não é motivo para impedimento de publicação da notícia.

Um grande abraço para todos e um FELIZ NATAL.

Juvenal Candeias
Alf Mil da CCAÇ 3520

Fotos: © João Viveiros (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

12 de Novembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P5261: Efemérides (29): Às custas dos seus familiares (Magalhães Ribeiro)

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5295: Histórias de Juvenal Candeias (6): Padaria de luxo em Cacine

1. História de uma padaria de luxo, ali para os lados de Cacine, enviada pelo nosso camarada Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cameconde, 1971/74, em mensagem do dia 16 de Novembro de 2009:

PADARIA DE LUXO DE CACINE

A ideia generalizada de que a dieta dos militares na Guiné era bastante pobre, correspondendo, embora, à verdade, apresentava algumas excepções.

De facto, em muitos locais, o isolamento, em especial na época das chuvas quando não era possível efectuar reabastecimentos, implicava rupturas nos géneros, com as implicações daí derivadas!
Também as situações de flagelação constante aos aquartelamentos impediam o reabastecimento, como aconteceu em Gadamael, em Maio e Junho de 1973!
Quem andou por Gadamael nessa época lembra-se que os gatos desapareceram completamente! Parece que gato com ervilhas, era um pitéu de eleição!

Em Cacine, embora as épocas de crise alimentar também tenham existido, épocas em que a bianda (arroz) com conserva de cavala, ou até mesmo com marmelada, constituía verdadeiro pitéu, comia-se razoavelmente, na maior parte do tempo!

De facto, o Rio Cacine permitia enriquecer a dieta com refeições de peixe, que, apesar de pouco diversificado, era abundante, distinguindo-se o tubarão, normalmente preparado em filetes.

A caça, efectuada por caçadores nativos, era também frequente: a gazela, o tatu, o porco-espinho, o javali, o muntu (burro de mato), eram pratos frequentes e, quando, por razões de guerra os caçadores receavam sair… havia ainda o macaco!

E o pão!... De fabrico diário, sempre fresco, era uma delícia!

A partir de certa altura passou mesmo a ter sementes no seu interior.

O que me levou a alguns comentários de elogio com o Sargento Pestana, que, para minha grande admiração, contestou de muito mau humor, no seu característico sotaque alentejano, de Elvas:

- Sementes… sementes… eu acho é que aquilo são caganitas de rato!

Não era razoável que assim fosse! Se o pão sempre tinha sido tão bom...

Padaria de Luxo de Cacine - Três Alferes Milicianos à espera de pão quente… com sementes.

De qualquer modo lá fui convencido pelo Pestana a, qual ASAE, fazer uma inspecção à padaria, naquele mesmo momento, hora em que o padeiro não estava a trabalhar.

Entrámos na padaria… e o nojo foi imenso!
Ausência de higiene, dois sacos de farinha completamente abertos, a farinha em contacto com aquilo que de rastejante por ali passasse, enfim… indescritível!

Despejámos a farinha que restava nos sacos abertos em cima da mesa, espalhámo-la muito bem e… lá estava, agora que não estavam cozidas dentro do pão, não restavam dúvidas… eram mesmo caganitas de rato!

Mandámos imediatamente chamar o padeiro e… enojados e irritados, afirmámos, quase em uníssono:

- Ganda porco! Andas a servir ao pessoal pão com merda de rato?! Não tens vergonha?! A partir de agora, por cada caganita de rato que aparecer no pão, vais três dias para a prisão. Seu porco!... Desaparece!...

E foi deste modo que o pão com sementes, que chegou a ser bastante apreciado, padaria de luxo de Cacine, foi completamente banido do mercado.

