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terça-feira, 28 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20914: 16 anos a blogar (6): Os dias de Abril, mês “de águas mil”, de Constituições, de Revoltas e de Revoluções, que mudaram Portugal (2) (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Em mensagem do dia 27 de Abril de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) enviou-nos a II parte de Os dias de Abril, mês "de águas mil"


Os dias de Abril, mês de “Águas mil”, de Constituições, de Revoltas, de Revoluções, dos… das Celebrações, Grupos de Risco e do Cofinamento, que mudaram Portugal - Parte II

(Continuado)

Em meados de Abril de 1974, feitas 6 reuniões plenárias à escala dos 3 Ramos das FA, a última em Cascais, mobilizadora de cerca de 200 conjurados, e um mês passado sobre a falhada “Revolta das Caldas”, a Comissão Coordenadora do MFA tinha acelerado e terminado o seu trabalho de casa – a máquina conspirativa estava montada e bem oleada.

A malta conspiradora das Caldas havia-se precipitado. À data da sua saída, a inter-relação dos conjurados limitava-se à ligação, não havia nem plano de acção militar nem programa político, mas apenas um rascunho de cariz político-militar, da autoria do Major do SAM Moreira de Azevedo e o Movimento dos Capitães/Movimento das Forças Armadas encontrava-se neste pé: logo que fossem muitos, entregariam ao Chefe seu elegido (General Spínola) um ultimato para ele apresentar ao Chefe do Governo (Marcello Caetano). Se este o aceitasse, tudo bem; se o recusasse, meteria o General Spínola “dentro”, na Trafaria (com o amparo do livro Portugal e o Futuro) e então eles accionariam o seu chefe profissional, General Costa Gomes.

Uma evidência da falta de equidade de funções, peculiar à comunidade militar. Os generais não substituiriam os capitães e os capitães a tratar de substituir os generais…

Ernesto Melo Antunes
Em 23 de Abril de 1974, o MFA iniciou a acção directa. A participação de oficiais da Marinha, da Força Aérea, as adesões dos seus camaradas milicianos (os espúrios) e de uma proporção significativa de oficiais superiores estavam consolidadas, havia o Programa político, elaborado por uma comissão coordenada pelo açoriano Major de Art.ª Melo Antunes e, também, o Plano da operação militar com o código de “Viragem Histórica”, elaborado por uma comissão coordenada pelo natural moçambicano Major de Art.ª Otelo Saraiva de Carvalho.

Escolhido o dia 25 de Abril para seu dia D e a 1H00 para sua hora H, efeméride da queda do Fascismo na Itália, inspirador do nosso regime do Estado Novo, a sua equipa operacional, comandada pelo Major Otelo, dedicou esse dia a entregar rádios, códigos e senhas aos conjurados, e, em simultâneo, o Major Melo Antunes, numa discriminação positiva ao Partido Comunista e ignorando o Partido Socialista e a Ala Liberal, entregava ao casal Carlos Brito e Zita Seabra, responsáveis da DROL (Direcção Regional da Organização de Lisboa) do PCP, cópias do Plano da operação militar e do Programa Político do MFA – as únicas cópias saídas da intimidade dos conspiradores.

A participação do Povo no êxito do 25 de Abril incruento é facto acontecimental; a participação do povo logo na alvorada da sua manobra militar é um mito.

Ao começo da madrugada de 1 de Abril de 1974, Zeca Afonso encerrou o seu espectáculo do Coliseu dos Recreios com a canção Grândola, vila morena, que havia lançado na Galiza, o Major Otelo estava na plateia, o seu ouvido reteve-a e será a elegida para senha da hora H – a Rádio Renascença transmitiu-a aos 20 minutos da madrugada de 25 de Abril.

O primeiro conspirador a mostrar serviço ao Posto de Comando do MFA, na Pontinha, foi o Capitão Teófilo Bento: ouvida a cantiga do Zeca Afonso, ele, o Tenente Manuel Geraldes e a sua malta da Escola da Administração Militar, especialistas de “apontadores da Bic” e não de apontadores da G3, acabavam de ocupar o Mónaco, nome de código da sua vizinha a RTP.

