Mostrar mensagens com a etiqueta Ilha Roxa. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Ilha Roxa. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 20 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22390: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte III: Lendas bijagós





Lendas bijagós - ilustrações do pintor guineense Ady Pires Baldé, p´p. 17 e 19

In: Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5



1. Transcrição das págs. 15 a 22 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)


J. Carlos M. Fortunato  > Lendas e contos 
da Guiné-Bissau

[Foto à esquerda: o autor, Carlos Fortunato, foi fur mil arm pes inf, MA, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga]



Lendas bijagós (pp. 15-22)


Segundo uma das mais populares lendas bijagós, Deus ao criar o Mundo criou primeiro a ilha de Orango, e depois colocou ali uma mulher,  Acapacama, e o seu marido.

Eles tiveram quatro filhas. A primeira foi Orácuma, a seguir nasceu Ominca, e depois Ogubané e Orága.

Cada uma delas teve vários filhos, dando origem a quatro grandes famílias, às quais foram transmitidos os privilégios da avó. Orácuma recebeu a terra e a religião. Foi ela quem fabricou o primeiro Irã, e permitiu que as suas irmãs o reproduzissem.

Ominca recebeu o mar e a sua família dedicou-se à pesca. Contudo os hipopótamos eram muito ferozes, pelo que tiveram que fazer várias cerimónias, para conseguirem ir para o mar. Ogubané recebeu o poder de controlar o vento e a chuva, o que lhe permitiu gerar boas colheitas. rága recebeu as plantas, as árvores e os animais, o que lhe trouxe muita riqueza.

Cada família passou a viver à sua maneira.

Esta é a lenda (5) das gerações, e à semelhança de outras, explica a origens das quatro famílias a que pertencem todos os bijagós, mas mostra também o importante papel que a mulher desempenha no mundo bijagó.

As origens dos bijagós não são claras e existem muitas versões. Algumas são fantasiosas e sensacionalistas, chegando a colocá-los como tendo origem na Atlântida (6), mas provavelmente estes seriam escravos de beafadas que para ali fugiram (7).

O navegador, André Alvares d´Almeida, foi o primeiro a dar uma descrição das Ilhas Bijagós em 1594, e com base nos relatos dos seus habitantes, refere que antigamente não eram ilhas, pois faziam parte do continente, “parece que antigamente eram terra firme” (8), escreve Alvares d´Almeida, o que foi depois confirmada por investigações científicas (9).

Entre as mulheres bijagós que fizeram história, destaca-se a famosa “Rainha” Oquinca Pampa, ou Oquinca Pampa Kanjimpa (reinou de 1910-1930). Embora seja referida como Rainha, na verdade não existem rainhas entre os bijagós, Oquinca Pampa era uma sacerdotisa que ascendeu ao poder.

***

Oquinca não é um nome, mas uma palavra da língua bijagó, que significa sacerdotisa, é um título, do mesmo modo que Oronhom significa rei, mas na voz do povo, ela é a “Rainha” Oquinca Pampa.

Oquinca Pampa faz parte da linhagem Orága, e está ligada ao Reino de Orango.

Segundo os costumes bijagós, apenas os homens podem ser reis, mas quando morre o rei e enquanto não se realiza a sua sucessão para um homem, o reino pode ter uma mulher no seu lugar como regente, a Oquinca, sendo aconselhada pelo Conselho dos Grandes (10).

Na tradição dos Orága, esta regência pode ser prolongada, e pode ir até à morte da regente. Foi isto que aconteceu com Oquinca Pampa. Quando o Rei Issor, que era seu pai, faleceu, ela ficou como Regente do Reino.

A regência de Oquinca Pampa destaca-se pela sábia forma como soube governar, nomeadamente por ter conseguido manter intacto o seu Reino, por manter a paz, pelo seu espírito humanitário, e por ter conseguido manter a “independência” (11).

Num tempo, em que o poder colonial tudo queria submeter ao seu domínio, conseguir negociar uma governação independente desse poder, apenas contra o pagamento de um imposto, é também um reconhecimento do Governo da Colónia, à inteligente governação que Oquinca Pampa fazia.

