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terça-feira, 10 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18509: In Memoriam (313): Armando Teixeira da Silva (1944-2018), ex-Soldado Atirador da CCAÇ 1498/BCAÇ 1876 (Có, Jolmete, Bula, Binar e Ponate, 1966/67), falecido no passado dia 4 de Abril. Natural de Oliveira de Azeméis, vivia em Santa Maria da Feira. Era (e é) nosso grã-tabanqueiro nº 636


O Armando Teixeira da Silva em Ponate

I N  M E M O R I A M



ARMANDO TEIXEIRA DA SILVA (1944-2018)


CCAÇ 1498, Os Vagabundos (1966/67) > Divisa: "Chorou-vos toda a terra que pisastes"


1. De acordo com a notícia publicada no Fórum dos Veteranos da Guerra do Ultramar, faleceu no passado dia 4 de Abril o camarada, e nosso amigo Grã-Tabanqueiro, Armando Teixeira da Silva, ex-Soldado Atirador da CCAÇ 1498 / BCAÇ 1876, que esteve em Có, Jolmete, Bula, Binar e Ponate, 1966/67, e que em 2013 se apresentou à tertúlia (*)


A notícia também correu no Facebook da Tabanca Grande, dada pela nossa amiga Maria do Carmo Vidigueira, em 5 do corrente, mas não associámos de imediato o nome ao nosso grã-tabanqueiro Armando Teixeira da Silva, nº 636:


"Recebi a notícia de um amigo e colega do meu marido que esteve no Ultramar, que faleceu o Armando Teixeira, de Santa Maria da Feira. Paz à sua alma".

Segundo notícia necrológica da Funerária Santos da Feira Lda, o nosso camarada Armando Teixeira da Silva (6 de maio de 1944 - 4  de abril de 2018) tinha 73 anos, deixa viúva, 1 filho e 1 filha:

(i) era natural de Oliveira de Azeméis;
(ii) morava em Santa Maria da Feira;
(iii) estava casado com Maria Dulce dos Santos Teixeira

 À família deste amigo e camarada, que agora nos deixou, a tertúlia deste Blogue apresenta as mais sentidas condolências. O seu nome passa a figurar na lista dos nossos bravos que da lei da morte já se foram libertando.(**)

2. Em jeito de homenagem ao nosso saudoso camarada Armando Teixeira da Silva, aqui vai um excerto do texto que escreveu o ex-alf mil at inf José [Jorge de] Melo, seu comandante de pelotão (***):

(...) O Armando Teixeira teve e tem o mérito de há dez anos dedicar uma parte da sua vida a descobrir o paradeiro de cada um dos militares do nosso pelotão, com o intuito de promover um almoço anual e que este ano [, 2015,] vai ter a décima repetição.Nesses convívios, tendo eles conhecimento das minha aptidão para a escrita, recebi vários pedidos para que escrevesse as aventuras vividas na Guiné Bissau. Eu porém fui adiando o início desse trabalho e agora venho propor-me a ir escrevendo no seu blog algumas das peripécias por que passámos, se tanto me for permitido." (...)
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Notas do editor:


sábado, 11 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14865: Os nossos seres, saberes e lazeres (105): Sou reformado a tempo inteiro, mas... nas horas vagas escrevo, pinto, aperfeiçoo o Inglês e sou secretário geral da Anetta – Associação Nacional das Empresas e Técnicos de Trabalhos em Altura (José Melo)

1. Conforme ficou dito no poste de apresentação(1) do nosso camarada José Melo (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1498/BCAÇ 1876, Có, Jolmete, Ponate, Bula e Binar, 1966/67), publicamos hoje a parte referente à sua faceta de escritor e artista plástico.

O que faço hoje?

Sou reformado a tempo inteiro, mas... nas horas vagas escrevo, pinto, aperfeiçoo o Inglês e sou secretário geral da Anetta – Associação Nacional das Empresas e Técnicos de Trabalhos em Altura.

