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sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20523: Notas de leitura (1252): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (39) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
O bardo descarrega as suas penas, o seu companheiro de viagem prossegue em grande círculo, vai ao início da guerra, às suas primícias, tenha o leitor curiosidade e fartas leituras o esperam, tanto para entender o que foi a ascensão nacionalista na Guiné e como cedo se impôs o pensamento de Amílcar Cabral, como para acompanhar a digressão do aparato subversivo, em ondas os insurretos foram-se formar na China e na Checoslováquia, mais tarde na URSS, muito mais tarde virá o apoio cubano, entrementes haverá notórios progressos no armamento.
Por isso aqui se recupera as memórias do "Homem Ferro", um fuzileiro que conheceu a subversão desde 1962, por muitas andanças, em 1963, se apercebeu do alastramento da guerrilha e dos seus focos poderosos.
E aqui também se fala da CCAÇ 675, em 1964 encontraram Binta como território onde agentes do PAIGC se deslocavam folgadamente. Os reforços portugueses foram chegando a conta-gotas, revelar-se-ão insuficientes para estancar a dispersão da guerrilha.
A lira do bardo tem acordes de sofrimento, temos toda a vantagem em tentar perceber os ventos que sopram da guerrilha.
É o que aqui se faz.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (39)

Beja Santos

“Dois colegas com azar
os seus dias terminaram.
O pessoal do Batalhão
grande mágoa passaram.

Para serem tratados
os médicos os examinaram
e algumas chapas lhes tiraram.
Sendo ambos operados
alguns dias foram passados
e soro começaram a levar.
Fartaram-se de penar
com os sofrimentos de gravidade
e foram para a eternidade
dois colegas com azar.

O Francisco António foi o primeiro
que a morte levou.
O António Amaro, desmoralizado
ao ver a falta do companheiro,
o 1.º Cabo e o Furriel enfermeiro
a falar o reanimaram.
A verdade não lhe contaram
para ver se ele não esmorecia.
Mas como o azar o perseguia
os seus dias terminaram.

Este último se aguentou
quarenta e seis dias a sofrer.
Mas começou a emagrecer
porque a hemorragia não estancou.
De dia a dia piorou
levando muita injeção.
A 10 de maio se soube então
que o último suspiro deu.
Pois ele e o Francisco comoveu
o pessoal do Batalhão.

Os pais com aflição
souberam que os filhos tinham morrido.
Pois lançaram grande gemido
naquela região.
Perto da mesma povoação
estes rapazes se criaram
para o Ultramar abalaram
despediram-se com suspiros e ais
e no fim do tempo seus queridos pais
grande mágoa passaram.”

********************

Continua a litania dos padecimentos, o bardo não pára de trombetear desaires e agonias, parece que todo o Batalhão está exposto às mais rudes provas. É nisto, por contraste, que este companheiro do bardo vasculha esta nova guerra da Guiné na sua fase primigénia e encontra um relato sobre os primórdios da luta armada, até ao seu desenvolvimento. Dele já fez referência em obra sua com parceria, intitulada “Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: um roteiro”, Fronteira do Caos Editores, 2014, tem a ver com as memórias de um combatente intitulada “Homem Ferro”, seu autor é Manuel Pires da Silva, responsável pela edição, com data de 2008. Tem-se sempre em conta que o leitor é leigo, iniciou-se nestas leituras da guerra da Guiné, procura compreender como desabrochou o conflito na área militar, mais complexo é explicar que houve uma prolongada germinação do nacionalismo, formaram-se diferentes partidos, em 1959, Amílcar Cabral em reunião com outros companheiros do Partido Africano para a Independência, tomaram decisões de fundo, Rafael Barbosa e outros ficaram no interior da Guiné em subversão, Cabral e outros partiram para Conacri para encontrar apoios que dessem incremento sério à guerrilha, como veio a suceder, o mesmo Cabral capitaneou os grandes debates com forças concorrentes, o PAIGC, a partir de 1965, foi reconhecido como a força categórica e exclusiva na frente da libertação nacional. Vejamos agora o que viveu um jovem, a partir de 1962, é um relato que dá muito para pensar.

As memórias do fuzileiro Manuel Pires da Silva trazem surpresas, uma delas é abrir novas perspetivas ao que se passou na Guiné em 1962, ninguém desconhece que as investigações dirigem-se sempre para os acontecimentos a partir de Janeiro de 1963, insista-se que há como que uma nebulosa sobre os preparativos da subversão e a respetiva resposta do lado português. Manuel Pires da Silva conta-nos como se fez marujo, ele levou uma vida atribulada em Vale de Espinho, concelho do Sabugal, mourejou no campo, trabalhou com o pai numa oficina de carpinteiro de carros de bois, andou a furar batentes de portas com martelo e formão, fez a instrução primária, andou no contrabando e apanhou alguns sustos. Adolescente, veio com o irmão mais velho para Lisboa, deram-lhe trabalhos de construção civil, foi depois carpinteiro de cofragem, sentia-se desalentado, queria ir mais longe. Inscreveu-se na Marinha, fez a recruta em Vila Franca de Xira, aos 17 anos era segundo-grumete voluntário. Em 1961, foi frequentar o curso de Fuzileiro Especial, recebeu a boina.

É incorporado no DFE 2, destinado à Guiné, ali chega em Junho de 1962. Que missões tiveram? Fazem guarda ao Palácio do Governador, levam prisioneiros do PAIGC para a Ilha das Galinhas, são mandados para o Sul, onde o PAIGC já desencadeava ações de sabotagem. A primeira operação de reconhecimento visava obter informações das gentes das tabancas de Campeane, Cacine, Gadamael Porto, entre outros lugares; seguem depois para Bula, havia fortes suspeitas de guerrilheiros infiltrados naquela zona. Descreve o efetivo da Marinha, ao tempo. O DFE 2 é pau para toda a obra: operação em Darsalame; vão ao rio Corubal em lanchas de fiscalização, “chegam às tabancas e só vêem velhos, mulheres e crianças, que fogem para todo o lado. Rebentam-se canoas, interrogam-se pessoas, mas ninguém sabe nada”. Em Dezembro, vão até Caiar. “Quando se tentava contactar com a população da tabanca, surge o tiroteio, o primeiro contacto com as armas de fogo do inimigo. O comandante é ferido no pé direito, tendo sido o primeiro fuzileiro ferido em combate”. Pouco antes do Natal, voltam ao rio Corubal, os botes são postos na água e sobem o rio. “Passada cerca de meia hora após largar do navio, ouvem-se rajadas de pistola-metralhadora”. E escreve mais adiante: “A situação agravava-se de dia para dia. O Comandante-Chefe andava preocupado, pois Lisboa não mandava reforços suficientes. Esta preocupação era partilhada pelo Comandante da Defesa Marítima, Capitão-de-Fragata Manuel Mendonça”.

