Mostrar mensagens com a etiqueta José Corceiro. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta José Corceiro. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 12 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24390: O segredo de... (38): António Branquinho (1947-2023): Passei-me dos carretos... Perante a recusa dos helis em levaram os nossos dois mortos, puxei a culatra atrás da G3 e gritei: 'Levais os mortos ou… dou-vos um tiro nos c….!' (Acção Galhito, 22/6/1971, regulado do Cuor, sector L1)

Guiné > Zona Leste > Região de Baftá  Sector L1 (Bambadinca)  > Regulado do Cuor > Missirá > 1969 > Aqui esteve destacado, em 1970/712, o seu Pel Caç Nat 63, com os nossos dois tabanqueiros, que a morte já levou, o alf mil art Jorge Cabral (1944-2021), natural de Lisboa,  e o fur  mil art António Branquinho (1947-2023), nascido em Vila Nova de Foz Coa. 

Entre 1971 e 1974, os Pel Caç Nat 52, 54 e 63 passaram "rotativamente" por vários aquartelamentos e destacamentos do Sector L1: Bambadinca, Fá, Missirá, Mato Cão, ponte do rio Udunduma , Enxalé, etc. O Jorge Cabral foi substituído, no comamdo do Pel Caç Nat 
63, em 1 de julho de 1971, pelo alf mil at Manuel David Coelho (oriundo da  CART 2714 / BART 2917).

O Pel Caç Nat 54, até 18/11/1970, era comandado pelo alf mil Correia. A partir desta data até para além do regresso do BART 2917 à Metrópole, passou a ser comandado pelo alf ml Hélder P. R. Martins.

Por sua vez, o Pel Caç Nat 52, era comandado pelo alf mil Mário Beja Santos, até 24/7/1970, sendo nesta data substituído,  até para além do regresso do BART 2917 à Metrópole, pelo alf mil at Nelson Alberto Wahnon Reis.
 
Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-fur mil op esp, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71)

Foto: © Humberto Reis (2006) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 


Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) > Escala de 1/50 mil > Detalhes: posição relativa de Bambadinca, Nhabijões, Mato Cão, Missirá, Sancorlá e Salá. O PAIGC só mandava (alguma coisa), a partir de Salá... tendo "barracas", mas a noroeste, na zona de Madina / Belel). Já no Oio havia a "base central" de Sara Sarauol... O destacamento, mais a norte de Bambadinca, no setor L1 era Missirá, guarnecido por um Pel Caç Nat (52 ou 63, em diferentes períodos) e um pelotão de milícias... Vários camaradas nossos, membros da Tabanca Grande, andaram por outros sítios, "pouco recomendáveis"...  A Madina/ Belel (que já não vem neste excerto do mapa) ia-se uma vez por ano, na época seca... para dar e levar porrada.  A história abaixo contada passou-se no trilho Missirá - Sancorlã - Salá, em 22 de junho de 1971, no decorrer da Acção Galhito.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)


1. O Antóno Branquinho deixou-nos no passado dia 27 de maio, aos 76 anos (*)... Natural de Vila Nova de Foz Coa, vivia na Covilhã, era irmão do Alberto Branquinho. Escreveu poucas coisas para o blogue. Tem vinte e tal referências. Mas há um "segredo" que ele não leva para o Olimpo dos antigos combatentes: já aqui o contou, em 2010 (**). De maneira singela, sem fanfarronice, mas também sem alguns detalhes importantes, como o local e a data... (Fomos recuperar, entretanto, essa informação de contexto.) Vale a pena recordar esse poste, agora republicado na série "O segredo de..." (***)


O segedo de... António Branquinho: "Passei-me dos carretos..."

Missirá, pelas 6 da manhã, preparação e início de mais uma operação de rotina. 
O Pelotão tinha sido “convocado” para proceder a uma operação de reconhecimento e patrulhamento, conjuntamente com outros dois grupos de combate. Tínhamos ainda como objectivo, desactivar uma mina anti-pessoal, detectada há já muito tempo.(**=

Durante o percurso íamos passando por locais paradisíacos, com palmeiras, mangueiros, outras árvores exóticas e pequenos cursos de água. Se não houvesse guerra e tivesse dinheiro, não me importava de construir uma vivenda num daqueles locais. Maldita guerra!

Ia eu nestas cogitações, quando me dá uma valente dor de barriga. Desta situação avisei o Jorge Cabral, como comandante do Pel Caç Nat 63, informando-o que iria sair do trilho para fazer uma necessidade fisiológica. 

Estava eu a preparar-me para baixar as calças, quando se ouve um violento estrondo. De imediato, ponho-me a correr em direcção à cabeça da coluna, ainda com as calças em baixo. Sabendo da existência da tal mina, corri de imediato ao encontro do Jorge Cabral, pensando que a mesma tinha sido accionada pelos elementos da frente. Por sua vez o Jorge Cabral pensou que eu,  ao sair do trilho,  teria accionado outra mina. Encontrámo-nos ao meio do percurso, em direcções opostas, ficando ambos estupefactos e felizes por estarmos sãos e salvos.

Como seria de esperar, gerou-se uma certa confusão. Após a acalmia das “tropas” e de se averiguar a situação, constatou-se que tinha rebentado uma mina (reforçada com granada de canhão sem recuo), na retaguarda da coluna. Tendo esta provocando dois mortos e vários feridos, uns graves e outros leves.

Perante esta situação, via rádio, pediu-se a evacuação dos elementos atingidos pelos estilhaços da mina. De imediato procedeu-se à organização da segurança a prestar aos meios aéreos.

Há já cerca de duas horas, que os grupos de combate estavam devidamente instalados, quando se ouviu o som característico dos helicópteros. Eram dois. Voando em círculos, aterraram numa clareira. Do seu interior saíram duas enfermeiras paraquedistas para se inteirarem da situação. Verificaram que além dos feridos havia dois mortos, recusaram de imediato o transporte destes, levariam só os feridos. 

Comunicaram esta decisão aos pilotos, com a qual eles concordaram. Ao aperceber-me daquela decisão, pedi-lhes para que transportassem também os mortos. Mantiveram a sua posição, dizendo:

– Não levamos os mortos!

Perante as suas atitudes drásticas, quanto ao meu pedido “passei-me”. De modo bastante drástico e enervado, empunhei a G3 em riste, puxei a culatra atrás e vociferei:

– Levais os mortos ou… dou-vos um tiro nos c….!

Como seria óbvio, eu não daria nenhum tiro, era só “ronco”. Uma coisa é certa – levaram também os mortos.

Em consequência de todas estas peripécias, não mais me lembrei da dor de barriga. Lembrei-me, sim, ao regressarmos a Missirá de beber não sei quantas “bazucas” para matar a sede.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Subtítulo / Negritos: LG]


2. Comentário do editor LG:


Dos 8 comentários ao poste P7291 (**), escolhi três, mais pertinentes:

(i) Luís Graça;

(...) Ora aqui está uma boa questão a pôr às nossas queridas camaradas enfermeiras paraquedistas... Por que é que elas se recusavam a levar os mortos? Eram elas ou eram eles, os homens da FAP, os pilotos e os melec?

Seguramente que havia "instruções de cima"... O custo de um heli era equivalente a 15 contos, na época, por HORA!, ou seja o vencimento (mensal) de dois alferes, se não mais, ou o pré (mensal) de 25 soldados de 2ª classe (leia-se: do recrutamento local, sem a 3ª classe da instrução primária)...

De facto, a mão de obra do exército, a tropa-macaca (sem ofensa para ninguém...), era muito mais "barata"...

No mato, para transportar, a pé, um morto, até ao aquartelamento mais próximo ou à estrada mais próxima (onde pudessem chegar as nossas viaturas) era preciso "mobilizar" um grupo de combate (30 homens) que se ia revesando... Era a tarefa mais penosa (física e psicologicamente falando) que nos podia caber, transportar, ao sol ou à chuva, um camaradda morto, em maca improvisada com paus de arbustos, impermeáveis e lianas...