Como escritor publiquei seis livros cuja leitura recomendo.
São eles:


Título - Um País de Floreanos 
Volume I - Sonhos de Emerenciana

Comentário:
Em Ponta Delgada, nos princípios dos anos 30, Guilherme trabalha afincadamente para ter uma vida desafogada e para conservar a sua liberdade de expressão. Num ambiente de miséria social e de forte contestação contra a repressão de um governo ditatorial, Guilherme, entre a amizade de um fantástico grupo de amigos e as preocupações com os familiares, encontra o seu verdadeiro e grande amor. Porém a inveja, a soberba e o orgulho rapidamente tecem a teia de intriga que os separará...

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Título - Um País de Floreanos 
Volume II (Romance) - Ver Santa Maria por um Canudo

Comentário:
Um convite para uma viagem aos Açores dos Princípios dos anos 30 do Séc. XX: as paisagens, a cultura, as festas, as ruas, os interiores e o exterior de uma arquitectura que se anima, as modas e a vida social, a electricidade no ar que precede a Guerra, numa trama amorosa invulgar. 

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Título - Um País de Floreanos 
Volume III (Romance) - As Bocas do Mundo

Comentário:
A escrita é mordaz, mas o autor consegue a proeza de a fazer oscilar entre o sério e o burlesco, numa história que é, toda ela, perpassada por pródigas e minuciosas descrições que, a par do enredo central, enriquecem este III Volume...

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Título - Registo de Viagem : Rota Moçambique e África do Sul (Relato de viagem, romance e crónica)

Comentário:
Este livro é um misto de relato de viagem, de romance e de crónica.
O relato de viagem mostra um ritmo alucinante numa sede de percorrer em poucos dias o maior número possível de lugares e de viver situações exóticas. O romance é bom. É a parte com mais brilho e que tempera os relatos de viagem.
As crónicas relatam factos perecíveis, verdades do dia que amanhã serão mentiras. Tais como os acontecimentos políticos vivem das aparências, são verdades temporárias que se desfazem porque o que parecia ser já não é.
Registo de Viagem: Rota de Moçambique e África do Sul, é um livro controverso tanto no campo político, económico, financeiro, banca, médias, etc., como no campo do seu valor literário intrínseco.

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Título - Sem Rumo e Sem Rima

Comentário:
Um hino à existência. Não aquela que, por vezes, parece ser colorida, quente, ensolarada...
Sem nada pedir em troca, o poeta doa a alma ao leitor.
É uma alma doida, que sofre. Mas que deseja ser entendida e acarinhada.
E poderá, assim, Rimar e encontrar o seu Rumo...

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Título - Antes que me esqueça

Comentário:
Os vinte e dois contos que a obra abarca, convidam à eterna descoberta com que José Jorge de Melo já habituou os leitores. Mesmo os mais incautos não poderão ficar indiferentes à escrita que (atrevidamente, apelidarei de pictórica), brota da pena, hoje já caída em desuso... Algumas das histórias, apesar de, naturalmente, menos longas do que outras, contêm pormenores que lembram minúcias de um estudo etnográfico. Revelam vantagens e contradições. A qualidade de vida de que se pode desfrutar numa terra pequena, choca com o problema de todos conhecerem tudo de todos, manancial soberbo para as coscuvilheiras. Há relatos de uma tal riqueza que só o ato de ouvir e de não preservar no cofre da escrita, equivalerá, por certo, não ao olho por olho, dente por dente como plasmado no conto Terreiro da Forca, mas a uma espécie de outro crime não menos grave: o da perda e o do esquecimento das tradições, dos usos, dos costumes, enfim, da vida noutras eras. Outros contos fazem refletir sobre a bondade, a mentira, o engano, o julgamento dos homens, de tal sorte que provocarão, em cada leitor, as mais variadas emoções. Quantos de nós não vivenciámos já situações análogas a uma das passagens do conto Bem Fazer mal haver? “Eu que te alimentei quando eras pequena e estavas adoentada. Isso é uma enorme ingratidão! Tu não tens coração”. Ler Antes que me esqueça é mergulhar num mundo de peripécias, onde se entrecruzam a memória e a voz de quem relata e a perícia e a elegância de quem escreve.

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No respeitante a Pintura

Tenho um “blog” denominado Atelier José Melo ou Atelier José Jorge de Melo (http://atelierjosejorgemelo.blogspot.pt/), que por falta de tempo está desatualizado, mas se estiver interessado no campo da pintura, poderá observar no “blog” alguns dos meus quadros. Para ficar ciente do meu tipo de pintura, envio duas fotos de quadros da minha autoria.


