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segunda-feira, 20 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20877: Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (10): Em navegacao, Mediterrâneo Oriental, 16 de Abril de 2020


MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo > Em navegação, Mediterraneo Oriental, 16 de Abril de 2020

Foto (e legenda): © António Graça de Abreu (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Os nossos camaradas Constantino Ferreira d'Alva, ex-fur mil art da CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala Mampatá, 1969/71) e  António Graça de Abreu ), ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), estão a escrever  o seu "diário de bordo", nesta viagem de volta ao mundo. O MSC - Magnífica teve, entretanto,  de apressar o seu regresso ao ponto de partida (, Marselha), devido à pandemia de COVID-19.  


Publicamos hoje a mensagem do António Graça de Abreu, enviada  em 17/04/2020 à(s) 21h38

Em navegação, Mediterrâneo Oriental, 16 de Abril de 2020

Ontem, saímos do Canal do Suez, em Port Said, já com o cair da noite, eu vim para o meu camarote e estranhei o facto de o navio ter praticamente parado durante quase uma hora, no meio de uns tantos petroleiros que aguarvam a entrada no Canal.

Que se passava? O barco retomou a navegação a boa velocidade, 20 nós, 38 kms por hora. Estranhei. No mapa do itinerário do Magnifica, que temos no ecrã dos televisores nos nossos quartos, e que fornecem estes dados, vi que o navio, em vez de seguir para oeste, em direcção a Marselha, avançaava para leste, rumo a Israel.

O que e que estava a acontecer? A resposta foi-nos dada pela instalação sonora, em mensagem do comandante. Tínhamos uma pessoa em perigo de vida a bordo, a necessitar de imediata hospitalização. Foi pedido às autoridades egípcias de Port Said, autorização para o desembarque do passageiro e encaminhamento para um hospital. Sem sucesso, recusaram. Foram os israelitas quem se mostraram dispostos a acolher o doente grave. O nosso navio rumava para Haifa, Israel, a fim de desembarcar o francês, companheiro de viagem, que lutava contra a morte.

No final da comunicação do comandante, somos informados que a doença do passageiro não tem a ver com a Covid-19. Sossegamos. Quarenta e cinco minutos depois, jáde noite, tínhamos um helicópetro israelita a voar por cima do Magnifica, a descer, a içar o doente numa maca, a levá-lo para um hospital em Israel.

Isto testemunhei eu, assisti a quase todo o processo. Uma hora depois ouço de novo o barulhão do helicópetro parado ao lado do navio. Permaneceu a roncar durante uns dez minutos e depois voou alto no céu negro, de regresso a Israel. Nao entendi o que veio outra vez cá fazer, não entrou ninguém no aparelho.

Hoje de manhã, um português que tem o camarote no 14º andar, mesmo ao lado do local onde içaram o passageiro francês para o heli israelita, deu-me uma explicação possível. Os israelitas vieram pela segunda vez buscar a esposa do francês, mas a senhora estava completamente embriagada, passeava-se pelos corredores dos camarotes do 14º andar tropeçaando em tudo o que encontrava pela frente, com uma garrafa de vinho, vazia, na mão. Nao quis entrar no helicópetro, nem era possível metê-la lá, à força. O heli foi embora.

A passageira francesa continua no Magnifica e dizem-me que hoje a viram, no 5º andar, na recepção, pálida, completamente apática, olhando o vazio. Que tera acontecido ao marido, ou ao companheiro de viagem?

A vida não está fácil para este velhinhos, as emoções fortes sucedem-se. O filme de suspense só terá fim daqui a mais alguns dias.

António Graça de Abreu
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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de abril de  2020 > Guiné 61/74 - P20860: "Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (9): Em navegação, no Mar Vermelho: "não acredites em nada antes de ver e, depois de ver, continua a não acreditar"... E um momento de grande emoção, na Sexta Feira Santa!...

domingo, 20 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18655: E as nossas palmas vão para... (16): João Crisóstomo, nosso camarada da diáspora lusitana, por 3 razões: (i) foi homenageado pelos correios de Israel; (ii) continua solidário com Timor Leste; e (iii) convida-nos a todos para a sua festa do próximo dia 16 de setembro, em Paradas, A-dos-Cunhados, Torres Vedras


Foto: Cortesia de LusoAmericano, 19 de janeiro de 2018



Recorte do jornal LusoAlericano, 19 de laneiro de 2018



Timor Leste > Foto nº 1



Timor Leste > Foto nº 2


Timor Leste > Foto nº 3


Fotos (e legendas): © João Crisóstomo  (2018). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça / Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de nosso amigo e camarada da diáspora, João Crisóstomo (Nova Iorque), ativista de causas sociais, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67):


Data: 2 de maio de 2018 às 20:37
Assunto: Verão 2018...

Caro Luis Graça, e… todos os meus caríssimos amigos e suas respectivas queridas,

Este é longo, mas...

Quisera mas não dá para mencionar os nomes da tanta gente boa que fazem o favor de me conceder a sua amizade. Vou fazer o possível para ligar pelo telefone a tantos quantos puder, bem consciente porém de que agora com estes "facebook, "linkedins", e tantas redes ( que eu quase não uso porque são labirintos para mim) é muito difícil encontrá-los…enfim!


(i) Estão todos convidados, caros amigos e camaradas, para a festa dos Crispins & Crisóstomos, no próximo dia 16 de setembro, em Paradas, A-dos-Cunhados, Torres Vedras


Mas vamos primeiro ao mais importante: Eu e a minha querida [, Vilma,]   vamos passar umas semanas na Eslovénia e a seguir vamos a Portugal (, fins de Agosto até meados de Setembro) e como não vou poder ir visitar toda a gente individualmente como gostaria, estou a organizar maneira de nos encontrarmo.nos: é que estamos ainda celebrando o nosso quinto aniversário… e assim aproveito para convidar os meus amigos e familiares para uma tarde de amizade…

Portanto a todos vocês que me fazem o favor da vossa amizade que eu tanto aprecio: camaradas da Guiné, camaradas de tempos de seminário, e tantos outros que ao longo dos meus (já!) 74 anos de vida,  foram aparecendo para com a sua amizade fazerem de mim um felizardo… e evidentemente aos meus familiares Crispins e Crisóstomos… ponham na vossa agenda :

"Domingo Dia 16 de Setembro , na Associação para o Desenvolvimento das Paradas, Rua José Fereira, 5,  Paradas- A-dos-Cunhados, Torres Vedras (, junto à estrada de Santa Cruz para A-dos-Cunhados) a partir das 13.00 pm."

Será ocasião para desfrutar a nossa amizade,  revivendo tempos e experiências, bons uns e outros até menos bons, mas que foram talvez ocasião e início das relações de amizade que agora nos unem.


(ii) Emissão de selo, pelos correios de Israel, de homenagem aos meus esforços para o reforço do diálogo interreligioso

O Luís Graça pediu-me para dar notícias actualizadas e quis que lhe enviasse algo sobre um "reconhecimento" por parte da autoridade postal de Israel pelos meus esforços que foram considerados benéficos para o relacionamento entre o cristianismo e judaísmo. (*)

Francamente ninguém pode ficar mais surpreso do que eu fiquei; quando me falaram num selo pensei que era brincadeira. Mas depois ele "apareceu". Não quero estar a pretender fingida modéstia, mas acho que isto revela mais a generosidade de quem isto sugeriu do que o valor do recipiente. Mas está feito. E porque o Luís Graça assim me pediu, junto notícia que sobre o assunto saiu num jornal comunitário nestas paragens.

(iii) Notícias da minha recente estadia em Timor-Leste

Na mesma conversa telefónica,   o Luís Graça pediu-me para enviar também algo sobre a minha ida a Timor Leste… Mas isso,  meus caros,,  por mais que eu quisesse nunca poderia descrever cabalmente o que isso foi: na verdade foi uma experiência extraordinária que francamente sinto que apenas sou capaz de descrever quando o faço em conversa pessoal, um a um.