Esse "calvário" está magistralmente descrito no livro do Amor Pires Mota, que eu li de um trago, a "Estranha Noiva de Guerra"...

16 de novembro de 2010 às 13:32

(ii) José Corceiro:

Numa narração que hoje escrevi para o blogue, que oportunamente irei enviar, durante uma emboscada tombaram no mato dois militares, também houve feridos. Pediram-se evacuações de heli, mas os mortos não foram no heli, ainda que não pertencessem à CCAÇ 5, foram em viatura para Canjadude, onde foram amortalhados.

É lógico, neste caso, se fosse só uma questão económica, teria sido mais vantajoso transportá-los no heli, a partir do local onde tombaram. Porque teve que vir meio aéreo, a Canjadude, trazer duas urnas. Posteriormente voltou a vir meio aéreo para levá-los já nos caixões, creio que para o local onde estava sediada a companhia à qual eles pertenciam. Eram duma companhia de “Paras”.

Interpreto a recusa de transportar mortos nos helis, por uma questão de utilidade e eficácia, porque durante o percurso do transporte dos feridos e mortos, poder-se-ia dar a coincidência de na mesma rota, aparecerem mais feridos e neste caso a lotação dum morto poderia impedir a evacuação dum ferido.

16 de novembro de 2010 às 22:20


(iii) Jorge Cabral:

Olá, Branquinho! Foi mesmo assim que aconteceu no dia 22 de Junho de 1971, na área de Salá (****). Eu já passara os 24 meses, mas ainda havia de lá voltar a 14 de Julho, quando o Pelotão já não se encontrava em Missirá. Os mortos foram Cherno Sanhá e Sambaro Embaló, ambos do Pel Caç Nat 54. (...)

17 de novembro de 2010 às 09:48
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 11 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24389: In Memoriam (479): António Branquinho (1947-2023), ex-fur mil, Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, set/69 - out/71)... Nosso tabanqueiro desde 24/9/2010, era irmão do advogado e escritor Alberto Branquinho, também ele membro da nossa Tabanca Grande

(**) Vd. poste 16 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7291: Estórias avulsas (100): A mina, que seriam duas (António Branquinho)

(***) Último poste da série > 21 de fevereiro de  2022 > Guiné 61/74 - P23012: O segredo de... (37): Demburri Seidi: demorou mais de dois anos para sair da sua boca o testemunho sobre os trágicos acontecimentos de Cuntima, em novembro de 1976, devido em parte ao medo que sentia e a manifesta dificuldade em falar sobre a "justiça revolucionária" praticada pelos vencedores contra os vencidos (Cherno Baldé)

(****) Segundo a História do BART 2917 (pág. 78) 

22 de junho de 1971: 

No decorrer da Acção “Galhito”, realizada por forças dos Pel Caç Nat 54 e 63,  na área de Sancorlã – Salá – Paté Gidé, as NT accionaram uma mina anti-pessoal reforçada em (BAMBADINCA 2F4-76) sofrendo dois mortos e dois feridos.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20522: O nosso livro de visitas (204): António Borges, cor inf ref, ex-cap inf, cmdt da CCAÇ 5, "Gatos Pretos", Canjadude, 1970, ao tempo do José Corceiro e do José Martins



Guiné > Região de Gabu > Canjude > CCAÇ 5, "Gatos Pretos > 1970

(...) O capitão Borges com a esposa numa coluna para Nova Lamego. Sentados atrás vão os guarda-costas (elementos dos Comandos, Dragões). Houve autorização superior para o jipe poder integrar a coluna.

É uma atitude arrojada que revela coragem, determinação e cumplicidade no casal, dando provas de coesão, sem se pouparem a sacrifício para consolidar a união dos cônjuges. É evidente que o amor é mais importante que a morte... mas o capitão Borges, com esta sua ousadia, deu provas de combate, segurança e confiança, no porvir.

A senhora do capitão Borges tem que ser uma mulher de alma magnânima e imperturbável, para se arriscar a viver nestas condições, a milhas da civilização e neste isolamento, não deve ser fácil, mas é revelador de acto de afoiteza e amor para com o marido, ao querer trilhar alguns dos perigos e dificuldades inerentes ao teatro de guerra que todos aqui vivemos, só que nós militares, por imposição e obrigação, enquanto a senhora do capitão é de livre vontade, abnegando a possibilidade de bem-estar, provavelmente podendo viver na Metrópole. (...) (*)

[Foto à direita]

Guiné > Região de Gabu > Canjude > CCAÇ 5, "Gatos Pretos > 1970 > Entre o Cheche e o Bormuleo, na margem direita do Rio Corubal, a posar para a foto o capitão Borges, o capitão Costeira e o ahferes Varela (hoje advogado em Almada). É visível a margem oposta do rio Corubal.

[Foto à esquerda]

Guiné > Região de Gabu > Canjude > CCAÇ 5, "Gatos Pretos > 1970 >  Instalados junto àmargem do rio Corubal, ao fim do dia, a comer a ração de combate. 

Na foto, o capitão Borges e mais pessoal da operação; o Silva de Transmissões está de pé; alguns carregadores civis são visíveis assim como os garrafões que transportavam com água. Passámos aqui a noite, onde as formigas nos atacaram.



Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego >  14 de março de 1970 >  Recepção do povo de Nova Lamego ao Ministro do Ultramar, Silva Cunha.


Guiné > Região de Gabu > Canjude > CCAÇ 5, "Gatos Pretos > 1970 > O Ramos a cortar o cabelo ao Corceiro em Canjadude. Era normal entre as 10 e as 15h00, intervalo de descanso, andarmos assim vestidos, quando não era pior.

Fotos (e legendas): © José Corceiro  (2010) . Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Troca de mensagens entre o cor inf ref António José G. G. Borges, ex-cap, cmdt da CCAÇ 5, Canjadude, 1970, hoje cor inf ref (**):

(i) António Borges, quarta, 18/12/2019, 12h45

Com os meus afectuosos cumprimentos muito gostaria que me fosse indicado o endereço actual do vosso "tertuliano" José Corceiro que foi Cabo radiotelegrafista da CCaç 5,  de Canjadude (Guiné), Companhia que comandei em 1970.

Antecipadamente agradecido desejo a todos Festas Felizes.
Cor António José G. G. Borges,
ex Capitão Borges / CÇaç 5


(ii) Luís Graça, 18/12(2019, 13h15

Zé Corceiro: Já há tempos que não contactamos... Tens aqui um pedido do ex-cmdt da CCAÇ 5, em 1970, hoje cor ref António Borges. Responde-lhe, com conhecimento a mim, se não te importares... Aproveitas para fazer a "prova de vida"...

Um abraço natalício. Luís Graça


(iii) José Martins, 18/12/2019.18h45:

Boa noite, meu Comandante e Amigo António Borgs:

Espero que se encontre bem, assim como toda a família. Pediram-me para responder a este mail, o que faço com muito gosto.

Já não tenho contacto com o Corceiro há algum tempo mas, os contactos de que disponho são:
e-mail (...)

telemóvel (...)

Telefone fixo (...) 

Aproveito para enviar votos de Boas Festas e um óptimo 2020.

José Martins

 (iv)  António Borges, 2/1/2020 11h15: 

Caros amigos:

A resposta ao meu pedido sagrou-se 100% exitosa tendo "capturado" o Corceiro que era o objectivo principal da operação, mas também o Martins, e estabelecido contacto com o Luís Graça a quem felicito pelo excelente trabalho do "blogue" que vem patrocinando, executando um trabalho que seria legítimo exigir fosse feito pelas instâncias oficiais próprias.

A todos os meus votos de um 2020 pleno de êxitos pessoais.

Um forte abraço do "capitão",

Borges

2. Comentário do editor Luís Graça:

Meu caro coronel António Borges: fico honrado com as suas palavras acerca do nosso blogue, e grato pelos seus votos de bom ano de 2020, que retribuo,. Ao mesmo tempo, fico feliz por termos conseguido "levar a carta a Garcia"... Mas precisamos da presença de mais um "Gato Preto" na nossa Tabanca Grande. Depois desta agradável visita, o seu lugar é aqui ao pé de nós. E começa bem o ano de 2020 se aceitar o nosso convite, sentando-se à sombra do nosso mágico, protetor e fraterno poilão, no lugar nº 802.