Presunção

Lago Lemont

José Melo
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Notas do editor

(1) Vd. poste de 4 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14834: Tabanca Grande (468): José Jorge de Melo, ex-Alf Mil da CCAÇ 1498/BCAÇ 1876 (Có, Jolmete, Ponate, Bula e Minar, 1966/67)

Último poste da série de 8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14849: Os nossos seres, saberes e lazeres (104): Tomar à la minuta (7) (Mário Beja Santos)

sábado, 4 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14834: Tabanca Grande (468): José Jorge de Melo, ex-Alf Mil da CCAÇ 1498/BCAÇ 1876 (Có, Jolmete, Ponate, Bula e Minar, 1966/67)

1. Mensagem do nosso camarada e novo amigo José Jorge de Melo, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1498/BCAÇ 1876, Có, Jolmete, Ponate, Bula e Binar, 1966/67, com data de 22 de Junho de 2015:

Caro camarada de armas,
Há cerca de um ano, o Armando Teixeira falou-me no seu “blog” e tentou entusiasmar-me para que eu viesse a participar no mesmo. Porém, os meus afazeres diários fizeram-me esquecer o assunto. Ontem ele enviou-me três textos que foram publicados no seu “blog” que tiveram o condão de me entusiasmar a fazer esta minha apresentação.


Respeitando as regras:

1 – Envio de uma foto antiga



2 . Envio de uma foto actual



3 - Texto de apresentação

Posto: alferes miliciano
Especialidade: atirador de infantaria
Unidades e locais:
Recruta em Tavira (aproximadamente 3 meses);
Especialidade em Mafra (aproximadamente 3 meses);
RI 18 nos Arrifes, Ponta Delgada, São Miguel, Açores (10 meses);
mobilizado para a Guiné pelo Regimento de Abrantes; Santa Margarida (1 mês);
Guiné-Bissau (21 meses), locais de permanência: Ponate, Có, Bula, Binar e ... “já consigo dizer que” fui condecorado com uma Cruz de Guerra de 3.ª classe. A seu tempo esclarecerei a razão porque escrevo “já consigo dizer que”

Onde vivo: Parede, concelho e distrito de Cascais;

Outros assuntos:

Esclarecimento do “já consigo dizer que...”

Quando terminei as ações de desmobilização em Novembro de 1967, decidi regressar a São Miguel, minha terra natal, para descansar, esquecer a guerra, e levei comigo um Manual de Geometria Descritiva, para ir lendo quando me apetecesse, porque tencionava regressar a Lisboa para me licenciar em Engenharia, no Instituto Superior Técnico (IST).

Regressei a Lisboa a 4 de Janeiro de 1968 e comecei os estudos imediatamente. Não tinha família em Portugal continental e convivia com um grupo de estudantes, seis anos mais novos do que eu, que frequentavam diversas universidades em Lisboa.

A minha educação era altamente religiosa e o meu pensamento estava imbuído de conceitos de disciplina, obediência, contenção e paz. Porém fui-me apercebendo, tanto no IST como nas outras faculdades, da existência de um forte movimento de contestação contra o governo de Salazar a que não pude ficar alheio. As reuniões de estudantes na Associação Académica que eu não deixava escapar e as discussões pela noite dentro sobre política, foram modificando a minha maneira de pensar. Mas... foram as discussões religiosas que mais me abalaram. Discutiram-se todas as provas da existência de Deus e foi-me mil vezes demonstrado a não existência de um Deus, sobretudo devido às enormes insistências de meu irmão Carlos, que frequentava Filosofia e me impingia os tratados de fenomenologia.

Posso dizer que quase fui obrigado a ler o Capital de Karl Max, A Vida e Morte de Che Guevara; e os mais marcantes, não sei precisar as datas em que os li, foram “Crimes de Guerra no Vietnam”, “Porque não sou Cristão”, “A minha concepção do Mundo” de Bertrand Russell, bem como “ O Macaco Nu” e ” O Zoo Humano” de Desmond Morris.