A luta de Oquinca Pampa pela paz não foi fácil. Por um lado tinha a ameaça do poder colonial e a sua vontade de dominar totalmente o seuReino, e por outro lado muitos bijagós queriam revoltar-se, e desencadear uma guerra, pois não aceitavam pagar impostos.

Uma das situações de maior tensão que Oquinca Pampa enfrentou, foi quando um grupo (no qual se incluíam membros da sua família) se revoltou, decididos a enfrentar o exército colonial.

Os revoltosos fizeram uma vala de um quilómetro, ao longo da estrada do porto de Orango, para que ali escondidos e protegidos, pudessem emboscar as forças coloniais, quando estas desembarcassem. Mas Oquinca Pampa, com a sua influência, conseguiu acabar com a revolta.

A ilha de Canogo encontra-se separada de Orango apenas por um rio, equando os seus habitantes decidiram não pagar qualquer imposto, preparando-se para a guerra, Oquinca Pampa interveio mais uma vez, pagando o imposto de Canogo com o seu gado, evitando assim a guerra.

Interessante e original, foi o sistema de comunicações que Oquinca Pampa criou para comunicar com os comandantes dos barcos, que chegavam ao porto de Orango para negociar, colocando um homem de cinco em cinco metros, para através deles falar com o comandante do barco, de modo a assegurar que tudo decorria sem incidentes.

Ao contrário de seu pai, que era um rei cruel, Oquinca Pampa revelou-se uma rainha com um elevado espírito humanitário, acabando com práticas desumanas e com algumas situações de escravatura, que ainda existiam no seu Reino, restos de um passado em que os prisioneiros de guerra eram vendidos como escravos.

Oquinca Pampa, apesar de ser de pequena estatura, é considerada a grande “Rainha”, e é sem dúvida a mais popular, pois a memória da sua regência contínua viva entre os bijagós, que contam a sua história à volta da fogueira, e os artesãos bijagós continuam a fazer estátuas suas.
Os restos mortais de Oquinca Pampa estão no mausoléu real em Eticoga, na ilha de Orango, onde repousam outros reis e rainhas. Com ela foi enterrado o seu valioso tesouro, do qual fazem parte muitas peças em ouro, e que desde então ali repousam guardados pelos espíritos.
Quem tocar na porta do mausoléu terá que pagar uma vaca, se não o fizer, os espíritos irão persegui-lo, esteja onde estiver.

***

Outra “Rainha” famosa é a “Rainha” Juliana Canhabaque, do Reino de Canhabaque (ilha Roxa), devido à guerra ali havida em 1925.

Canhabaque  só pagava impostos quando lhe apetecia e pagava pouco, e isso levou ao desencadeamento de uma campanha militar pelo exército colonial. Após alguns preparativos, a 20 de Abril de 1925 uma força militar desembarcou em Inorei e Bine, para colocar definitivamente a ilha sob o seu domínio

Tratava-se de uma força militar numerosa com cinco oficiais, 240 sargentos e polícias nativos, e 1496 auxiliares na sua maioria fulas e mandingas (12), o seu armamento incluía 800 espingardas, três metralhadoras e três canhões hotchkiss.



Guiné-Bissau > 2002 > selo comemorativo do voo Lisboa - Bolama, realizado em 1925, por um avião Bréguet XIV A2, do 1º Grupo de Esquadrilhas de Aviação da República,  o GEAR, antecessor da FAP. A tripulação do "Santa Filomena" (, nome da aeronave,) era constituída pelo tenente Sérgio da Silva, pelo capitão Pinheiro Correia e pelo 1.º sargento António Manuel. Partindo do campo de aviação da Amadora, em 27 de março de 1925,  "Santa Filomena" chegou a Bolama em 2 de abril de 1925, depois de percorrer a distância de 4.070 km em 31 horas e 31 minutos de voo, em 7 etapas:  m 7 etapas: Amadora – Casablanca; Casablanca – Agadir; Agadir – Cabo Juby; Cabo Juby – Vila Cisneros; Vila Cisneros – S. Luís do Senegal; S. Luís do Senegal – Dakar e, finalmente, Dakar – Bolama. (**)

Imagem: Cortesia de Colnect.com


Aproveitando a presença de um avião militar, que tinha realizado pela primeira a viagem aérea Lisboa-Bolama, o governador Velez Caroço pediu 
que este bombardeasse os revoltosos.
Foi assim usado pela primeira vez um avião militar na Guiné. Tratou-se do Breguet XIV A2 do 1º Grupo de Esquadrilhas de Aviação da Republica (GEAR).

