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quarta-feira, 19 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24234: Armamento do PAIGC (3): peça de artilharia 130 mm M-46, cedida pelo Sekou Turé para os ataques, a partir do território da Guiné-Conacri, contra Guileje e Gadamael, em maio/junho de 1973


Peça de artilharia 130 mm M-46, de fabrico soviético (ano de introdução: 1954). Este tipo de armamento foi usado pelo PAIGC contra Guileje em maio de 1973, a partir do território da Guiné-Conacri. O seu alcance (máximo) é de 22,5 km.

Fonte: Wikipedia (em finlandês) (2007) (com a devida vénia...)



 Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > A peça do lado direito não pode ser  o famigerado "canhão de 130 mm", de origem russa, fornecido pela Guiné-Conacri ao PAIGC nos ataques a Guileje e a Gadamael, em maio e junho de 1973... A peça de artilharia 130 mm, M-46, tinha/ tem  um cano ou tubo de mais de 7 metros de comprimento...  O da foto é muito mais curto... 

Não era armamento do PAIGC,  deve ter sido cedida pelo Sekou Touré, exigia uma equipagem de 8 elementos, além de viatura para a rebocar,   e disparava do outro lado da fronteira... Pesava 7,7 toneladas,,,  Nunca deve ter entrado sequer em território da antiga Guiné portuguesa (*).... 

Por outro lado, também deveria ser difícil distinguir, no final da guerra,  depois da morte de Amílcar Cabral,  e com o crescente ascendente de Sékou Touré (e dos soviéticos) sobre o aparelho político-militar do PAIGC, o que era do PAIGG e o que era dos seus anfitriões ou "patrões"...

Angola foi um dos países lusófonos que dispunha desta temível arma, durante a chamada guerra da segunda independência.

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Nuno Rubim, coronel de artilharia na reforma, e especialista de renome. nacional e internacional, em história da artilharia, que colavora  com a ONG AD-Acção para o Desenvolvimento no Projecto Guiledje, no tempo do nosso saudoso Pepito (Bissau, 1949-Lisboa, 2014), confirmou-nos o emprego desta arma em 1973:

 

Excerto de mensagem do Nuno Rubim, membro da nossa Tabanca Grande, poste P1434 (*):

 (...) O Pepito foi a Cabo Verde e falou com os Cmdts Julinho de Carvalho e Osvaldo Lopes da Silva, os responsáveis operacionais no ataque a Guildeje, em Maio 1973. Colocou-lhes várias perguntas que eu sugeri, além daquelas que ele entendeu por bem e as respostas são muito satisfatórias, pese embora o tempo decorrido.

Agora vou estudar em detalhe essas informações e o ciclo continuará ...

Realmente a peça utilizada pelo PAIGC era o 130 mm M-46. O reconhecimento dos objectivos foi executado visualmente! (...)

2. Recorde-se o que já aqui escrevemos sobre o assunto (**):

(...) A artilharia 130 mm foi usada pela primeira vez contra Guileje em maio de 1973. E com crescente precisão. De origem soviética, com quase todo o armamento do PAIGC, operava a partir do território da Guiné-Conacri e tinha sido cedida pelo regime de Sékou Touré.

Entre 18 e 21 de maio de 1973 por exemplo, foram lançadas sobre Guileje cerca de sete centenas de granadas, de vários tipos (incluindo RPG 7). Média diária (4 dias): 171,25 granadas.
Entre 31 de maio e 11 de junho, Gadamael Porto foi flagelada com 1468 granadas: média diária (em 12 dias), 122,3 granadas; máximo 620 granadas (em 1 de junho), mínimo 4 granadas (em 10 de junho) (...)

3. Informação recolhida na Web > abcdef.wiki

Canhão de campo rebocado de 130 mm M1954 (M-46) - 130 mm towed field gun M1954 (M-46) - abcdef.wiki

(...) O canhão de campanha  rebocado ("towed field gun", em inglês),   de 130 mm M-46 (russo : 130-мм пушка M-46 ) é uma peça de artilharia rebocada de 130 mm, de carga manual , fabricada na União Soviética na década de 1950. 

Foi observado pela primeira vez pelo Oeste em 1954. Por muitos anos, o M-46 foi um dos sistemas de artilharia de maior alcance ao redor, com um alcance de mais de 27 km (...)


Especificações técnicas::

Massa:  7,7 t 
Comprimento; 11,73 m
Comprimento do cano: Furo: 7,15 m

Para saber mais: Canhão de campo rebocado de 130 mm M1954 (M-46)


(***) Último poste da série > 13 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24220: Armamento do PAIGC (2): Ainda as viaturas blindadas BRDM-2: em finais de 1973/princípios de 1974, o PAIGC teria apenas 2 viaturas blindadas...

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24200: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (34): Visita ao "Museu Militar da Luta de Libertação Nacional", na fortaleza da Amura

Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > "Viatura blindada de fabrico russo que terá sido usado pelo PAIGC em 1974 contra Bedanda e Copá"... o que etsá por confirmar, de fonte independente.


Foto nº 1A > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > Viatura blindada (pormenor). Parece-nos ser a uma BRDM-2 (informção sujeita a confirmação).


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > Artilharia portuguesa: se não erramos, uma peça 11.4 e um obus 14.


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional >  Posto emissor que foi usado em Conacri, nas emissões da "Rádio Libertação"


Foto nº 3A > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional >  Estação emissora >Em 16 de julho de 1967, tiveram início as emissões da "Rádio Libertação", a partir de Conacri... Os nossos soldados chamavam "Maria Turra" à locutora de serviço,  a Amélia Araújo, natural de Angola, casada com o cabo-verdiano José Araújo. (Parece que ainda está viva, a viver em Cabo Verde.)


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > O setor das armas pesadas


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > A peça do lado direito não pode ser  o famigerado "canhão de 130 mm", de origem russa, fornecido pela Guiné-Conacri ao PAIGC nos ataques a Guileje e a Gadamael... A peça de artilhar 130 mm, M-46, tinha/ tem  um cano ou tubo de mais de 7 metros de comprimento...  Não era armamento do PAIGC,  deve ter sido cedida pelo Sekou Touré, exigia uma equipagem de 8 elementos e disparava do outro lado da fronteira... Angola foi um dos países lusófonos que dispunna desta temível arma, durante a chamada guerra da segunda independência.

Também não vemos aqui o "Grad", o lança-foguete 122 mm, o "jacto do povo", na gíria do PAIGC... Nem o Strela, o míssil terra-ar SA-7, a coqueluche do Manecas dos Santos...


Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > Uma antiaérea ZPU -1Havia as quádruplas, ZPU-4...


Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > Uma metralhadora pesada, um canhão sem recuo e um morteiro 82 (de que só se vê o prato)... A metralhadora será umantiaérea Degtyarev de 12.7 mm?


Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > Canhão s/r (B2 B-10?)


Foto nº 9 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional >  O célebre "carocha" do Amílcar Cabral (que esteve muitos anos abandonado na casa de Bafatá, onde o líder histórico do PAIGCnasceu em 1924)


Foto nº 9A > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional >  O célebre "carocha" do Amílcar Cabral (pormenor)


Foto nº 10 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > Vista exterior da Amura... Ao fundo, o estuário do rio Geba e a ilha de Rei e, à esquerda, o antigo edifício da Alfândega, do tempo colonial.