Tudo o resto é muito insuficiente,não chega. Mas a título de info, envio um "Comunicado" que, como Presidente da LAMETA,  enviei aos órgãos de informação especialmente sobre uma recente diligência efectuada com êxito naquele território e à qual este movimento pró-timorense esteve associado com êxito.

Juntamente também incluo 3 fotos e legendas sobre esse acontecimento e outros relacionados [Vd. ponto 2].

Desculpem o comprimento deste, que ser conciso é qualidade que infelizmente não possuo. Espero que a vossa paciência e compreensão compensem as minhas faltas.(**)

Um abraço com amizade,

Até 16 de setembro se Deus quiser!.

João

2. “Press Release” > Exposição na Universidade de Dili recorda apoio  das comunidades luso-americanas a Timor-Leste e inauguração de escola São Francisco de Assis em Boebau

LEGENDA DAS 3 FOTOS [Vd. acima]

Foto 1 > Uma das alas da exposição LAMETA na Escola Rui Cinatti em Dili. Esta exposição estará patente a partir de 5 de Maio na Universidade Nacional de Timor-Leste em Dili no âmbito das celebrações do 16º aniversário da independência nesta instituição de ensino superior.

Foto 2  > A população recebe o Embaixador de Portugal em Timor-Leste José Pedro Machado Vieira e outros convidados durante a cerimónia da inauguração da nova Escola S. Francisco de Assis, que a população de Boebau chama agora “sua”.

Foto 3 > Quando as pessoas sonham, a obra nasce. Alguns dos responsáveis pela ideia e pela obra da nova escola de Boebau: Rui Chamusco, João Crisóstomo e Gaspar Sobral.


O 16º aniversário da independência de Timor-Leste vai ser assinalado pela Universidade Nacional timorense com uma exposição sobre o papel das comunidades luso-americanas no apoio à independência daquele país.

Os 120 documentos, que ficarão expostos a partir de 5 de Maio na Universidade Nacional de Timor-Leste (UNTL), reproduzem em formato alargado páginas do livro “LAMETA, MOVIMENTO LUSO-AMERICANO PARA A AUTODETERMINAÇÃO DE TIMOR-LESTE” publicado em 2017 e no qual o activista João Crisóstomo dá conta do que foi o esforço pro-Timor da organização LAMETA e de muitos líderes comunitários luso-americanos partir de 1996 e até à independência timorense em 20 de Maio de 2002.

Os documentos a expor na UNTL estiveram já patentes em Março na “Escola Portuguesa” Rui Cinatti, em Dili, e na chamada “Escola dos Jesuistas” Amigos de Jesus, onde atrairam a atenção da população docente e discente de Dili bem como um importante sector da população da capital.

Esta exposição mereceu a atenção dos meios académicos da Universidade timorense que também quis dar a conhecer os documentos no seu estabelecimento de ensino superior. Esta exposição terá como curadora a professora Dra. Sabina da Fonseca.

“Tive algum papel influente na organização das exposições nas escolas Rui Cinatti e na Escola dos Jesuitas, mas a notícia de que a Universidade Nacional de Timor-Leste ia repetir a exposição dos documentos na suas instalações já a recebi depois de ter chegado aos Estados Unidos” – disse João Crisóstomo que esteve em Março em Timor-Leste para participar na inauguração da nova Escola S. Francisco de Assis, que ajudou a construir na zona montanhosa de Boebau-Manati.

Escola está inaugurada

A inauguração da Escola S. Francisco de Assis teve lugar em 19 de Março de 2018 como resultado da confluência de boas vontades e do envolvimento directo de três pessoas determinadas que fizeram questão de se deslocar a Timor para a cerimónia da inauguração: o professor reformado Rui Chamusco do Sabugal; Gaspar Sobral, timorense natural de Boebau e também residente no Sabugal, e o activista luso-americano João Crisóstomo, residente em Queens, NY.

O activista luso-americano tinha estado em Timor-Leste em Maio de 2017, quando da celebração do 15º aniversário da independência. Durante a estadia teve oportunidade de visitar algumas das áreas mais afastadas da capital entre as quais a região montanhosa de Boebau-Manati. Foi nesta aldeia de Boebau que Crisóstomo, rodeado de dezenas de crianças dessa aldeia e de outras vizinhas sem acesso à educação por falta de escolas, resolveu associar- se a Rui Chamusco e Gaspar Sobral que, já com alguns tijolos e vigas na aldeia, esperavam melhor altura para concretizar o seu sonho de construir uma escola para a população local.

De regresso aos Estados Unidos, Crisóstomo tentou obter o apoio de diversas pessoas para lançar uma campanha a favor da construção desta e de muitas outras escolas nas regiões montanhosas de Timor-Leste. O projecto, contudo, chocou quase sempre com a resposta de que Timor-Leste era rico em petróleo e que dispunha dos meios financeiros para alargar a rede escolar.

“ Lembrei-me do caso de Portugal de há cinquenta anos , com abundantes reservas de ouro, enquanto o país carecia de escolas e infra-estruturas básicas… Com ou sem petróleo, a verdade é que o país tem ainda imensos fogos a apagar e as vidas de centenas ou milhares de crianças do interior não podem ser, entretanto, hipotecadas ao analfabetismo; e decidi por isso dar eu própio o primeiro passo em frente, juntando-me à generosidade do professor Chamusco. O chefe da aldeia deu o terreno e o professor Chamusco e eu colocamos no projecto algumas das nossas poupanças. A escola foi inaugurada em Março!” – disse João Crisóstomo, que fez questão de ir a Timor assistir à inauguração.

A inauguração contou com a presença do embaixador de Portugal José Pedro Machado Vieira, de Mons. Mario Godamo, da Nunciatura Apostólica e representando a Santa Sé, e de outras figuras da vida timorense, que se submeteram às agruras de uma longa viagem por estradas térreas do interior timorense. Também teve ampla participação popular já que o dia de festa fez com que todos os trilhos fossem dar a Boebau.

Com as dificuldades que a língua portuguesa ainda conta em Timor-Leste, há agora mais uma escola onde se ensina em português.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 18 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18103: (De)Caras (102): O nosso João Crisóstomo em estampilha comemorativa da Fundação Internacional Raoul Wallenberg, emitida pelos correios postais do estado de Israel

(**) Último poste da série > 21 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18545: E as nossas palmas vão para... (15): Diamantino Varrasquinho, ex-fur mil, Pel Caç Nat 52 (Mato Cão, 1971/73), alentejano de Ervidel, Aljustrel, que, não sendo ainda nosso grã-tabanqueiro, volta a vir ao nosso Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Monte Real, em 5 de maio de 2018, depois de se ter inscrito seis vezes em anos anteriores (2008, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2016)

Vd. também postes de:


quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P18006 José Matos: As negociações secretas do acordo dos Açores em 1974: o caso da central nuclear. "Revista Militar", nºs 2581/2582, fevereiro / março 2017

I. Mensagem do nosso amigo Jose Matos, com data de ontem:

Olá,  Luís

Pedia-te para divulgares no blogue o artigo que envio em anexo com link para a Revista Militar, pois tem uma parte sobre a Guiné.

https://www.revistamilitar.pt/artigo/1226

Ab

José Matos

[Investigador independente em História Militar. Tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial, principalmente na Guiné. É colaborador da Revista Mais Alto, da Força Aérea Portuguesa, e tem publicado também o seu trabalho em revistas europeias de aviação militar, em França, Inglaterra e Itália. É membro da nossa Tabanca Grande desde 7 de setembro de 2015. Tem cerca de 25 referências no nosso blogue]


II.  AS NEGOCIAÇÕES SECRETAS DO ACORDO DOS AÇORES EM 1974: O CASO DA CENTRAL NUCLEAR

por José Matos 

Revistas Militar, nºs 2581/2582 - Fevereiro/Março 2017


1. Introdução

Nas vésperas do 25 de Abril de 1974, o ministro português dos Negócios Estrangeiros português, Rui Patrício, estava muito próximo de negociar com o Departamento de Estado norte-americano um programa de cooperação na área da energia nuclear, que levaria no espaço de pouco anos à instalação da primeira central nuclear em território nacional. Dois dias antes da queda do regime, o ministro tinha já em mãos um plano português com uma previsão dos investimentos a realizar, a sua discriminação e o seu escalonamento no tempo. 