Apesar de o avião estar com problemas mecânicos, durante dois dias, foi desencadeado um bombardeamento, tendo sido lançadas manualmente granadas de artilharia, depois de adaptadas para o efeito.

Os guerreiros de Canhabaque ficaram surpreendidos com aquele ataque, pois nunca tinham visto um avião, nem conheciam o seu poder destruidor, mas a sua resposta à incursão militar não vacilou, e foi com determinação, que decidiram continuar a combater o invasor do seu Reino.

A “Rainha” Juliana possuía 2.000 guerreiros, que estavam armados com arcos, catanas, lanças e algumas espingardas longas. Alguns possuíam uma longa história de combates, o que fazia deles guerreiros experientes e ferozes.

A ilha de Canhabaque  [também conhecida por ilha Roxa] é pequena, tem nove por 15 quilómetros, o que era uma desvantagem, mas por outro lado tem uma vegetação cerrada e caminhos que apenas os guerreiros de Juliana conheciam bem; alguns eram caminhos estreitos e difíceis, e pouco adequados ao exército colonial, com as suas metralhadoras e canhões.

A “Rainha” Juliana organizou a sua defesa, colocando vigias no alto das árvores, criando zonas de emboscadas, com atiradores com longas nas árvores e construindo covas com tampas cobertas com ervas, para os guerreiros se esconderem e poderem atacar os invasores, quando estes menos esperassem.

Foi travada uma luta feroz com muitas baixas, nomeadamente da parte dos guerreiros da “Rainha” Juliana, mas as tabancas dos revoltosos foram sendo vencidas uma a uma.

A pequena ilha estava isolada nesta luta, não podia contar com reforços ou reabastecimentos.
A 3 de Maio de 1925, os últimos resistentes concentraram-se em Indema, no centro da ilha, e entre eles está a “Rainha” Juliana. Eram poucos para fazerem frente aos invasores e também eram poucas as munições que lhes restavam.
 
Os guerreiros de Canhabaque defenderam Indema enquanto puderam, mas acabaram por se render, pois não tinham meios para conseguirem fazer frente, a uma força militar tão poderosa.

Indema foi incendiada, e a “Rainha” Juliana presa e enviada para Bolama (13) mas não foi o fim da luta dos bijagós, pois em 1935 haveria uma nova revolta e seria necessária uma nova incursão militar.

No século XX o poder colonial deixou de ser algo fraco e vago, tornando- se numa força poderosa e determinada que impunha a sua vontade, foi um novo ciclo que se iniciou.


[Adaptação, revisão/fixação de texto e inserção de fotos e links para efeitos de edição deste poste no blogue: LG]
___________

Notas do autor:

(5) Lendas bijagós - pag. 34, Danielle Gallois Duquette, no seu livro Dynamique de L´art Bidjago, faz uma descrição desta e de outras lendas.

(6) Bijagós - pag. 145, “A babel negra”, de Landerset Simões.

(7) Bijagós - pag. 15, “Organização Económica e Social dos Bijagós”, de Augusto J. Santos Lima.
 
(8) Bijagós - pag. 81, “Tratado Breve dos Rios de Guiné do Cabo-Verde”, do capitão André Álvares d´Almeida.

(9) Bijagós - pag. 14, “Organização Económica e Social dos Bijagós”, de Augusto J. Santos Lima.

(10) Bijagós - pag. 77, “Organização Económica e Social dos Bijagós”, de Augusto J. Santos Lima.

(11) Oquinca Pampa - pag. 186, “História da Guiné II”, de René Pélissier.

(12) Juliana - pag. 212, “História da Guiné II”, de René Pélissier.

(13) Juliana - pag. 212, “História da Guiné II”, de René Pélissier.