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Mensagem do Patrício Ribeiro (nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário, fundador e diretor técnico da Impar Lda; tem mais de 130 referências no blogue: autor da série, entre outras, "Bom dia desde Bssau" (*):

Data(s) - 1/04/2023, 11:21 e 2/04/2023, 12:39

Assunto - Bom dia desde Bissau: visita ao museu da Amura,

Vou enviar diversas fotos.

Luis, para vosso conhecimento

1ª Parte

Em visita ao Museu da Amura, a convite da Cooperação Portuguesa para assistir a uma peça de teatro sobre a vida do Amílcar Cabral.

Tivemos a possibilidade de ver o Museu Militar, construído dentro da fortaleza da Amura.

Envio algumas fotos, das armas pesadas, que podemos encontrar no exterior. Para os comentários dos nossos especialistas do Blog.

Na 2ª parte, as tiradas no interior do museu. Existem algumas salas novas, onde nas paredes podemos observar dentro de expositores as armas ligeiras.

O Museu Militar da Luta de Libertação Nacional, inaugurado em 2017, pode ser visitado todos os dias, das 8 até 16 horas, sem marcação.

Diretor do museu, Tenente-coronel Quintino Napoleão dos Reis | WTS 00245 95 63556340 | tel. 95 595 90554 – 96663 2756.

Abraço. 
Patrício Ribeiro

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23924: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (33): Fotos de Bissau Velho e Amura, na véspera de Natal

Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Bissau Velho > 22/12/2022, 17:45

Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Bissau Velho > 22/12/2022, 17:45

Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Bissau Velho >  22/12/2022, 17:44

Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Bissau Velho > 22/12/2022, 17:45


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Bissau Velho > 22/12/2022, 17:51

Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Bissau Velho >  Amura > 22/12/2022, 17:50


Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Bissau Velho >  Amura > 22/12/2022, 17:49


Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Bissau Velho >  Amura > 22/12/2022, 17:48


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Bissau Velho >  Amura > 22/12/2022, 17:47

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Patrício Ribeiro (nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário, fundador e diretor técnico da Impar Lda; tem 130 referências no blogue: autor da série, entre outras, "Bom dia desde Bssau" (*):

Data - 27 dez 2022, 12h45

Assunto - Bom dia, desde Bissau | Natal 2022, em Bissau

Luís,

Envio umas fotos da véspera de Natal, de Bissau velho.

Poderão reconhecer os mesmos estabelecimentos e casas, de há meio século.

Neste momento, estão a decorrer as obras de reparação das calçadas e asfalto das ruas, nesta parte histórica da Cidade Velha.

As ruas desta parte da cidade estão todas a ser reparadas, era bom que pudesse acontecer por toda a cidade…

Envio também fotos dos muros da Fortaleza da Amura, onde alguns antigos combatentes os vigiavam há 50 anos, nesta quadra do Natal e Ano Novo. (**)

Abraço

Patricio Ribeiro
impar_bissau@hotmail.co
____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 15 de dezembro de  2022 > Guiné 61/74 - P23883: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (32): Viagem a Bolama, 25-27 de novembro de 2022

(**) Roteiro de Bissau Velho, vd. postes de: 

13 de novembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20340: Memória dos lugares (400): Roteiro de Bissau, antes e depois de 1975: principais artérias e pontos de referência

30 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20608: Roteiro de Bissau: fotos de c. 2010, de um amigo do Virgílio Teixeira, empresário do ramo da hotelaria - Parte III

17 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20356: Roteiro de Bissau: fotos de c.2010, de um amigo do Virgílio Teixeira, empresário do ramo da hotelaria - Parte II

14 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20344: Roteiro de Bissau: fotos de c. 2010, de um amigo do Virgílio Teixeira, empresário do ramo da hotelaria - Parte I

6 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20319: Memória dos lugares (398): Roteiro de Bissau, que outrora foi um cidadezinha colonial, com as suas belas casas de sobrado...Mas umas achegas para a se compreender o "tsunami" toponímica que aconteceu em 20/1/1975, ao tempo do Luís Cabral...

5 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20315: Memória dos lugares (396): Roteiro de Bissau: velhas e novas toponímias, velhas e novas geografias emocionais... (David Guimarães / Humberto Reis / A. Marques Lopes / Agostinho Gaspar)

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23723: Casos: a verdade sobre... (30): Pansau Na Isna, o "herói do Como" (1938 - 1970), entre o mito e a realidade - Parte I: Visto do lado de cá


Efígie de Pansau Na Ina (1938-1970), na nota de 50 pessos emitida em 1990 pelo Banco Central da Guiné-Bissau. Já agora, chamamos a atenção para o valor de cada nota, com a efigie dos heróis da Guiné-Bissau, a seguir à independência: o Domingos Ramos aparece na nota de 100 pesos, o Francisco Mendes (o Chico Tê) na de 500 pesos... O Amícar Cabaral deu a cara nas notas de 1000 pesos (1990), 5000 pesos (1993) e 10 mil pesos (1990)... O peso foi a moeda da Guiné-Bissau de 1975 até 1997, sendo então subtituido pelo franco CFA.


Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura (ou de São José da Amura> Talhões dos Heróis da Pátria, ao lado do Mausoléu de Amílcar Cabral > Túmulo do Pansau Na Isna  (1938-1970), o "herói do Como".

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


A Av Pansau Na Isna é uma das principais artérias da parte histórica, colonial, da cidade de Bissau. Em 20 de janeiro de 1975, a antiga Av Almirante Américo Tomás foi "rebatizada" pelo novas autoridades do país, passando a chamar-se Av Pansa Na Isna: é lá que se situa o hospital nacional Simão Mendes. 

O mesmo aconteceu com outros topónimos: (i) a Av República passou a designar-se por Av Amílcar Cabral); (ii)   a Av Governador Carvalho Viegas  é hoje a Av Domingos Ramos, e (iii) a Praça do Império, obviamente, teria que ser a Praça dos Heróis Nacionais.

Fonte: Adapt de António Estácio - "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il,). Com a devida vénia..


Guiné > Bissau > c. 1960/70 > Vista aérea de Bissau. Ao centro, o Palácio do Governo e a Praça do Império. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 118". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL). Coleção do nosso camarada Agostinho Gaspar.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019).

Legenda:  1=Av República (depois de 1975, Av Amílcar Cabral); 2=Av Alm Américo Tomás (hoje, Av Pansau Na Isna); 3= Av Governador Carvalho Viegas (hoje, Av Domingos Ramos); 4=Praça do Império (hoje. Praça dos Heróis Nacionais)


1. Quem foi Pansau Na Isna (1938-1970) (*) 

Recordo-me de ter perguntado, nos primeiros anos do 3.º milénio, a um médico, guineense, meu aluno, filho de um antigo comandante da guerrilha, que actuou no Morés, entre 1963 e 1974, quem era o Pansau Na Isna, ou se sabia, mais exatamente, quem tinha sido.

  Sim, sei que é um dos nossos heróis nacionalistas, um dos nossos grandes combatentes da liberdade da Pátria. Era balanta.

– Sabe quando e onde morreu? E em que circunstâncias?