Jaime Neves
O segundo a sair terá sido o Major Jaime Neves e a sua malta dos Comandos; será recorrente na afirmação de que, quando chegou ao Terreiro Paço, por volta das 6H00 da manhã, com a missão de ocupar os ministérios militares e de prender os respectivos ministros, já havia massas trabalhadoras, vindas da Outra Banda e com palavras de ordem, de apoio à “revolução”. Desconfiado de estar a protagonizar uma revolução comunista, “a coisa era tão secreta e chegara a esse nível”, em vez de apresentar serviço na Pontinha, exigiu explicações ao Posto de Comando, o Major Otelo sossegou-o, e só não desistiu, porque o Capitão Salgueiro Maia e a sua malta da EPC de Santarém começaram a chegar.

A sua perplexidade permitiu que os chefes militares tivessem escapado (momentaneamente) à prisão, derrotando com os machados de guerra dos guerreiros da sua decoração a parede de tijolo, divisória entre o Ministério do Exército e o Ministério da Marinha, apanharam o autocarro e foram parar ao Regimento da PM, à Calçada da Ajuda, onde montaram o Posto de Comando da contra-revolta. Integrou-se activamente na manobra do Salgueiro Maia, foi negociador decisivo, na Ribeira das Naus, na contenção dos blindados Patton que os chefes que não prendera mandaram contra eles, vindos da mesma Calçada, originários do RC7. E ainda efectuará a prisão o General Louro de Sousa, Quartel-Mestre General, - o Comandante do CTIG da Guiné da “Operação Tridente”, à ilha do Como, em princípios de 1964.

O que o Posto de Comando do MFA e o notável soldado e futuro Brigadeiro Comando Jaime Neves não sabiam – este terá partido sem saber – que a sua colisão mental com o surgimento daquela malta, madrugadora e animada, era circunstancial a essa a manobra “secreta” do Major Melo Antunes, que pusera o Carlos Brito a mobilizar a massa trabalhadora da Cintura Industrial de Lisboa para o Terreiro do Paço e pusera a Zita Seabra a mobilizar a massa estudantil (a UEC) a apoiar todo o militar da revolta que encontrasse na rua.

E essas massas desempenharam-se eficazmente; foram o “fermento” que levedou a massa de adesão do Povo.

Se o Capitão Teófilo Bento e a sua malta do SAM foram meteóricos na ocupação da RTP, objectivo não armado, o MFA de Lisboa, não obstante o seu poderio de homens e de fogo, demorou 17 horas a tomar o poder em Lisboa, encheu o Forte da Trafaria de presos, enquanto ao MFA do Norte, enformado por 60 militares, divididos em 5 grupos, comandado pelo então Tenente-Coronel Carlos Azeredo, bastaram 8 minutos para cumprir todas as missões e tomar o poder no Porto – e não meteu ninguém na cadeia.

Às 14H02 entraram em acção e às 14H10 já tinham libertado toda a região de Entre Minho e Douro.

A primeira fractura do MFA também se deu no Norte.

Carlos de Azeredo
O Tenente-Coronel de Cav.ª Carlos Azeredo planeara e executara o 25 de Abril nortenho em parceria com os Majores Eurico Corvacho, Gonçalves Borges e o Capitão Nogueira de Albuquerque, não poderia comandar a Região Militar, por não exercer o comando de unidade, havia requerido a demissão do Exército (o ministro tencionava deferi-la, sob o pretexto de ser paciente de “de doença mental”), mas recusou cumprir a ordem do Posto de Comando na Pontinha, de sair da cena e deixar o comando para o Major Corvacho; no seu entender, os chefes do MFA eram os Generais Spínola e Costa Gomes.

Em corolário a tantas horas de indecisão, a partir do meio-dia desse dia libertador emergiram no Porto não as massas populares de apoio, mas a turbamulta. Molestava-se pessoas, montava-se cercos aos quartéis da GNR, apedreja-se as esquadras da PSP e outras instituições do Estado, incendiavam-se carros, partia-se montras e assaltava-se lojas. Presenciei a Eng.ª Civil Virgínia Moura, que havia conhecido no contexto das obras da Ponte da Arrábida, como autora do projecto do nó e do viaduto de Sto. Ovídeo, em Gaia, a incitar a multidão e a alçar-se ao seu comando, para a temeridade de cercar e assaltar a PIDE – negligenciando o seu armamento.