Depressa chegaram a Lisboa as notícias sobre a Revolta estudantil do Quartier Latin iniciada a 10 de Maio de 1968. Estavam refugiados em Paris muitos jovens açorianos e portugueses, que tinham fugido para França, para escapar a serem incorporados no exército português e arrastados para a Guerra colonial. E mandavam jornais livros, propaganda em favor do comunismo e do existencialismo. Recomendavam a leitura de Simone de Beauvoir e de Jean Paul Sartre e de facto senti uma certa revolta ao ler “A Idade da Razão” que foi um livro muito discutido.

A 27 de Setembro de 1968, a tomada de posse de Chefe do Governo de Portugal por Marcelo Caetano foi uma lufada de esperança que desapareceu rapidamente, por se tornar evidente desde muito cedo, que ele seguia os passos do seu antecessor. A guerra colonial era para continuar e os mandantes e influentes na condução do país continuavam a ser os mesmos.

Encurtando razões tornei-me ateu e contestatário político e em Janeiro de 1969 assinei o documento “Liberdade e Coerência Cívica” uma Candidatura Independente às eleições para Deputados em 1969.
"Declaração de Ponta Delgada" que está inserido nos arquivos do “Pensamento de Melo Antunes”.

Embora a minha mudança de pensamento politico me tenha agitado, o tornar-me ateu deixou-me vazio, por perder o ideal da perfeição mística. Senti uma premente necessidade de substituir esse ideal perdido por um outro, um outro de minha escolha, que me animasse, me guiasse na continuação da minha existência. Não escolhi a política, não escolhi a humanidade. A minha escolha recaiu sobre a beleza, a arte, a música, a liberdade, isto é, tudo aquilo que me proporciona prazer.

No primeiro trimestre de 1968 recebi o primeiro convite para receber a condecoração que me havia sido atribuída e declinei o convite. Estava abalada a minha estrutura mental nos campos religioso e politico. Deixei de falar sobre a minha vida militar, melhor dizer que procurei ocultar esse meu tempo de vida. Heróis eram os que tinham fugido para França e não pactuaram com um regime opressivo, os que estavam proibidos de regressar a Portugal por serem refractários e iam mandando notícias sobre as novas ideias e o progresso da humanidade.

No ano seguinte recebi novamente o convite para ir a Tomar receber a minha condecoração e, desta vez, pagavam as passagens de avião para os meus pais se deslocarem de Ponta Delgada a Tomar, a fim de assistirem à cerimónia. Meus pais nunca tinham saído de São Miguel, eu tinha casado, era estudante universitário e o dinheiro não abundava. Não podia perder a oportunidade de oferecer aos meus pais uma viagem a Lisboa que os deslumbrou. Sem dizer nada aos meus amigos universitários, aceitei o convite, e fui a Tomar, sentindo que estava a cometer uma ação incongruente para com o meu novo pensamento, pactuando com o regime.

Recusei os vários convites que recebi para me associar à Liga dos Combatentes e durante quarenta anos tentei ignorar e esquecer a minha vida militar. Nos dias de hoje já consigo dizer que fui combatente na Guiné Bissau.

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Memórias do serviço militar obrigatório

O Armando Teixeira teve e tem o mérito de há dez anos dedicar uma parte da sua vida a descobrir o paradeiro de cada um dos militares do nosso pelotão, com o intuito de promover um almoço anual e que este ano vai ter a décima repetição.
Nesses convívios, tendo eles conhecimento das minha aptidão para a escrita, recebi vários pedidos para que escrevesse as aventuras vividas na Guiné Bissau. Eu porém fui adiando o início desse trabalho e agora venho propor-me a ir escrevendo no seu blog algumas das peripécias por que passámos, se tanto me for permitido.

Quando cheguei a Santa Margarida espantei-me pela falta de disciplina e desorganização que reinava na Unidade, no Batalhão e na Companhia a que estava adstrito. Na minha Companhia, a 1498, o capitão ainda não se apresentara na Unidade, sendo o sargento ajudante, administrativo, que a governava a seu belo prazer. Este sargento ajudante nomeou-me “oficial de dia”, em tom de pessoa de patente superior à minha, aspirante miliciano. Acatei a ordem e resolvi não iniciar um litígio logo no primeiro dia, mas confesso que a sua atitude não me agradou. Perguntei-lhe, no entanto, o que esperava de mim, na qualidade de “oficial de dia”? Estava a ser nomeado “oficial de dia” da Unidade ou do Batalhão?
O homem esboçou um sorriso de troça e esclareceu que se tratava somente de obrigações para com a companhia 1498; e que se resumiam unicamente em acompanhar os soldados que já se tinham apresentado até ao refeitório e coordenar a refeição.