2. Como ajudar a "Ajuda Amiga" ?

Caro/a leitor/a, podes ajudar a "Ajuda Amiga" (e mais concretamente o Projecto da Escola de Nhenque), fazendo uma transferência, em dinheiro, para a Conta da Ajuda Amiga:

NIB 0036 0133 99100025138 26

IBAN PT50 0036 0133 99100025138 26

BIC MPIOPTP


Para saber mais, vê aqui o sítio da ONGD Ajuda Amiga:

http://www.ajudaamiga.com

__________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 10 de julho de  2021 > Guiné 61/74 - P22359: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte II A: Comentário adicional sobre os balantas: "Nhiri matmatuc Fortunato. Nhiri cá ubabe. Nhiri god mara santa cá cum boim. Udi assime?"...Traduzindo: "O meu nome é Fortunato. Eu sou branco, não sei falar bem balanta. Percebes o que estou a falar?"... Uma conversa com Kumba Yalá, em Bissorã, a dois dias da sua morte, aos 61 anos

Vd. postes anteriores:

9 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22354: "Lendas e contos da Guiné-Bissau" : um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte II: Ficha técnica, prefácio de Leopoldo Amado, lendas balantas (pp. 1-14)

8 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22349: "Lendas e contos da Guiné-Bissau" : um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte I: Vamos dar início a uma nova série, um mimo para os nossos leitores

(**)  Vd. postes de:

26 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18780: Historiografia da presença portuguesa em África (119): O primeiro voo, ligando Lisboa a Bolama, em 1925, e a primeira tentativa de usar a aviação com fins militares naquele território (Armando Tavares da Silva) (Parte I)

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8916: Memória dos lugares (156): Ilha Roxa, Arquipélago dos Bijagós, Fevereiro de 1974 (António Graça de Abreu)



Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha Roxa (a leste da Ilha de Bubaque) > Fevereiro de 1974 > Um lugar "paradisíaco" em tempo de guerra que ali não havia... mas onde no entanto não havia arroz (ia-se comprá-lo a Bubaque, quando havia), o que na altura era sinónimo de fome... Vemos aqui o António Graça de Abreu, disfarçado de turista... Fotos enviadas em 18 de Julho passado, com a simples legenda "São [as fotos] da ilha Roxa, Bijagós, na paragem da LDG Cufar-Bissau"...


No seu Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra e Paz Editores,  2007, pp. 194-197), escreveu o nosso querido amigo e camarada António Graça de Abreu a seguinte nota (de que se transcreve apenas um excerto, com a devida vénia ao autor e à editora): 

Bissau, 16 Fevereiro de 1974

Estou em Bissau para tratar dos dentes. E vim por mar, em LDG.

Quarta-feira à tarde cancelaram o Nordatlas. Quase à mesma hora partia,   rio Cumbijã abaixo rumo a Bissau, a LDG "Alfange" (...). Resolvi-me pela viagem marítima e não me arrependo da decisão. 

Éramos quase trezentos homens empilhados numa grande barcaça, a dormir onde calhava, a comer rações de combate, a jogar às cartas, a contar as nossas vidas. No voo de quarenta minutos no Nord não se aprende nada, nas vinte e seis horas de viagem na LDG descobri mais um pedacinho do mundo.

Largámos de Cufar às três da tarde, começámos a descer o rio, tocámos Cadique, Cafal, Cafine onde entrou mais tropa. Depois o mar,com o navio sempre a navegar. Foi ancorar já noite cerrada perto da ilha Roxa, no arquipélago dos Bijagós (...).

Quando o dia amanheceu, tive uma sensacional surpresa.  A ilha Roxa encontrava-se ali diante de nós, a pouco mais de um quilómetro de distância, com areais, enseadas e palmeiras. A maré estava vazia, a água do mar era azul e limpa. Íamos permanecer ancorados  junto à ilha até cerca do meio dia (...).

Por isso, logo de manhã, o comandante da LDG e o imediato preparam um bote de borracha, as canas de pesca e saíram para o mar (....). Entretanto, os fuzileiros de Cafal que viajavam no bote como segurança, prepararam um bote para irem a terra, usufruir as delícias da praia.  Pedi-lhes boleia - a vantagem de ser alferes! - e parti à descoberta daquele enorme pedaço de chão encalhado no meio do mar da Guiné. (...)