Foi quando entrou em cena outro oficial também já fora da tropa e também Eng.º Civil – o Coronel Mário da Ponte (que me honrou com a sua amizade, durante mais de 40 anos). Foi para o Quartel-General, puxou dos galões, pôs a PM e a tropa na rua, a restaurar e a manter ordem pública, desmobilizou o cerco à PIDE, no dia seguinte mandou para casa o seu pessoal secundário e o seu pessoal estrutural foi largado no Alto da Carriça, na estrada de Braga, postura que manteve enquanto o Coronel de Inf.ª Passos Esmeriz, que comandava o RI 6, na Senhora da Hora, não foi assumir esse posto, por vontade da maioria dos oficiais dessa Região Militar.

Mário Soares e Álvaro Cunhal
Com o regresso de dois políticos, o optimista e exilado Mário Soares, vindo de Paris, que se apeou na Estação de S. Apolónia, no dia 28, e o céptico e fugitivo Álvaro Cunhal, vindo de Praga, que, no dia 30, desembarcou no Aeroporto da Portela, a revolta passou a tridimensional - os “capitães de Abril” e mais esses dois, como os corifeus do Socialismo…

Há camaradas da Tabanca Grande participantes na operação “Viragem Histórica”? Eu, no 25 de Abril, não pequei por omissão: voluntariei-me e fui recusado.

Naquele dia inicial inteiro e limpo (Sophia), estacionei o carro na Praça da República (então trabalhava no cimo da Rua do Almada) e dirigi-me ao camarada furriel que vi a comandar uma secção em posição de fogo, nos cruzamentos da Rua João da Regras e da Rua da Boavista. Admitindo tratar-se de exercício citadino, comentei o seu realismo e ele disse-me que não era exercício, era uma revolta para derrubar o Governo. Alertei-o do perigo do RC 6, ali tão perto, e ofereci-me a ir para a torre da Igreja da Lapa e fazer a vigilância aérea dos eixos de aproximação dos seus blindados, e ele desarmou a minha disponibilidade, dizendo-me que toda a tropa do Porto estava alinhada com a revolta. Eram 8H30 da manhã…

Naquele tempo também me sentia rebelde, ofereci os meus préstimos (intempestivos), o 25 de Abril recusou-os, mas, modéstia aparte, não deixou de me obsequiar: os Trabalhadores honram o 1.º de Maio como o seu dia e eu não só, mas também - é o dia do meu aniversário!

A celebração desta efeméride, via skype, por aquela meia dúzia de velhotes e “Capitães de Abril” sobrevivos, a cujo grupo etário pertenço, cercados por todos os lados pelo vírus Covid-19, a sua nostalgia de combatentes, no Ultramar e na Metrópole, ao serviço do seu Povo, ora em distanciamento social e em confinamento por um inimigo invisível, a sua exortação aos médicos, enfermeiros e demais pessoal do SNS, para personificarem os “capitães de Abril” da sua derrota, comoveram-me às lágrimas.

E, parafraseando o Almirante Pinheiro de Azevedo, protagonista de dois 25´s, o de Abril e o de Novembro: Não gosto de confinamento; chateia-me estar confinado.

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OBS:- Escolha e edição das fotos da responsabilidade do editor
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Notas do editor

Poste anterior de 25 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20902: 16 anos a blogar (4): Os dias de Abril, mês “de águas mil”, de Constituições, de Revoltas e de Revoluções, que mudaram Portugal (1) (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

Último poste da série de 27 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20912: 16 anos a blogar (5): O barbeiro dos bifes (António Carvalho, ex-Fur Mil Enf)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11116: In Memoriam (140): Major General Jaime Neves, falecido no Hospital Militar Principal de Lisboa em 27 de Janeiro de 2013 (José Martins)

1. Apesar de o Major General Jaime Neves nunca ter passado pela Guiné, era justa uma pequena homenagem do nosso Blogue a este valoroso militar que se distinguiu nas suas campanhas na Índia, Angola e Moçambique, sendo posteriormente um dos "Homens de Abril".

Este é mais um trabalho de pesquisa do nosso camarada José Martins [foto à direita] a quem ficamos gratos por mais esta incumbência.