Em Março de 1963, fazem batidas nas áreas de S. João, Tite e Fulacunda, no mesmo mês em que os guerrilheiros se apoderaram dos navios “Arouca” e “Mirandela” perto de Cafine. A situação agrava-se no rio Cobade e Cumbijã, os guerrilheiros atacam ousadamente as embarcações. Na sequência do acidente aéreo que vitimou um piloto e levou à captura do Sargento-Piloto Lobato, os fuzileiros bateram a zona, encontraram o cadáver do piloto sinistrado e os restos do avião. “Os guerrilheiros tinham a população do Sul completamente controlada. Os fuzileiros estavam ali sozinhos a remar contra a maré”. Em Julho, com o apoio de um pelotão de paraquedistas, passam Gampará a pente fino. É nisto que foi necessário acudir na área do Xime, todos os dias há fugas para o mato; no mês anterior, foram até à tabanca de Jabadá, tendo sido recebidos a tiro. O inimigo já desencadeia ações violentas a partir da mata do Oio. “Entretanto, a ilha do Como começa a tornar-se intransitável devido à presença dos guerrilheiros”; a tabanca de Jabadá continua em pé de guerra, a aviação lança bombas de napalm, para intimidar os guerrilheiros, o destacamento desembarca e só encontra velhos e miúdos feridos. A guerra surge à volta de Porto Gole, o inimigo não se deixa intimidar e reage com muito fogo, os fuzileiros sentem-se encurralados, aproveitando uma aberta, eles retiram e pedem apoio da aviação. No dia seguinte voltam, desta feita assaltam o objetivo. “Quando o bombardeamento pára, o destacamento arranca para o assalto final. Depara-se com mais de 50 casamatas, algumas crianças feridas, a chorar, e dois ou três velhos, também feridos. Registam as informações que eles querem dar”. Quando estão a retirar, recebem instruções da aviação, um grupo de guerrilheiros voltou ao objetivo. Os fuzileiros conversam entre si, tanto esforço e o inimigo não se apresenta. A seguir a este relato, o DFE 2 anda numa completa dobadoira, seguem para Gã Vicente e descobrem um novo inimigo, as abelhas. Por esse tempo vão chegando à Guiné mais reforços, o DFE 7, mas a subversão ultrapassa a capacidade de tomar sempre a iniciativa, a fazer fé em tudo quanto ele escreve, o Sul não dá parança. O que está hoje historicamente provado, e muito bem documentado. Em Novembro, é por de mais evidente que o PAIGC controla as ilhas de Como, Cair e Catunco. A resposta é a operação Tridente em que o DFE 2 participa. O DFE 9 chega em finais de Fevereiro.

Tudo se agrava no rio Corubal, as embarcações são constantemente alvo de emboscadas, atacam a navegação na Ponta do Inglês, e mesmo no canal do Geba. Volta-se à península de Gampará, vão com o apoio de forças terrestres, conclui-se que o inimigo não estava até então implantado no terreno. E depois atacam Cafal Balanta, Cafal Nalu e Santa Clara, há fogo do inimigo que só deixa de reagir quando chegam os T6. E no mês de Junho acabou a guerra para o DFE 2. Ele volta à metrópole, à Escola de Fuzileiros, é convidado para dar instrução. E em Outubro de 1965, lá vai Manuel Pires da Silva no DFE 13 a caminho de Luanda.

Vamos agora mais adiante, ao Diário da CCAÇ 675, a Companhia do Capitão do Quadrado, quando chegaram em meados do ano de 1964 à região de Binta, encontraram tudo em estado de sítio, já se fez referência à sua mentalidade ofensiva, o Capitão do Quadrado foi ferido e está hospitalizado em Bissau, a unidade militar em agosto nomadiza até Guidage, no fim do mês regressa o Capitão do Quadrado e em setembro recomeça a polvorosa, golpes de mão, patrulhamentos, batidas.
Também o furriel-enfermeiro é poeta como o nosso bardo, deixa um sinal dos seus afetos numa publicação de caserna, abre com versos melancólicos, lágrimas de despedida lá no cais, são os dias de viagem até à Guiné, ele questiona:  
“Viverei? Voltarei a ver os meus? A Pátria Querida?”.

E despede-se com versos confiantes, animosos:
“À dúvida, ao desânimo, seguem-se a segurança, a fé;
O dever do bom português é mais forte. Vamos lutar,
As dificuldades, os sacrifícios vencem-se de pé.
Mais fortes, mais homens, com honra havemos de voltar.

E quando chegar esse dia ansiosamente esperado,
os vossos corações alvoraçados, delirantes
Voltarão a descortinar no cais festivo, engalanado,
Sorridentes mães, esposas, noivas, felizes como dantes.”

Mas ainda há muito que contar desta Companhia. E um dia destes, pasme-se, chega a hora do BCAV 490 ir para território menos atribulado. Bissau espreita, o estado de ânimo do bardo dará sinais de uma candura, de um rejuvenescimento que desconhecíamos desde aqueles tempos em que a grande questão era a má comida da recruta.

(continua)
____________

Notas do editor

Poste anterior de 27 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20504: Notas de leitura (1250): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (38) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20514: Notas de leitura (1251): “Dias Sem Nome, Histórias soltas de um médico na guerra da Guiné”, por João Trindade; By the Book, edições especiais, 2019 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20109: Notas de leitura (1213): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (21) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
Conheci finalmente o bardo, fomos almoçar borrego e bebemos uma boa pinga, bom pão molhado em azeite e azeitonas saborosíssimas. Já nos tratamos pelo nome próprio, trocamos presentes, os dele necessariamente mais valiosos, são fotografias, imagens de jornais de caserna. Pedi-lhe encarecidamente que notificasse os camaradas do BCAV 490 do que aqui se passa, congeminei este tipo de divulgação da sua "Missão Cumprida" para pormos a nossa sala de conversa a funcionar em pleno, gente de todas as comissões a contar histórias parecidas, prevalecendo, claro está, os testemunhos que vierem do BCAV 490. O bardo e eu agradecemos que haja muitas interferências, comentários e adição de todos os materiais da época. Valeu?

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (21)

Beja Santos

“António Roque fugiu
ao fazer a retirada.
Na mata de Uncomené,
esta coisa amargurada.

A 487 em Caiar
ia tudo patrulhando,
algum gado apanhando
para fome não passar.
Neste sítio não houve azar
mas mais tarde surgiu.
Para a mata se partiu,
havendo muitas aflições
e, acabando as munições,
António Roque fugiu.

Morreu um cabo e um soldado
da 1.º Companhia
quando o 2.º pelotão seguia
para dentro do mato cerrado.
Passou-se um mau bocado
havendo muita rajada.
O Fitas, bom camarada,
a muito se aventurou
e um tiro na barriga levou,
ao fazer a retirada.

O comandante do Pelotão
era o sr. Alferes Menezes.
Ele recomendou muitas vezes
para não perderem reação.
Apesar de muita aflição
lutaram sempre com fé.
O amigo Henrique José
é que passou muita dor:
morreu ele e o condutor
na mata de Uncomené.

O Comandante do Batalhão
neste ataque ficou ciente:
foi talvez o mais valente
de toda a operação.
Quiseram apanhar à mão
a nossa rapaziada,
jogaram muita catanada
ao chegarem à nossa beira,
pois não esquece pela vida inteira
esta coisa amargurada.”

********************

É dever aqui ajuntar memórias de outros que andaram pela batalha do Como. Há tudo a ganhar em ler o testemunho de António Rebelo Heliodoro, fez parte do DFE8, comandado por Alpoim Calvão. Tem um antes e um depois do Como, é leitura tão emocionante que aqui se cita algum do antes e depois, conforme aparece na obra "Dias de Coragem e de Amizade, Angola, Guiné, Moçambique: 50 histórias da Guerra Colonial", de Nuno Tiago Pinto, A Esfera dos Livros, 2011:

“Fomos recebidos em Bissau por uma banda de música. Depois de deixarmos as coisas no destacamento, andámos a ver a cidade. Eram os primeiros dias de novembro de 1963. Mas não tivemos muito tempo para passear: deram-nos logo a missão de libertar a aldeia de Darsalame, que tinha sido tomado pelos ‘turras’. Era para ser uma operação de três dias. Durou oito. Passámos o rio Geba, entrámos no Corubal e chegámos a terra nas Lanchas de Desembarque Médio (LDM). Foi a primeira vez que entrei em ação. A tensão era enorme porque não sabíamos o que ia acontecer. Nunca nos explicaram o que era a guerra. Nem no curso de Fuzileiros Especiais.