(...) Mas a ilha era habitada, os fuzileiros já haviam entrado numa povoação  cha
mada Anhorei (...). Deve ser raríssimo desembarcarem meia dúzia de brancos naquela ilha e fomod recebidos de modo afável e aberto. Esta gente não foi tocada pela guerra - nos Bijagós não há operações militares -  e não guarda ressentimentos para com os portugueses. (...)
Sozinho, regressei à praia.Com umas lindas cuecas vermelhas - porque não trouxe fato de banho -, tomei um gostoso banho de mar e fiz umas corridas ao longo da praia. (...).

... Quem quiser saber o resto da história dessa manhã inesperada, em que como o autor fez um novo amigo, bijagó, de seu nome Cunha Nhorei, faça o favor de comprar o livro. (LG)

sábado, 9 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4312: Antropologia (14): Dança dos bijagós, uma redacção escolar, de 1958, do menino Abreu (António Graça de Abreu)

1. Mensagem de António Graça de Abreu (*), ex-Alf Mil do CAOP 1, Teixeira Pinto ou Canchungo, Mansoa e Cufar, com data de 27 de Abril de 2009:

Com os Bijagós na ilha Roxa, Fevereiro de 1974

António Graça de Abreu


Pouco ou nada se tem falado sobre os bijagós no nosso blogue. O povo desta etnia da Guiné teve mais sorte que os balantas, fulas, mandingas, etc., teve a felicidade de habitar em ilhas separadas do território onde se desenrolava a guerra. Além de Bolama, quase nenhum de nós conheceu as ilhas dos Bijagós.

Numa das minhas idas de Cufar para Bissau, naveguei na LDG Alfange (foram vinte e sete horas!) e como era preciso aguardar pela maré-cheia para concluir a viagem, a lancha grande quase se encostou à ilha Roxa. De manhã, ficou tudo a torrar ao sol durante umas boas horas dentro da LDG, excepto o comandante e o imediato que lançaram um zebro à água e foram pescar, e ainda cinco fuzileiros do destacamento de Cafal que, noutro zebro, resolveram ir para a praia na ilha Roxa. Pedi-lhes boleia e como era alferes e um deles me conhecia do CAOP 1, de Cufar, embarquei com eles. Foi um deslumbramento a descoberta da ilha e o contacto com os bijagós. No meu Diário da Guiné, a 16 de Fevereiro de 1974, pags. 194 a 197, descrevi, ao pormenor, o que me sucedeu na ilha Roxa.

O que eu tinha completamente esquecido é que, com 11 (onze!) anos de idade, no antigo 2.º Ano do liceu, havia escrito um texto sobre os bijagós. Só a semana passada, ao arrumar e deitar fora muitos papéis velhos, descobri a singular prosa no meu caderno de redacções, no Liceu Alexandre Herculano, no meu Porto, cidade onde nasci e cresci.

Lembrei-me do blogue e deixo à consideração do Luís e do Vinhal a eventual publicação deste texto.

Aí vai, um menino do Porto a escrever sobre a Guiné, em 1958:

A Dança dos Bijagós

De um dos trechos existentes no meu livro de leitura, achei um, de certo modo curioso, sobre a dança dos Bijagós.

Esta dança é executada pelos nativos de uma raça da Guiné chamada Bijagós. Nesta interessante dança, os homens dão a ideia de serem animais ferozes pois eles modificam completamente o seu aspecto de seres humanos. Pintam o corpo com tinta vermelha, cobrem a cabeça com barro e enfeitam-na com penas ou peles. Alguns põem chifres na cabeça. De vez em quando, um dos dançarinos dá um grito rouco que ecoa pelos ares dando a impressão de ser um animal feroz. Esta dança é acompanhada pelo rufar dos tambores. As pessoas que a executam fazem diversas contorções com o corpo, o que muito agrada aos forasteiros que vão ver os nativos dançar.

FIM





Grupo de mulheres bijagós com os seus apetrechos e trajes de dança

Localização da Ilha Roxa no Arquipélago dos Bijagós e Sul da Guiné
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4100: Blogpoesia (34): Regressei um dia / lavando a alma na espuma das lágrimas... (António Graça de Abreu)