O editor



Foto e referência retirada da página da Associação de Comandos


Major General Jaime Neves

Na realidade, infeliz realidade, completa-se no próximo dia 27 de Fevereiro de 2013, o trigésimo dia da morte do nosso camarada de armas, Jaime Neves, que foi um distinto militar do nosso exército, partilhando com muitos combatentes as agruras duma guerra que não escolheram fazer.

Para conseguir alinhar algumas palavras sobre este Oficial General, optei por procurar algo, sobre o mesmo, nas diversas páginas disponíveis na internete.

Curiosamente poucos dados biográficos encontrei sobre a pessoa que, não tendo palmilhado as mesmas matas e bolanhas, não deixou de ser uma figura que, em conjunto com outras, fez parte do Movimento das Forças Armadas, em Abril de 1974.

De seu nome completo, Jaime Alberto Gonçalves das Neves, nasceu em São Martinho da Anta, Vila Real, a 28 de Maio de 1936, não mencionando a sua filiação. Fala que seu pai era polícia e a sua mão doméstica, sendo filho único.

O Capitão Jaime Neves após ter sido condecorado com a Medalha da Cruz de Guerra de 1ª Classe, que lhe foi conferida em Ordem do Exército nº 4 – II Série – 1968. 
Foto: Correio da Manhã, com a devida vénia.

Completado o Curso Liceal em Vila Real, em 1953, entra para a Escola do Exército, actual Academia Militar. Terminado o curso em 1957, e com a patente de Alferes, parte para Moçambique para a cidade de Tete.

Em Março de 1958 vai para a Índia que, desde 1954 com a ocupação dos enclaves de Dadrá e Nagar Haveli, um enclave de Damão, era o destino de muitos militares. É a sua experiência asiática.

Regressa a Moçambique em 1960, já com o posto de Tenente ao qual tinha sido promovido no ano anterior, tendo ficado na Beira até Dezembro de 1961.

Regressa à metrópole e é colocado no Batalhão de Caçadores nº 10, em Chaves, onde vai dar instrução aos elementos da futura Companhia de Caçadores nº 365. Foi, no entanto, mobilizado para o Batalhão de Caçadores nº 381, formado em Chaves, para ir para Angola, onde chega a 03 de Dezembro de 1962, que se vai instalar em Úcua, Norte de Angola, ficando a ocupar o cargo de oficial de reabastecimentos.

Algum tempo depois é-lhe confiado o comando da Companhia de Caçadores nº 365, também mobilizada em Chaves, chegada a Angola em 13 de Julho de 1962 e cuja unidade já conhecia, por lhe ter dado instrução no BC 10 de Chaves. É aí que inicia a sua prova de fogo, comandando os seus homens com disciplina, coragem e abnegação.

Regressado em Janeiro de 1965, decide ingressar no Regimento de Artilharia de Queluz, onde inicia uma das maiores provas: o curso de comando.

Em 1966 regressa a Angola onde comanda a 2ª Companhia de Comandos, cujos resultados impressionam e as operações sucedem-se, combatendo a guerrilha.

A Companhia de Comandos é enviada para Moçambique, para a região de Tete, em Maio de 1966, dado o agravamento da situação militar. É no Norte da província que o Capitão Jaime Neves e os seus homens travam duros combates com a Frelimo.

Dado que nos baseamos em documentos dispersos e não no processo pessoal de Jaime Neves, há alguns factos de que nos apercebemos, mas que a documentação consultada, não refere em pormenor.

Sabe-se que, além de ter estado na Índia, fez duas comissões em Angola e mais duas em Moçambique, onde, já Major, se encontra em 1973.

Presente nos anos de 1974 e 1975 no Movimento das Forças Armadas, comanda como Tenente-Coronel graduado em Coronel o Regimento de Comandos.

Major General Jaime Neves, data desconhecida. 
Foto: UTW, com a devida vénia

Pela observação das poucas fotografias encontradas, supomos que conseguimos identificar as seguintes condecorações:

• Medalha de Valor Militar;
• Medalha Cruz de Guerra, 1ª Classe;
• Medalhas de Serviços Distintos;
• Medalha de Mérito Militar (?)
• Medalha de Comportamento Exemplar;
• 2 Medalhas Comemorativas das Campanhas (Angola e Moçambique);
• Medalhas das Campanhas de Serviços Especiais (Índia)

Em 1995, no dia 13 de Julho, foi agraciado pelo então Presidente da Republica com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, tinha o posto de Coronel

Já na situação de reforma, “As chefias militares consideraram que o seu "mérito e os serviços prestados à Pátria" justificam a "promoção por distinção".[6] A promoção a Major-General foi confirmada pelo Presidente da República Portuguesa, Prof. Aníbal Cavaco Silva, a 14 de Abril de 2009”.