 Mande-nos uma pequena nota curricular e as duas fotos da praxe: uma mais recente e outra mais antiga, do tempo do CTIG. Com certeza que terá memórias que possa e queira partilhar connosco. Será muito bem vindo.

PS - Além do José Martins e do José Corceiro, temos ainda o João Carvalho (, "um dos últimos soldados do império"), como dignos representantes da CCAÇ 5. Espero que não me tenha escapado mais nenhum nome. Cito de cor.
______________


(...) Durante a minha permanência na Guiné, de entre os quatro Comandantes de Companhia da CCAÇ 5, que eu conheci em Canjadude, por razões de estilos diversos, cada Comandante deixou cinzelado, na minha memória, recordações e sentimentos distintos uns dos outros. (...)

(...) Estamos integrados numa companhia independente de africanos, cujo quartel tem abrigos enterrados no chão, onde dormimos, os que conseguem, em condições desumanas. O acampamento confina com uma tbanca, onde coexistem civis e militares nativos com as suas famílias, habitando em “morançinhas” familiares tradicionais, cobertas de capim (colmo). (...)


(...) Dia 20 de março, 1970o comandante da CCAÇ 5 é o capitão Manuel de Oliveira (falecido em 31/03/2007,  com a patente de coronel tirocinado na reserva) e é voz corrente que nos vai deixar por ter sido promovido a major e foi destacado para Bissau, para exercer funções relacionadas com actividades no Ministério da Educação. A família do capitão vive em Bissau, cujo agregado familiar é composto por duas filhas e a esposa (Bióloga), que lecciona Ciências no Liceu Honório Barreto. (...)

(...) Dia 21 de março, logo cedo, antes das h00, saiu uma coluna de reabastecimento para Nova Lamego. Eu estou de serviço no posto de rádio, das 4h00 às 8h00 e das 12h00 às 16h00. O José Carlos Freitas saiu hoje na coluna e vai para a Metrópole em gozo de férias.

A coluna regressou cedo do Gabu, por volta do meio-dia. Recebi muita correspondência. Veio para substituir o capitão Oliveira o capitão Borges (hoje coronel na reserva) que era o comandante da CCS do Batalhão de Nova Lamego. (...)

(...) Dia 26, não sei se terá algum fundamento ou se será boato de caserna, mas comenta-se a notícia com honras de veracidade. Fala-se à boca cheia que o capitão Borges vai trazer a esposa, que vive em Nova Lamego, aqui para o destacamento de Canjadude.

Dia 28, houve coluna a Nova Lamego e o capitão Oliveira deixou hoje a CCAÇ 5, foi para Bissau. (...)

(..:) Desde que o Ministro do Ultramar esteve em Nova Lamego, o dia 14 deste mês [de março de 1970], todos os dias têm havido saídas de pelotões para o mato e, tem sido uma constante o movimento de envio e recepção de mensagens, no posto de rádio.

Dia 31, o capitão Borges mandou reunir os militares da Formação e esteve a definir algumas normas de conduta, que quer que sejam cumpridas por todos, principalmente na apresentação do vestuário e comportamentos. (...)

(...) Dia 7 de abril, logo manhãzinha, ao romper da aurora, saiu uma coluna para Nova Lamego. A coluna regressou a Canjadude bem cedinho, tendo recolhido no trajecto o pelotão que estava emboscado.

Ao chegar a coluna ao aquartelamento, ficou tudo surpreendido e de boca aberta… ah! ah!, embora não fosse surpresa para ninguém, pois já todos sabiam, o capitão Borges veio acompanhado da sua esposa que, segundo consta,  vai ficar a viver em Canjadude. (...) [Vd. foto acima, com a respetiva legenda] (...)


(...) Não nos podemos esquecer que estamos no mato e, a partir de agora, da parte de nós, militares, impõe-se nova conduta, mais moderação no verbalismo utilizado na oralidade, mais decoro na postura de apresentação, mormente no vestuário usado, pois tem que haver pundonor e uma determinada probidade no porte, não nos podendo dar à veleidade do desalinho que é ir dos abrigos para os balneários, só de toalha às costas (às vezes suportada por cabide fantasiado) e sabonete na mão. É toda uma atitude comportamental na disciplina, a que temos que nos ajustar. (...)

(...) A esposa do capitão Borges, com todo o respeito, é uma senhora muito simpática e bem-disposta, tem uma auréola de energia positiva. Sempre que passa por algum de nós, indiscriminadamente, não faz distinção, tem a amabilidade de nos dirigir um cumprimento de saudação, sempre com ar de pessoa feliz e sorridente. Só uma senhora que aparenta esta tranquilidade interior e serena generosidade, se sujeitaria a viver neste meio tão hostil e carenciado, onde abundam todo o tipo de privações. (...)

(...) Dia 29 [de março de 1970], por sugestão da esposa do capitão Borges, ao serão reunimo-nos todos os militares no refeitório das praças, para confraternizarmos um pouco e jogar ao loto, presidido pelo comandante da Companhia (desde que eu estou em Canjadude nunca houve uma união e envolvimento de aproximação semelhante a este acto, as águas têm sido muito separadas). Eu logo na primeira jogada fiz Bingo, ganhei 154 pesos, voltei a fazer Bingo na terceira jogada, ganhando 86 pesos, pelo que levou alguém a gracejar que eu já tinha ganho dinheiro, suficiente, para pagar uma rodada de cervejas para todos. (...)

(...) Dia 6, de maio, chegou a Canjadude o capitão Arnaldo Costeira (creio que na época era o capitão com menos idade do QP, se a memória não me falha, ouvi-lhe dizer que comandou, interinamente, uma companhia em Angola tinha ele 20 anos de idade, na altura como alferes e que tinha sido há quatro anos atrás; hoje é coronel na reserva), para substituir o Capitão Borges. (...)

(...) Dia 13, em Canjadude, foi accionado o alarme de perigo, dirigiu-se apressadamente todo o pessoal para os seus postos de defesa, mas afinal era tão só uma demonstração, para testar a eficácia da actuação do pessoal e, para o capitão Borges dar umas explicações da orgânica dos procedimentos a cumprir, em caso de ataque IN, ao capitão Costeira. (...)

(...) Dia 23, realizou-se uma operação, para os lados do Cheche, Corubal, Bormuleo, a nível de Companhia, foram o capitão Borges e o capitão Costeira nesta operação. As viaturas foram-nos levar na direcção do Cheche e apeamos muito próximo das viaturas que estavam abandonadas na picada, por terem sido acidentadas com minas. Após termos desmontado das viaturas, caminhamos bastante tempo, até nos instalarmos para comer a ração de combate. Na parte da tarde começamos a caminhar rumo ao Corubal e no percurso encontrámos um destacamento IN, já abandonado, restando vestígios da actividade humana. Destruímo-lo todo, após o que continuámos a progredir até à margem do Corubal, onde passámos a noite. Instalámo-nos junto de rochas, num lugar paradisíaco, mas para esquecer, pois durante a noite, quase todos nós fomos hostilizados por formigas, que nos queriam papar, as quais tiveram o condão de nos agitar e perturbar a nossa tranquilidade, quando precisávamos de descansar. (...)
(...) Dia 24 de maio  de 1970, veio o furriel de transmissões, Alberto José dos Santos Antunes, substituir o furriel de transmissões, José Martins.

Dia 26 de Maio, de 1970, houve coluna a Nova Lamego. O furriel José da Silva Marcelino Martins (José Martins nosso tertuliano) despediu-se de Canjadude, e da CCAÇ. 5, rumou destino à Metrópole, por ter terminado a sua comissão de serviço na Guerra do Ultramar. Desejo-lhe boa viagem, muita saúde e êxito no percurso que vai iniciar. Que a vida lhe sorria e boa sorte. (...)