– Infelizmente, não sei…

O meu aluno estava a frequentar o curso de saúde pública, e não era seguramente balanta. Para a população, então ainda fracamente escolarizada,  da Guiné-Bissau , e sobretudo para os mais jovens, já sem  quaisquer memórias da luta pela independêbcia, o Pansau Na Isna seria apenas o nome de uma das principais avenidas da capital, Bissau (onde, por exemplo, a OMS tem a sua representação e onde fica o Hospital Nacional Simão Mendes, e a sede de diversas outras  organizações nacionais e estrangeiras).

Eu também não sabia na altura responder à pergunta, para vergonha minha… De facto, nunca tinha ouvido o nome dele, no meu tempo de Guiné, 1969/71; e a batalha do Como, onde se terá notabilizado, já havia ocorrido há meia dúzia de anos, em 1964, e ninguém sabia localizar, com precisão, no mapa, onde ficava essa ilha... Minto: tinha ouvido umas vagas "estórias" deste homem, que seria uma figura bizarra, vestindo-se à cobói e alvejando, com a sua Kalash, os helis dos tugas... Numa destas bravatas terá encontrado a morte... Claro, nunca consegui confirmar a "estória".

Foi através do episódio da série "A Guerra", que passou na RTP 1, no dia 18 de dezembro de 2007, que eu soube que o Pansau Na Isna era um dos três comandantes do PAIGG que combateram os portugueses, na Ilha do Como, durante a Op Tridente. Mas esta era outra versão, nova, para mim. Nunca voltei a ver este episódio, desde então.

De origem camponesa e de etnia balanta, lá teria  encontrado a morte, na ilha do Como. Ele e outro comandante. Percebi isso do depoimento do único sobrevivente dos três, cujo nome não retive.

Fiquei com a ideia de que o Pansau Na Isna terá sido morto pelos fuzileiros navais. Os seus restos mortais (?) repousam hoje, no Forte da Amura, ao lado  do mausoléu de Amílcar Cabral, e dos túmulos de outros míticos guerrilheiros Domingos Ramos e Titinha Silá. Esse mausoléu pelo menos eu vi-o com os meus próprios olhos, em Bissau, na Amura, em 7 de março de 2008, na primeira (e única vez) que voltei à Guiné.

Rapidamente este  guerrilheiro balanta tornou-se uma lenda. Foi, por exemplo,  tema (e título) de canção, criada e interpretada pelo popular conjunto musical, dos anos 70/80, Super Mama Djombo, no seu álbum Super Mama Djombo (2003, etiqueta: Cobiana). Muito acarinhado pelo regime de Luís Cabral (mas não pelo do seu sucessor), manteve-se vivo até hoje, apesar das muitas mudanças por que passou o país e a própria banda (Vd. aqui a sua página no Facebook).

Este grupo musical, sob a liderança inicial de Adriano Atchutchi, estilizou a música tradicional guineense e deu ao conhecer ao mundo (e às gerações mais novas da população da Guiné-Bissau), ao ritmo do estilo Gumbé, o que foi o sonho de Amílcar Cabral, a luta de libertação e a esperança dos guineenses no futuro... A origem do grupo remonta ao início dos anos 70...

 
Retomando o 9.º e último episódio da 1.ª Série do programa A Guerra (1):


Do lado português, bem gostaria de ter ouvido o testemunho do meu querido amigo e nosso camarada Mário Dias, que tem, no nosso blogue,  três notáveis textos sobre a Op Tridente. 

Joaquim Furtado e a sua equipa privilegiaram  os depoimentos dos militares portugueses de alta patente, a começar pelo homem, que comandou as nossas forças terrestres, o tenente-coronel Fernando Cavaleiro (1917-2012), coronel de cavalaria na reforma, entretanto já falecido. Na altura da Op Tridente era também o comandante do BCAÇ 490.

A justificação para a mobilização de vastos meios terrestres, aéreos e marítimos, numa operação de dois meses e tal (14 de Janeiro de 1964 a 24 de Março de 1964) teria a ver com a necessidade de impedir, ao PAIGC, a autoproclamação da República Independente do Como…

A ilha, o melhor, o conjunto de ilhas (Caiar, Como, Cantungo), era um intrincado puzzle de rias, braços de mar, bolanhas, lalas, ilhotas, floresta-galeria, tarrafo, de cerca de 200 Km, onde o PAIGC não teria mais do que 400 homens armados (300, segundo o Mário Dias), controlando no entanto uma vasta população e os seus recursos.

A ilha do Como era farta em gado e arroz, como muito bem frisou o almirante Ribeiro Pacheco. Talvez ainda mais importante, o Como era um ponto vital para as linhas de reabastecimento do PAIGC, dada a sua proximidade com a Guiné-Conacri. E o seu controlo afectava seriamente o reabastecimento das posições portuguesas na região de Tombali.

Outro oficial da Marinha entrevistado foi o comandante  José Luís Gouveia, dos Fuzileiros, que também participou na batalha do Como. Um dos mitos que caiu por terra era existência de bunkers, de cimento armado, onde os guerrilheiros do PAIGC se entrincheiravam e resistiam aos bombardeamentos da aviação e da marinha portuguesea. Não havia bunkers nenhuns… Dos meios navais, retive que eram compostos por uma Fragata (Nuno Tristão), 4 Lancha de Fiscalização, 4 LDP e 2 LDM.

'Nino' Vieira, que também foi entrevistado, era o comandante militar da Região da Sul, mas não participou directamente na batalha do Como, por se encontrar hospitalizado, na Guiné-Conacri, segundo percebi. Ora, ele é muitas vezes apresentado, indevidamente,  como o herói do Como: isso não corresponde à verdade histórica... 

A haver um herói - e os movimentos nacionalistas e os povos que lutam pela sua identidade, emancipação e liberdade precisam, historicamente, de heróis e de mitos - foi o Pansau Na Isna e os seus guerrilheiros-camponeses... 

'Nino' Vieira, de qualquer modo, terá sido, à distância, o principal responsável pela estratégia de defesa da Ilha do Como. Enfim, os louros da vitória (a havê-la, para um lado ou para o outro) terão que ser analisados e discutidos, com objectividade e rigor, pelos historiadores.

Ao que parece, em balanta, Pansau Na Isna (ou N'Isna) quererá dizer a tabanca que está a morrer. Pansau era muito próximo de Amílcar Cabral, mas analfabeto (isto é, sem qualquer grau de escolaridade formal). Também li algures que ele não morreu no Como, mas mais tarde, em Nhacra, em 1970, num bombardeamento da aviação portuguesa. 

A ter morrido em Nhacra, morreu como ele teria gostado de morrer: vestido de maneira excêntrica, cheio de roncos, de cores garridas, muito ao gosto dos balantas, segundo as versões mais ou menos fantasistas que há anos memorizei... Enfim, provavelmente é mais um lenda, tal como aconteceu com outros combatentes de um lado ou do outro ('Nino' Vieira, Marcelino da Mata, etc.).

De qualquer modo, a versão da morte do Pansau Na Isna em Nhacra, posteriormente à batalha do Como, não bate certo com o depoimento que ouvi no 9.º episódio do programa da RTP...

Na batalha do Como, o grande inimigo dos portugueses terá sido  a falta de água potável, as dificuldades de reabastecimento, as rações de combate, os mosquitos, o terreno… Muitos militares portugueses já não podiam com a intragável carne de vaca à jardineira, que faziam parte da invariável ementa das NT... Valeu-lhes, de alguma maneira, o suplemento de carne de vaca, porco e cabrito que abundava pela ilha, deixada para trás pelas populações em fuga,  estratégica ou não...