Patrício pretendia enviar este plano ao embaixador português nos EUA, João Hall Themido, com a indicação de que, nesta área, Themido devia começar por pedir o máximo possível nas negociações em curso, “isto é, a entrega gratuita de todo o equipamento de engineering e combustível que puder ser fornecido pelos americanos e o financiamento, nas melhores condições possíveis, na parte que puder ser produzida pela indústria portuguesa”  (1).

 O programa de execução apontava para 1981, como o ano previsto para a entrada em funcionamento da primeira central nuclear portuguesa. Porém, com o colapso do regime marcelista, o plano nunca chegaria ao seu destinatário e as negociações do acordo dos Açores tomariam um rumo completamente diferente nos anos seguintes.


2. Um país cada vez mais isolado

Antes de mais nada, importa contextualizar as negociações de 1974, que decorreram num clima difícil para Portugal, que estava principalmente interessado no fornecimento de equipamento militar para usar na Guiné, onde a situação militar era desfavorável para as forças portuguesas. Todavia, no contexto internacional, o regime português estava cada vez mais isolado e enfrentava dois problemas na aquisição de novos armamentos: (i) não tinha dinheiro para grandes aquisições de equipamento militar; (ii)  não tinha muitos aliados que pudessem fornecer o armamento necessário. 

Para resolver o problema do dinheiro, Portugal vai valer-se de Pretória, o seu grande aliado na África Austral, que não hesita em conceder-lhe um avultado empréstimo de 6 milhões de contos (150 milhões de rands) para suportar o esforço de guerra e permitir a aquisição de novas armas (2). 

Quanto ao problema dos fornecedores, vai valer-se principalmente das alianças que tem com os EUA e com a França para obter o que precisa. No caso americano, usa o acordo das Lajes como moeda de troca para obter armamento de forma encoberta. As negociações não são fáceis, mas, como veremos mais à frente, o Governo de Marcello Caetano consegue obter as armas mais desejadas (mísseis terra-ar) e ainda a possibilidade de uma central nuclear de oferta.


3. A ameaça aérea na Guiné

Há vários anos que pairava sobre a Guiné a ameaça de um ataque aéreo proveniente da Guiné-Conakry. O país vizinho, governado por Sékou Touré, tinha caças MiG no seu inventário e podia facilmente apoiar com meios aéreos acções da guerrilha contra as forças portuguesas (3). 

Na fase final da guerra, começam também a surgir rumores de que a guerrilha do PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) está a treinar pilotos na União Soviética para usar aviões MiG a partir de Conakry. Um jornal que publica esta informação é o inglês Daily Telegraph que, a 2 de Agosto de 1973, traz um artigo da autoria do correspondente em Lisboa, o jornalista Bruce Loudon, em que diz que a guerrilha “está apenas a seis meses de atingir uma capacidade de ataque aéreo com caças MiG russos”. O jornalista escreve ainda que cerca de 40 guerrilheiros estão a receber cursos de pilotagem na Rússia (4). 

Começam, assim, a circular notícias sobre o possível uso de meios aéreos por parte da guerrilha ou do envolvimento da própria Força Aérea da Guiné-Conakry (FAG) em acções contra as tropas portuguesas. Do outro lado da fronteira, os MiG-17F da FAG estão praticamente inoperacionais, mas, com ajuda de militares cubanos, começam a aumentar o seu grau de operacionalidade. Pilotos e técnicos cubanos chegam a Conakry nos primeiros meses de 1973 e incrementam os voos de patrulha na zona de fronteira, de forma a precaver incursões portuguesas em território guineano, embora os caças da FAG nunca constituam qualquer ameaça para as forças portuguesas (5).

No entanto, preocupado com a situação militar na Guiné, Marcello Caetano dá ordens para que a pequena colónia seja dotada de novos meios de defesa aérea (6), usando para esse efeito o empréstimo sul-africano. 

Por essa altura, os militares portugueses já sabiam que o único país ocidental que tinha mísseis terra-ar portáteis à venda era os EUA. De facto, os americanos fabricavam um pequeno míssil portátil, o famoso FIM-43A Redeye, que podia ser disparado a partir do ombro, tal e qual como o Strela-2 (SA-7) soviético, que tinha aparecido, na Guiné, nas mãos dos guerrilheiros. 

Se o Exército Português nas colónias tivesse acesso ao míssil americano podia fazer face a qualquer ameaça aérea vinda dos países vizinhos. Só que, devido ao embargo de armas, Washington não podia vender o míssil directamente a Portugal, sendo preciso encontrar uma solução que contornasse o embargo, algo que o governo americano não mostrava grande interesse em fazer. É aqui que o regime de Caetano joga o seu maior trunfo: a base das Lajes.


4. As Lajes como moeda de troca

Durante a guerra do Yom Kippur, em Outubro de 1973, entre Israel e os seus vizinhos árabes, Portugal tinha sido o único país europeu a conceder facilidades a Washington no apoio a Telavive. Embora sob coacção americana, Lisboa tinha permitido que a base das Lajes, nos Açores, fosse utilizada intensamente pelos aviões americanos no apoio a Israel e Marcello Caetano esperava agora obter dividendos de tal cedência (7). 

O Governo Português tenta assim que a posição americana seja mais flexível em relação à política colonial portuguesa e que Washington autorize a venda de algum armamento a Portugal (8). A intenção portuguesa era comprar os famosos mísseis portáteis Redeye e também mísseis terra-ar Hawk, montando desta forma um sistema de defesa antiaérea na Guiné (9). 

O próprio Henry Kissinger, que estava à frente do Departamento de Estado, acompanha esta questão de perto e, a 9 de Dezembro de 1973, encontra-se com o ministro português dos Estrangeiros, Rui Patrício, em Bruxelas, à margem de uma reunião da OTAN. Kissinger agradece a ajuda portuguesa durante o conflito no Médio Oriente e refere também que os EUA continuam a precisar da base das Lajes e mostra-se compreensivo em relação às necessidades portuguesas de adquirir mísseis terra-ar para a defesa das colónias, mas salienta que o Congresso americano jamais aprovaria uma venda directa a Portugal, sendo necessário encontrar uma forma encoberta para fornecer os mísseis. 

Do lado português, Patrício declara que a situação militar na Guiné podia tornar-se crítica com a utilização de aviação por parte do inimigo e que poderia mesmo evoluir para ataques aéreos contra Bissau, não tendo as forças portuguesas meios eficazes para se defenderem deste tipo de ataques, daí a necessidade dos mísseis. Patrício explicou ainda que “um eventual desastre na Guiné poderia ter no plano interno consequências imprevisíveis”, podendo levar, inclusivamente, à queda do império colonial português e à substituição do Governo de Caetano por um governo esquerdista defensor de uma outra política ultramarina e da saída de Portugal da OTAN. 