Tinha levado comigo uma série de livros para através da leitura poder matar os tempos mortos. Chegada a hora do almoço dirigi-me para a camarata da 1498 e verifiquei que os soldados, de moto próprio, seguiam para o refeitório sem me dar cavaco.
- Hei! Militares! Vamos formar!
- Formar?! Os outros oficiais não mandam formar!
- Eu mando! Quem não formar não entra no refeitório! E tu aí, como te chamas?
- Eu sou o Cascais.
- Vai ao refeitório avisar os que já lá estão que têm de vir para a forma.

O primeiro que terminou a refeição, levantou-se e preparava-se para abandonar o recinto:
- Hei! Espera que todos acabem!

Quando todos terminaram, mandei porem-se de pé e destroçarem.
Foi o primeiro choque entre mim e os soldados da 1498.

Vinham para a formatura, uns fardados, outros em pijama, de chinelas. Eu não quis ser muito duro. A única exigência era que formassem e esperassem a minha ordem para destroçarem.
O capitão, na altura ainda tenente, acabado de sair da academia militar, era progressista e resolveu aplicar técnicas democráticas para a divisão dos soldados em pelotões. Reuniu todos os soldados num grupo e colocou os aspirantes em fila bastante separados uns dos outros, e perguntou:
- Quem quiser ir para o aspirante Branco desloque-se para o pé dele.
E moveu-se uma leva de soldados. Quando terminou o movimento, veio a segunda pergunta:
- Quem quer ir para o aspirante Pinto?
Nova leva de soldados.
- Quem quer ir para o aspirante Melo?
Nem sequer um mostrou o desejo de integrar o meu pelotão.
- Quem quer ir para o aspirante Travassos?
Moveu-se uma grande leva de soldados.

Um grupo, de uma a duas dezenas de soldados, ficaram sem se ter candidatado a nenhum dos pelotões. Conversaram entre si e depois um deles levantou o dedo:
- Meu tenente! Ainda podemos escolher?
- Claro que podem!
- Queremos ficar com o aspirante Melo.

Eram naturais de terras do norte, Braga, Barcelos e arredores; e foram os melhores soldados do meu pelotão. Os restantes foram arrebanhados dos pelotões que tinham gente a mais.

Todos aqueles soldados pareciam estarem condenados à morte. Desejavam portar-se mal, por revolta, por contestação. Excediam-se no álcool, jogavam até tarde. Eu, embora sabendo que na Guiné iria correr riscos de perda da minha vida, não me sentia um condenado à morte, e pensava que a minha vida dependia da atitude dos meus soldados e da disciplina que eu conseguisse impor por forma a conseguir deles rápidas e prontas respostas contra os imprevistos da guerra. Assim, imediatamente após saber quem eram os meus soldados, furriéis e sargentos, passei a ocupar-lhes as manhãs com sessões de esclarecimento e motivação, exercícios físicos e revisão do estudo do armamento, prometendo-lhes que, se fossem disciplinados e cumprissem as regras, haveríamos de voltar todos com vida.

Na dúvida, acataram as minhas sugestões e, embora em toda a Unidade o meu pelotão fosse o único a preencher as manhãs daquela maneira, não tive da parte deles qualquer contestação, porém não me livrei da fama de ser militarista.
Na Guiné continuei a ser extremamente duro no respeitante à disciplina e na primeira semana castiguei um motorista por não ter verificado o nível do óleo da sua viatura.