A G3, que fez a sua estreia em combate, também não se portou muito bem: era muito sensível, às poeira, à areia, etc... A densa floresta-galeria com árvores de grande porte, seculares, frondosas, tornou praticamente inofensivos os bombardeamentos da aviação portuguesa, à parte o terror que as nossas bombas inspiravam, sobretudo nas mulheres, crianças e velhos…

Por outro lado, os guerrilheiros cedo aprenderam a defender-se dos bombardementos, escondendo-se atrás de bagas-bagas. Alguém confirmou que foram utilizados aviões da NATO (F86 e PV2 e 2-5), operando a partir de Cabo Verde. Não ficou claro o uso de napalm. A FAP fez cerca de 850 missões, largou mais de mil bombas.

O PAIGC terá perdido 150 homens e 6 armas. O Mário Dias fala apenas em 7 dezenas de mortos confirmados. Os mais de 1200 militares regressaram a Bissau, depois da mais cara e mais longa operação, levada a cabo na Guiné-Bissau. Os oficiais portugueses entrevistadaos consideram-na como uma operação que teve um sucesso absoluto.

O PAIGC, por sua vez, transformou em mito a batalha do Como. Para Luís Cabral,  a Ilha do Como foi a primeira região libertada. Usando as clássicas tácticas da guerrilha, o PAIGC evitou afinal o confronto directo com as NT, pondo a sua população a recato.

Pelo lado do PAIGC também foi entrevistado o comandante Gazela, entretanto falecido, em Portugal. Também foi dado o testemunho do médico da CCAÇ 557, entretanto falecido, o Rogério Leitão (1935-2010), membro da nossa Tabanca Grande a título póstumo.

Segundo a Comissão para o Estudo das Campanhas de África (2014), o Pan Sau (sic) não seria mais do que um 2.º chefe ou adjunto:

(...) Situção > Forças inimigas (...)

Há notícias que referem:

- Ilha do Como - Chefe Saja e 2.° Chefe Pan Sau.

- Ilha de Catunco - Chefe Sumba Na Quedum, tendo como subchefe Imbali Na Noi e Sia Na Ba.

- Ilha de Caiar - Chefe Bacar Sambu (beafada), Abdu Sandem (beafada) e Ansumane Indjai (nalú). (...)

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II: Guiné: Livro 1. 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014, pp. 199/200.

Na segunda parte, veremos o ponto de vista de um "intelectual balanta" sobre esta figura lendária (para os balantas e para o PAIGC), prematuramente desaparecida, o Pansau Na Isna. (**)


2. Comentário de Pezarat Correia a este último episódio, o nono, da 1.ª série do programa RTP sobre a guerra colonial:

(...) Creio que chegou ao fim a 1.ª série do programa “A Guerra”, de Joaquim Furtado, na RTP 1. Estamos já em condições de fazer um primeiro balanço e penso que a “expectativa positiva” que registei no meu “Giro do Horizonte 6” de 17 Out, se justificou. O programa, no conjunto dos 9 episódios, merece-me um julgamento favorável.

Encerrou bem com a “Operação Tridente” na ilha do Como, T.O. da Guiné, em que o confronto entre opiniões dos responsáveis portugueses e do PAIGC puseram em destaque um paradigma da guerra colonial. Tinham razão os primeiros quando, na sua perspectiva, diziam que a operação tinha sido um sucesso, pois cumpriram as missões atribuídas, apesar dos insignificantes resultados em baixas ao IN e material capturado. Mas foram ao objectivo e, naquelas operações, os objectivos não eram para se conquistarem, eram para se ir lá. Tinham também razão os segundos quando se congratulavam por, afinal, depois da operação as tropas portuguesas terem retirado e os guerrilheiros reinstalado no terreno, tornando insustentável a vida da reduzida guarnição portuguesa que lá ficou num extremo da ilha, sem poder sair do seu buraco.

Esta controversa foi paradigmática da guerra, disse eu, porque, de facto, esta foi, para nós, militares portugueses, um somatório de sucessos de operação em operação, até ao inevitável insucesso final.

Os sucessos que os responsáveis pelas três maiores operações nos três TO  reclamaram, “Tridente” na Guiné, “Quissonde” em Angola e “Nó Górdio” em Moçambique, às quais poderemos acrescentar a “Mar Verde” na Guiné com a particularidade de esta ter ocorrido em território da Guiné-Conakri, foram, afinal, rotundos fracassos estratégicos.

Aqui reside o fulcro da questão guerra ganha/guerra perdida, que me parece que este programa ajuda a esclarecer. Este será um dos seus méritos. (...)


Extractos de: Blog A25A > Pezarat Correia > 19 de dezembro de 2007 > Giro do Horizonte 17 - Guerra Colonial 2 (conteúdo já não disponível "on line", nem no Arquivo.pt)


3. Comentário de Virgínio Briote:

(...) Não se pode falar da Guerra na Guiné sem evocar Pansau Na Isna. Tal como muitos homens da guerrilha, de Pansau Na Isna sabe-se muito pouco e do que se sabe, muito é lenda.

Os tempos difíceis, como são sempre os inícios, tornam-se propícios a figuras que, de uma ou outra forma, deem nas vistas. De tal forma a sua figura é lendária que, até na morte pairou muito tempo a dúvida, de quando e onde ocorreu. 

Enquanto alguns ainda insistem ter sido um dos mártires da guerra do Como, outros juram que o fim de Pansau ocorreu muito tempo depois e bem longe dali. Pansau Na Isna (ou N’Isna), nome que em Balanta significa “morrer na aldeia”, foi, apesar de analfabeto (aprendeu a ler no decorrer da luta, em acampamentos da guerrilha), um valioso combatente e um dos braços direitos de Amílcar Cabral nos primeiros anos de luta.

O nome de Pansau ficou para a história por ter sido um dos comandantes da resistência na batalha de Como, que se travou nos primeiros meses de 1964. Apesar de, ao fim de cerca de 72 dias de combate, as tropas portuguesas já não encontrarem resistência significativa, a batalha do Como foi considerada pelo PAIGC como uma grande vitória. Porque conseguiram sobreviver ao constante bombardeamento a que estiveram sujeitos e porque, com a saída das tropas portuguesas (ficou apenas uma unidade no Cachil) foram retomando o controle do arquipélago.

O combate do Como foi de enorme importância para o PAIGC, especialmente no capítulo da propaganda interna e externa e Pansau Na Isna foi um dos heróis mais visíveis, ganhando com essa batalha enorme respeito e prestígio entre os camaradas da luta. Não poucos, dos que com ele lutaram, partilham a ideia de Aristides Pereira (que foi secretário-geral do PAIGC), que o descreveu como um lutador excepcional.

Diz-se que Pansau era algo excêntrico, devido às roupas brilhantes e à fita rosa que amarrava à cabeça. E a história mistura-se com a lenda, aceitando como realidade (os que afirmam não ter ele morrido no Como) que foi pelo brilho e cor da roupa que viu os seus dias acabarem no terreno enlameado de Nhacra (entre Bissau e Mansoa).

Fonte: Nota do editor ("copydesk") originalmete elaborada para o livro de Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa Associação de Comandos, 2010, 229 pp.), Consta do "manuscrito" a que tivemos acesso, por cortesia sua, mas não do livro impresso.