Na opinião do governante português, uma derrota militar na Guiné não significaria apenas a perda para o Ocidente da Guiné e de Cabo Verde com o respectivo valor estratégico associado, “mas também dos próprios Açores” e da contribuição do continente português para a OTAN, o que seria negativo para os interesses americanos. Kissinger aludiu então a um encontro recente do embaixador português nos EUA, João Hall Themido, com o Presidente Nixon e às dificuldades em procurar encontrar-se uma fórmula de auxílio por intermédio de países terceiros, para evitar a oposição do Congresso.

A ideia de Kissinger era a de que os mísseis fossem fornecidos por um outro país de forma indirecta, sem envolver os EUA. Israel era uma possibilidade e o governante americano mostra estar a par dos contactos que o Departamento de Estado tinha feito em Washington, para o embaixador português João Hall Themido se encontrar com o seu homólogo israelita, daí a pouco tempo, de forma a discutir o assunto (10). Patrício termina a conversa dizendo que para Portugal “se tratava de uma questão de vida ou de morte e da maior urgência”, enquanto Kissinger replica “insistindo que o problema estava em como fazer os fornecimentos, pois havia a certeza de os fornecimentos directos serem proibidos”. 

Dois dias depois desta reunião, Themido encontra-se com o seu colega israelita na capital americana, seguindo uma indicação dada, alguns dias antes, por William Porter, subsecretário de Estado para Assuntos Políticos (11). O embaixador israelita, Simcha Dinitz, agradece a Themido a ajuda portuguesa prestada durante a guerra contra os árabes, mas é pouco esclarecedor quanto ao fornecimento de mísseis dizendo ao diplomata português que lhe parece que os únicos mísseis que Israel dispõe são os Hawk e que não sabe se Telavive os pode vender a Portugal, pois trata-se de material militar fornecido pelos americanos, mas que vai procurar saber junto do seu Governo (12). 

Pouco tempo depois deste encontro, Themido fala com o encarregado de negócios da embaixada israelita, que lhe confirma que Israel tem mísseis Redeye e Hawk, mas que os mesmos não podem ser fornecidos sem o consentimento americano e que a única coisa que Telavive pode fazer é vender material de origem israelita, caso isso seja considerado útil (13). Themido fica desapontado com a resposta israelita e da capital portuguesa recebe instruções para esclarecer o assunto junto de William Porter, que tinha sugerido o encontro (14).

 A 15 de Dezembro, o diplomata português dirige-se então ao Departamento de Estado para falar com Porter, que lhe diz que tinha apenas sugerido ao embaixador israelita que, em contacto com Themido, averiguasse da disponibilidade de material de guerra e da possibilidade de fornecimento, mas nada mais do que isso. Mais tarde, num telefonema para a embaixada portuguesa, Porter chega mesmo a dizer que nos contactos que tinha tido com Dinitz apenas lhe tinha dito que Portugal estava interessado em adquirir mísseis terra-ar, não admitindo que tivesse sugerido a entrega a Portugal de mísseis americanos, o que deixa Themido decepcionado com a atitude de Porter (15). A diplomacia portuguesa começa então a perceber o desinteresse americano em fornecer os mísseis.


5. A ameaça de ruptura da parte portuguesa

Este desinteresse vai atingir o seu ponto culminante a 8 de Fevereiro de 1974, quando o secretário de Estado Adjunto, Kenneth Rush, chama o embaixador português para lhe comunicar que os EUA não podiam fornecer os mísseis Redeye, por duas ordens de razão: em primeiro lugar, eram contra a proliferação desse tipo de armamento, estando mesmo em conversações com Moscovo para limitar a difusão de armas MANPADS (“Man-Portable Air Defense Systems”) e, em segundo lugar, os mísseis “seriam usados no plano interno na luta contra as guerrilhas, o que era inaceitável”. Em relação aos Hawk teriam de consultar o Congresso, caso Portugal concordasse com essa consulta (16). 

A posição de Rush leva o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa a tomar uma medida drástica: Portugal rompe as negociações com os EUA para a renovação do acordo das Lajes, deixando Washington de usar a base açoriana. Esta tomada de posição é comunicada por Themido a Rush, a 18 de Março, deixando o governante americano estupefacto com tal intento! Apanhado de surpresa, Rush considera a decisão portuguesa extemporânea e promete ajudar Portugal fora do campo militar, pois se, “na parte militar, os auxílios dos Estados Unidos eram necessariamente limitados, na parte económica e técnica certamente haveria possibilidades ainda não exploradas” (17).

É neste encontro com Themido que surge a oferta de cooperação no domínio das centrais nucleares. Esta informação é transmitida a Lisboa, que rapidamente elabora um plano para a instalação de uma central nuclear em Portugal. O plano português previa uma central nuclear com uma potência na casa dos 2100-2300 Mwe brutos e com um valor de custo estimado em 6,75 milhões de contos (270 milhões de dólares) (18). O plano previa ainda a participação da indústria portuguesa na fabricação de uma “parte do equipamento do primeiro grupo nuclear e igualmente uma intervenção de gabinetes nacionais de engenharia no respectivo projecto executivo” (19). O combustível nuclear para os reactores seria enriquecido nos EUA e fornecido depois a Portugal.


6. As vias tortuosas de Kissinger

Como já foi dito, Rui Patrício deu grande prioridade a este projecto, embora não se tenha esquecido da questão dos mísseis, porém, a estratégia portuguesa de romper as negociações surte o seu efeito. A 11 de Abril, o próprio Kissinger escreve ao ministro português reforçando as palavras de Rush quanto a uma cooperação em áreas não militares e pedindo a Patrício sugestões a esse nível e mantendo o interesse americano em continuar a usar as Lajes, o que terá motivado certamente Patrício a dar primazia ao projecto da central nuclear (20).

Embora não faça qualquer referência na carta à questão dos mísseis Redeye, a verdade é que o Secretário de Estado americano cumpre o que prometeu e encontra uma forma de fornecer os mísseis por canais tortuosos. Em finais de Abril, um lote de 500 mísseis Redeye chega à Alemanha Ocidental com destino a Portugal (21).  Os mísseis são fornecidos por Israel através de um intermediário alemão e com a anuência americana (22).  O número de mísseis encomendado mostra que os Redeye não se destinavam apenas à Guiné, onde as forças portuguesas necessitavam de cerca de 200 mísseis, mas também a outros pontos das colónias portuguesas. 

Os mísseis custam 209 mil contos, mas não há qualquer informação de que este valor seja coberto pelo empréstimo sul-africano (23). Rui Patrício tem conhecimento deste desfecho, pois na carta que escreve a João Hall Themido, a 23 de Abril, dá conta dos contactos estabelecidos “por uma entidade privada com o Departamento de Defesa Nacional que se revestem da maior importância”, embora admita que “não temos ainda elementos suficientes para avaliar a origem verdadeira desta iniciativa e a sua efectiva possibilidade de concretização.”

Ainda que seja omisso quanto ao verdadeiro teor da dita iniciativa, tudo indica que se tratam dos mísseis, dado que o ministro dá instruções ao diplomata português para que retome as negociações do acordo das Lajes com o Departamento de Estado, um sinal de que as discordâncias que levaram à suspensão das negociações foram ultrapassadas, embora aconselhe Themido a não fazer qualquer referência aos mísseis nos contactos que venha a fazer. 

Para Patrício, o elemento fulcral das negociações deverá ser a central nuclear e o respectivo plano de investimento, dado não ser possível obter formalmente dos EUA equipamento militar que possa ser usado em África. Mesmo assim, o ministro português considera que Themido deve insistir no fornecimento de quatro aviões de transporte C-130, que devido ao seu raio de alcance podiam facilmente ser usados para transportar tropas e carga para África, embora nada garanta que os EUA concordem com tal pedido. 

Além dos C-130, é também referido o interesse português em quatro aviões de patrulhamento marítimo P-3 Orion, ainda que Patrício considere que os mesmos não são uma prioridade no contexto da guerra colonial (24). 

