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sábado, 6 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16362: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XII Parte: Cap VII: Guerra I: O nosso primeiro prisioneiro, o Calaboço



Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67 > Abrigos em Cufar. Da esquerda para a direita: Fur mil trms Tomás Afonso, fur mil Bernardino Pinto e fur mil op esp Mário Fitas.


Texto,. foto e legendas : © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados.



[À direita: capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. Foto à abaixo à esquerda, março de 2016, Oitavos, Guincho, Cascais]



Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > 
Parte XII - Cap VII: Guerra 1: O nosso primeiro prisioneiro, o Calaboço (pp. 40-42)

por Mário Vicente 

 Sinopse:

(i) Depois de Tavira (CISMI) e de Elvas (BC 8),

(ii) o "Vagabundo" faz o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra"):

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra.




Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > VII - Guerra 1: O nosso primeiro prisioneiro, o Calaboço (pp. 40-42)

2 de Abril de 1965, com o 2º. Grupo de Combate em 1º. Escalão e os Vagabundos à frente, a CCAÇ sai para tentar o primeiro contacto a sério, tendo como guia o velho “capitão” Albino, da Milícia 13 do Alferes de segunda linha João Bacar Jaló.

Vagabundo sente algo de especial e escreve a Picolo e Tânia em género de despedida, conhece o medo mas… há que dominá-lo.

Pelas 24H00, a Companhia enfia pela mata de Cufar Novo. Até às seis da manhã andam às voltas na mata e quase não saem do mesmo sítio. Grande parte do percurso é feito gatinhando e mesmo rastejando ou levando chicotadas dos ramos projectados pelo companheiro da frente. O velho Albino que em 1963 tinha combatido corpo a corpo apenas com uma navalha como arma, está perdido numa mata que conhecia como as próprias mãos. Será da idade ou do medo? Incógnita!

Carlos [, o cmdt da CCAÇ 763,] manda parar. O pessoal está completamente extenuado. Chamando o comandante do grupo de combate e da secção que progridem em primeiro escalão e, prescindindo dos serviços do guia, orienta a saída da mata onde se encontravam praticamente perdidos.

Pelas 7H00 os homens da frente conseguem chegar à orla da mata, alcançando a estrada para Catió. Carlos manda enfrentar a mata de Cufar Nalu em plena luz do dia. Na descida é avistado um grupo de guerrilheiros armados, fardados de calção e camisa de caqui, saindo da mata de Cufar Nalu e atravessando a estrada para o lado esquerdo. É pedido fogo de morteiro sobre a lala que separa aquela posição, da mata prolongamento do ilhéu de Cantone, no sentido de evitar o envolvimento pelo IN. Progredindo pela bolanha a oeste da estrada que foi abandonada, a CCAÇ consegue atingir a mata de Cufar Nalu atingindo o seu objectivo atravessando a estrada, ocupando posições dentro da mata, instalando-se em linha com elementos de apoio em segundo escalão até meio da tarde, sem haver qualquer contacto com o IN.

Já entrámos em terreno proibido. Cufar Nalu já não é um mito, a sua mata foi desflorada. Aos poucos torna-se inevitável, teremos de nos encontrar a sério.

Regresso ao Aquartelamento. Vagabundo relê as cartas para Picolo e Tânia e resolve rasgá-las, pois nunca mais entrará no negativismo que lhe pode ser perigoso, afectando-lhe o moral. Sursum Corda, o Destino está escrito!... Se for de ficar aqui que seja, o militar prepara-se psicologicamente para a guerra. Ou se mata ou deixamo-nos matar. Alternativa zero.

O grande dia está próximo, respira-se essa atmosfera. Mais dia, menos dia vamos lá, ou eles ou nós!...

Aproximamo-nos de Maio. As obras do novo aquartelamento caminham em bom ritmo. O treino operacional é intensivo: patrulhas, emboscadas, golpes de mão etc… etc… passo a passo a CCAÇ., vai atingindo os objectivos da sua missão. O trabalho psicossocial, junto das populações a sul, Iusse, Inpungueda, Mato Farroba e Cantone começa a dar uns ténues resultados. Estamos a ultrapassar o PAIGC neste aspecto, destruindo-lhe aos poucos a rede de controladores e apoio, e cativando cada vez mais os elementos das populações não totalmente identificados com a guerrilha. Já houve uns leves contactos em que conseguimos envolvimentos e resultados positivos. A moral é óptima e a fruta está praticamente madura. Carlos com pleno conhecimento da anti-guerrilha e profundos conhecimentos da Guiné, transmite aos seus subalternos as melhores técnicas e tácticas, de forma que a missão da C.CAÇ. tenha o melhor êxito.