Nasci na ilha de São Miguel onde permaneci até aos 21 anos. Não tinha grande experiência e vivência social. Sentia-me diminuído pelo facto do meu falar ser bastante diferente do falar continental, o que em muitas situações era motivo para troça. A minha puberdade fora extremamente tardia. Aos 15 anos tinha o tamanho de uma criança de doze anos e, como dizia o meu pai, somente aos 17 anos comecei a espigar. Embora fosse um ano mais velho do que todos os meus soldados, porque tive um ano de adiamento por estar matriculado na Universidade, a minha aparência era acriançada enquanto eles, alguns já casados, tinham aspecto de serem mais maduros. Esta diferença de aparência obrigou-me a manter uma maior distância para com eles e um maior rigor na imposição da minha autoridade.
Tive de me manter inflexível para compensar o que o peso, a carranca e o tamanho do corpo me diminuíam.
Fui duro muitas vezes injustamente e, quando eu passava, ouvia-os murmurar entre dentes: “Deus não dorme!”
Porém, por sorte, consegui cumprir a minha promessa porque, embora o meu pelotão tivesse sido castigado com bastantes feridos graves, nenhum dos meus homens faleceu e disso sento orgulho; e ainda hoje não me arrependo da dureza e distância que mantive naquela altura da minha vida, que psicologicamente me doeu, principalmente nos primeiros tempos, no quartel de Ponate, porque não tinha com quem desabafar. Enquanto eles conversavam entre si sobre as suas vidas e sobre as notícias que recebiam por carta dos familiares, eu sentia uma certa solidão e tinha de remoer sozinho, entre as quatro paredes do meu dormitório, os meus receios, os medos e as responsabilidades.

A disciplina que implementei, permitiu que me pudesse dar ao luxo de poder dormir até quinze minutos antes da hora marcada para uma saída; e ter o prazer de ver o meu pelotão devidamente formado, municiado e pronto para avançar enquanto outros sofriam para conseguirem estarem preparados mesmo contando com atrasos.

Dez anos depois, em 1978, desloquei-me em serviço a Macau, na sequência de negociações de um contrato de fornecimento de material de telecomunicações para aquele território. A última reunião, a decisiva, teve lugar no palácio do Governador, com a presença do mesmo. Estavam as negociações em marcha quando o Governador, numa atitude completamente fora do contexto me pergunta:
- Você não se lembra de mim?
- Sinceramente não tenho ideia de alguma vez me ter cruzado com V. Exa.
- Mas eu lembro-me perfeitamente de si! Não se lembra de uma operação que saiu de Binar em que veio uma companhia de intervenção de Bissau para se integrar com as vossas forças.
- Lembro-me perfeitamente.
- Eu era o comandante dessa companhia e fixei a sua fisionomia porque você foi o único que tinha o pelotão pronto para sair à hora que tinha sido determinada. Invejei o comportamento do seu pelotão.

Tratava-se de José Eduardo Martinho Garcia Leandro, promovido a coronel quando, em 1974, foi nomeado Governador de Macau.

José Jorge de Melo

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2. Comentário do editor:

Caro camarada de armas José de Melo
Bem-vindo ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.
Não vais estranhar o tratamento por tu, que torna mais próxima a comunicação entre camaradas que em comum têm o ter pisado o chão da Guiné naquela situação de guerra. Tentamos que a idade, o actual (ou antigo) posto militar, as habilitações académicas e profissão sejam o impedimento de proximidade entre quem partilha este espaço de memórias.

Muito obrigado por te decidires juntar à nossa tertúlia, onde poderás deixar escritas (e em imagem) as recordações dum tempo que jamais esqueceremos. Terás também de nos dizer porque foste agraciado com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe. Independentemente das nossas convicções políticas de então, não temos que nos envergonhar, hoje, por termos participado na guerra de África, a esmagadora maioria de nós foi para lá por imposição, cumprindo a lei vigente.

Se reparares, há parte da tua mensagem que foi omitida. Aquela que dedicas à tua faceta de artista enquanto escritor e pintor. Foi de propósito, já que na nossa série "Os nossos seres saberes e lazeres" irás ter, em breve, o destaque que mereces.

Não consegui fazer da tua foto antiga uma tipo passe para encimar os teus futuros postes. Se tiveres por aí uma onde estejas fardado, por exemplo a do BI militar, manda para os nossos arquivos. Se quiseres que faça outra actual onde apareças mais de frente, manda também.

Depois desta tua tão bem elaborada apresentação, resta-me deixar aqui um abraço de boas vindas em nome da tertúlia e dos editores.
Estaremos sempre ao teu dispor

Pela tertúlia
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14727: Tabanca Grande (467): José João Braga Domingos, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (Colibuia, Ilondé e Canquelifá, 1973/74), 691.º Grã-Tabanqueiro