Dois dias depois desta carta, o regime marcelista desaparecia com a Revolução de Abril e a oferta da central nuclear não voltaria a ser mencionada em futuras negociações do acordo das Lajes.

José Matos

[Revisão / fixação de texto para edição no blogue: LG]
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Notas do autor:

(1) Carta do Ministério dos Negócios Estrangeiros para o Embaixador de Portugal em Washington, Lisboa, 23 de Abril de 1974, ADN/F3/14/29/4.

(2) Memorial sobre o acordo do empréstimo de 150 milhões de rands firmado com a República da África do Sul. Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA), 18 de Setembro de 1975, ADN/F3/20/48/64.

(3) MATOS, José – “La Psychose des MiG dans la Guerre de Guinée”, in Airmagazine. Bagnolet. N.º 61, 2014, pp. 58-74.

(4) LOUDON, Bruce – “Portuguese rebels to get Russian MiGs”, in Daily Telegraph. Londres, 2 de Agosto de 1973, ADN, SGDN Cx. 3500.

(5) HERNÁNDEZ, Humberto Trujillo – El Grito del Baobab. 1ª Edição. Havana: Editorial de Ciencias Sociales, 2008, pp. 110-111.

(6) CAETANO, Marcello – Depoimento. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Record, 1974, p. 180.

(7) THEMIDO, João Hall – “Dez anos em Washington 1971-1981”. 1ª Edição. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995, pp. 100-102.

(8) THEMIDO, op. cit., pp. 128-129.

(9) Telegrama do Ministério dos Negócios Estrangeiros para Embaixada de Portugal em Washington, Secção de Cifra, 13 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(10) Apontamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre a conversa do Ministro com o Secretário de Estado Americano, Dr. Kissinger, em 9 de Dezembro de 1973, Lisboa, 10 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(11) Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 4 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(12) Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 11 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(13) Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 13 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(14) Telegrama do Ministério dos Negócios Estrangeiros para Embaixada de Portugal em Washington, Secção de Cifra do MNE, 14 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(15) Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 15 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(16) Telegrama nº 95 da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 8 de Fevereiro de 1974, ADN/F3/14/29/4.

(17) Nota secreta da Embaixada de Portugal em Washington sobre as negociações para a renovação do Acordo dos Açores, Sessão de 18 de Março de 1974, ADN/F3/14/29/4.

(18) Anexo à carta do Ministério dos Negócios Estrangeiros para o Embaixador de Portugal em Washington, Lisboa, 23 de Abril de 1974, ADN/F3/14/29/4.

(19) Ibidem.

(20) Carta de Henry Kissinger para o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, 11 de Abril de 1974, ADN/F3/14/29/4.

(21) THEMIDO, op. cit., p. 164.

(22) THEMIDO, op. cit., p. 146.

(23) Nota nº 1229/AF/74 do Estado-Maior General das Forças Armadas para o Director-Geral da Contabilidade Pública, Assunto: Aquisição de conjuntos míssil-lançador “REDEYE”, 31 de Julho de 1974, ADN Fundo Geral Cx. 833/9.

(24) Carta do Ministério dos Negócios Estrangeiros para o Embaixador de Portugal em Washington, Lisboa, 23 de Abril de 1974, ADN/F3/14/29/4.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15085: FAP (86): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte III




1. Continuação da publicação do artigo do José Matos, "A ameaça dos MIG na guerra da Guiné", Revista Militar, nº 2559, abril de 2015, pp. 327-352 > (*)

por José Matos

[, membro da nossa Tabanca Grande, nº 701; investigador independente em história militar,com particuolar interesse pela guerrano TO da Guiné]

(Continuação) 

Pilotos guerrilheiros

No dia 2 de Agosto de 1973, o jornal inglês Daily Telegraph dá conta de que o PAIGC está a treinar pilotos na União Soviética para usar aviões MiG, a partir da Guiné-Conakry, em possíveis ataques contra a colónia portuguesa. Num artigo assinado pelo correspondente em Lisboa, o jornalista Bruce Loudon, é referido que o PAIGC “está apenas a seis meses de atingir uma capacidade de ataque aéreo com caças MiG russos”. O jornalista refere também que cerca de 40 guerrilheiros estão a frequentar cursos de pilotagem na Rússia, baseando toda a notícia em fontes portuguesas [59].

A própria Direcção Geral de Segurança (DGS) na Guiné recolhe informações no mesmo sentido, dando conta que a guerrilha tem intenção, durante o Natal e o Ano Novo, de usar os MiG em bombardeamentos contra alguns aquartelamentos portugueses, no sul da Guiné. No entanto, a DGS revela, na mesma informação, que a fonte da notícia acredita que o PAIGC não vai usar meios aéreos e “que se vão servir dos aviões apenas para encorajar os terroristas” [60].

O comandante da ZACVG, agora sob o comando do Coronel Lemos Ferreira, revela também preocupações a este nível e, em finais de Novembro de 1973, escreve ao CEMFA referindo a possível existência de voos de reconhecimento senegaleses na fronteira norte e de eventuais patrulhamentos de aviões MiG-15 eMiG-17 da Guiné-Conakry, na fronteira sul e leste, embora nunca se consiga confirmar qualquer destes voos visualmente. Este oficial reporta também a possibilidade da guerrilha tentar eliminar duas guarnições de fronteira, uma no leste (provavelmente Buruntuma) e outra no sul, talvez Gadamael, dada a posição dominante que ocupava na chamada península de Cacine.

Lemos Ferreira salienta ainda que estas acções podem ser apoiadas por aviões MiG vindos de Conakry, o que leva o comandante da ZACVG a pedir urgência no equipamento dos Fiat com mísseis Sidewinder [61]. Apesar da insistência neste tipo de arma, a verdade é que já, em 1970, tinham sido testados nas OGMA mísseis Sidewinder no G-91 e os resultados tinham sido insatisfatórios. O Fiat não era um avião adequado para combater um MiG, embora os pilotos portugueses tivessem mais treino e mais experiência em combate do que os guineanos ou os cubanos, o que era uma vantagem em caso de confronto.

Incursões de MiG na Guiné


Em Setembro de 1973, o comandante da FAG, Capitão Adduramán Kamara, decide fazer um voo de reconhecimento dentro do território da Guiné. A intenção é comunicada aos pilotos cubanos, que começam a preparar a incursão com grande cuidado, pois não pretendem encontrar aviões portugueses no caminho [62].

 Em meados de Setembro, dois caças MiG-17F partem de Conakry, rumo à fronteira com a Guiné, tendo aos comandos um piloto guineano e um cubano. Os aviões voam sem oxigénio para o piloto, o que não permite subir a grande altitude para poupar combustível. O voo é seguido de perto pelo radarP-12 instalado em Kamsar e operado por especialistas cubanos. Os aviões seguem em direcção a Bafatá, no sul da Guiné, onde fazem um reconhecimento visual a baixa altitude. No regresso a Conakry são alertados pelo pessoal do radar que uma parelha de Fiat G-91 levantou voo de Bissalanca, mas os caças portugueses não conseguem alcançar os MiG, que aceleram até aos 1000 km/h voltando em segurança à base de partida, onde chegam já sem combustível para grande susto dos pilotos [63].

Pouco tempo depois, em Novembro, surgem novas informações da DGS da Guiné sobre uma possível ameaça aérea vinda do próprio PAIGC. A 9 de Novembro, a DGS divulga a informação de que, no aeroporto da capital guineana, estão ao serviço da guerrilha “12 aviões de guerra, 12 helicópteros (…) e 80 bombas de avião, sendo 4 de tamanho maior, com um raio de acção de cerca de 500 metros, destinadas a serem lançadas sobre Bissau”. 