(Continua)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 12 de janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2435: PAIGC - Quem foi quem (6): Pansau Na Isna, herói do Como (Luís Graça)

(**) Último poste da série > 5 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23664: Casos: a verdade sobre... (29): os fotogramas do vídeo com a visita da delegação do Movimento Nacional Feminino a Cufar, no início de fevereiro de 1966 (Mário Fitas / Sílvia Espírito-Santo / António Murta / João Crisóstomo / Joaquim Mexia Alves / Miguel Rocha)

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23486: Historiografia da presença portuguesa em África (328): Bissau, 1753: Escaramuças na construção da Fortaleza de S. José (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Outubro de 2021:

Queridos amigos,
A reconstrução da fortaleza de Bissau (não sei se não seria mais correto dizer a construção, já que a primeira fortaleza estava praticamente derruída quando se encetaram os profundos trabalhos desta construção, vieram barcos carregados de pedra para a erguer, tal como hoje a conhecemos) foi trabalhosa e trazemos à consideração do leitor este episódio que nos parece eloquente para se poder apreciar a permanente hostilidade da população da ilha de Bissau tanto com a presença da autoridade portuguesa como até dos mercadores estrangeiros. Deu muito trabalho fazer aceitar por parte das autoridades autóctones de Bissau a construção da fortaleza, este episódio de 1753 irá repetir-se inúmeras vezes, para além da fortaleza Bissau estará sempre cercada de muralhas que só desaparecerão no início da I República, era governador da Guiné Carlos Pereira.

Um abraço do
Mário



Bissau, 1753: Escaramuças na construção da Fortaleza de S. José

Mário Beja Santos

A Relação da viagem da fragata “Nossa Senhora da Estrela” a Bissau em 1753 conheceu duas edições, uma em 1952 e outra em 1995, ambas da Academia Portuguesa de História e com as anotações do professor Damião Peres. O interesse da obra é grande. O barco era um corsário de guerra, ao contrário do que pode parecer desta designação era um navio apetrechado para combater corsários, o seu destino era Cacheu e seguir até ao porto de Bissau, estava em curso a construção da Fortaleza de S. José de Bissau, como ia acontecendo ao longo destes tempos, começava-se por fazer capitulações de paz, seguia-se a sublevação dos autóctones, depois de combates sangrentos onde muitas vezes culminavam novas capitulações de paz. Esta relação que Damião Peres atribui a um autor que se oculta nas iniciais A. J. C. A. era provavelmente António José da Costa Araújo. Temos uma primeira parte a fazer referência às vicissitudes da viagem e a segunda parte é uma verdadeira relação de combate que levou os autóctones da ilha de Bissau a capitular. Os sucessos havidos em Bissau têm a ver com a tarefa da reconstrução das fortificações de Bissau empreendidas pelo capitão-mor de Cacheu Francisco Roque Sotto Mayor desde os começos de 1752. A primeira parte da relação descreve a partida a 7 de janeiro de 1753, o destino inicial era Cacheu, cinco dias depois avistaram Porto Santo e a ilha da Madeira, a viagem prosseguiu pelas Canárias e mais adiante Cabo Verde.

É de facto a segunda parte que a relação ganha imensa vivacidade com a descrição dos combates havidos, as gentes de Bissau disparavam o seu fogo atrás de uns respaldos de areia, da embarcação deu-se resposta com fogo contínuo, morreu um lugar-tenente do régulo Palanca, a gestão do fogo a partir do navio tinha que ser bem administrada para não afetar as obras da fortaleza nem as moranças vizinhas. As gentes de Bissau praticaram crueldades, como se escreve na relação de que mataram um rapaz moço do corsário e um homem: “ao rapaz cortaram a cabeça, e espicharam em um pau, e arvorando-o um gentio ao ar, iam outros muito atrás fazendo grande alarido, ou entre eles bambaré (grande vozearia), solenizando esta grande presa, e o largaram ao pé de um hospício que há naquela ilha já desemparado dos padres dele”. Tratava-se de missionários que tiveram que se refugiar a bordo. O homem que também foi morto era um serralheiro, o comandante mandou dar sepultura quer ao homem quer ao rapaz perto da fortaleza.

No dia seguinte, de novo começou a gritaria dos autóctones, ripostou-se com fogo de artilharia, morreu muita gente, os sublevados começaram a lançar fogo às moranças junto da fortaleza, nova resposta de artilharia e no dia seguinte o régulo Palanca mandou uma embaixada a pedir a paz, a oferecer escravos. Pelo relato se percebe que foi uma viagem acidentada e não se pôde ir diretamente a Cacheu, só depois dos acontecimentos de Bissau é que o corsário de guerra levou mantimentos a Cacheu, de novo se voltou a Bissau e se ajuramentou com o régulo Palanca a paz, e a relação termina dizendo que no dia 23 de março o comandante de Nossa Senhora da Estrela mandou celebrar missa a bordo, em Ação de Graças pela vitória, tinham morrido nove pessoas do lado dos navios mercantes e da fragata. E regressou-se a Portugal.

Nas notas, Damião Peres refere que a fragata Nossa Senhora da Estrela fez naquele ano duas viagens a Bissau, também tinha sido empregue a combater as surtidas dos corsários na costa portuguesa. Em ambas as viagens à Guiné comboiavam navios. Por exemplo, na primeira viagem comboiava um patacho (navio de dois mastros, variante do tipo brigue) que depois seguiu para Cabo Verde. Damião Peres chama também a atenção para as vicissitudes da chegada à Guiné, o comandante da fragata não cumpriu exatamente a ordem de marcha que lhe prescrevia dirigir-se diretamente a Bissau, houve que mandar aviso ao capitão-mor de Cacheu pois na aproximação a Bissau entrou na região de baixios, houve necessidade de que viesse de Cacheu um prático para orientar a navegação até Bissau.

Lê-se em vários relatos que a fortaleza de S. José da Amura está adubada de muito sangue, houve muitas vidas sacrificadas para a sua construção.

Juntam-se elementos extraídos do texto “COLONIZAÇÃO DA GUINÉ 1740-1759”, um site que provavelmente merecerá muita atenção por parte do leitor, se interessado em querer conhecer os principais episódios da nossa presença naquele ponto da Senegâmbia no fim do século XVIII e princípio do século XIX.
Navio português do século XVIII
Interior da Fortaleza de S. José da Amura, bilhete-postal, cerca de 1925
Uma rua de Bissau, bilhete-postal de Philippe Garès, Paris, cerca de 1912

Elementos extraídos do texto “COLONIZAÇÃO DA GUINÉ 1740-1759”:

Em 1752, FRANCISCO ROQUE DE SOTTO MAYOR é capitão-mor de Cacheu. Em 1752 Francisco de Sotto Maior instalou uma guarnição portuguesa em Bissau. Sotto Mayor também hasteou a bandeira portuguesa em Bolama, mas não criou uma feitoria. A guarnição portuguesa de Bissau recebia poucos mantimentos e pessoal, e a colónia definhou até 1765, data em que a Companhia do Grão-Pará e Maranhão expediu reforços substanciais.