Veio a falecer no Hospital Militar Principal, em Lisboa no dia 27 de Janeiro de 2013, tendo as exéquias sido celebradas na capela da Academia Militar, nos Paços da Rainha e no Cemitério do Alto de São João, a que estiveram presentes muitos “Antigos e Actuais Comandos”.

José Marcelino Martins
18 de Fevereiro de 2013
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 18 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11110: In Memoriam (139): Cor inf Carlos Alberto da Costa Campos (1927-2006), antigo comandante da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/67) e depois do COP 3 (Bigene, 1973): Trasladação dos seus restos mortais, no próximo dia 26, 3ª feira, às 11h00, no Cemitério de Sesimbra, para o talhão da Liga dos Combatentes (Carlos Jorge Pereira)

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10658: O nosso livro de estilo (8): Em louvor da 38ª CCmds (Luís Graça / Eduardo Magalhães Ribeiro / António Graça de Abreu)

1. Há dias escrevia, em comentário, um dos nossos estimados leitores (e, por sinal, camarada, ex-oficial pará, com comissões nos três teatros de operações da dita guerra do ultramar de meados do século passado), que "Jaime Neves nunca esteve na Guiné" (sic), pelo que era descabido, no seu entender, a inserção do poste P10641 (*), anunciando a sessão de lançamento do livro Jaime Neves, da autoria de Rui de Azevedo Teixeira, no próximo dia 25 de Novembro de 2012, em Lisboa. A crítica ia mais longe, denunciando que "este blog é uma plataforma de promoção de realizações de índole comercial e que nada têm a ver com o seu leit-motiv declarado - a guerra da Guiné" (sic).

Conheço mal o CV [, curriculum vitae,]  de Jaime Neves, mesmo assim o suficiente para saber que nunca esteve na Guiné, pelo menos como militar, não tendo por isso  bebido a água do Geba, do Cacheu, do Corubal ou do Cacine, um dos requisitos  indispensáveis para integrar a nossa Tabanca Grande como "camarada da Guiné".  Passou pelo TO de Angola e Moçambique, esteve no 25 de abril  de 1974 e no 25 de novembro de 1975.  Isso não me impede de dar notícia, sem qualquer intuito propagandístico e muito menos comercial, do lançamento de um livro, com a sua biografia, independentemente da qualidade do livro e do seu autor. Afinal, o biografado  não é um militar qualquer.  Por outro lado, um dos apresentadores do livro é Ramalho Eanes, um outro oficial do exército que, esse sim, esteve connosco na Guiné (1969/71). 

Sei que o hoje major general na reforma Jaime Neves tem, na nossa Tabanca Grande,  gente que esteve com ele, nomeadamente no Regimento de Comandos da Amadora, e e no 25 de novembro de 1975. Estou a pensar nomeadamente nos nossos camaradas Amílcar Mendes (ex-1º Cabo Comando da 38ª CCmds, Os Leopardos,  Brá, 1972/74) e o Mário Dias (sargento comando e instrutor dos comandos da Guiné de 1964/66)... São dois camaradas e dois bons amigos, membros da nossa Tabanca Grande, de longa data.

Para mim, isso era motivo mais do que suficiente para dar notícia do evento na nossa série "Agenda Cultural". Não cultivamos ódios de estimação, qualquer que seja a sua razão (pessoal, étnica, profissional, política, ideológica ou outra). Não queremos nem alimentamos polémicas, muito menos entre antigos camaradas da "tropa especial".  E se cito aqui este caso, é apenas para sublinhar que as decisões (de inclusão ou de exclusão) dos meus co-editores têm sempre o meu aval. Confio neles, dando-lhes liberdade e responsabilidade. E, de resto, este blogue não seria o que é hoje (em termos de longevidade e relativa popularidade)  sem o seu valioso contributo, empenho e competência. Dizer que o blogue tem, velada ou descaradamente, objetivos comerciais, políticos ou ideológicos, isso é que eu não admito, porque não corresponde à verdade.