A informação refere ainda que os bombardeamentos estão previstos para 20 de Janeiro de 1974 (data do primeiro aniversário da morte de Amílcar Cabral), e que, em Conakry, estão também “8 pilotos de aeronaves, sendo 2 russos, 2 alemães, 2 chineses e 2 ingleses, a fim de ministrarem instrução de pilotagem a elementos do PAIGC que, para o efeito, foram seleccionados entre os que possuíam melhores aptidões físicas e literárias”[64]. 

A 16 de Novembro, a DGS informa que o regime guineano recebeu, recentemente, 41 aviões MiG-19 e alguns carros blindados que pôs à disposição do PAIGC. Os aviões foram colocados em Sarebódio, na Guiné-Conakry, e os carros blindados em Sembali, no Senegal [65]. Sabe-se hoje que a informação era exagerada, pois a FAG não dispunha do MiG-19, nem de um número tão elevado de caças.

No início de Dezembro, é a vez do quartel de Buruntuma, perto da fronteira leste da Guiné, receber a visita dos MiG da FAG. Dois caças sobrevoam e picam sobre o quartel, retirando depois em direcção ao país vizinho. O comando da ZACVG transmite esta informação à Secretaria de Estado da Aeronáutica (SEA) e manda a Buruntuma o Tenente-Coronel Vasquez para esclarecer a situação[66]. 
As averiguações feitas no local por este oficial sugerem a possibilidade de serem aviões MiG-19 e o comando da ZACVG pede à SEA que seja realizado um esforço de pesquisa no sentido de confirmar ou não a existência doMiG-19 na República da Guiné, bem como origem do mesmo, tripulações respectivas, número de aviões e pilotos [67].

Em meados de Dezembro, são aduzidas pela ZACVG novas informações sobre os meios aéreos do país vizinho. Um informador guineense relata a existência de seis a doze MiG-21 na base de Conakry, com pilotos russos e guineenses, levantando também a possibilidade de estar a decorrer um curso de adaptação a este avião para os pilotos da República da Guiné. O informador refere ainda que a base possui abrigos enterrados para a protecção de aviões e que Luís Cabral tem insistido junto da Rússia para que sejam “acelerados os cursos de formação de 10 a 12 pilotos do PAIGC previstos terminarem no início de 1974”. Mais uma vez, a ZACVG pede à SEA que seja efectuado um esforço de pesquisa, no sentido de determinar o grau de veracidade destas informações [68]. Mais uma vez, a informação era exagerada, pois, nem o MiG-21 nem o MiG-19, faziam parte do inventário da FAG.

Este fluxo de informação vai chegando ao Governo, em Lisboa, e Marcelo Caetano percebe que o uso de aviões de combate pela guerrilha pode tornar a Guiné indefensável. Preocupado com a situação na colónia, Caetano dá indicações para “fazer-se o impossível por dotar a Guiné de eficaz defesa antiaérea”, o que leva o Ministério da Defesa a acelerar os planos de aquisição de mísseis e radares e a procurar junto do Ministério das Finanças um financiamento extra para tais aquisições [69]. 

Bandeira da África do Sul, de 1928 a 1994...
Cortesia de Wikipedia
Aproveitando as óptimas relações que tem com o regime sul-africano, é junto de Pretória que Portugal obtém o dinheiro necessário para reforçar o seu poder militar.

O apoio sul-africano

Ao longo da guerra, Portugal estabelece com o regime branco de Pretória uma cooperação política e militar muito estreita. A permanência portuguesa na África Austral é extremamente importante para os sul-africanos, pois sabem que, se Portugal deixar Angola e Moçambique, a África do Sul ficará cercada de inimigos hostis ao apartheid e à presença sul-africana na Namíbia. Por seu turno, Portugal vê na África do Sul um aliado poderoso, capaz de fornecer apoio militar, político e financeiro à luta que as forças portuguesas travam em África.

É neste ambiente de cooperação que o Ministério da Defesa português discute com o seu congénere sul-africano a possibilidade de um empréstimo considerável da ordem dos 150-160 milhões de rands para a compra de material militar destinado ao Exército e à Força Aérea [70].

 Em Janeiro de 1973, o ministro Viana Rebelo envia ao ministro sul-africano da Defesa, P.W. Botha, duas listas de material de guerra: a lista I, respeitante a equipamentos a serem cedidos pela África do Sul para satisfazerem as necessidades mais urgentes das tropas portuguesas em Angola e Moçambique, e a lista II, respeitante a materiais a adquirir mediante um empréstimo sul-africano [71]. Na lista do material a ceder são incluídos dois pelotões de mísseis Crotale, enquanto na lista do material a financiar aparece uma esquadrilha de vinte aviões Mirage V por 1,6 milhões de contos (49,6 milhões de rands). O valor total do financiamento ascende a 5,147 milhões de contos (159,6 milhões de rands).

A 30 de Maio de 1973, P.W. Botha encontra-se em Lisboa com Viana Rebelo e o assunto dos Crotale é discutido entre os dois ministros. Durante as conversações, Botha reconhece que o míssil ainda está numa fase experimental e que o preço doCrotale ainda é demasiado elevado, devido ao facto da África do Sul ser até aquela data o único comprador do míssil e que “se Portugal deseja adquirir directamente em França podê-lo-á fazer contactando com a empresa Thomson” e sendo “Portugal um membro da NATO poderá ajudar promovendo compras que contribuirão para o embaratecimento do sistema” [72]. Desta forma, o Crotalepassa para a lista II de material a financiar e Lisboa contacta directamente os franceses para a compra do sistema.

No entanto, as negociações para o empréstimo só começam no final de Agosto de 73, em Pretória, sendo concluídas no final do ano. Finalmente, em Março de 1974, é assinado um acordo de empréstimo de 150 milhões de rands (6 milhões de contos) entre Portugal e a África do Sul, para a compra de material de guerra, em prestações mensais de 5 milhões de rands [73]. É o dinheiro de Pretória que permite a Lisboa obter os novos meios de defesa para a Guiné, nomeadamente os mísseis Crotale e o Mirage, embora este último nunca chegue a ser adquirido [74].

Entretanto, a 29 de Setembro, o General Bethencourt Rodrigues, assume na Guiné as funções de governador e comandante-chefe, em substituição do General Spínola. Bethencourt Rodrigues reconhece de imediato que a mais perigosa ameaça que as forças portuguesas poderão ter de enfrentar na Guiné será o aparecimento de uma Força Aérea do PAIGC, capaz de actuar “contra a FAP para obter a sua total anulação, contra forças ou guarnições militares ou contra povoações com especial incidência sobre Bissau e o seu porto”. Desta forma, considera que é indispensável dotar o mais rapidamente possível aquela colónia de “uma defesa AA eficaz com base em mísseis modernos”, além de “dispor de uma força aérea de ataque e retaliaçãoeficiente, possivelmente com base na ilha do Sal” e “ter uma aviação de transporte (helis e aviões ligeiros) que confira às suas unidades grande mobilidade” [75].

As negociações com os americanos

Aproveitando as negociações em curso com Washington para a renovação do acordo das Lajes e as facilidades concedidas durante a guerra de Yom Kippur, em que a base dos Açores teve uma importância fundamental no apoio militar a Israel, o governo português tenta obter junto dos americanos mísseis terra-ar para a defesa da Guiné [76]. A intenção é comprar mísseis portáteis FIM-43A Redeye e também mísseis Hawk [77]. Mas, devido ao embargo de armas que existe contra Portugal, a diplomacia americana tenta fornecer os mísseis através de um terceiro país, Israel. O próprio Henry Kissinger envolve-se na questão e, a 9 de Dezembro de 1973, encontra-se com o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Rui Patrício, em Bruxelas, à margem de uma reunião da OTAN, e promete-lhe que os mísseis vão ser fornecidos usando Israel como intermediário, pois o Congresso americano jamais aprovaria uma venda directa [78].
FIM-43 Redeye: um lançador portátil 
de mísseis terra-ar ...
Cortesia de Wikipedia... [Edição: LG]
A 11 de Dezembro, o embaixador português nos EUA, João Hall Themido, encontra-se com o seu colega israelita em Washington, seguindo uma indicação dada alguns dias antes, por William Porter, Subsecretário de Estado para Assuntos Políticos [79]. Simcha Dinitz agradece a ajuda portuguesa durante a guerra de Yom Kippur, mas, na conversa que tem com Themido, afirma que não é “técnico militar”, e que lhe parece que os únicos mísseis que Israel dispõe são os Hawk e que não sabe se o seu governo pode vender a Portugal material militar de origem americana, mas que vai procurar saber [80].