Juvenal Candeias
Novembro 2009
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Nota de CV:

Vd. poste de 16 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5282: Gabriel Telo e José Carlos Machado, CCAÇ 3518, Guidaje, 1973: Presentes ! (Juvenal Candeias)
Vd. último poste da série de 16 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5113: Histórias de Juvenal Candeias (5): Vicente, o Piu

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5113: Histórias de Juvenal Candeias (5): Vicente, o Piu


1. O nosso Camarada de Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520 - Cameconde, 1971/74 – enviou-nos mais uma história das suas memórias da guerra:

Camaradas e Amigos,

Um grande abraço e espero que estejam todos em plena forma.

A história que hoje vos envio é, sobretudo, uma homenagem a um grande amigo e companheiro de armas.

As fotografias já estão velhinhas, mas é o que tenho sobre o tema. Se conseguirem melhorar a qualidade... fico-vos grato, como de costume.

Até breve.

VICENTE, O PIU

O Vicente era o Furriel de Minas e Armadilhas do 2º Grupo de Combate da CCaç. 3520! Popularmente era conhecido por Piu, alcunha que nada tinha a ver com um temperamento piedoso, mas simplesmente com o seu vício de caçador de passarada!

Era ele, provavelmente, quem mais contribuía para o moral elevado das nossas tropas. Embora não fosse aquilo a que habitualmente chamamos uma figura carismática, o Vicente era a boa disposição permanente e contagiante, que nos permitia rir com gosto e facilidade!

Era o homem sempre pronto a pregar partidas aos camaradas!

O Vasconcelos, Furriel de Artilharia em Cameconde, homem dos obuses 14, era uma das suas principais vítimas! Pequenino e bom de bola, fazia inveja ao Garrincha, de tal modo as suas pernas eram arqueadas, e, segundo o Piu, bastante feias! Por essa razão, andava sempre de calças e só tomava banho à noite e sozinho! Salvo quando o Vicente lhe colocava baldes de água em cima das portas por onde ele ia passar!

O Piu e o Zé Vermelho em Cacine: dois grandes malucos!

O Vasconcelos veio à Metrópole de férias e terá conhecido, numa festa, uma miúda por quem se apaixonou! Quem escolheu para confessar a sua paixão? Exactamente o Piu, que explorou exaustivamente a situação, obtendo informação detalhada! Estava em marcha mais uma partida!

O correio enviado diariamente por Cameconde aguardava transporte em Cacine.

A correspondência chegava e partia de Cacine, na melhor das hipóteses uma vez por semana, em avioneta Dornier 27. O pessoal que estava destacado em Cameconde recebia o correio no dia seguinte, através da coluna auto que todas as manhãs ligava os dois aquartelamentos.

Com alguém em Cacine feito com o Piu, o Vasconcelos começou a receber correspondência da sua paixão, aerogramas que eram escritos e falsificados em Cameconde pelo Piu, vinham a Cacine e voltavam a Cameconde, sempre que havia correio geral a distribuir. Naturalmente que as respostas do Vasconcelos nunca passavam de Cacine, voltando a Cameconde, onde eram entregues ao Piu.

O Alcino Sá e o Piu na praia de Cacine: tempo de lazer.

O detalhe da tramóia incluía carimbos e restantes pormenores que faziam acreditar no realismo da correspondência!

O conteúdo, inicialmente erótico, posteriormente pornográfico, com inclusão de sexo virtual, era do conhecimento de todos, apenas o Vasconcelos desconhecia a partida!

Estava cada vez mais apaixonado… e continuava a confessá-lo ao Piu com quem, ainda por cima, comentava o correio que recebia da sua paixão!

A partida durou as semanas que o Piu entendeu e quando se fartou… escreveu uma última missiva, identificando-se, descompondo o Vasconcelos e chamando-lhe alguns nomes que pouco abonavam a sua masculinidade!

Acabou, assim, deste modo abrupto, um passatempo que animou, durante algum tempo, o destacamento de Cameconde, buraco do… cú do mundo, onde nada existia e nada acontecia, para além de umas bazucadas com maior frequência que a desejada!