(**) Último poste da série >  19 de setembro de 2019 >  Guiné 61/74 - P20156: O nosso livro de visitas (203): O jovem guineense Erickson Té agradece o trabalho que o nosso blogue tem feito pela sua terra e pede autorização para usar algumas das nossas histórias bonitas em página do Instagram

domingo, 29 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18576: Efemérides (279): O 25 de Abril de 1974... visto de Bissau, através de aerogramas enviados por Jorge Gameiro ( REP / ACAP / QG / CC) à sua esposa Ana Paula Gameiro e ao seu filhinho Nuno Gameiro... Documentação comprada no OLX, há 5 ou 6 anos (Carlos Mota Ribeiro, Maia) - Parte IV




Cabeçalho de panfleto do PCP (m-l)  (Partido Comunista de Portugal, marxista-leninista) com a palavra de ordem "Nem mais um só soldado para as colónias"...  Data: 26 de abril de 1974. 

Fonte: com a devida vénia ao Gualberto Freitas: 1969 Revolução Ressaca [documentos para a história de uma revolução]



Lisboa > Dia 28 de Abril de 1974, ao fim da tarde, na Rua Fontes Pereira de Melo, antes de chegar às Picoas. Começou espontaneamente o pessoal a aglomerar-se, já depois da Rotunda [do Marquês], e, enquanto o diabo esfregou o olho, estruturou-se uma manifestação, com muitos militares da Força Aérea, como se pode ver nas linhas da frente com farda azul e boina verde. As palavras de ordem: 'Nem mais um soldado para o ultramar'…  Manifestações e palavras de ordem como estas (*) começaram a ter um efeito psicológico negativo no moral das nossas tropas que estavam a milhares de quilómetros de casa, como se pode depreender do aerograma que abaixo se transcreve.

Foto (e legenda): © José Corceiro (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].




Imagem da primeira parte do aerograma, datado de Bissau, 4/5/74.



Desta vez o aerograma é dirigido à mesma pessoa, a esposa do Jorge Gameiro, Ana Paula Gameiro, mas com outro endereço postal: Rua Sampaio Bruno, 8, 3º Esq, Lisboa 3, em Campo de Ourique [ Código postal atual: 1350-283 Lisboa;  pertence à freguesia de Santo Condestável]. 



Remetente: Jorge Gameiro, ACAP, SPM 0348


1. Continuação da publicação dos aerogramas de Jorge Gameiro [ militar colocado na REP / ACP / QG /CC, Bissau, 1974], relativos aos acontecimentos pós-25 de abril...

Cópias desses aerogramas foram-nos enviadas pelo leitor (e futuro membro da Tabanca Grande, Carlos Mota Ribeiro, engenheiro, residente na Maia, filho do nosso querido amigo, camarada e coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro; estes documentos foram comprados por ele há 5 ou 6 anos no OLX).

Os aerogramas (o primeiro datado de Bissau, 30/4/1974) (**) eram dirigidos à esposa do Jorge Gameiro, Ana Paula Gameiro. O casal tinha um filho de tenra idade, Nuno Gameiro, cujo paradeiro o Carlos Mota Ribeiro gostaria de poder descobrir para lhe poder oferecer esta correspondência que ele provavelmente nunca terá lido. A Ana Paula Gameiro aparece com duas moradas: uma na Av Mouzinho de Albuquerque, 5-5- Esq, Lisboa-1, freguesia de Penha de França; e outra na Rua Sampaio Bruno, 8, 3º Esq, Lisboa 3, em Campo de Ourique, freguesia de Santo Condestável. Não sabemos ao certo onde é que o casal vivia. Nem sabemos como os aerogramas foram parar ao OLX: uma hipótese é a separação do casal; ou a  morte de um dos correspondentes...

Também não sabemos, até agora, quem é (ou foi) o Jorge Gameiro, a não ser que: (i) estava colocado, no QG/CC, na Amura, na Repartição ACAP - Assuntos Civis e Apoio à População; e (ii) em maio de 1974 estava a 4 meses de acabar a comissão... Especulando, achamos que podia ser arquitecto, na vida civil, ou estudante de arquitetura ou de engenharia ou coisa assim parecida. Devia ser miliciano, mas desconhecemos o seu posto e especialidade.

Como nos explicou o Carlos Mota Ribeiro [, foto atual acima, à direita]:

(...) Em relação aos aerogramas comprei-os a alguém no OLX, já foi há uns 5 ou 6 anos e não me recordo do nome da pessoa que mos vendeu, lembro-me que os comprei por terem o sentido histórico do 25 de Abril de 74 e os achei muito interessantes.

Como tenho um colega britânico que se interessa pela Revolução dos Cravos, enviei-lhe as fotos dos aerogramas com a tradução em inglês para ele dar uma leitura e compreender o sentimento que alguns jovens tinham naquela época e naqueles dias conturbados.


Quando estava a transcrever o mencionado aerograma, fiquei a pensar no Nuninho (Nuno Gameiro) do aerograma e do carinho daquele pai pelo filho. Por isso entrei em contacto contigo para tentar encontrar o tal Nuninho e lhe fazer chegar a meia dúzia de aerogramas que tenho, enviados pelo seu pai, da Guiné Portuguesa para a Metrópole.

É claro que apenas lhos vou oferecer, se o Nuno Gameiro quiser esta recordação dos pais, pode nem querer saber deste assunto ou não dar qualquer valor sentimental aos aerogramas, mas como para mim este tipo de itens tem muito valor e são documentos que considero históricos, guardo-os religiosamente na minha coleção particular sobre o Ultramar Português. [...]


 Do aerograma do dia 4 de maio, que transcrevemos a seguir, só temos a primeira parte. segundo informação prestada pelo nosso coeditor Magalhães Ribeiro, que está a digitalizar estes documentos.

 2. Transcrição do aerograma de 4 de maio de 1974

Bissau 04.05.74
Minha Paula, meu amor:

Recebi hoje a tua cartinha do dia 28 [, de abril, de 1974], a qual me deixou muito feliz por te achar tão calma e feliz, calma essa que é contagiante e que para mim foi um bem, pois também eu com esta tua tão preciosa ajuda fiquei mais calmo, que é coisa que não consigo ter de há uns dias a esta parte.

A nossa situação aqui no ultramar continua sem ser definida, não há meio de se pronunciarem, mas pelos vistos as coisas em relação ao ultramar as mudanças serão muito significativas pois soube que ontem saiu um contingente de tropas, do qual a população pelos vistos não gostou muito pois até foram raptados 10 militares, mesmo do estilo “sacados” à mão do aeroporto. [***]

É claro e bem sei que isto não pode ser resolvido de um dia para o outro, e por isso penso que a atitude dessas pessoas até foi inconsciente, pois enquanto não houver nada resolvido,  as tropas terão de continuar a vir. E não é parar com as mobilizações que se podem resolver as coisas, pois assim os únicos prejudicados seriamos nós, aqueles que estão a terminar a comissão, não tendo rendição não nos poderíamos ir embora, o que não é justo. 

Mas esta espera, sem saber nada, torna a vida angustiante para todos nós os que aqui estamos. Resta-nos a consolação de que, mesmo se a situação aqui continuar a mesma,  quando voltarmos espera-nos um ambiente mais leve, mais puro, onde já não seremos espezinhados como dantes,  seremos livres mais que nunca e isso pelo menos,  apesar de não ser de maneira nenhuma uma compensação para os 2 anos que passamos aqui, já é pelo menos algo positivo e muito bom. 