O destacamento tinha 78 homens e éramos liderados pelo Comandante Alpoim Calvão. Desembarcámos num palmeiral, sofremos logo uma emboscada. A noite estava a aproximar-se quando caímos noutra emboscada, numa passagem que dava acesso à tabanca. Estava tudo destruído e não havia população. O Alpoim Calvão foi o primeiro a ser atingido por um tiro que lhe furou o camuflado e acertou de raspão nas costas. Eu é que o levantei. Combatemos. Mais à frente um rapaz foi ferido na cabeça e levado para a lancha.

Conseguimos entrar na tabanca e içámos a Bandeira Portuguesa. Depois passámos lá a noite, encostados às bananeiras a aguentar o cacimbo. Ao todo, estivemos lá oito dias e o inimigo acabou por se afastar. Recebemos ordens para regressar a Bissau. Foi um batismo a sério.

No início de 1964 fomos chamados para a Operação Tridente. Alguns destacamentos tinham a missão de tomar as ilhas de Caiar e de Catunco. A nossa era o centro do Como. Fomos acompanhados pelo Batalhão de Cavalaria 490, por uma companhia de Para-quedistas e outra de Comandos. Desembarcámos de madrugada. Estávamos a contar com uma grande receção, mas não aconteceu nada. Chegámos ao centro da ilha e içámos a bandeira. Mas na segunda noite começámos a levar porrada. Na manhã do terceiro dia o Comandante Calvão foi ao mato com duas secções. Estivemos 2 horas e 45 a combater o inimigo. Contámos uns 100 homens que nos atacaram com o fogo cruzado. Saímos da tabanca de S. Nicolau com duas baixas. Foram os primeiros fuzileiros mortos em combate. Não sabemos se lhes provocámos baixas.

Numa altura em que o Comandante Calvão foi à fragata Nuno Tristão receber ordens, começámos a ser bombardeados. Estivemos ali duas semanas naquele impasse. Não havia comida e ao fim de oito dias tivemos de ir cortar carne do gado que tinha sido abatido quando lá chegámos. O fundo dos cantis trazia um pequeno tacho onde fazíamos uma sopa em pouco tempo. Bebíamos a água das poças onde andavam os porcos. Era só meter um comprimido lá para dentro para a desinfetar. Algumas semanas depois foi montada uma base logística numa praia. Estava lá uma Companhia de Comando e Serviços a fazer comida e havia tendas de medicina. Ficávamos lá dois dias a descansar e depois voltávamos ao mato. Sempre por charcos e pela selva. Nunca pela estrada. À noite o Destroyer ia lá bombardear.

Andávamos por ali quando uma das companhias foi atacada e perdeu-se no mato. O oficial deles foi pedir ao Comandante Calvão que os fosse buscar. E nós fomos. Percorremos a mata toda e conseguimos reunir os homens, que tinham fugido cada um para o seu lado. Só ficaram lá dois que tinham sido mortos e armadilhados. Quando os puxámos, por acaso, a cavilha da granada ficou presa na terra e não rebentou. Foi um dia de glória. Por causa disso o meu Destacamento foi condecorado com uma Cruz de Guerra.

Depois voltámos aos combates. Lutei debaixo das bombas de napalm que eram lançadas por aviões que vinham do Sal para queimar a mata. Nós estávamos entrincheirados lá em baixo e sentíamos as pernadas das árvores a cair. Estremecia tudo. Foi dramático. Cheguei a pedir a Nossa Senhora de Fátima para aquilo passar. Quando contei isto, chamaram-me mentiroso. Mas eu digo aquilo que vi e por que passei. Nunca me vou esquecer disso, enquanto for vivo. Foram 72 dias e 72 noites.

Regressámos a Bissau com os mortos, fizeram-se os funerais e passado um tempo estava noutra operação na mata de Cacine. Nos dois anos em que estive na Guiné participei em 109 ações de fogo. Foram horas e horas de patrulhamento. Até que em julho de 1964 fomos acompanhar o batismo do Destacamento de Fuzileiros Especiais 10 na Operação Túlipa. Tratámos de tudo em três dias e quando nos preparávamos para regressar, ficámos sobre fogo inimigo. Um avião nosso sobrevoou a tabanca onde estávamos e começou a descarregar bombas em cima de nós. Nesse dia 17 sofremos 4 mortos e 42 feridos. Eu fui um deles. Fiquei com estilhaços nos braços, nas pernas e na cabeça – além dos problemas nos ouvidos. O sangue escorria-me. Fui evacuado para Cacine e no outro dia fui levado para Bissau. Assim que fiquei melhor regressei ao ativo. Eram precisos homens. Dos 74 operacionais iniciais ficámos com 18.”

(continua)

Imagens cedidas pelo Santos Andrade, fotografias tiradas na Ilha do Como e em Bissau, 1963-1964


Imagens das duas primeiras páginas do n.º 3, do boletim Sempre em Frente, do BCAV 490, 8 de Agosto de 1965.
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Notas do editor

Poste anterior de 23 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20087: Notas de leitura (1211): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (20) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 26 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20095: Notas de leitura (1212): Descrição da Serra Leoa e dos Rios da Guiné de Cabo Verde (1625), por André Donelha, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1977, prefácio de Avelino Teixeira da Mota (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20087: Notas de leitura (1211): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (20) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
Seria de toda a conveniência que aqui se vazassem comentários dos confrades que participaram ou que acompanharam de perto a Operação Tridente. A história da Unidade, a do BCAV 490, gentilmente emprestada pelo Carlos Silva, é muito parcimoniosa, remete para um anexo que não tenho. Há o "Tarrafo", de Armor Pires Mota, há este documento que ora se apresenta, temos o depoimento do António Heliodoro, a que se irá fazer referência, apareceu no volume Dias de Coragem e de Amizade, Angola, Guiné, Moçambique: 50 histórias da Guerra Colonial, de Nuno Tiago Pinto, A Esfera dos Livros, 2011. Apelo, pois, a contributos que possam constituir o outro lado do espelho que é a poesia do Santos Andrade.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (20)

Beja Santos

“Morreram dois fuzileiros
muitos rapazes atingidos
precisamente noutra altura
Baía e Ameixa foram feridos.

Foi antes do meio-dia
que os fuzileiros foram ao mato
onde houve o grande contacto,
que com o fogo se estremecia,
lutando com valentia
foram feridos muitos companheiros.
Os bandidos traiçoeiros
deviam ser degolados.
Por causa desses malvados
morreram dois fuzileiros.

Quando o ataque principiou,
daquilo já se esperava,
a retirar obrigava
a força que os enfrentou.
Feridos às costas se carregou
havendo muito gemido.
O helicóptero foi pedido
levando os feridos para Bissau.
Entre Cauane e S. Nicolau
muitos rapazes foram atingidos.

Quando um caça patrulhava,
os bandidos fogo faziam
até que o atingiam
e no chão se despedaçava.
Tudo se incendiava:
gasolina, óleos e pintura.
O piloto sofreu amargura,
ao ficar todo queimado
e foi este caso passado
precisamente noutra altura.

Em S. Nicolau quiseram
resistir dois pelotões.
Como noutras ocasiões
avançar nunca puderam.
Muita rajada lhes deram.
Aquilo foi um castigo,
devido a tantos inimigos
retiraram do matagal,
mas na retirada, às 9 e tal,
Baía e Ameixa foram feridos.”

********************

Em 2019, a editora QuidNovi deu à estampa um conjunto de volumes sobre a guerra colonial. O quinto volume destacava a Operação Tridente, desenhada no maior sigilo. Os comandantes das unidades envolvidas no ataque apenas foram informados de todos os planos escassos dias antes do embarque. Os próprios oficias subalternos só souberam da ordem e do objetivo militar na véspera do Dia D. Foram 71 dias o tempo da operação. Ao fim de 48 dias de combates, as tropas portuguesas intercetaram um estafeta com uma carta de Nino Vieira, escrita à máquina e destinada a dois importantes chefes de guerrilha, Rui Djassi e Domingos Ramos, eram a prosa de aflição, Nino precisava de reforços, e concluía: “Tenho encontrado uma situação muito grave. As tropas estão aumentando cada vez mais as suas forças, tanto como terrestres, aviação e também por meios marítimos. Camaradas, não tenho mais nada a dizer-vos, somente posso dizer-vos que de um dia para o outro vamos ficar sem a população e sem guerrilheiros aí, já estamos a contar com a baixa de 23 camaradas durante todos estes dias dos ataques”.

Vejamos o essencial deste texto sobre a Operação Tridente, tal como consta neste quinto volume das Edições QuidNovi. Na véspera do ataque, a artilharia portuguesa instalada em Caiar flagelou sem descanso toda a região norte das ilhas de Caiar, Como e Catunco. Os guerrilheiros acreditavam que esse seria o local de desembarque. Enganaram-se. As forças envolvidas na Operação tomaram as ilhas de assalto pelo lado sul. Os desembarques decorreram sem um único tiro. O Dia D, 15 de janeiro de 1964, precisamente às 8.30 horas, os fuzileiros especiais pisaram a zona de combate: o destacamento 7, comandado pelo Primeiro-Tenente Ribeiro Pacheco desembarcou num ponto da ilha Caiar enquanto o destacamento 8, sob as ordens do Primeiro-Tenente Alpoim Calvão chegava a um outro local na ilha do Como. A missão destes fuzileiros era estabelecer cabeças de praia que permitissem o desembarque das companhias de cavalaria, que vinham em três agrupamentos. O agrupamento A, comandado pelo Major Romeiras, tinha ordens para seguir imediatamente para a tabanca de Caiar. O agrupamento B, sob o comando do Capitão Ferreira, tem por objetivo Cauane, aqui se darão os primeiros combates, as tropas portuguesas atacam com fogo morteiro ao mesmo tempo que a Força Aérea bombardeia. A primeira baixa é um T6 abatido pelos guerrilheiros. O comandante do DFE8, Alpoim Calvão, toma uma decisão arriscada: à cabeça de um grupo de fuzileiros entra na mata densa e começa a desalojar a guerrilha. O agrupamento C está sob o comando do Capitão Anselmo, sobe o rio de Catunco, tomam Catunco Papel e Catunco Balanta sem oposição da guerrilha. O agrupamento D, sob o comando do Primeiro-Tenente Faria de Carvalho desembarca na costa leste de Catunco, nas margens do rio Cumbijã. O comandante da Operação Tridente está ainda a bordo da fragata Nuno Tristão. Concluída a primeira fase da Operação, as unidades ocupam posições de combate, inicia-se a segunda fase que se prolongou até ao dia 24, nas ilhas de Caiar, Como e Catunco combate-se violentamente, fazem-se batidas, são feitos alguns prisioneiros, na ilha do Como as forças do PAIGC flagelam severamente, em Catunco não se encontram guerrilheiros mas foram descobertos depósitos de arroz e muito gado. Estamos já na terceira fase, o Tenente-Coronel Cavaleiro desceu ao terreno, as tropas de cavalaria, os fuzileiros especiais, o grupo de comandos, o pelotão de paraquedistas estão todos em ação.


Vejamos o relato dos acontecimentos como são descritos neste livro:
“Os portugueses conseguiram integrar-se progressivamente na mata, pelo sul, pelo norte e pelo lado oeste. A artilharia e a Força Aérea bombardeavam à noite pontos suspeitos na mata. Os militares localizaram e destruíram dois grandes acampamentos das forças do PAIGC. Foram arrasadas as tabancas de Cauane, S. Nicolau, Curcó, Cassaca, Samane, Uncomené, Cachida e Cachil. O mais violento dos combates, na mata de Cassaca, decorreu entre as seis da manhã até às quatro da tarde.
A 24 de Março, ao fim de 71 dias de operação, o Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro podia cantar vitória. Os grupos de guerrilha, incapazes de susterem os ataques portugueses, estavam em fuga. Foram arrasadas praticamente todas as tabancas das ilhas de Caiar, Como e Catunco”.

As forças portuguesas regressam ao continente, é decidido criar um destacamento em Cachil. O bardo irá depois falar-nos de Farim. Por ora, vamos continuar a desfiar a sua lírica em pleno Como.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 16 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20065: Notas de leitura (1209): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (19) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 19 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20074: Notas de leitura (1210): A Descolonização Portuguesa, Aproximação a um Estudo, Grupo de Pesquisa Sobre a Descolonização Portuguesa; Instituto Democracia e Liberdade, Lisboa 1979 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20065: Notas de leitura (1209): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (19) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
Prossegue a batalha do Como, é óbvio que o bardo dá prioridade à sua gente mas a operação teve farto envolvimento, foram de primordial importância tanto as forças navais como os meios aéreos. Neste episódio se releva a singularidade do diário de Armor Pires Mota, tem páginas comoventes, importa não esquecer que foram escritas em cima dos acontecimentos, é de questionar a fibra deste homem, as suas orações tocantes, o sofrimento compartilhado, o horror que viu, como aqui descreve.
E volta-se a falar de Alpoim Calvão e das forças navais, há que dar o seu a seu dono, no termo desta operação o Coronel Fernando Cavaleiro percorrerá a pé toda a ilha, era vitória de pouca dura, sina da guerra de guerrilhas, setenta dias de duros combates.
O bardo, como veremos, ainda tem muito a contar sobre a batalha do Como.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (19)

Beja Santos

“Quando a gente cá chegou
junto ao Batalhão lutavam
as tropas desembarcadas.
Bons serviços prestavam.

Muito fogo teve de atirar
a 2.ª Companhia
porque aquela patifaria
custava a recuar.
Depois de a Cauane chegar
a luta continuou.
Debaixo do fogo se trabalhou
para construir os abrigos.
Eram muitos os inimigos,
quando a gente cá chegou.

Algum tempo se passou
e em Catunco tudo normal:
com ordem do Sr. Cap. Cabral
a Ilha se patrulhou.
Um pretinho se apanhou
e para mascote o levavam.
Quando um dia caminhavam
apanhou-se um dos bandoleiros
e em todo o lado os fuzileiros
junto ao Batalhão lutavam.

Em Caiar se encontrava
o Alferes de Artilharia
que com boa pontaria
nos malvados acertava,
de noite ou de dia jogava
uma porção de granadas.
Media bem as coordenadas
não atingindo as Companhias.
E decorreram 70 dias
as tropas desembarcadas.

O pelotão dos paraquedistas
encontraram alguns bandos
junto aos homens dos comandos
que também deram nas vistas.
Mataram muitos terroristas
e alguns vivos apanhavam.
Um dia à praia chegavam
com prisioneiros na mão
e durante toda a operação
bons serviços prestavam.”

********************

É o momento propício para se dar voz a quem sobre esta batalha escreveu em forma de diário. “Tarrafo”, de Armor Pires Mota, é uma das obras incontornáveis da literatura da guerra da Guiné. O livro foi alvo da censura, retirado do mercado livreiro, reeditado mais tarde. É um legado de páginas densas, emocionantes, temos aqui a guerra em direto que o Alferes de Cavalaria enviava em forma de crónicas para o Jornal da Bairrada.
É um testemunho sem paralelo sobre a Batalha do Como:
“Atravessámos o riacho e o tarrafo, de saco às costas, muito a custo, curvados e encobertos pela vegetação, quase impotentes e amachucados porque a viagem fora penosa, difícil. E debaixo de fogo intenso, a rastejarmos, entrámos no objectivo… Sinto-me em baixo. A alma pesa-me como chumbo. E causa-me calafrios a morte daquele dois moços que ao entardecer, foram encontrados nus. Só lhes deixaram as meias enfiadas nos pés, por algum motivo religioso. De resto, levaram-lhes tudo. Tinham o sexo mutilado, o nariz arrancado e os olhos e pelos rasgões, espalhados pelo corpo, tudo leva a crer que lutaram corpo-a-corpo, quando se viram sós e sem munições. Não quero que ninguém fique com a impressão de que este diário é pura ficção nem, tão pouco, que me mascarem de valente. Escreverei para mim e não para a eternidade. E aqui estarei para chegar até ao fim”.

O autor reza o terço quando rebenta a fuzilaria, estão metidos num cerco em ferradura, o ataque é repelido, renasce a atmosfera de silêncio enquanto um vento húmido traz o cheiro horrível da carne a apodrecer algures, entrecortado pelos estrondos da artilharia. É uma batalha como não haverá igual, em tudo o que se passou na Guiné, tomam-se posições, por vezes recua-se, derrubam-se acampamentos, há rompantes desse combate que ganham uma dimensão apocalíptica, vive-se permanentemente à espera de um contra-ataque, como Armor Pires Mota escreve:
“Há quarenta dias que o mundo para nós é a incerteza da hora seguinte a devorar-nos a fronte atormentada. Há refeições em branco, porque não apetece senão a paz, o regresso. Uma grande parte da tropa está já inoperacional. As semanas são uma eternidade. Até parece que nascemos na tropa, na guerra”. 
 E é neste diário emocionante que no dia 1 de março de 1964, Armor Pires Mota faz uma oração como não vi escrita outra igual:
“Só Tu sabes, Senhor, a minha hora.
Mas tenho medo porque sou homem e tenho o destino de mãos vazias.
Que as minhas mãos não façam correr sangue inocente, mas que não sejam cobardes se for preciso castigar, matar ou morrer.
Mas tenho medo, Senhor!
Tu bem sabes que eu tenho uma mãe que chora e reza a minha ausência e que a saudade chora dentro de mim como uma criança longe dos braços maternos.
Tu sabes que eu tenho sonhos de ouro e espero de olhos azuis no futuro.
Tu sabes que eu tenho um amor na vida de mãos cheias de primavera e cabelo preto, da candidez dos lírios. E Tu bem sabes como dói cair uma rosa no chão só porque não choveu…
E só Tu sabes o segredo da noite: para a vida?, para a morte?
A hora é de luta para vencer ou morrer.
Mas tenho medo sem ser cobarde e tremo todo como cana agitada ao vento.
Espero em Ti.”

A batalha parece interminável, sangrenta, com casas de mato a arder, paraquedistas perdidos, um certo caos nas ordens e contraordens.
O autor escreve nova página do diário:
“Tivemos missa, como antigamente nas manhãs das grandes batalhas. O altar era feito com duas caixas de cerveja e montado por detrás da casa velha a ruir. De tronco nu ou descalços, mas alma cheia de esperança nos desígnios eternos, todos quanto ali estavam confiavam ao Senhor dos Exércitos as suas angústias, as horas más, as vitórias e as derrotas, as saudades da terra e da família, da noiva… Deus desceu à guerra para a paz”.

O diário de Armor Pires Mota não finda aqui, quando saem da Ilha do Como ruma para Jumbembem, de outras coisas falará.

Retornemos a “Alpoim Calvão, Honra e Dever”, e ao mês de fevereiro, as forças do PAIGC continuam a oferecer feroz oposição, o DFE8 não tem descanso e a 27 desse mês este DFE e o DFE7 embarcam com destino a Cachil, trabalhando em conjunto pela primeira vez na Tridente.
Vai prosseguir o relato dos acontecimentos:
“Chegaram à cambança do Brandão pelas duas da manhã, quedando-se aquartelados pouco depois no estacionamento de Cachil. Mas é curto o descanso, pois às 4h30 é dada a alvorada e uma hora mais tarde inicia-se o movimento simultâneo das duas unidades, seguindo o DFE7 pela orla este da mata grande de Cachil e o DFE8 pela orla oeste. Chegados ao limite sul, o DFE7 entra em contacto pelo fogo com o inimigo, enquanto o DFE8 permanece sem ser detectado. O DFE7 manobra então de modo a ocupar um esporão mais a sul, enquanto os F-86 da Força Aérea bombardeiam o tarrafo e a orla da mata de Cassaca onde o inimigo se continua a manifestar com alguma violência.
As secções avançadas entram em contacto com o inimigo que, tento retirado aquando o ataque aéreo, voltara às suas posições e esbarrara com o fogo dos dois destacamentos, responsável pelo abate de alguns guerrilheiros e pela apreensão de material de guerra. Em estreita colaboração, as restantes secções de fuzileiros ocupam a orla norte da mata de Cassaca, enquanto a retaguarda é protegida por um grupo de combate da CCAÇ 557 e uma secção do DFE2. O DFE8 assume depois a vanguarda e progride a oeste da picada, em direção a Cassaca, onde já estão instaladas a CCAV 487 e o grupo de Comandos. Juntas as forças, inicia-se o regresso a Cauane, progredindo na vanguarda o DFE8, seguido pelo DFE7, pelo grupo de Comandos e pela CCAV 487. O inimigo não se torna a manifestar.

Alpoim Calvão não mostra grandes preocupações quanto à sua defesa pessoal. Usualmente armava de G3, mas muitas vezes optava por levar apenas uma pistola-metralhadora UZI, ou até mesmo uma simples pistola, e não costumava carregar com muitas munições. Entendia que a missão de um comandante não era estar deitado a dar tiros, como um simples atirador, mas sim permanecer de pé enquanto o tiroteio chicoteava as copas das árvores ou ceifava o capim e lhe assobiava aos ouvidos. Procurava estar o mais protegido que fosse possível, qualquer tronco de árvore, por mais estreitinho que fosse, servia. Mas de pé, sempre de pé, a única maneira de ver a ação, intervir, poder dirigir a manobra, comandar.

Numa das fases da Operação Tridente seguia como observador o Capitão-Tenente Melo Cristino, Diretor de Instrução da Escola de Fuzileiros, que, nunca tendo participado em qualquer campanha, pretendia sentir ao vivo o comportamento das unidades em combate, razão por que entendera visitar o teatro de operações da Guiné e fizera questão em acompanhar pessoalmente uma acção. Nessa ocasião, quando algumas secções do DFE8 progrediam na retaguarda de um pelotão de paraquedistas, a Unidade caiu debaixo de fogo inimigo, responsável por duas baixas.
Durante o intenso tiroteio travado de seguida e enquanto o Tenente Calvão de pé procurava orientar a manobra dos seus homens, o Comandante Melo Cristino, surpreendido pela violência do fogo e pela chuva de metralha que caía em seu redor, gatinha desorientado pelo chão sem saber muito bem o que fazer. A admiração e o respeito que passou a sentir pela coragem de Alpoim Calvão e dos seus fuzileiros deixou de conhecer limites.

A partir de certa altura, após a passagem dos aviões da Força Aérea, os fuzileiros ouviam fortíssimos rebentamentos na mata e o solo estremecia com a violência de um tremor de terra. Era mais um bombardeamento, mas de invulgar potência. Na sua origem encontrava-se o Comandante da LFG “Dragão”, Primeiro-Tenente Lopes Carvalheira, que via com preocupação a operação arrastar-se durante muito tempo e pensou numa maneira de abreviar o esforço exercido na Ilha do Como. Tinha conhecimento que nos paióis de munições em Bissau estavam estivadas bombas de profundidade para a guerra antissubmarina. Eram cargas poderosíssimas de 350kg de trotil que se encontravam atribuídas às fragatas em serviço na província, mas que, não só por serem desnecessárias naquele teatro de operações como também por representarem um perigo acrescido, eram desembarcadas no início das comissões.
Lopes Carvalheira fez então um teste com as cargas utilizadas para repelir ataques de mergulhadores e confirmou que as espoletas tinham um retardo de 20 segundos. Foi pois fácil ao seu Imediato, Oficial da Reserva Naval, licenciado em Matemática, estabelecer os cálculos da altitude a que deveriam ser largadas de avião para rebentarem a escassos metros do solo. Lopes Carvalheira pede licença para se deslocar a Bissau, embarca num helicóptero Allouette II a bordo da ‘Nuno Tristão’ e expõe a sua ideia, que conta com o apoio inequívoco do Governador da Guiné, Comandante Vasco Rodrigues.”

Ver-se-á a seguir como este dispositivo beneficiou Alpoim Calvão e os seus homens na Batalha do Como.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 9 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20046: Notas de leitura (1207): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (18) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 12 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20054: Notas de leitura (1208): “Guiné-Bissau, das Contradições Políticas aos Desafios do Futuro”, por Luís Barbosa Vicente, Chiado Editora, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19383: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (64): história da faca de sobrevivência / combate dos Fuzileiros na Guiné... (Luís 'Saci' Pereira, filho de um camarada da CCAV 1662, Nova Lamego e Piche, 1967/68)






Faca de sobrevivência / combate dos Fuzileiros na Guiné


Fotos (e legendas): © Luís Pereira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso leitor Luís Pereira, filho de um camarada da CCAV 1662 (Nova Lamego e Piche, 1967/68), que se reproduz a seguir, esperando que alguém possa responder à sua pergunta:


Date: terça, 11/12/2018 à(s) 11:05

Subject: Faca de sobrevivência/combate dos Fuzileiros na Guiné


Bom dia,


Sou um pequeno coleccionador de militaria do tempo da nossa guerra colonial (talvez por ter sido
privado do meu pai durante uma boa parte da minha infância, enquanto ele esteve na Guiné, na zona de Nova Lamego, com a CCav 1662, "Os Piriquitos", Nova Lamego e Piche, 1967/68.)

Durante o meu serviço militar, por meados de 1984, vi pela primeira vez no cinto do um SAJU  [srgt ajudante] Fuzileiro uma faca de combate com o cabo em alumínio, que me deixou completamente encantado.

Após muito procurar, nunca consegui encontrar qualquer referência aquela faca em lado nenhum, tendo visto somente uma no Museu dos Fuzileiros, em Vale de Zebro, mas mesmo aí, a única coisa que me souberam dizer é que era designada por "faca de combate" ou "faca de sobrevivência", e que eventualmente teria sido uma aquisição local na Guiné para suprir uma eventual falta das facas de mato da Icel.

Na semana passada, ao fim de mais de 34 anos, consegui realizar o sonho e comprar a das fotografias que junto, mas continuo sem saber nada sobre ela, excepto o que disse e que tem gravado no punho a palavra "SALDANHA"...

Têm alguma ideia da história desta faca? Como e quando é que entrou para os Fuzileiros? Onde é que foram compradas ?

Muito obrigado

Luís

Luís "Saci" Pereira

"Para onde quer que vá, estarei na minha terra; nenhuma terra será para mim exílio ou país estrangeiro, pois o bem estar pertence ao homem e não ao lugar" (Brunetto Latini in Li Livres dou Tresor)

"Se um dia te encontrares numa luta justa, é porque não te preparaste convenientemente" (Gary F. Bradburn)

"Quem viaja acrescenta à vida" (Provérbio árabe)

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sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18930: Toponímia de Lisboa: em dez nomes de "heróis do ultramar", consagrados nas ruas da capital no tempo do Estado Novo, em Olivais Velho, Benfica e Alcântara, 7 são de militares falecidos na Guiné e os restantes em Angola


Ilustração: Toponímia de Lisboa (2017) (com a devida vénia)

1. Toponímia de Lisboa é um blogue do Departamento de Património Cultural da Câmara Municipal de Lisboa – Núcleo de Toponímia, que se publica desde novembro de 2012. Nele fomos encontrar um artigo interessante sobre ruas, em Lisboa, com os nomes de "dez heróis do Ultramar", 3 falecidos em Angola e 7 na Guiné. [Contacto: toponimia@cm-lisboa.pt].

Com a devida vénia reproduzimos um extenso excerto desse poste:

Toponímia de Lisboa > 23 de Fevereiro de 2017 > Dez Heróis do Ultramar em Olivais Velho, Benfica e Alcântara

 Dez anos após o início da Guerra Colonial, a edilidade lisboeta colocou através de um único Edital (22 de junho de 1971), de acordo com a legenda, dez «Heróis do Ultramar» em Olivais Velho, Benfica e Alcântara, «falecidos no Ultramar, em combate ao terrorismo», conforme se lê no despacho do Presidente da Câmara de então, Engº Santos e Castro.

Este procedimento está justificado na Ata da reunião da Comissão Consultiva Municipal de Toponímia de 16 de junho de 1971 da seguinte forma:

 «Despacho de Sua Excelência o Presidente, solicitando parecer sobre a consagração na toponímia de Lisboa, dos nomes dos seguintes militares falecidos no Ultramar, em combate ao terrorismo : major aviador Figueiredo Rodrigues, alferes Mota da Costa, Carvalho Pereira e Santos Sasso, furriel Galrão Nogueira, soldados Rosa Guimarães, Santos Pereira e Purificação Chaves e marinheiros Correia Gomes e Manuel Viana. Considerando justificar-se plenamente uma homenagem à memória de tão heróicos militares e, tendo em vista a circunstância de os soldados e marinheiros não terem patente, a Comissão emite parecer favorável à consagração dos seus nomes».

[Olivais Velho:]

Os seis topónimos fixados em Olivais Velho foram:
  •  a Rua Alferes Mota da Costa/Herói de Ultramar/1937 – 1961,
  •  o Largo Américo Rosa Guimarães/Herói de Ultramar/1945 – 1967, 
  •  a Rua Furriel Galrão Nogueira/Herói de Ultramar/ 1941 – 1965, 
  • a Rua Alferes Carvalho Pereira/Herói de Ultramar/1941 – 1966, 
  • a Rua Alferes Santos Sasso/Herói do Ultramar/1941 – 1965 
  • e a Rua Major Figueiredo Rodrigues/Herói de Ultramar/ 1939 – 1969.

Manuel Jorge Mota da Costa (Porto – freg. Cedofeita/14.05.1937 – 14.05.1961/Angola), alferes paraquedista da 1.ª Companhia de Caçadores Paraquedistas do Batalhão de Caçadores 21 em Angola onde chegou a 17 de abril de 1961 e onde faleceu menos de um mês depois no Bungo, aos 24 anos, condecorado a título póstumo com a Medalha de Prata de Valor Militar com palma, ficou no Impasse 1 do Plano de Urbanização de Olivais Velho. 

O soldado Américo Rosa Guimarães (Oeiras/21.09.1945 -05.10.1967/Angola), condecorado postumamente com a Medalha de Cobre de Valor Militar com palma, também faleceu em Angola, aos 22 anos, e foi fixado no Impasse 2 do Plano de Urbanização de Olivais Velho.

Os outros quatro militares fixados em Olivais Velho faleceram na Guiné. 

O Furriel [Silvério] Galrão Nogueira (1941 – 1965/Guiné), falecido aos 24 anos, foi perpetuado no Impasse B do Plano de Urbanização de Olivais Velho. 

Ao alferes miliciano de Infantaria José Alberto de Carvalho Pereira (Lisboa/13.02.1941 – 12.03.1966/Guiné), falecido aos 25 anos e condecorado a título póstumo com a Medalha de Cruz de Guerra de 3ª classe, coube-lhe o Impasse 3 do Plano de Urbanização de Olivais Velho. 

 O também alferes miliciano de Infantaria Mário Henrique dos Santos Sasso (Lisboa – freg. de Stª Engrácia/14.12.1941 – 05.12.1965/Guiné), da Companhia de Caçadores n.º 728, condecorado com a medalha de Cruz de Guerra de 3ª classe a 2 de julho de 1965 e falecido aos 23 anos, ficou no Impasse 3′ do Plano de Urbanização de Olivais Velho. 

E por último, o major piloto aviador António de Figueiredo Rodrigues (Penalva do Castelo/01.01.1939 – 12.07.1969/Guiné) , falecido aos 30 anos, foi colocado na Rua A do Plano de Urbanização de Olivais Velho.

[Benfica:]

Em Benfica, homenagearam-se 3 militares falecidos na Guiné nos anos de 1964 e 1965, com a Rua José dos Santos Pereira/Herói do Ultramar/ 1943 – 1964, a Rua José da Purificação Chaves/Herói do Ultramar/1942 – 1964 e a Rua Manuel Correia Gomes/ Herói do Ultramar/1936 – 1965.

O soldado José dos Santos Pereira (Torres Vedras – A-dos-Cunhados/19.09.1943 – 15.12.1964/Guiné) faleceu aos 21 anos e foi condecorado, a título póstumo, com a Medalha da Cruz de Guerra de 2ª classe, tendo sido perpetuado na Rua C, à Estrada do Calhariz de Benfica (Quinta de Santa Teresinha). 

O soldado condutor Francisco José da Purificação Chaves (Loures/08.08.1942 – 24.01.1964/Guiné), falecido aos 21 anos na Ilha do Como e condecorado a título póstumo com a Medalha de Cruz de Guerra de 1ª Classe, ficou no Impasse I à Estrada do Calhariz de Benfica. 

O marinheiro fuzileiro especial Manuel Correia Gomes (Vila Verde-Turiz/15.02.1936 – 14.03.1965/Guiné), falecido aos 29 anos e condecorado a título póstumo com a Medalha de Cruz de Guerra de 2ª classe, foi fixado no arruamento de acesso entre a Estrada do Calhariz de Benfica e o arruamento paralelo ao caminho de ferro (Quinta de Santa Teresinha).

Também encontramos a Rua José dos Santos Pereira, em Maceira, no Concelho de Torres Vedras, de onde este soldado era natural, bem como a Rua Francisco José Purificação Chaves em Loures, concelho de nascimento do soldado.

[Alcântara:]

Finalmente, em Alcântara ficou a Rua Manuel Maria Viana/Herói de Ultramar/1944 – 1968, na Rua A à Travessa da Galé, também conhecida por Rua A à Avenida da Índia. 

O marinheiro fuzileiro especial Manuel Maria Viana (Odemira – S. Teotónio/07.08.1944 – 16.08.1968/Angola), integrado no Destacamento n.º 2 de Fuzileiros Especiais faleceu aos 24 anos e foi condecorado a título póstumo com a Medalha de Cobre de Valor Militar, com palma. Em 1971 a Escola de Fuzileiros criou também o Prémio Manuel Viana, em sua honra, a ser atribuído anualmente ao aluno com melhor classificação nos cursos de aplicação do 1.º grau.

A maioria destes topónimos – oito – são exclusivos de Lisboa e não se encontram na toponímia de mais nenhum local do país, excepto nos 2 casos mencionados de homenagem prestada na terra natal. 

Ver também outros artigos relacionados:

1 de Fevereiro de 2017 > A Guerra Colonial nascida há 56 anos, também no tabuleiro da Toponímia de Lisboa

14 de Fevereiro de 2017 > Quinze cidades e vilas de Moçambique na toponímia de Olivais Sul desde 4 de julho de 1967

16 de Fevereiro de 2017 > Doze cidades de Angola na toponímia de Olivais Sul desde 1969

[Revisão e fixação de texto: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de agosto de  2018 > Guiné 61/74 - P18917: Blogues da nossa blogosfera (99): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (18): Palavras e poesia

Vd. também poste de  16 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18927: Furriéis que tombaram no CTIG (1963-1974), por acidente, combate e doença - Parte II: Em combate (n=139) (Jorge Araújo)

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18173: (In)citações (114): Amigo Cherno, meu irmão, com homens como tu, a Guiné-Bissau ainda se vai tornar uma grande pátria (Francisco Batista [ex-alf mil inf, CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)]

1. Comentário do nosso grã-tabanqueiro Francisco Baptista, transmontano de Brunhoso (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72),  ao poste P18170 (*)

Amigo Cherno Baldé, gosto de te ler e admiro-te porque tu tens o humanismo e a universalidade para estabelecer pontes entre as gentes e entre os povos, que muitos ex-combatentes como eu apreciam.

A tragédia do soldado Sissé que tu contas com arte e sabedoria é uma consequência de os estrategas militares quererem fazer de jovens, máquinas de guerra através de treino militar duro e desumano, para serem lançados nos piores e mais bárbaros cenários de guerra, sem se importarem com os efeitos nefastos a nível psicológico que irão provocar na personalidade desses jovens. 

Estava eu em Buba, em 1971, quando um destacamento de fuzileiros africanos regressou lá depois da operação a Conakry [Op Mar Verde]. Sobre isso um subtenente dos fuzileiros falou-me. Estava em Mansabá em 1971, quando duas companhias de comandos africanos, foram lançadas na mata do Morés, depois de fortes bombardeamentos da aviação e de obuses levados para Cutia. O major,  comandante do COP de Mansabá, quando regressou de helicóptero depois de visitar a zona intervencionada, encontrou-me no bar e falou-me dessa operação. 

O subtenente dos fuzileiros e o major do exército já morreram, eram ambos bons amigos dos camaradas e dos copos. Falámos e bebemos uns copos, mais do que falámos, a guerra não é heróica, é miserável. 


Guiné-Bissau > Bissau > c. 1995/1997 > O Cherno Baldé com a sua querida mãe, Cadi Candé (c. 1927-2017), aqui com c. 70 anos. A foto foi tirada depois do primeiro regresso do Chermo Baldé, de Lisboa, onde frequentou, um mestrado (ou curso de pós-graduação, não sabemos ao certo) no ISCTE-IUL  (1993/95). Licenciou-se em economia  na Universidade de Kiev, Ucrânia, tendo assistido ao desmantelamento da URSS. Trabalha como gestor de projetos no CAON - FED, em Bissau [Cellule d'Appui à l'Ordonnateur National du Fonds Européen de Développement]. Andou no Liceu Nacional Kwame N'Krumah. Aprendeu as primeiras letras em Fajonquito com os militares portugueses ali estacionados durante a guerra colonial. É casado, pai de 4 filhos. É sportinguista. Vive em Bissau. Tem página no Facebook.

Fotos (e legendas): © Cherno Baldé (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Depois da descolonização, após essa guerra cruel suportada por essas tropas especiais que, quando
são mandadas para as zonas de combate mais duras, vão morrendo senão fisicamente, psicologicamente porque vão matando a sensibilidade própria a todo o ser humano, o Estado Português, sobre a bandeira de quem eles combateram. abandona-os à fúria dos seus inimigos africanos, com promessas hipócritas das autoridades do novo Estado da Guiné Bissau.

Uma velha nação da Europa e uma jovem nação da África que deram uma lição miserável de hipocrisia e covardia a todo o mundo.

Amigo Cherno, meu irmão, acredito que, com homens como tu,  a Guiné-Bissau ainda se vai tornar uma grande Pátria, com muitos homens bons e muitas etnias a viver em paz e harmonia. Os meninos da tua terra com tantas esperanças nos seus olhos tão delicados e doces merecem. (**)

Um grande abraço para ti e para toda essa terra de florestas, água e bolanha, que continuo a amar. Um Bom Ano. 

Francisco Baptista
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sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16818: Memória dos lugares (352): Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta, região do Cacheu: um local muito bonito onde, para o ano, quero vir passar umas férias (Patrício Ribeiro, Bissau)


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha  (?) > Aqui, na ponta de Caió, terá funcionado uma "estação  de pilotos" [EP]... Os pilotos, primeiro brancos e depois guineenses, levavam os navios até ao porto de Bissau. . No princípio da década de 1960, o chefe da estação era um guineense, Edmundo Bernardino Monteiro, denunciado num documento do Arquivo Amílcar Cabral ("O Ilhéu de Caió, estação de pilotos ou colónia penal", de Nandjam Silva) como um "devotado servidor dos seus patrões colonialistas":  [vd. Pasta: 04616.076.028]. Aqui vai um excerto:

"Os pilotos, aos quais incumbem a grande responsabilidade de conduzirem os navios através [d]as perigosas rias, ganham apenas 1200$00 mensais com[o] salário, e uma gratificação de 150$00 por cada navio levado de Cai+ó a Bissau, enquanto que o 'piloto' do porto, um europeu, àparte seus vencimentos substanciais, percebe 500$00 de gratificação para atração do navio, sabido como é que a manobra é inteiramente executada pelos pobres marinheiros africanos". 

[A preços de hoje, 1200 pesos seria o equivalente a 516,26 €, menos 10% tendo em conta o câmbio escudo/peso praticado em Bissau... Já agora acrescente-se que na lista clandestina do "Comité Central" do PAI - Partido Africano para a Independência, em 31/8/1960, figuravm 4 indivíduos da zona de Caió,. 2 pilotos,1 radiotelegrafista marítimo e 1 chefe marinheiro... O nome do Domingos Ramos, "aspirante a oficial" (sic) também aparece, representando o "quartel de Bolama", a par do Laurentino Gomes; vd. documento do Arquivo Amílcar Cabral, Pasta: 07063.036.007 ]



Foto nº 1A Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ihéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha > Não se percebe o quer dizer a sigla: EP... Escola de Pilotos ? Sabemos que passaram por aqui também equipas do Instituto Hidrográfico.


Foto nº 1B  > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha > Estação de Pilotos (EP) > Pormenor: por detrás do edifício vê-se um silhueta que parece ser uma viatura blindada, um tanque com a sua peça apontada para o mar... Presume-se que sejam vestígios das guerra civil de 1998/99.


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha >  Estação de Pilotos


Foto nº 2A > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha >  Estação de Pilotos >  Ao fundo o farol, que terá sido construído em 1944


Foto nº 2B > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha > Estação de Pilotos


Foto nº 3  > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha > Inscrições na pedra com nomes de marinheiros fuzileiros [MAR FZ]  e grumetes fuzileiros [ GRT FZ], que terão estado aqui entre 1972 e  1974 > (?) CAIO (?) 25-4-74 > 72 | GRÁFICO DA CIA 2  |.74 > 1º SARG LUÍS ... 


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta >  Aproximação ao ilhéu


Foto nº 5 Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ihéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha > Farol, construído em 1944


Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ihéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha > Farol  > Inscrição com o ano da construção (?)...Não descodificámos a sigla O. P. M  [Oficinas Provinciais da Marinha ?]

Fotos (e legenda): © Patrício Ribeiro (2016) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro, com data de ontem:

[Foto à direita: Patrício Ribeiro, de 68 anos de idade, português de Águeda, vivido, crescido, educado e casado em Angola, Nova Lisboa / Huambo, antigo fuzileiro naval, que retornou ao "Puto" depois da descolonização, fixando-se entretanto na Guiné-Bissau, há 3 décadas, país onde fundou a empresa Impar Lda, líder na área das energias alternativas; é um daqueles portugueses da diáspora que nos enchem de orgulho e nos ajudam a reconciliarmo-nos com nós mesmos e afugentar o mau agoiro dos velhos do Restelo, dos descrentes, dos pessimistas; é de há muito tratado carinhosamemte como o ´pai dos tugas´, pelo apoio que dá aos mais jovens que chegam à Guiné-Bissau, em visita ou em missões de cooperação; de vez em quando lembra de nós e mando-nos fotos com vestígios arqueológicos da nossa passagem por estas bandas da África Ocidental]


Muitos aqui passam, poucos aqui moraram.

Junto mais umas fotos dos meus passeios pelo interior da Guiné, em dezembro de 2016.

Um farol em 1944.

Umas inscrições de alguns “filhos da escola FZ” mais novos, que aqui viveram.

Uma casa da capitania, com boa vista para o mar.

Um local muito lindo, onde muitos milhares passaram perto e para eles foi a 1ª visão da Guiné.

Para outros, era a visão de quem ia subir o Rio Cacheu, onde começavam a vida dura ...

Vai ser um dos lugares onde vou passar umas férias, no próximo ano.

Abraço
Patrício Ribeiro

IMPAR Lda  Energia | Bissau
impar_bissau@hotmail.com


PS - 10/12/2016, 13h10 -

O Pontão, como é chamado em Bissau a este local, na gíria da marinha e de pessoas ligadas ao mar.

Tem uma praia,  a nascente, bonita, com areia onde foi construído um pontão em pedra e pouco cimento, está muito degradado, já não dá para acostar qualquer embarcação.

O canhão com rodas de borracha é de fabrico Russo, as rodas estão com os pneus em baixo. O Comandante Alpoím Calvão, não o encontrou, caso contrário tinha o cortado aos bocados, como fez a muitos outros, para o mandar para a sucata, numa das ultimas missões que fez recentemente na Guiné.

Na Guiné, houve depois da Independência oficial, algumas guerras declaradas e outras não, com vizinhos. O local é estratégico. Neste momento a guerra é com a frota e barcos de pesca Chineses... que levam todos os peixes e camarões. Vai ser o meu trabalho lá, para os controlar com electrónica.




Guiné > Mapa geral da província > 1961 > Escala 1/500 mil >  Pormenor: Posição relativa do Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta e a oeste da Ilha de Pecixe.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné (2016)

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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16666: Memória dos lugares (351): Canquelifá, a minha primeira estadia no mato. Permaneci lá durante o terceiro trimestre de 1966. Muitas coisas boas e más aconteceram durante esse tempo (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547)