1752/03/12
CARTA do capitão-mor da praça de Cacheu, FRANCISCO ROQUE SOUTO MAIOR, ao rei D. José I informando em disposição a um artigo do seu regimento ser ou não conveniente a proposta feita por JOSÉ GOMES DA SILVA para a instituição de uma nova Companhia de comércio para Cacheu, expondo que Gomes da Silva e Companhia deveriam depositar um milhão e meio de cruzados para a fortificação de toda a costa da Guiné, sendo necessário duas naus de guerra para guardar aquela costa, salvaguardando o domínio do rei de Portugal naqueles territórios; e advertindo que se o monarca ordenasse a fortificação de Bissau e da Serra Leoa seria necessário a arrematação dos contratos relativos à Guiné.
Anexo: carta.
AHU-Guiné, cx. 8, doc. 18 e 21.
AHU_CU_049, Cx. 7, D. 666.

CARTA do capitão-mor da praça de Cacheu, FRANCISCO ROQUE SOUTO MAIOR, ao rei D. José I dando conta em resposta à ordem contida no 10º artigo do seu regimento acerca da antiga fortaleza de Bissau, a causa da sua demolição, e do que restava das ruínas, se conservava alguma ruína ou memória de como era a dita fortaleza; informando o seu parecer acerca da conveniência de se reedificar a fortaleza, e se teriam alguma oposição do gentio da ilha de Bissau, e se a edificação da fortaleza renderia direitos à Fazenda Real, e se os rendimentos seriam suficientes para a guarnição da fortaleza, e pagamento do capitão-mor e oficiais da fazenda; remetendo carta do rei de Bissau.
Anexo: cartas, instrumento em pública forma, certidão, sobrescrito e lembrete.
AHU-Guiné, cx. 8, doc. 19 e 15.
AHU_CU_049, Cx. 7, D. 667.

CARTA do capitão-mor da praça de Cacheu, FRANCISCO ROQUE SOUTO MAIOR, ao rei D. José I acerca dos artigos do seu regimento respetivamente à conservação da ilha de Bissau e à reedificação da fortaleza; e averiguar se o seu antecessor teve resposta da carta que escreveu ao rei de Bissau acerca da sua conversão; dando conta que teve notícia de que o rei de Bissau recebeu o batismo poucas horas antes de falecer, tendo-lhe sucedido outro rei, que faleceu seis meses depois; informando que escreveu ao atual rei de Bissau, ainda da ilha de Santiago, por intermédio do padre definidor frei MANUEL DE PAÇOS.
Anexo: carta.
AHU-Guiné, cx. 8, doc. 22.
AHU_CU_049, Cx. 7, D. 669.

CARTA do capitão-mor da praça de Cacheu, FRANCISCO ROQUE SOUTO MAIOR, ao rei D. José I dando conta em disposição aos artigos 8º e 9º do seu regimento sobre os franceses terem estabelecido uma Feitoria na ilha de Bissau, e acerca do projeto de ali construírem uma fortaleza; e da necessidade de averiguar quais os povos europeus tinham alianças com os gentios de Bissau, para além dos portugueses.
Anexo: carta.
AHU-Guiné, cx. 8, doc. 23.
AHU_CU_049, Cx. 7, D. 670.


1752/06/24
LUÍS ANTÓNIO DA CUNHA D’EÇA é governador até 3 de abril de 1757. Foi no seu governo que, em maio de 1754, Maranhão expediu reforços por ocasião de fazer na cidade de Ribeira Grande a sua entrada solene o bispo D. Fr. Pedro Jacinto Valente, quando se deu a salva da bateria do presídio, caiu uma bucha na cesta da gávea da galera em que tinha vindo o bispo. Começando a arder foi ateando o fogo, de modo que, para salvar a cidade do iminente perigo que lhe havia de causar a quantidade de pólvora que havia a bordo, picaram as amarras ao navio e assim como era dia de tempestade, o vento conduziu-o ao mar, aonde se deu a explosão, porém sem perigo para a cidade.
Pretendeu este governo JOÃO PEREIRA DE CARVALHO, que tinha servido em Cabo Verde dos postos de alferes, capitão de infantaria, sargento-mor, coronel e capitão-mor da vila da Praia e de Cacheu, provando o seu direito com a seguinte nota de bons serviços. Em 1719, fundeando na Praia uma galera e uma balandra de piratas, lançaram em terra, pela meia noite, 446 homens, tomando o presidio; senhores da praça, cercaram a casa do capitão-mor, onde se achava o pretendente, que foi defendê-la à porta do quintal e ali pelejou com tanto denodo que os obrigou a retirar ao cabo de três horas de rijo combate, no qual morreu muita gente. O novo governador tomou posse a 24 de junho de 1752; ainda em Lisboa recebeu do ministro uma representação escrita pelo capitão-mor da vila da Praia, FRANCISCO ALVARES DE ALMADA, protestando contra o estado ruinoso das fortificações, câmara e cadeia da vila da Praia, para se providenciar a tempo.
O governador entregou essa representação nas mãos do sindicante CUSTODIO CORREIA DE MATOS para seu conhecimento. Este, em 20 de maio de 1753, achando culpado o ouvidor XAVIER DE ARAÚJO, dirigiu a este uma carta ordenando-lhe a entrega imediata do dinheiro que havia recebido e que deixara de entregar ao almoxarife, e de repor tudo que tivesse despendido por sua ordem contra as provisões régias. Em 9 de março de 1754 respondeu o sindicante ao governador, dizendo-lhe que tinha conhecimento da Praia por lá ter ido em visita, e que procurando saber do dinheiro destinado àquelas obras soubera que o ouvidor geral se apossara dele, que bem podia suprir os gastos até que se vencesse o pagamento de 4:000 cruzados e dez tostões, preço porque fez arrematar as vacas, que se vendiam como refrescos na vila aos estrangeiros. Entre o ouvidor e o sindicante reinou sempre a maior desarmonia por causa da representação referida.


1752/07/02
CARTA do capitão-mor da praça de Cacheu, FRANCISCO ROQUE SOUTO MAIOR, ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, Diogo de Mendonça Corte Real], informado do estado das praças da Guiné, referindo que a Feitoria de Cacheu estava sem dinheiro para pagar os filhos da folha, os soldados, e fazer face às demais despesas; dando conta da construção de um novo hospício para os missionários [franciscanos], em virtude do antigo ter sido destruído num incêndio; enfatizando que ordenou aos habitantes que recolhessem toda a pólvora para evitar incêndios; sobre a pouca extração de cera na praça de Ziguinchor, referindo que o comércio das terras do rei Jame, frequentada pelo povo da praça, encontrava-se fechado; acerca da falta de soldados; expondo o que vinha fazendo em relação a Bissau, nomeadamente acerca da carta e embaixada enviadas pelo rei de Bissau, ressalvando que mandou padre MANUEL DE PASSAS a Bissau com o intuito de não deixar o rei local consentir nenhuma operação dos franceses, tendo os gauleses ido à ilha Bolama, vizinha de Bissau; pedindo socorro de carpinteiros, pedreiros e ferreiros todos com as suas ferramentas para auxiliar o engenheiro na obra da fortaleza de Bissau e para fazer reparos na igreja; pedindo que a embarcação que fosse à Guiné levasse um piloto prático; solicitando ordens para passar à ilha de Bissau salientando que esta deveria ser elevada a cabeça político-administrativa da Guiné, em detrimento de Cacheu; remetendo certidões atestando as suas afirmações; acerca da relação dos presentes enviados para o rei de Bissau.
Anexo: relação, certidões, carta e carta (cópia).
AHU-Guiné, cx. 8, doc. 27.
AHU_CU_049, Cx. 7, D. 673.