Outra das coisas pela qual andamos doidos todos os que aqui continuamos,  é não pudermos partilhar mais de perto desses tão grandes momentos que se vêm passando desde o dia 25 [de Abril] até agora,  principalmente desse grandioso 1.º de Maio festa culminante da libertação de um povo dominado por uma ditadura fachista [sic] durante 48 dolorosos anos. E só espero, e o meu grande desejo, é que este grande passo que iniciou uma maravilhosa caminhada ,não seja afundado por minorias de esquerdistas a cometerem atos impensados como aquele que se passou no aeroporto, mas não isto é certamente precipitações dos primeiros dias causados pelos [...] [**]

Continua 
 

Fotos (e legendas): © Carlos Mota Ribeiro (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

[Revisão e fixação de texto: Carlos Mota Ribeiro / Luís Graça]


Translation to English:

Bissau 04.05.74

My Paula, my love:

I received today your letter of the 28th, which made me very happy to find you so calm and happy that is contagious and that for me was a good, because I too with this your precious help I am calmer, which is something that I can not get from a few days ago to this part, our situation here overseas is still not defined, there is no way to pronounce, but by the way things in relation to overseas the changes will be very significant because I knew that yesterday left a contingent of troops, of which the population was not very pleased because 10 military personnel were even kidnapped by the airport, of course, and I know that this can not be solved overnight, and so I think the attitude of these people was even unconscious, as long as nothing is resolved the troops will have to continue to come. And it is not to stop with the mobilizations that can solve things, therefore the only losers we would be those who are finishing the commission, not having surrender we could not leave what is not fair. But this waiting without knowing anything makes life anguish for all of us here. There remains the consolation that even if the situation here continues the same when we return, we expect a lighter but cleaner environment where we will not be trampled as before we will be free more than ever and this at least despite not being at all a compensation for the 2 years that we spent here, is already at least something positive and very good. Another of the things we are going crazy about here is that we can not share more closely those great moments that have been happening since the 25th until now, especially on this great May Day, the culminating celebration of the liberation of a people dominated by a fascist dictatorship for 48 painful years and I only hope and my great desire is that this great step that started a wonderful journey is not sunk by minorities of leftists to commit unthinking acts like the one that happened at the airport, but this is certainly not precipitation of the first days caused by

To be continued

[Translation by Carlos Mota Ribeiro]

___________


quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18149: In Memoriam (309): Alf inf QP Augusto Manuel Casimiro Gamboa, CCAÇ 1586 (Piche, Nova Lamego, Canjadude, Madina do Boé, Béli, Bajocunda, 1966/68), nascido em São Tomé , morto em combate, em 14/12/1967, em Uelingará, entre Canjadude e Nova Lamego (José Martins / Virgílio Teixeira / António J. Pereira da Costa / José Corceiro)


Foto nº 1 > O alf inf Augusto Manuel Casimiro Gamboa, morto em combate, em 14 de dezembro de 1967 - Pertencia à CCAÇ 1586.

Foto: cortesia de Academia Militar > Alunos Mortos ao Serviço da Pátria > Campanha do Ultramar (1961-1974) > Alferes de infantaria Augusrto Manuel Casimiro Gamboa


Foto nº 2 > Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego >  c. 1967 > Foto de grupo: vários miliatres e população. Na primeira fila, sentados, aparecem à esquerda  o alf inf Gamboa (X), seguido do alf mil SAM Virgílio Teixeira.

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar_ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]


Foto nº 3 > Guiné > Região de Gabu > Canjadude > CCAÇ 5, "Gatos Pretos" (1968/70) > Parada Alferes Gamboa, no aquartelamento de Canjadude, frente ao edifício do Comando. Na base do mastro da bandeira existia uma placa gravada, em madeira, com a referida indicação.  Na foto, parte da Secção de Transmissões, 2º semestre de 1968.

Foto (e legenda): © José Martins  (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar_ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]


Juntámos aqui quatro textos e algumas fotos sobre o nosso camarada Augusto Manuel Casimiro Gamboa, um dos 75 alferes mortos no TO da Guiné, e sobre o qual até agora tínhamos escassas referências no nosso blogue. Agradecemos a pronta colaboração dos nossos camaradas José Martins, Virgílio Teixeira, António J. Pereira da Costa e José Corceiro. Connosco, aqui no blogue da Tabanca Grande, ninguém fica na "vala comum do esquecimento".


1.  José Martins (ex-fur mil trms, CCAÇ 5, "Gatos Pretos", Canjadude, 1968/70; nosso colaborador permanente), em mensagem de ontem:

O Alferes de Infantaria AUGUSTO MANUEL CASIMIRO GAMBOA, com o número 0741211 era natural da freguesia da Conceição, concelho de S. Tomé, em S. Tomé e Príncipe, filho de Augusto da Costa Gamboa e de Maria Isabel Casimiro Gamboa. [Foto nº 1 ]

Foi mobilizado no Regimento de Infantaria nº 2 (Abrantes) para a Companhia de Caçadores nº 1586, embarcando em 30 de julho de 1966.

Sob o comando do Capitão de Infantaria António Marouva Cera, foi colocado em Piche, Sector Leste, onde assumiu a responsabilidade do referido sector a 8 de agosto de 1966.

Cumulativamente passou a ter a função de subunidade de intervenção, tendo pelotões destacados em Nova Lamego de 10 de outubro a princípios de dezembro de 1966; Madina do Boé de 10 de fevereiro a 1 de maio de 1967; Béli de 25 de janeiro a 15 de abril de 1967.

A 6 de abril de 1967 foi transferido para assumir o subsector de Bajocunda.

O subsector temporário de Canjadude, criado em 28 de outubro de 1967 teve um pelotão da CCAÇ 1586 onde, oficialmente, se manteve até 4 de dezembro de 1967.

Deve ter sido aquando da retirada desta força de Canjadude, em direção a Nova Lamego que, cerca de 1 quilómetro a sul de Uelingará, a coluna foi emboscada, tendo sido morto o Alferes Gamboa, em 14 de dezembro de 1967. [Foto nº 3]

Foi inumado no cemitério do Alto de São João, em Lisboa.


Foto nº 4 > Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > 14 de dezembro de 1967 > O cadáver do guerrilheiro do pAIGC, morto na emboscada que vitimou o alf inf Augusto Manuel Casimiro Gamboa.

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar_ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]


2. Virgílio Ferreira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), em mensagem de ontem:

Olá a todos,

Em relação ao Alferes Gamboa, eu tive vários contactos com ele, quer em Nova Lamego, ou até Piche, e possivelmente em Canjadude onde fui algumas vezes.

Aqui vai uma foto que tirei com ele, a última antes de ele morrer, agora me relembro, barbaramente assassinado [Foto nº2] . Foi por isso que o turra que apanharam no seguimento desse ataque, também foi maltratado, já depois de morto. Tenho a foto, uma delas, vou enviá-la para memória futura.
Foi o pessoal do pelotão de AML Daimler 1143, que 'trataram' dele. [Foto nº 4]

Eu tenho uma ideia de estar envolvido nessas viagens, e isso foi precisamente por volta de 14 de dezembro de 1967, estava lá há pouco tempo. Isto marcou-me, como é óbvio. Na foto aparece mais pessoal. O Gamboa está de chapéu de abas largas enroladas, eu estou ao lado dele.

Não sabia que era do QP, era um gajo porreiro a falar e conversar, levava tudo a brincar.


3. António José Pereira da Costa [, cor art ref, ex-alf art, CART 1692 / BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmdt  das CART 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74):

Mensagem de ontem, às 22:01:



Olá, Camaradas

O Alf Gamboa era um ano mais antigo do que eu.

Sai da Academia Militar em outubro de 1967 e terá embarcado ou ainda em dezembro de 1967  ou no início de janeiro de 1968.

Na altura a morte dele foi muito falada. Soube-se que foi brutalizado, esperemos que depois de morto, e que lhe deixaram um galão em cima do peito.

Soubemos que foi numa emboscada, mas não soube mais pormenores.

Um Abraço
António J. P. Costa


4. Excerto de texto de Virgílio Teixeira, publicado  no poste P 18145 (**)

(...) Há uma história triste com o alferes inf Gamboa, da CCAÇ 1589, que também estava subordinada ao nosso comando. Num certo dia de dezembro eu estava para ir numa coluna a Piche, estivemos a conversar debaixo duma enorme árvore, e tenho uma foto desse momento, com ele e outros militares que seguiram mais logo. Depois por qualquer razão que desconheço, não me deixaram ir, e a coluna partiu para Piche.

Uma ou duas horas depois vem uma informação de uma emboscada com minas e a noticia que um dos mortos era o alf Gamboa. Foi um choque. Apanharam um turra que fez parte dessa emboscada e trouxeram-no para Nova Lamego já morto, foram os elementos do pelotão AML 1143 e foi exposto na praça pública. Tenho fotos dessa exposição pública, não sei se interessa mostrar isto. Sei que depois se fizeram algumas barbaridades e eu, apesar de fotografar alguma coisa, não participei nesse baile.

Nessa noite fizemos o velório do Gamboa, ele usava um chapéu de cowboy americano com as abas para cima [, Foto nº 2]. Foi uma grande perda, pois falamos algumas vezes. (...)


5. Excerto do poste de 8 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6698: José Corceiro na CCAÇ 5 (14): Emissor receptor AN/PRC-10

(...) Em Canjadude, em 1971, pode-se testemunhar o seguinte: Durante uma flagelação do inimigo ao Aquartelamento, no dia 21 de Julho de 1971 ao escurecer, o fogo do IN danificou as duas antenas horizontais existentes do AN/GRC-9, que estavam instaladas e suportadas pelos ramos do embondeiro grande, que estava ao lado do campo de futebol e de uma mangueira que estava junto da Parada Alferes Gamboa.

O nome desta Parada, era uma homenagem ao Alferes Augusto Manuel Casimiro Gamboa que,  segundo se dizia, já após o término da sua comissão de serviço na Guiné, perdeu a vida numa emboscada do IN, no dia 14 de Dezembro 1967, quando a coluna que o transportava de Canjadude para Nova Lamego sofreu um ataque, em Uelingará, entre Canjadude e Nova Lamego. 

Contava-se em Canjadude, que foi todo esquartejado no tórax para lhe arrancarem o coração, assim como o despojaram de todos os seus haveres). (...)
_______________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 7 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17942: In Memoriam (308): Nelson Batalha (1948-2017), um dos 15 "ilustres TSF" do meu curso, meu padrinho de casamento, meu grande amigo e camarada...Natural de Setúbal, ferido em Catió, e depois de 10 anos a lutar contra o Alzheimer, acaba de cambar o Rio Caronte... A título póstumo, passa a integrar a nossa Tabanca Grande, sob o lugar nº 759 (Hélder Sousa, régulo da Tabanca de Setúbal)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15633: Inquérito 'on line' (29): "A tropa fez de mim um homem"... Em 100 respostas, 34 dizem Sim, 21 dizem Não, 42 dizem Nim... Comentários de A. Sousa de Castro, António Carvalho [de Mampatá], Leão Varela, Alcides Silva, Juvenal Amado e Hélder Sousa...

Motoqueiros de Alcobaça > 1965, Foto: © Juvenal Amado (2016). 
Todos os direitos reservados
A. Mais alguns comentários de camaradas  nossos, relativamente ao tema que está a serobjeto de inquérito de opinião, no nosso blogue, esta semana (*):



Sousa de Castro:

Não sei se a tropa fez de mim um homem!... A educação que me deram fez de mim uma pessoa responsável, no entanto admito que na tropa me tornei mais maduro, acho também que no tempo de hoje a tropa obrigatória seria muito bom para muita juventude dos 20, tornavam-nos mais responsáveis, mais calmos...

Hoje rapaziada não valoriza aqueles que obrigatoriamente tiveram que ir à tropa. Recordo-me aquando da minha inspecção ainda se valorizava ser ou não apurado, era... como dizer, sinónimo de pessoa saudável, prestável. 

Para mim a minha maior preocupação era não ir para a Guiné, Angola ou Moçambique tudo bem. No final senti-me satisfeito com a minha prestação e nunca me arrependi de ter participado na guerra colonial. Naquele tempo muitos mancebos pensavam que era obrigação um dever de todos servir e defender a Pátria, nomeadamente os menos informados, como eu por exemplo.

Carvalho de Mampatá:

Fez de mim um homem?

Como posso saber o homem que seria se por lá não tivesse passado ! Sim, se não tivesse passado pela Guiné, hoje, eu seria uma outra pessoa. De facto a Guiné mudou-me, mas o mesmo não direi da simples incorporação e permanência nos quarteis de cá, que pouco me marcou. 

Motoqueiros de Alcobaça > 1965
Foto: © Juvenal Amado (2016).
Todos os direitos reservados.  
Na Guiné, no confronto com culturas distintas da minha, durante mais de dois anos no meio de um conflito sem fim, ao serviço de uma causa cada vez mais notavelmente perdida, assistindo a mortes na Primavera da vida, longe do afecto da família, abandonado no meio de uma selva traiçoeira... esta Guiné mudou-me, se não fez de mim um homem, fez de mim um homem diferente,fez-me mal.


Leão Varela:

Já respondi ao Inquérito com um "Falso",  pois, para mim, quem me ajudou a ser um homem foi o meu saudoso pai.

Contudo, acrescentei que a tropa no seu todo me beneficiou em alguns aspetos que ainda hoje completam o meu "eu":

- Sentido de responsabilidade;
- Capacidade de organização pessoal;
- Capacidade de comando na minha vida profissional;
- Espírito de solidariedade e de camaradagem.


Alcides Silva

Camaradas, para mim a tropa só atrapalhou a minha vida mas adquiri alguns ensinamentos, por exemplo, não confiar tanto no outro.

Eu, com 15/16 anos,  sabia bem a minha posição na sociedade, com 14 anos passei a trabalhar com o meu pai, ele era bastante rígido no trabalho, comecei a programar sair para outro lado, com 16 anos fui trabalhar para uma empresa em trabalho diferente. 

Sempre me adaptei as situações, desde jovem sempre soube gerir a minha vida, apesar de entregar sempre o meu ordenado em casa. Trabalhando horas extras,  esse valor ficava para mim, fui juntando o possível para quando chegasse o tempo de tropa não pedir nada ao meu pai.

Andei 41 meses na tropa, fui para a Guiné, já tinha cumprido cá 18 meses, estava na Guiné hà 7 meses recebia a noticia de que o meu pai tinha falecido, resultante de um cancro, que era desconhecido e, assim fui ultrapassando as dificuldades, nunca fiz gastos desnecessários, hoje estou reformado como bancário, oportunidade que surgiu depois de chegar do Ultramar e assim se vai vivendo.

Cavaleiros de Sabugal em dia de ir às sortes, 1968
Foto © José Corceiro (2011).
Todos os direitos reservados. 
Juvenal Amado:

Se não foi à tropa será menos homem?

Penso que não.
Na minha família todos os homens foram militares, eu fui o terceiro a participar na guerra colonial. o meu irmão foi em 1966 para Moçambique, o meu primo Mário um ano mais tarde para Angola (um dos motoqueiros da fotografia; penso que é o único de óculos). 

Mas conheço muitos homens bons que não foram há tropa e são homens de corpo inteiro na cidadania e profissionais exemplares. Dito isto, penso que a tropa não faz de ninguém um homem, até porque hoje também há milhares de mulheres fazem serviço militar por este Mundo, fora o que não faz delas homens ou mulheres .

No caso dos homens que participaram na guerra colonial, alguma coisa mudou neles obrigatoriamente, mas não foi isso que fez deles uns homens.


Hélder Sousa:

Não me parece haver uma resposta simples para esta questão.

Que ela é pertinente, disso não tenho dúvidas. Aliás,  essa era uma frase muitas vezes ouvida: uma vezes soava como ameaça, outras como premonitória, outras esperançosa.
E, afinal, a 'tropa' faria ou não de nós uns 'homens'?
Sim. E não!
Dependo do ponto de vista e do que se estiver a referir.
Não falo do 'crescimento' físico, pois isso seria resultado natural da evolução humana. Nem é a esse aspecto que a frase [que o Juvenal colocou muito bem como título do seu livro, que vai ser lançado no dia 23, sábado, às 16h30, em Lisboa] se refere.  A(s) intenção(ões) da frase dizem mais respeito ao 'crescimento' interior, ao amadurecimento, portanto à maturidade.
Claro que não é obrigatório que tal só possa ser conseguido através da 'tropa', mas que, no 'nosso tempo' isso contribuiu para muitas coisas boas, sou da opinião que sim.

Disciplina alimentar, regras básicas de higiene, procura de autonomia e autosuficiência, etc. foram coisas que, no 'nosso tempo', repito, muito contribuíram para um maior e melhor conhecimento do País e suas realidades gerais, com jovens do interior a terem a visão do litoral e vice-versa e com isso a tomarem consciência.

Se a isso se acrescer o que se veio a revelar como a entreajuda, a solidariedade, a partilha, etc. temos, por aí, uma pista para se poder dizer que "se não nos fez ser 'um homem' contribuiu bastante para um 'crescimento' mais acelerado".


2. INQUÉRITO DE OPINIÃO: "SIM, A TROPA FEZ DE MIM UM HOMEM"


1. Totalmente verdadeiro  > 6 (6%)

2. Verdadeiro  > 28 (28%)

3. Nem verdadeiro nem falso  > 42 (42%)

4. Falso  > 14 (14%)

5. Totalmente falso  > 7 (7%)

6. Não sei responder  > 3 (3%)

Total de respostas: 100 (100,0%)

Prazo para responder: 21 de janeiro de 2016, 10h06
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 16 de janeiro de  2016 > Guiné 63/74 - P15622: Inquérito 'on line' (28): "A tropa fez de mim um homem"?... Nem sim nem não, metade da malta (12 em 24) responde "nim", "nem verdadeiro nem falso"... Inquérito em curso até 5ª feira...

sábado, 16 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15622: Inquérito 'on line' (28): "A tropa fez de mim um homem"?... Nem sim nem não, metade da malta (12 em 24) responde "nim", "nem verdadeiro nem falso"... Inquérito em curso até 5ª feira...



Alcobaça > Motoqueiros > 1965

Foto: © Juvenal Amado (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


Sabugal > "Briosos mancebos inspeccionados em 1968, com saudosismo do passado. Foto tirada no dia da inspecção, no Sabugal, junto ao antigo edifício camarário onde teve lugar a inspecção. É também visível o edifício da antiga prisão"... É um texto de antologia, o que o José Corceiro, natural do Sabugal, aqui escreveu  em 2011 sobre o dia, tão especial, de ir às sortes (*).

Foto (e legenda): © José Corceiro  (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


A. INQUÉRITO DE OPINIÃO: "SIM, A TROPA FEZ DE MIM UM HOMEM"

1. Totalmente verdadeiro > 1 (4%)

2. Verdadeiro  > 6 (25%)

3. Nem verdadeiro nem falso  > 12 (50%)

4. Falso  > 2 (8%)

5. Totalmente falso  > 3 (12%)

6. Não sei responder  > 0 (0%)

Votos apurados >  24  (100,0%)


Dias que restam para votar: 5 | Termina a 21 de janeiro de 2016, 5ª feira, às 10h06


B. Camaradas: o que é que vamos responder aos nossos filhos e netos, se eles nos fizerem a pergunta: "Pai, avô, a tropa fez de ti um  homem?"...  O pretexto é o título do livro do Juvenal Amado ("A tropa vai fazer de ti um homem", Lisboa, Chiado Editora, 2015)  que vai ser lançado em Lisboa (dia 23, sábado) e em Monte Real, na Tabanca do Centro (dia 29, sexta-feira)...

Claro que eles, os nossos filhos e netos,  não vão fazer a pergunta porque uma grande parte deles não sabe o que é isso da tropa... E, muito menos, felizmente, o que é a guerra, a não ser a dos jogos eletrónicos... Hoje já ninguém vai às sortes, nem há  serviço militar obrigatório.

Antes de 1961, antes da guerra do ultramar/guerra colonial, ir às sortes e ficar apurada, era uma honra para qualquer mancebo deste país, a avaliar pelo testemunho de alguns camaradas nossos que já escreveram sobre este assunto, com destaque para o José Corceiro (*).

Não vamos discutir aqui se havia ou não nesse tempo uma "ideologia do marialvismo"... A verdade é que em todas sociedades há "ritos de passagem", ligados ao ciclo de vida... É evidente que tinha um enorme significado no passado, para um "mancebo" (**), a ida à inspeção militar, o apuramento, a recruta, o juramento de bandeira e, em caso de guerra, a partida para a guerra... Havia o mito de que a tropa era uma "fábrica de homens"... Mas este acontecimento (um mancebo ficar apurado para a tropa) também queria significar "emancipar-se", "atingir a maioridade", "libertar-se" do pai-patrão, sair de casa...

O que pensamos, hoje, sobre isso? A pergunta é complexa, pode até provocar algum  incómodo e desconforto, não sendo portanto de resposta fácil (sim ou não)... No inquérito "on line" desta semana,  sobre este tema, já temos 24 respostas... E metade dos respondentes (n=12) optou por responder "Nim", nem sim  nem não, "nem verdadeiro nem falso"...

A resposta, em direto, "on line", deve ser feita no blogue, no canto superior esquerdo, até 5.ª feira, dia 21, às 10h00...
____________

Notas do editor:


(...) Para muitos dos jovens, o dia da inspecção seria também a primeira vez que iriam estrear um fato novo, composto por calças, casaco e colete (terno), pois até ao presente não tinham tido a possibilidades de comprar o tecido e mandá-lo confeccionar no alfaiate da terra, visto ser escasso o suporte económico da família. Era também provável que a partir dessa data, o jovem pudesse começar a amealhar um pezinho de meia, fruto de algum trabalho que executasse com direito a remuneração, jornal ou a passar contrabando, pois até esta altura tudo o que tinha ganho reverteu a favor do agregado familiar. (...)

(...) O cavalo, adereçado com os seus melhores arreios estava pronto e à espera. Ricamente aparelhado. A sela, a cinta, o cabresto, as rédeas e o freio foram diligentemente limpos e engraxados, as fivelas e os estribos foram polidos até ficarem a brilhar, sem esquecer as patas do equídeo que foram aparadas, limadas e convenientemente ferradas, pois há mais de 30 quilómetros para calcorrear, ida e regresso, com o mancebo sempre montado e a espicaçar, e quiçá poderá surgir algum amigo mais íntimo que o queira apadrinhar e arrisque a boleia no lugar da garupa, e o ritmo tem que ser constantemente a trotear. (...)

(**) Do Dicionário Houaiss  da Língua Portuguesa:

"Mancebo", adj./subs., "que ou aquele que está na juventude; jovem, moço"... Etimologia, do latim manceps, mancipis, termo técnico do direito, "o que toma em mão (alguma coisa para dela se tornar o adquirente ou reivindicar-lhe a posse); relacionado com manu, mão.  O mancebo, de mancipiu(m) era aquele que, no tempo da antiguidade clássica,  era agarrado à mão, feito escravo, na guerra, e levado para casa, para os trabalhos agrícolas... Ou ainda manus + cibus, homem que é cevado à mão, escravo,,,  

Mas há outros significados... Veja-se aqui Língua Portuguesa, o blog de Aldo Bizzochi > Mancebo, mancebia, amancebar-se

(...) O que ocorreu de fato é que mancebo derivou de amancebar, e não o contrário. Esse verbo amancebar (...), na verdade, provém por evolução fonética regular do latim emancipare, "emancipar, libertar, deixar de tutelar", que significava, dentre outras coisas, "conceder a um filho poderes civis quando este completasse a maioridade". Portanto, manceps e emancipatus queriam dizer "maior de idade". (No direito civil brasileiro temos o mesmo termo emancipado para designar o indivíduo que atingiu a maioridade ou a quem, sendo menor, a justiça concedeu as prerrogativas de cidadão adulto.) (...)

(***) Último poste da série > 11 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15606: Inquérito 'on line' (27): "Em 2016 prometo enviar mais fotos e/ou textos para o blogue"... Sim, respondem cerca de 20 a 25 num total (magro) de 57 respondentes...

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10520: Palavras fora da boca... (1): "Nem mais um soldado para as colónias"! (José Corceiro / Manuel Joaquim / Manuel Botelho)



Lisboa > Dia 28 de Abril de 1974, ao fim da tarde, na Rua Fontes Pereira de Melo, antes de chegar às Picoas. Começou espontaneamente o pessoal a aglomerar-se, já depois da Rotunda, e enquanto o diabo esfregou o olho, estruturou-se uma manifestação, com muitos militares da Força Aérea, como se pode ver nas linhas da frente com farda azul e boina verde. As palavras de ordem: 'Nem mais um soldado para o ultramar'… 

Foto (e legenda): © José Corceiro (2010). Todos os direitos reservados.



1. O meu velho, Luís Henriques (1920-2012), gostava muito de falar em verso, de fazer rimas, quadras, versos de pé quebrado, citar provérbios populares, contar anedotas, evocar os seus tempos de expedicionário em Cabo Verde ou relembrar os tempos de jogador de futebol, e de treinador de camadas juvenis... Muitas vezes fazia-nos rir, sorrir, pensar... Tenho pena que muita da sua sabedoria popular tenha ido para a cova com ele... Algumas coisas fomos, eu e os seus netos,  registando, filmando, tomando boa nota... 

Mas ele era um repentista, um espontâneo, um improvisador, incapaz de repetir, com a mesma precisão e graça, o que acabava de lhe sair da boca... Tudo dependia do contexto, das situações, dos interlocutores, e da disposição e da inspiração de momento... E, claro, fiava-se na sua memória de elefante... Tinha um reportório para dar e vender... Nunca o vi escrever um dito, uma história, um verso... 

Tudo isto vem a propósito de uma quadra que ele gostava muito de citar,   apropriada para prevenir situações de conflito...

Palavras fora da boca,
São pedras fora da mão,
Tu mede bem as palavras,
Tira-as do teu coração.

As palavras às vezes magoam como se fossem pedras. Muito mais do que isso, às vezes chegam a ferir e/ou matar. Matam mesmo!... Ou podem matar!...  Quantas dessas palavras não foram lançadas ao vento como autênticos bumerangues que, não atingindo muitas vezes o alvo, se voltavam, no regresso,  contra o próprio lançador ?... 


"Palavras fora da boca" foram/são, muitas vezes, as nossas "palavras de ordem", de ontem e de hoje, slogans, grafitos, títulos de caixa alta nos jornais e, em menor grau, os nossos comentários, as nossas "bocas" bloguísticas... 

Há palavras incendiárias, há palavras que incendeiam o capim... independentemente da intentação ou da vontade de quem as profere... Veja-se há dias a infelicidade do prof Miguel Oliveira e Silva, presidente do Conselho Nacional da Ética para as Ciências da Vida,  tropeçando no trocadilho racionamento/racionalização dos medicamentos... Temos que saber lidar com elas, as palavras... tal como sabíamos com lidar as minas e armadilhas, as nossas e as do IN no TO da Guiné.  

Palavras fora da boca... é o título de uma nova série, que tem um propósito, se quisermos, didático, pedagógico, preventivo... Não é para alimentar polémicas, desgastantes, fraturantes, inúteis, mas para preveni-las.  Não é para a gente  fazer ajustes de contas com o passado, por opções político-ideológicas do passado, ou por tomadas de posição como cidadãos, nos nossos ainda verdes anos... 

É para apenas a gente refletir serenamente, sorrir se for caso disso,  e aprender eventualmente com os nossos erros, individuais, grupais e coletivos... 

E a primeira dessas "palavras fora da boca" aqui vai: "Nem mais um soldado para as colónias"... (Se calhar alguns de nós, a seguir ao 25 de abril, também gritámos palavras de ordem como estas ou parecidas, esquecendo-nos que continuava haver, nos TO da Guiné, de Angola e de Moçambique, camaradas nossos, combatentes, que ainda faziam a guerra, ou que preparavam a paz, ou que cumpriam o plano de retração das NT, ou que muito simplesmente aguardavam o regresso a casa,  em qualquer dos casos continuando  a arriscar o pelo)... 

São pedaços de prosa que repesquei do nosso blogue:


2. Comentário de Manuel Joaquim, em 5 de junho de 2010, ao poste P6526:

Caro Graça de Abreu

Concordo, totalmente, com o que dizes sobre o chamado "socialismo real", expressão usada para camuflar o termo "comunismo". Criaram-se regimes de terror, as provas são evidentes. Só as não vê quem não quer.


Parece-me, no entanto, que estes comentários não andam por aí mas sim pela "nossa" descolonização.O que me irrita e enoja é o espectáculo dos/das velhas virgens que andam por aí, de hímen reconstruído, a injuriar e a diabolizar a descolonização, a amesquinhar o comportamento militar em combate, a invectivar a "entrega da nossa Pátria aos comunas", a arrotarem "verdades" sobre personagens e situações que, de verdade, só têm as sílabas das palavras ditas.

Não são as vítimas da descolonização que me irritam com as suas queixas furibundas, às vezes injustas, nem sequer aqueles que defendem as asneiras que, politicamente, fizeram quando tiveram de decidir.

Quem me enoja são aqueles que eu vi, logo a partir de Maio/74 (*), com faixas e aos gritos "Nem mais um soldado para as colónias!".

Estas palavras de ordem propagaram-se como fogo em palha seca. Imaginei logo o que iria acontecer: a destruição de todas as hipóteses possíveis de entendimento com o IN, de qualquer energia ainda existente nos nossos combatentes, de qualquer hipótese válida de se formarem contingentes para render tropas no terreno.

Bem recordo alguns, hoje altos expoentes ideológicos de direita, altos cargos políticos, de Lisboa a Bruxelas, altos cargos na comunicação social, a liderarem tais manifestações, quer na rua quer na rádio, na TV, nos jornais.

Hoje vejo-os por aí causticando o modelo descolonizador e, paradoxo, incensados pelas vítimas da descolonização!

Seria muito interessante consultar a imprensa de 1974/75, falada e escrita, e ver como se expressavam sobre este assunto certas "aves raras" que hoje se pavoneiam por aí, "arrotando postas de pescada".
Um abraço 

Manuel Joaquim


3. Excerto de depoimento de Manuel Botelho, artista plástico (Poste P6789)

(...) “Nos últimos anos vi crescer o meu desejo de identificação com os homens da minha geração que há muito tempo embarcaram para Angola, Guiné e Moçambique, escondidos atrás de um camuflado e uma G3. 


"Sei que não fui um deles. Tive a fortuna de estar no último ano do curso de arquitectura quando o 25 de Abril pôs termo ao pesadelo que me ensombrou a adolescência, e já não experimentei a guerra ao vivo e em directo. Mas vivi-a intensamente, numa antecipação obsessiva que durou toda juventude.

"Desde então muito tempo passou, e a minha perspectiva da vida mudou também. A guerra na África portuguesa deixou de me interessar enquanto fenómeno político e passei a prestar uma outra atenção aos que a fizeram. Muitos (a esmagadora maioria), ainda estão vivos; têm sensivelmente a minha idade; estão carecas e cansados como eu. Alguns serão um pouco mais velhos, mas pertencemos todos a um mesmo tempo, a uma mesma condição. 


"E eis-me a viver um estranho paradoxo: eu, que andei pelas ruas a berrar “nem mais um soldado para as colónias”, comecei a ter sentimentos de culpa por não ter partilhado esse tempo de abnegação e sacrifício. E a minha pintura começou a falar das memórias dessa guerra, como em “Escombros de Wiryiamu”, o massacre no norte de Moçambique que escandalizou o mundo e que evoquei através de um soldado (eu, já velho), sob a ameaça de insectos gigantescos e segurando desoladamente uma G3. Foi essa G3 que quis fotografar de seguida. (...)
______________

Nota do editor:

(*) "4 de Maio de 1974 > Militantes do MRPP impedem, pela primeira vez, um embarque de tropas para as colónias. Palavra de ordem: Nem mais um soldado para as colónias!" (Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril / Universidade de Coimbra > Cronologia Pulsar da Revolução)