O Romeiro era outra habitual vítima! Deitava-se muito cedo e o seu quarto era mesmo ao lado do bar de Sargentos em Cacine, onde os noctívagos se reuniam até altas horas da noite!

Certa noite o Vicente aparece com uma corda que previamente atara à cama do Romeiro e ordena:

- Quando eu disser, toda a gente puxa a corda e grita… terramoooooto!

O resultado foi fantástico: o Romeiro salta da cama como o pai Adão quando veio ao mundo, atravessa toda a messe de sargentos a correr, e só pára na parada com todo o mundo a rir!

Alcino Sá, Piu, Costa Pereira, um djubi, Carlos Alves, Juvenal Candeias: em Cameconde, impecavelmente fardados, ou foi dia de festa ou de visita importante.

Ou o Cunha, que por vezes era afectado por sonambulismo!

Uma noite levanta-se, agarra na G3 e corre para a rua a gritar:

- Eu dou cabo dos gajos… eu dou cabo dos gajos!...

Foi o Vicente que o foi buscar e acalmar… antes de ele começar a disparar!

Mas o Vicente não era apenas isto!...

O Vicente era furriel de minas e armadilhas… ou apenas de armadilhas?!

- Não monto minas para os gajos levantarem e voltarem a montá-las contra nós! As armadilhas não levantam! Ou caem nelas ou rebentam-nas! – Dizia com convicção.

Sempre que, a seguir a um campo de minas encontrava munições de kalash espetadas no chão a formar a palavra PAIGC, não saía dali sem deixar a sua armadilha e CCAÇ 3520 escrito no chão com munições de G3!

- Eles voltam sempre ao local do crime! – Afirmava!

Um dia levantámos umas minas anti-pessoal de origem chinesa, tipo queijo da serra em plástico cor verde azeitona! Para nós, habituados aos caixotes PMD6, esta marca era um problema! Estávamos todos à rasca no manuseamento das ditas, até que o Piu disse:

- Dêem cá o material e deixem-me trabalhar sozinho!

Entrou para a casota do gerador, em Cameconde, e o pessoal ficou cá fora, nervoso, sem saber o que a intervenção do Piu iria provocar!

Cerca de meia hora depois, abre-se a porta e ele aparece, com ar triunfante, as minas desmontadas e apenas um ferimento na palma da mão, tipo picada para análise, provocado pelo percutor!

A polivalência do Vicente não ficava por aqui!

Ele era um óptimo caçador… daí a alcunha!

Quando a comida era escassa, lá ia o Piu à caça! A maioria das vezes sozinho, não queria ninguém a espantar os animais!

Passadas umas horas era vê-lo chegar, sempre com um número considerável de rolas à cintura… e o jantar estava salvo! Já não era dia de macaco ou de arroz com atum!

Outra das facetas do Vicente, era a sua sensibilidade para a música!

Os improvisos de bateria eram comuns!

Horas passadas de auscultadores, indiferente a tudo e a todos, mesmo às flagelações diurnas a Cameconde com RPG7, observando tranquilamente do varandim da messe, o fumo dos rebentamentos e comentando:

- Os gajos continuam a ter as mesmas referências de tiro! Elas continuam a rebentar longe!

O Vicente, um verdadeiro fenómeno do humor, era natural do Entroncamento! Chegou da tropa e foi conduzir comboios para a linha de Sintra! Um dia alguém lhe disse:

- Oh Piu, andas a matar gajos no túnel do Rossio?

Ao que ele respondeu:

- Não pá! Eu só os ajudo a suicidarem-se!

Infelizmente o Vicente deixou-nos em Novembro passado! Um sacana de um cancro na próstata, não detectado a tempo, pregou-lhe a partida definitiva e levou-o desta para melhor!

- Vicente, lá, onde estiveres, foi um grande gozo recordar-te, nesta minha singela homenagem!

Um abraço do,
Juvenal Candeias
Alf Mil da CCAÇ 3520

Fotos: © Juvenal Candeias (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste da série em: