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quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24817: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (16): O Barroso que não era(é) só a 'carne barrosã' DOP: o comunitarismo agropastoril, segundo o Padre Fontes (1977) - Parte I: do boi do povo à paulada nas chegas e nas feiras

 

Foto nº 1 > Barroso, Montalegre, Covelo do Gerès >  Carreto da lenha (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 32)

 
Foto nº 2 > Chaves, Soutelinho da Raia > Segada (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 24)


Foto nº 3 > Barroso, Montalegre, Paredes do Rio   Antiga esc0ola, com cobertura de colmo (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 4)

1. O Padre Fontes é uma figura popular na sua região (Barroso, Trás-Os-Montes, concelhos de Montalegre e Boticas). Tornou-se melhor conhecido, e desta vez a nível nacional, quando em 1983 organizou o primeiro Congresso de Medicina Popular para escândalo de alguns, a começar pelo seu bispo,  de Vila Real, que náo gostou da "heresia" de misturar o sagrado e o profano, Deus e o Diabo. 

É padre e etnógrafo. Conheci-o no verão de 1980, na sua casa em Vilar de Perdizes, Montalegre. Fui passar férias em família, mais um grupo de amigos, em Pitões das Júnias, Montalegre (a aldeia mais alta de Portugal, na serra do Gerês, a par da Gralheira, Cinfáes, na serra de Montemuro, ambas a cerca de 1110 metros acima do nível do mar), e onde a maior parte (ou boa parte)  das casas ainda eram de colmo; teria na altura c. de 238 habitantes, hoje menos de 151, contando na emigração, desde o Rio de Janeiro a Paris, pelo menos o triplo da população de 1980).  

E devorei dois dos seus livros, Etnografia transmonta, 1º volume: Crenças e tradições do Barroso, 1974; 2º volume: O comunitarismo de Barroso, 1977.(*).

Deste segundo volume  tomamos a liberdade de reproduzir alguns excertos onde se descreve, resumidamente,  traços do comunitarismo agropastoril de montanha (Rio de Onor e  Vilarinho das Furnas eram até aos anos 50 os exemplos mais típicos e estudados), traços esses que chegaram aos anos 70, no Barroso , e que hoje inevitavelmente desapareceram, ou tendem a desaparecer ou a transformar.se com as profundas mudanças económicas, sociais, demográficas, tecnológicas e culturais ocorridas desde então. 

O Lourenço Fontes, ele próprio um Barrosão de alma e coração,  começou a fazer recolhas etnográficas, desde os primeiros tempos de seminário, nos anos 50, sendo a sua própria mãe  uma primeira (e privilegiadfa) fonte de informação e conhecimento.

Barroso (ou Terras de Barroso) em sentido restrito é a região tradicionalmente formada pelos concelhos de Montalegre e Boticas.

Em homenagem a este homem, e naturalmente aos demais homens e mulheres do Barroso [ região de Trás-os-Montes que todos nós conhecemos mal, ficando pela "carne barrosá" DOP, o "vinho dos mortos" (Boticas) ou o "presunto de Chaves" e pouco mais... ] , damos a conhecer alguns dos seus  escritos, que também falam de "coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços" (*). 

Além disso enriquecem o nosso vocabulário, havendo aqui termos e expressóes que não são  familiares à maior parte dos nossos leitores, nomeadamente citadinos, e alguns dos quais nem sequer ainda vèm dicionarizados:

  • quentar o forno
  • ferrenhas
  • boi do povo
  • chegas
  • pastoria
  • limpaderia
  • tocar gado
  • manteça 
  • carreto da lenha
  • segar
  • mangação
  • colmar / colmador
  • soqueiro 
  • cabaneiro
  • boticairo
  • ceibe
  • pontilhão
  • merca
  • couto
  • ementes o vizinho vai botar um copo / ementes ninguém vem
  • à roda do povo
  • ó ano
  • banços do andor
  • pau de lodo
  • fojo do lobo
  • ardenhas
  • estadulhada, etc.

Excertos > Coletivismo agropastoril:  Manifestações atuais e antigas do omunitarismo em Barroso - Parte I (pp. 55-57)

Referência: FONTES, António Lourenço - Etnografia transmontana: II - O comunitarismo do Barroso. Montalegre, ed. do autor, 1977, il., 299 pp, + 48 inum,  (Tipografia Minerva Transmontana, Vila Real).