1752/07/26
OFÍCIO do capitão-mor da praça de Cacheu, FRANCISCO ROQUE SOUTO MAIOR, ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, Diogo de Mendonça Corte Real informando que prestou socorro a um navio francês que encalhou naquelas partes, e que naquela embarcação estava um oficial que tinha estado em Bissau dois anos antes no navio de “monsieur du Roché”; acerca das quantias relativas à cobrança dos direitos reais dos navios que o cabo capitão da ilha de Bissau remeteu para Cacheu, advertindo que o dito cabo vinha roubando à Fazenda Real; dando conta que detetou uma grande irregularidade nos livros da Fazenda Real e comunicando que aguardava a chegada do missionário frei Manuel de Paços vindo da Serra Leoa com notícias daquelas partes; e expondo que usou as verbas da alfândega para satisfazer as suas dívidas; e acusando a receção de uma carta do negro JOSÉ LOPES [MOURA; dando conta que recebeu o seu recado pelo padre missionário frei MANUEL DE PAÇOS e acusando a receção de tabaco, açúcar, chocolate e chá; afirmando que a Serra Leoa era do rei de Portugal e que estava desejoso que lá construísse uma fortaleza; informando que deu ordens aos reis locais para que os navios portugueses não pagassem taxas, exemplificando que o navio de João Alves não tinha pago nenhuma taxa; dando conta que era católica tal como os seus pais].
Anexo: carta.
AHU-Guiné, cx. 8, doc. 27-A e 26-A.
AHU_CU_049, Cx. 7, D. 674.


1752/11/22
CARTA (minuta) ao capitão-mor da praça de Cacheu, FRANCISCO ROQUE SOUTO MAIOR, do [secretário de estado da Marinha e Ultramar, Diogo de Mendonça Corte Real], acusando a receção das cartas enviadas de 12 de Março a 18 de Agosto, expondo a grande ruína em que se achavam as fortificações, guarnições e ambição das nações estrangeiras em concorrem para o comércio daquelas partes; informando que iriam 50 homens fardados e armados à Guiné, entre os quais iam oficiais pedreiros, carpinteiros, serralheiros e ferreiros como ferramentas pertencentes aos seus ofícios, bem como materiais e munições, ressalvando que as portas e portais para a igreja matriz de Cacheu não foram enviadas; elogiando o seu desempenho como capitão-mor de Cacheu, principalmente por ter enviado emissários ao rei de Bissau e ao negro JOSÉ LOPES MOURA, senhor da Serra Leoa; acerca do atraso das negociações em Bissau, em virtude da morte e sucessão do rei, referindo que o novo rei se iria converter ao catolicismo; sobre os esforços para estabelecer a presença portuguesa em Bissau e na Serra Leoa.
AHU-Guiné, cx. 8, doc. 33.
AHU_CU_049, Cx. 7, D. 683.


1752/11/30
RELAÇÃO dos materiais, ferramentas, armas e munições remetidas para Bissau no iate São Joaquim, na balandra Príncipe e na galera Nossa Senhora da Soledade, Santa Ana e Almas no ano de 1752. AHU-Guiné, cx. 8, doc. 36.
AHU_CU_049, Cx. 7, D. 686.


1753
OFÍCIO [do capitão-mor da praça de Cacheu, FRANCISCO ROQUE SOUTO MAIOR ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, Diogo de Mendonça Corte Real], acerca da situação vivida em Bissau e dos motivos para iniciar as obras da fortaleza, mencionando que montaram quatro peças [de artilharia] com os seus reparos; sobre uma carta chegada de França dirigido ao capitão Joaquim Labarre informando que uma fragata de guerra sairia de Nantes com destino a Bissau; informando que o gentio de Bissau necessitava de ser castigado, mas primeiramente preferiu dar início a construção daquela fortaleza, em vez de castiga-los com armas, referindo que recebeu uma visita do rei de Bissau, tendo aproveitado a ocasião para oferecer ao régulo uma frasqueira de aguardente, uma camisa e um vestido que seria usado pelo seu antecessor, já falecido, no dia do seu o batismo; dando conta que construiu uma casa para recolher as peças [de artilharia] montada, e que a bandeira portuguesa estava levantada na ilha de Bolama; referindo a grande mortalidade que ocorreu entre os homens que trabalhavam na fortificação de Bissau, e expondo os entraves que os gentios colocavam à execução daquela obra; solicitando que se constituíssem em Cabo Verde três Companhias de soldados para assistir nas obras de Bissau, bem como que se enviassem xerém, cuscuz, feijão e carne daquelas ilhas; pedindo uma fragata para assistir no porto de Bissau enquanto a plataforma e casas do governo ficavam prontas, e que fossem enviadas pessoas capazes para servir nos ofícios de escrivão, feitor e ajudante de obras; informando que frei Manuel de Paços era confidente do rei da Rocha, primo do falecido José Lopes [Moura], e respeitado pelos gentios, e desta forma regressaria à Serra Leoa para preparar terreno, com o pretexto de construir uma igreja.
AHU-Guiné, cx. 25, doc.79.
AHU_CU_049, Cx. 8, D. 722.
Ataque à nova fortaleza de Bissau, comandado pelo RÉGULO PALANKA.

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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23464: Historiografia da presença portuguesa em África (327): O arquiteto Luís Benavente e o restauro da Fortaleza da Amura no número que a revista Oceanos de outubro/dezembro de 1996 dedicou às Fortalezas da Expansão Portuguesa (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 27 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23464: Historiografia da presença portuguesa em África (327): O arquiteto Luís Benavente e o restauro da Fortaleza da Amura no número que a revista Oceanos de outubro/dezembro de 1996 dedicou às Fortalezas da Expansão Portuguesa (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Outubro de 2021:

Queridos amigos,
Aqui se regressa à história da Fortaleza de S. José da Amura a pretexto das intervenções propostas por um arquiteto de nomeada, Luís Benavente, alguém que deixou nome em importantíssimos trabalhos de reedificação e construção. Entendia que a Amura corria o risco de ter "coisas a mais", era entendimento, desde o início da guerra da independência, que a fortaleza devia ter um importante desempenho militar, ali se colocou o Comando-Chefe, ali tinham estado unidades militares, garantiu-se a solidez dos panos de muralha, mas Luís Benavente era contrário a uma excessiva ocupação daquele espaço, havia que respeitar a consagração do monumento nacional. Era no seu interior que o Governador e Comandante-Chefe António Spínola reunia diariamente com os seus Altos Comandos, a Amura viveu outro momento histórico em 26 de abril de 1974, as unidades militares em peso tinham aderido ao MFA, daqui partiram para depor, no Palácio do Governo, o General Bettencourt Rodrigues, que no dia seguinte seguiu para Lisboa.