Dois dias depois, Themido fala com o encarregado de negócios da embaixada israelita, que lhe assegura que, embora Israel tenha mísseis Redeye e Hawk, os mesmos não podem ser fornecidos sem o consentimento americano e que a única coisa que Telavive pode fazer é vender material de origem israelita, caso isso seja considerado útil [81]. A resposta israelita deixa Themido insatisfeito e de Lisboa recebe instruções para esclarecer o assunto junto de William Porter [82].

A 15 de Dezembro, o embaixador português encontra-se com Porter no Departamento de Estado e este diz-lhe que tinha apenas sugerido ao embaixador israelita que, em contacto com Themido, averiguasse da disponibilidade de material de guerra e da possibilidade de fornecimento, mas nada mais do que isso. Mais tarde, num telefonema para a embaixada portuguesa, chega mesmo a dizer que, nos contactos que tinha tido com Dinitz, apenas lhe tinha dito que Portugal estava interessado em adquirir mísseis terra-ar, não admitindo que tivesse sugerido a entrega a Portugal de mísseis americanos [83].

O assunto vai-se, assim, arrastando até que, em 8 de Fevereiro de 1974, o secretário de Estado Adjunto, Kenneth Rush, chama o embaixador português para lhe comunicar que os EUA não podiam fornecer os mísseis Redeye, pois, por um lado, eram contra a proliferação desse tipo de armamento, estando em conversações com Moscovo para limitar a difusão de armas MANPADS (“Man-Portable Air Defense Systems”) e, por outro, os mísseis “seriam usados no plano interno na luta contra as guerrilhas, o que era inaceitável”. Em relação aos Hawk teriam de consultar o Congresso, caso Portugal concordasse com essa consulta [84].

Esta tomada de posição americana leva o governo português a considerar seriamente o fim da utilização da base das Lajes por parte dos EUA, uma intenção que é comunicada por Themido a Rush, a 18 de Março. Rush fica obviamente surpreendido com tal intento e considera extemporânea tal decisão e promete ajudar Portugal fora do campo militar, pois se, “na parte militar, os auxílios dos Estados Unidos eram necessariamente limitados, na parte económica e técnica certamente haveria possibilidades ainda não exploradas” [85].

A intenção portuguesa chega ao conhecimento do próprio Kissinger que, a 11 de Abril, escreve a Rui Patrício reforçando as palavras de Rush quanto a uma cooperação em áreas não militares, pedindo ao ministro português sugestões a esse nível, e mantendo o interesse americano em continuar a usar as Lajes [86]. Embora não faça qualquer referência na carta à questão dos mísseis Redeye, a verdade é que o secretário de Estado americano acelera o processo de venda dos mísseis por canais tortuosos e, duas semanas mais tarde, os mesmos são colocados na Alemanha à disposição de Portugal [87]. A oferta é de 500 mísseis a serem fornecidos por Israel através de um intermediário alemão com a anuência americana [88]. O número de mísseis encomendado mostra que o Redeye não se destinava apenas à Guiné, onde as forças portuguesas necessitavam de cerca de 200 mísseis, mas também às restantes colónias. Os mísseis custam 209 mil contos, mas não há qualquer informação de que este valor seja coberto pelo empréstimo sul-africano [89].
Os mísseis já estavam na Alemanha Ocidental quando ocorreu a revolução de 25 de Abril. Nessa altura, o então Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, embaixador Calvet de Magalhães, que continuou em funções após a queda do regime, informou o general Costa Gomes, novo CEMGFA, do negócio dos mísseis, tendo Costa Gomes ordenado o cancelamento da operação [90].

(Continua)

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Notas do autor:

[59] Bruce Loudon, “Portuguese rebels to get Russian MiGs”, Daily Telegraph, 2 de Agosto de 1973, ADN/SGDN Cx. 3500.

[60] Relatório nº 2919/73 da DGS Guiné, 26 de Dezembro de 1973, Arquivo da PIDE/DGS processo 641/61, PAIGC, pasta 10, fls 41 e 82.

[61] Carta do Comandante da ZACVG para o CEMFA, Bissau, 27 de Novembro de 1973, ADN/F3/17/35/15.

[62] Hernández, op. cit., pp. 138-139.

[63] Hernández, op. cit., pp. 145-151.

[64] Informação nº 1.245-2ª. D.I. da DGS Guiné, Assunto: Meios Aéreos do PAIGC, 9 de Novembro de 1973, Arquivo da PIDE/DGS, Processo 641/61, PAIGC, pasta 9, fls 102-104.

[65] Relatório imediato nº 2540/73-DSInf-2 da DGS Guiné, Assunto: Apoio ao PAIGC, 16 de Novembro de 1973, Arquivo da PIDE/DGS, Processo 641/61, PAIGC, pasta 9, fls 123-124.

[66] Telegrama n.º BE164DEC73 da ZACVG, 7 de Dezembro de 1973, ADN/F3/17/34/9 e PERINTREP n.º 49/73 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné (CCFAG), 2-9 de Dezembro de 1973, ADN/F2/2/14.

[67] Telegrama n.º BE168DEC73 da ZACVG, 10 de Dezembro de 1973, ADN/F3/17/34/9.

[68] Telegrama n.º BE176DEC73 da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG), 14 de Dezembro de 1973, ADN/F3/17/34/9.

[69] Caetano, Marcello, Depoimento, Rio de Janeiro, Record, 1974, p. 180.

[70] Informação nº 305/72 do Secretariado Geral da Defesa Nacional, Assunto: Lista de materiais a apresentar à República da África do Sul (RAS), 19 de Agosto de 1972, ADN F3/25/58/21.

[71] Carta do Ministro da Defesa Nacional para o Ministro da Defesa da RAS, com duas listas anexas, Janeiro de 1973, Arquivo Histórico Diplomático (AHD), PAA 1140.

[72] Informação nº 68/AU do Secretariado-Geral da Defesa Nacional/CCAU, Assunto: Lista I de Pedidos de Material apresentada à RAS – Artilharia Antiaérea – Mísseis Crotale, 6 de Setembro de 1973, ADN, Fundo Geral Cx.7623.

[73] Memorial sobre o acordo do empréstimo de 150 milhões de rands firmados com a RAS, Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA), 18 de Setembro de 1975, ADN F3/20/48/64.

[74] Matos, José “A história secreta dos Mirage portugueses”, 2ª parte, Revista Mais Alto n.º 401, 2013, pp. 25-29.

[75] Estudo do CCFAG sobre a área do Boé, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Processo n.º 2202, Pasta A, ADN F3/17/34/4.

[76] Themido, João Hall, “Dez anos em Washington 1971-1981”, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1995, pp. 100-102.

[77] Telegrama do Ministério dos Negócios Estrangeiros para Embaixada de Portugal em Washington, Secção de Cifra, 13 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[78] Apontamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre a conversa do Ministro com o Secretário de Estado Americano, Dr. Kissinger, em 9 de Dezembro de 1973, Lisboa, 10 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[79] Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 4 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[80] Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 11 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[81] Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 13 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[82] Telegrama do Ministério dos Negócios Estrangeiros para Embaixada de Portugal em Washington, Secção de Cifra do MNE, 14 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[83] Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 15 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[84] Telegrama nº 95 da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 8 de Fevereiro de 1974, ADN/F3/14/29/4.