Sublinhe-se todavia que o nosso blogue está longe de ser equidistante, imparcial, justo, objetivo,  usando sempre o mesmo peso e a mesma medida... Só para dar um exemplo:  a 38ª CCmds tem já cerca de 6 dezenas de referências no nosso blogue; a 35ª CCmds, por exemplo,  não chega a meia dúzia...  Como explicar a diferença ? A razão é simples: há muito mais gente, aqui,  a escrever sobre a 38ª CCmds... E outras unidades e subunidades que passaram pelo TO da Guiné nem sequer têm aqui a mais pequena referência... E, no entanto, estamos sempre abertos às notícias que nos chegam (, incluindo sessões de lançamento de livros e outros eventos culturais), e publicamos tudo ou quase tudo que possa interessar aos camaradas que prestaram serviço militar no período, grosso modo, que vai de 1961 a 1974.

2. E a propósito fui aos cadernos do nosso coeditor, Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-furriel miliciano de operações especiais, da CCS do BCAÇ 4612/74 (que esteve em Mansoa por escassos dias, cabendo-lhe a honra de arriar a nossa bandeira em 9 de Setembro de 1974, por ocasião da transferência de soberania do território para o PAIGC),  justamente para ir "respescar" uns versos em que se faz o elogio da amizade e camaradagem da malta da 38ª CCmds, que ele conheceu já no pós 25 de abril (*)... São, de resto, valores que queremos cultivar aqui, entre ex-combatentes do TO da Guiné de todas as  épocas, armas e especialidades (*):

Um Comando da 38ª

Era a minha sombra nas deslocações a Bissau
O meu guarda-costas preferido!... O número um!
Eu conhecia-o bem e sabia!... Que se necessário...
Dava a vida pelo amigo!... Como mais nenhum!


Na longínqua e bela Guiné,
Mais do qu’em qualquer outro lugar,
Encontrar um conterrâneo
Era o rei dos motivos p’ra festejar.

Para nós... do Porto e Lisboa,
Como éramos a maioria,
Amíude os encontros se davam
Sempre com renovada alegria.

Quando chegamos a Mansoa
Na recepção a nós, os periquitos,
Alguns velhinhos perguntavam
No meio daqueles pios esquisitos:

- Quais são os periquitos do Porto?…
Duas coisas tendes que fazer:
Pagar uma bebedeira mestra
E contar as novidades... que houver!

Fomos então p’rá cantina beber
E conversar, entusiasmados;
Nós, do Porto... do presente... de Abril
Eles... dos momentos ali passados.

Dias depois estes partiram,
O seu tempo de guerra... findara,
Foram estes os primeiros amigos
Com que a Guiné me brindara.

Um dia o Comandante disse-me:
- O vagomestre está muito doente,
Você vai substitui-lo como souber...
Vai alimentar toda esta gente.

Se mais proveito não lhe fizer,
Vai muitas vezes a Bissau… passear;
É um privilégio raríssimo,
Espero que não vá regatear!

Eu... um Operações Especiais?
Ouço, obedeço e não discuto!
Serei o Rei do desenrascanço?
Se calhar!... avancei, pois, resoluto!

No dia seguinte, surgiram-me ali,
Num jipe, três Comando, sedentos
Da 38ª Companhia,
Risonhos, amigáveis e... barulhentos.

Eram do Regimento de Comandos,
Sito na estrada p’ra Bissau, em Brá,
A cerca de sessenta quilómetros,
Que me convidaram a visitá-los… lá.

Mas entre eles estava um Cabo,
De seu nome Moreira Barbosa,
Que ao saber qu’eramos patrícios.
Exigiu comemoração honrosa.

Bebemos então e conversámos,
Ali cimentamos forte amizade
Daquele tipo hoje muito raro,
Com raízes par’a eternidade.

Ora... sempre qu’eu tinha d’ir à capital
Entrava nos Comandos a correr
- Ó Barbosa, queres vir comigo? -
Perguntai ao cego s’ele quer ver...