Já temos informações de muita coisa que se passa nas tabancas controladas pelo IN, e embora o acampamento do PAIGC tenha sido reforçado, já somos nós que reunimos e conversamos com as populações embora sabendo que eles andam por lá e que já nos evitam.

Maio!... Maduro Maio. Bebiam-se os últimos copos da noite de 6 de Maio, na improvisada messe de sargentos, na velha fábrica de descasque de arroz, quando aparece o Bugio condutor de Carlos e informa determinados furriéis para se apresentarem no Comando. Era assim habitualmente para determinadas operações, Carlos chamava determinados militares independentemente da patente ou do grupo de combate a que pertencessem. Chegando ao Comando, olhando uns para os outros e identificando-se, pensaram logo que cirurgia melindrosa e urgente deveria estar para acontecer na sala de operações. Paolo informou Carlos de que todos os cirurgiões, anestesistas, instrumentistas e enfermeiros se encontravam a postos para se proceder à intervenção.

Carlos, agora uma espécie de director clínico começou então a explanação: Explorando a mensagem confidencial 364/M de 6/5/65 do BCAÇ 619 estaria um elemento desertor do PAIGC na tabanca de Iusse, de seu nome Calaboço, pelo que havia que fazer esta pequena intervenção com o máximo sigilo. Queria a todo o custo o homem vivo, dada a sua importância e os órgãos que ele poderia disponibilizar para futuros transplantes. Operação a efectuar de madrugada, que seria apoiada ao romper do dia com um cerco e limpeza à referida tabanca por dois grupos de combate que sairiam uma hora depois dos operadores.

Primeiro passo: contactar o chefe de tabanca para este informar o local onde estaria escondido o dito cujo. Segundo passo: abafar o homem para não apanhar nenhum resfriado. O Almeida comanda a cirurgia, ele determinará a ordem de comando. Até logo rapazes!

Às três da manhã os quinze homens estavam preparados e arrancaram com a admiração das sentinelas. Onde iriam aqueles loucos àquela hora!?...

Caminhando sobre o talude que formava a lagoa, depressa chegaram às imediações de Iusse, começando cautelosamente a progressão para a morança do chefe de Tabanca. Pequena alteração nos procedimentos, pois o chefe informa que o indivíduo não se encontraria escondido na bolanha, mas sim numa morança onde se presumiu estaria a dormir no momento. E como se veio a verificar posteriormente não se tratava de um desertor, mas sim de um elemento do PAIGC em descanso na povoação por motivo de doença.

Refazem-se os procedimentos e identifica-se a morança. Almeida orienta a acção, Vagabundo e Chico Zé controlam os dois grupos de segurança, Gibi dá um encontrão e rebenta com a porta, enquanto Jata salta para dentro e aplica um gancho com a esquerda e o primeiro vulto regressa ao reino de Morfeu, o Trinta atira-o para fora para controle. Há mulheres e crianças que são mandadas abandonar a morança rapidamente em silêncio. Já dentro também, António Pedro liga uma pilha para melhor visualização, Calaboço a um canto, rende-se. Embora de etnia balanta, não apresenta as suas características, pois a sua média estatura e fragilidade física não têm nada a ver com um balanta. Revistados os compartimentos da morança os seus habitantes são reunidos em silêncio absoluto.

-Águia um! Águia um! Aqui, Águia dois transmito!

-Aqui Águia um escuto!

-Águia dois informa, cirurgia efectuada com êxito, mantemos posições.

Águia um informa:

-Correcto, ao romper d´aurora sai o pastor da choupana.

-OK, Águia um, entendido!

Noite luarenta, os quinze homens fazem um círculo em volta do pessoal retirado da morança. Passado aproximadamente uma hora, começa a clarear e nota-se a bruma do Cumbijã, na bolanha entre Iusse e Impungueda. Ouvem-se cães a ladrar. Os cães da tabanca farejaram os nossos pastores alemães pois o Cadete a Carhen e o Punch de Boane, vão entrar em acção. A povoação já está cercada pelos grupos de combate da CCAÇ de Cufar. É feita a reunião e identificação da população sendo feita acção psicossocial activa. Sabemos que a malta de Cufar Nalu anda pelo meio da população. Com cuidado vamos devagar, temos de conquistar a população.

A meio da manhã, a CCAÇ. regressa a Cufar com o prisioneiro Calaboço.

Patrulhando o tarrafo junto ao Cumbijã, um grupo de combate, destruiu duas pirogas de grande dimensão, tendo sido abatidos dois indivíduos que fugiram tentando atravessar o rio.

A prisão do Calaboço, embora com trabalho e paciência, deu alguns frutos e no dia seguinte a mulher chefe de Partido em Iusse e o seu marido foram presos. Passados dois dias, foram feitos prisioneiros o chefe do Partido e mais dois indivíduos, estes dois foram abatidos ao tentarem a fuga junto à Lagoa de Cufar.

(Continua)
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