[85] Nota secreta da Embaixada de Portugal em Washington sobre as negociações para a renovação do Acordo dos Açores, Sessão de 18 de Março de 1974, ADN/F3/14/29/4.

[86] Carta de Henry Kissinger para o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, 11 de Abril de 1974, ADN/F3/14/29/4.

[87] Themido, op. cit., p. 164.

[88] Themido, op. cit., p. 146.

[89] Nota nº 1229/AF/74 do Estado-Maior General das Forças Armadas para o Director-Geral da Contabilidade Pública, Assunto: Aquisição de conjuntos míssil-lançador “REDEYE”, 31 de Julho de 1974, ADN, Fundo Geral Cx. 833/9.

[90] José Calvet Magalhães, o 25 de Abril e as Necessidades, http://ebookbrowse.com/ca/calvet-de-magalhaes-pt.
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Nota do editor:

Postes anteriores da série > 

7  de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15079: FAP (85): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte II

6 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15077: FAP (84): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte I

sábado, 11 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10250: Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor (8): O soldado tranquilo, o soldado silencioso... A(s) Mina(s): Excerto de texto da antiga embaixadora israelita em Angola, Tamar Golan...

Minas, por T. G. [Tamar Golan]

[Foto à esquerda, de Carlos Vinhal, uma mina anticarro]



Chamam-lhe o "soldado tranquilo", ou o "soldado silencioso (...) (*) 

A carga explosiva pesa escassos gramas ou alguns quilogramas. É feita de metal ou de plástico. Grande e pesadona ou pequena e ligeira. Fabricada na China, na Rússia, nos Estados Unidos, em Israel e em dezenas de outros países à superfície da Terra. É fácil e simples de fabricar. Barata, eficaz e mortal.

O preço de uma mina é baixo. As organizações de combate às minas calcularam que o custo de uma “unidade” pode ir de menos de um dólar até cento e cinquenta dólares. Mas a remoção de cada mina pode ascender a mil e quinhentos dólares!

Por isso, converteu-se na arma ideal dos pobres. Perante as bombas atómicas, os aviões evasivos, as bombas “inteligentes” comandadas a laser, os míssei9s balísticos, perfila-se a mina pequena e barata. Os que a utilizam não precisam de ser pilotos competentes ou técnicos diplomados. Nem precisam de saber ler e escrever. As instruções elementares do manejamento vão desenhadas na embalagem.

Nem sempre é necessário dar-se ao trabalho de a ocultar debaixo de terra. Em países com clima tropical quente e húmido, pode-se simplesmente espalhar as minas nos campos à volta da aldeia remota. A chuva e a erosão farão o resto e a camponesa que sai para cuvar a sua leira, não vai reparar no “soldado” que lá está escondido.

A mina não discrimina homens ou mulheres, nem distingue civis de militares. As crianças são um alvo permanente. Ao contrário das bombas “inteligentes” que deverão atingir alvos previamente definidos, as minas não são pretensiosas e quem as coloca não ambiciona que o seu planeamento seja preciso e sofisticado. Assim, também não têm de confessar que erraram.

Esta arma é absolutamente desprovida de ideologia. Esteve ao serviço dos Estados Unidos e da União Soviética, da China comunista e da Africa do Sul do apartheid. Todos a usaram nas suas guerras contra todos, por vezes, na mesma nesga de terra do mesmo país.

Ocorreu-me, mais do que uma vez, que a mina é tão irritante,  precisamente por não obedecer às ordens variáveis de que quem as usa. Generais vêm e vão, polítcios substituem-se – mas ela mantem-se. Desde o momento que é posta no chão, é autónoma no terreno.

Durante a Segunda Guerra Mundial falou.-se muito em “campos de minas” – terrenos definidos e assinalados em mapas pormenorizados, Nas guerras do Terceiro Mundo não existem, hoje em dia, mapas, mas campos há muitos. Os campos de inofensivos agricultores, os pátios das escolas rurais e os adros de igrejas. E também, é claro, aeroportos, linhas de caminho de ferro, estradas e pontes. Já não há guerras entre exércitos regulares, mas conflitos de todos contra todos.

É um tema nos órgãos de comunicação. A muitos é comum a moda de condenar esta arma terrífica. Comos se os outros tipos de armamento fossem menos condenáveis. Há alguns anos, foi finalmente decidido pô-la fora da lei. Uma convenção internacional foi solenemente assinada em Otawa, no Canadá. Proibe a venda, o fabrico, a exportação, e o uso de minas. A convenção também exorta à desmontagem de minas onde quer que se encontrem. A convenção está em vigor, mas os grandes fabricantes – à frente dos quais os Estados Unidos – ainda não a ratificaram.

Especialistas definiram um grupo de países onde a praga das minas é mais grave. À frente – Cambodja, Afeganistão, Angola e Moçambique. Disse-se sobre Angola que tem o maior número de minas por habitante e a taxa mais elevada de crianças atingidas. Todos concordam em que ninguém sabe o número de minas dispersas pelo mundo fora.

As minas de Angola chegaram aos cabeçalhos dos jornais graças à princesa Diana. Quarenta e oito horas passou a bela princesa em território deste ferido país, e uma fotografia dela, na companhia de um menino sem membros, fez mais por consciencializar as pessoas para o perigo das minas, do que milhares de fotos só de crianças destroçadas. Todo o mundo já leu e assistiu a relatos infindos. Mas nunca bastam.

Os anos da minha estada em Angola foram à sombra de minas. Não há domínio que mais me tenha ocupado. Esteve no âmago da minha actividade e mesmo quando terminei a missão, permaneci em Angola, para continuar a contribuir com todas as minhas capacidades.

No ano transacto, como noticiado, foram removidas e deflagradas trinta mil minas em Angola. No terreno ficaram uns dez milhões. Talvez mais, talvez menos.

As estatísticas continuam a assustar. As tentativas de lutar contar esta praga são limitadas, os êxitos escassos - e os malogros imensos.

In: Tamar Golan e Tamar Ron – Encontros em Angola: o homem e a natureza na sombra da guerra. Luanda: Caxinde; Lisboa: Prefácio. 2007,  pp. 67/69. [Reproduzido com a devida vénia...]

TG [ Tamar Golan] (**) (***)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10215: Guiné 63/74 - P10215: Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor (4): O soldado tranquilo, o soldado silencioso...



(**) Tamar Golan [, foto à esquerda, cortesia do sítio da Embaixada de Israel em França,] foi a primeira embaixadora de Israel em Angola (1995-2001), por nomeação pessoal do então primeiro ministro Yitzhak Rabin. Foi depois consultora, por parte da ONU, do Governo angolano  na instituição da Comissão Nacional Intersectorial de Desminagem e Assistência Humanitária (CNIDAH). Conheceu África, pela primeira vez, em 1961. Nesse ano, perdeu o marido, num acidente, na Etiópia. Era doutorada em Ciências Políticas e Administração, pela Universidade de Colúmbia, N.Y., com especialização em Assuntos Africanos. Foi jornalista. Viveu em Israel, onde foi professora na Universidade Ben Gurion, no Neguev. Morreu em Israel, aos 78 anos, em 30 de março de 2011. Escreveu, entre outros, este belíssimo livro, "Encontros em Angola", a quatro mãos, com a sua amiga e compatriota Tamar Ron, bióloga e igualmente consultora do governo angolano, em 2000-2004, para a conservação da biodiversidade.


(***) Último poste da série > 9 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10243: Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor (7): Como se chamam estes frutos secos, três dos quais são usados para fazer saborosos sumos ?...