Provocavam enorme alarido
As viagens e as petiscadas
No Portugal, no Ronda, etc.
Estórias, anedotas... gargalhadas.

Ele conhecia metade do pessoal,
Apresentava-me toda a gente,
A nossa mesa depressa s’enchia
De malta faladora e contente.

Barbosa perto... tristeza longe,
O seu feitio guerreiro, destemido,
Completava a sua forte alma
E contagiava o mais encolhido.

Como é lógico... muitas conversas
Versavam o tema da guerra,
As grandes operações e combates.
O sangue derramado na terra.

Os golpes de mão e emboscadas,
Os acidentes graves conhecidos,
O 25 de Abril...
Enfim... os mortos e os feridos

- Manga de ronco!... Compr’uma coisa?-,
Era o pregão local dos artesãos,
Pululantes, insistentes, chatos,
Até qu’o Barbosa fechava as mãos!


Quis Deus que partisses mais cedo, amigo, irmão!
Quantas saudades deixaste dessa tua energia,
Da tua dinâmica... do teu empolgar pela acção,
Do teu espírito de aventura, do riso, da alegria!...



2.  Também vai tem aqui um excerto do Diário da Guiné, do António Graça de Abreu, com referência  a um dos últimos mortos (se não mesmo último) da valorosa 38ª CCmds, nas vésperas do 25 de abril, vítima de ataque terrorista a um café de Bissau.

(...) Bissau, 25 de Março de 1974 

A grande novidade em Bissau, capital da guerra foram as bombas no Quartel- General, na Amura, onde os estragos estão bem à vista, e num café no centro da cidade onde inicialmente morreu um civil mas depois morreram mais três militares, entre eles um soldado da 38ª de Comandos. Estes pobres rapazes até a Bissau vêm morrer!

Foram postas em prática medidas de segurança patentes onde quer que uma pessoa vá. Há patrulhas da polícia militar e civil um pouco por todo o lado. Agora, para se entrar no Quartel-General só falta passar pelo RX. O medo é maior, as coisas estão a mudar. (...)

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Notas do editor:

(*) Vd. I Série > 31 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXI: Cancioneiro de Mansoa (8): a amizade e a camaradagem ou o comando da 38ª


(**) Último poste da série > 20 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10409: O Nosso Livro de Estilo (6): O que fazer com este blogue ? (Parte II ): Depoimentos de A. Pires, C. Pinheiro, D. Guimarães, L. Ferreira, B. Santos, C. Rocha, F. Súcio, B. Sardinha , T. Mendonça e JERO

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10641: Agenda cultural (232): Lançamento do livro Jaime Neves, por Rui de Azevedo Teixeira, dia 25 de Novembro de 2012, em Lisboa (Maria Teresa Almeida)

1. Mensagem da nossa amiga Maria Teresa Almeida, da Liga dos Combatentes, com data de 8 de Novembro de 2012, com pedido de publicação do convite para a apresentação do livro "Jaime Neves" por Rui de Azevedo Teixeira:

Bom Dia, meu Estimado Combatente Sr. Carlos Vinhal
Venho mais uma vez solicitar, se possível, e se assim o entender, a divulgação do Livro JAIME NEVES, conforme consta do convite, que junto envio.

Dia 25 de Novembro, pelas 17h00, na FNAC do CC Colombo. 
Apresentam o livro o Sr. General Ramalho Eanes e o cineasta António-Pedro Vasconcelos.

Com o meu abraço de imensa gratidão
Maria Teresa Almeida


C O N V I T E

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10638: Agenda cultural (231): VISITAS GUIADAS Exp. Álbum de Memórias - Índia Portuguesa 1954.1962

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3397: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (1): A ida, do RI5 a Bissau


Luís Faria,
ex-Fur Mil Inf MA
CCAÇ 2791,
Bula e Teixeira Pinto,
1970/72


Capítulo I > A minha viagem - Do RI5 a Bissau

Em 1969 era eu, um bom moço, melhor rapaz e estudante do antigo 7.º ano, quando me convidaram para o RI5 [Regimento de Infantaria nº 5, nas Caldas da Rainha), sob o comando de Giacomino Mendes Ferrari (creio ser o nome correcto). E por lá andei a fazer a recruta com as insígnias de Instruendo. Até que, chegou a hora de escolher uma das Especialidades disponíveis, a saber: Amanuense, Atirador e Operações Especiais. Dado que para Amanuense não ia concerteza e para Atirador era certo, optei por ser o melhor da minha rua e só por isso pelas Op Especiais!