Um abraço do
Mário



O arquiteto Luís Benavente e o restauro da fortaleza da Amura

Mário Beja Santos

Luís Benavente é um nome sonante da arquitetura portuguesa no século XX. No número que a revista Oceanos de outubro/dezembro de 1996 dedicou às Fortalezas da Expansão Portuguesa, o professor José Manuel Fernandes dedicou um artigo a este insigne arquiteto e ao seu trabalho nas fortalezas de África. E escreve: “Durante 17 anos – nas décadas de 1950, 60 e 70 – o arquiteto Luís Benavente esteve ligado às fortificações da costa africana, com especial relevo para os monumentos nas ilhas de S. Tomé e Príncipe e de Cabo Verde, mas também na Guiné-Bissau, em Angola, em Moçambique e até no Gana. Destacado do Ministério das Obras Públicas, onde era Diretor dos Monumentos Nacionais, Luís Benavente pôde dedicar-se com certa continuidade a visitar, estudar, fotografar e desenhar inúmeras fortalezas, executando propostas de restauro ou de reconstrução para vários desses vestígios militares da Expansão Portuguesa em África. O seu espólio profissional está depositado na Torre do Tombo”. A revista Oceanos mostra imagens do Forte de S. Sebastião em S. Tomé, a Fortaleza de S. José da Amura em Bissau, a Fortaleza Real de S. Filipe na Ilha de Santiago e o Forte de S. Pedro da Barra em Angola.

Luís Benavente visita a Guiné de 12 a 15 de julho de 1962, visita o Fortim de Cacheu, que entende como uma “reconstrução com possibilidades dentro do que de facto deveria ter sido” e visita uma pequena mas interessante igreja nas suas proximidades, “provavelmente do início do século XVII”. Segue para Bissau e visita S. José da Amura que considera “obra notável pelas suas proporções e dimensão”. Recomenda o levantamento destas duas obras militares com proteção urbanística da de S. José e com medidas para restauro e controlo da intervenção arquitetónica no seu interior. E é ao restauro de S. José que irá dedicar-se nos anos seguintes, conhecendo-se uma sua proposta desenvolvida com data de 25 de fevereiro de 1969 e despachada positivamente por Rui Patrício em 18 de março de 1969. Num ofício do Ministério do Ultramar, com data de 18 de junho de 1970, o arquiteto discorda da hipótese de “pôr coisas a mais” no interior da fortaleza, sugerindo que novas funções militares sejam resolvidas em outro edifício, alheio à fortaleza. Neste mesmo ofício refere o desejo, expresso em conversa com António de Spínola, de que “… à Fortaleza fosse dado através do seu restauro um aspeto de acordo com a sua importância e mérito”.

No relatório de 1962, Luís Benavente mencionava a construção inicial de S. José da Amura (em 1696, pelo Capitão-mor José Pinheiro) e a sua primeira construção (em 1753, segundo planos de Frei Manuel de Vinhais Sarmento, continuada em 1766 com traçado pelo Coronel Manuel Germano da Mata).

Não é a primeira vez que o nome Luís Benavente é invocado no blogue. Em 13 de janeiro de 2015, a então doutoranda Vera Mariz aludia à remodelação de 1968/69 da fortaleza da Amura para passar a receber o Comando-Chefe, a Companhia de Polícia Militar e o Comando-Chefe do Agrupamento de Bissau, de que o arquiteto notoriamente discordava, eram coisas a mais dentro de um monumento nacional, propunha que tais serviços militares fossem incorporados em edifício à parte. (Vd. postes P14145 e P14147)

Bem curiosa me parece a intervenção do arquiteto guineense Fernando J. P. Teixeira que no VII Encontro do Conselho Internacional dos Arquitetos de Língua Portuguesa se referiu à evolução histórica da fortaleza. Recorda que as datas da construção desta fortaleza não são coincidentes nas diversas fontes consultadas e não deixa de citar uma observação do Visconde Sá da Bandeira: “… e o cimento da cantaria bem podia ser amassado com sangue; porque mais de dois mil dos nossos que morreram nesta edificação, e não foi senão sob o fogo de canhões de uma esquadrilha que se conseguiu elevar a praça de guerra S. José de Bissau”. Criada a Companhia Geral de Comércio e Navegação do Grão-Pará e Maranhão, com estatutos em 1775, uma das deficiências notadas pela administração nos portos de Bissau e Cacheu era a fragilidade das suas fortalezas. As edificações anteriores tinham sido o Forte de Cacheu, construído em 1589 e os fortes de Guinala e Biguba, no Sul, tinham sido construídos de adobe e pouco duraram. A Companhia reclamava trabalhos de defesa em Bissau e Cacheu para se garantir o comércio. Esta mesma Companhia negociou com o régulo de Intim a compra de uma porção de terra para erguer a fortaleza. E assim se traçou um quadrado de pedra com mais de uma centena de metros por fachada, com doze metros de altura, flanqueado por quatro bastiões. O interior esteve permanentemente em reparação, estava destinado a residência do governador de Bissau, a ter casernas para 200-300 soldados, uma igreja e um poço. Os seus baluartes passaram a ser conhecidos por Bandeira, Balança, Onça e Puana.

Os Papéis hostilizavam a presença de quem vivia dentro dos muros de Bissau, eram muros de pedra e cal, com quatro metros de altura, fora achava-se a povoação com centenas de palhotas e meia dúzia de casas onde residiam negociantes e agentes de firmas francesas, de Gorée e inglesas, da Gâmbia, estavam sujeitos a todos os ultrajes, razão pela qual havia quem defendesse a ideia de transferir os armazéns e estabelecimentos para o Ilhéu do Rei.

É na visita de 1962 que Benavente aconselha o levantamento e a proteção urbanística do forte e medidas para o restauro e controlo de intervenção arquitetónica no seu interior. Já se sabe que em 1970 Benavente discordava de pôr coisas a mais dentro da Amura. Seguramente que se referia às instalações do Comando-Chefe, da Polícia e do Comando-Chefe do Agrupamento de Bissau.

A dinâmica de Bissau contribuiu para que S. José da Amura ganhasse respeitabilidade. Em 1914 Bissau foi elevada à categoria de cidade. O engenheiro Guedes Quinhones traçou-lhe o risco que de certo modo veio a conhecer execução. Apareceram as grandes casas comerciais, o Banco Nacional Ultramarino, surgiu a primeira fábrica de gelo acionada por um locomóvel. Em 1923 o governo concede foral ao município de Bissau, dois anos depois foi inaugurado o novo mercado e o cemitério municipal, em 1935 lançou-se a primeira pedra da futura Catedral de Bissau. No ano seguinte, o antigo bairro indígena passou para Santa Luzia e passou a fazer parte integrante da cidade. De 1936 a 1939 a cidade cresce e surge o bairro Portugal com casas destinadas a funcionários. Em 4 de dezembro de 1939 a Amura é considerado monumento nacional. E em 1941 é inaugurado o Monumento ao Esforço da Raça, que tinha sido começado a construir em 1934 (as pedras tinham vindo do Porto, onde fora feito o projeto da autoria do arquiteto Ponce de Castro).

A cidade transformara-se, a Avenida da República ganhou vida com a Catedral e o Palácio do Governo. E as muralhas do baluarte de Puana, em S. José da Amura, que haviam ruido, foram reerguidas em 1946. Dentro erigiu-se um Monumento aos Heróis da Ocupação.

É esta em síntese a história do principal monumento que a presença portuguesa legou à República da Guiné-Bissau.

Três imagens retiradas do trabalho do arquiteto Fernando J. P. Teixeira sobre a evolução histórica da Fortaleza de S. José da Amura publicado no site didinho.org
Entrada chamada do Pidjiquiti
Fortaleza da Amura, imagem de 1962, de Durval Faria, já publicada no blogue
Pormenor do Monumento ao Esforço da Raça, hoje na Praça dos Heróis Nacionais
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