Por lá apareceu um dia o famoso Cap Robles e… lá fui parar a Lamego, ao CIOE [Centro de Intrução de Operações Especiais].

Boa comida, bons pequenos almoços… e há que optar: Op Esp (Rangers) ou Comandos? Fui parar a Penude, ao novo Quartel dos Comandos sob o comando Cap Jaime Neves. Boa comida, más dormidas!...

Estávamos no Inverno, um frio de rachar e depois de muitas peripécias que recordo com saudade a camaradagem, a disciplina, a preparação física e bélica adquiridas, o conhecimento humano em várias vertentes… muito me serviram na Guiné!... Dizia eu do frio de rachar… e um belo (!?) regresso de fim de semana, vou dar com o corpo na enfermaria, com gripe. Lá se foram o salto da ponte, o esgoto, o slide e o rapel!... E lá fui eu para Tancos, sem crachá, mas com os conhecimentos, tirar o curso de Minas e Armadilhas (nada de novo) com direito a Diploma, claro está!

Depois de ter resolvido, a contento, um problema grave de despromoção e prisão por ter invadido um aquartelamento da NATO (entrei com o meu amigo Meirinhos e outro por um buraco na rede), eis-me a caminho do RI 16, Évora, cidade do Templo de Diana, para formar Companhia com destino à… Guiné (o pesadelo que poucos quereriam !)

Ao tempo Salazar morreu, Tenentes ausentaram-se, falou-se que a guerra na Guiné tinha amainado e ia acabar (grande alívio !!!), enfim, valeram aquelas donzelas simpáticas e de fala doce e musicada, que nos distraíram o pensamento. Certo, Jorge Fontinha? E já que o nosso Tenente se ausentou, quem assumiu o comando do 4.º Gr Comb, deixando o 3.º, fui eu, por ser o Furriel mais antigo. E assim, o Jorge Fontinha (Op Esp), o Chaves (açoriano) e eu, lá demos instrução ao 4.º Gr Comb, levando-o até ao aquartelamento abandonado do RAC-Espargal em Oeiras, de onde embarcámos, em 19 de Setembro de 1970, depois das cerimonias habituais - Movimento Nacional Feminino, cigarros, Parada, despedidas e mais (só um meu irmão soube da minha partida) - no paquete inclinado para bombordo Carvallho Araújo, que nos levou ao destino, via Açores e Cabo Verde.

Ao entrarmos no Geba, já noite, na amurada a pensar e a sentir o cheiro caraterístico daquela Terra, entrei em alerta ao ver que os Turras já nos estavam a atacar com objectos incendiários que vogavam pelas águas em direcção ao barco...

Ufa… que alívio?! Afinal era apenas fauna marítima eléctrica!!!!!

E eis-nos atracados no cais do Pijiguiti, prontíssimos para o IAO e para o que mais viesse. Estávamos a 2 de Outubro de 1970. A partir desta data nos iríamos transformar em Homens, rapidamente…

Um abraço a todos os Tertulianos
Luís Sampaio Faria


Foto 1 > Luís Faria na Parada do RI5, Caldas da Rainha, cujo Comandante era o Coronel Giacomino Mendes Ferrari

Foto 2 > Fevereiro de 1970 > Luís Faria já no Curso de Comandos, em Penude, no novo Quartel dos Comandos sob o comando Cap Jaime Neves.

Foto 3 > Setembro de 1970 > RI 16 > Luís Faria durante a Semana de Campo

Foto 4 > A bordo do Carvalho Araújo, saída de Angra do Heroísmo, a caminho da Guiné

Foto 5 > Setembro de 1970 > Luís Faria em Ponta Delgada

Foto 6 > Cabo Verde > Luís Faria em Mindelo, Ilha de São Vicente durante a escala do Carvalho Araújo naquele Arquipélago

Fotos: © Luís Faria (2008). Direitos reservados.

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Nota de CV

Vd. poste de 31 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3388: Tabanca Grande (94): Luís Sampaio Faria, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto (1970/72)