(..:) Toda a vida do barrosão está imbuída de sentido comunitário,  familiar.

Todos os trabalhos pesados ou leves são motivos de entreajuda e colaboração:

  • a segada do centeio, do feno, 
  • a recolha dos mesmos, 
  • o arranque ou plantação da batata, 
  • a malhada, 
  • a desfolhada do milho, onde ele predomina, 
  • o carreto da lenha, 
  • a cavada do centeio, 
  • o arranjo dos caminhos, 
  • a abertura dos regos ou presas de rega,
  • os próprios moinhos comunitários, 
  • o forno e a sua obrigatoriedade de quentar
  • a  utilização dos baldios, seja para pasto, carvão, lenha,  roçar mato ou fazer a cavada

são manifestações evidentes e  r
eminisiscências de uma unidade familiar de cada aldeamento.

O boi do povo, um dos maiores  proprietários da aldeia, é  de todos os que têm vacas. Todos colaboram na sua manutenção e pastoria. Todos têm de lhe ir:

  • segar e recolher o feno, 
  • semear as batatas do boi, 
  • recolhê-las, 
  • pedir pão ou milho ou mesmo roubá-lo, quando os mais velhos os não querem dar às boas. 


Em Cambezes, quando é o tempo das ferrenhas tenras,  o boi anda à roda pelos vizinhos, cada um tem de dar ferrenha ao boi ou bois,  tantos dias como de vacas têm para cobrir. Todos pagam ao pastor do boi, conforme o número de vacas.  

Em Pitões pagam em alqueires de centeio  ao que guarda o rego da rega, no tempo da respetiva. O tratador é gratuito, trata do  boi para vender ou chegar com outro.

Nas chegas,  o desporto usual das aldeias do Barroso, todos vão acompanhar o seu boi, de pau na mão,  e rogar aos santos da igreja que ele seja campeão.

Se não for campeão,  ou o vendem,  ou o tratam para vir a sê-lo. Por isso, nem sempre o ser bom reprodutor é o motivo de conservar um boi, mas o ser o melhor lutador. Está aqui uma das razões da degenerescência da raça Barrosã, além de outras.

Nas festas religiosas, mistas de superstição e de cristianismo,  também o sentido de responsabilidade se reparte por todos à roda. Cada comissão nomeia, para o ano seguinte, a comissão respetiva. Um juiz e os mordomos necessários para angariar fundos pedindo pelas aldeias, de saco e alforge, esmola para o santinho. Há devotos que fazem, então promessa de ir pelas aldeias, fazer uma penitência. 

No dia da festa, todos têm de colaborar na manteça dos músicos,  do armador, do fogueteiro, dos padres,  gratuitamente e as horas que fizerem falta.

Nas procissões, os rapazes novos têm até brio de serem eles a pagar, para pegarem nos banços dos andores. Arrematam o banço do andor e todo o percurso, arrotam com o peso de enormes andaimes, em que vai o santo ou santos enfeitados com sedas, balões, fitas, luzideiras estrelas, anjos de papel, dinheiro, etc.

Nas feiras e festas a rapaziada junta-se em determinado local, mais ou menos central, ou a saída do povo, cada qual com o seu pau de lodo, antes, hoje com a sua pistola no bolso. [ A GNR acabou com os paus, diz o autor em nota de rodapé, pág. 56] 

Se tocam gado para a feira, cria, vaca, porco ou burro, esperam uns pelos outros, ou tocam uns o gado dos familiares e vizinhos. Para as crias irem melhor, há um que toca as vacas,  para apoio das crias ou  vitelos de todos. 

Na feira, guardam o gado, ementes o  vizinho vai botar um copo,  à tenda e,  se calhar, até lha vende, pois já sabe quanto vale e quanto tem de pedir aos mercadores,  que passam, fazendo mangação dos possíveis exorbitâncias do lavrador acanhado,  envergonhado no pedir.

Nos barulhos ou contendas,  entre  pessoas da aldeia diferentes,  também a coesão e unidade se manifesta. Um por todos e todos por um,  gritam logo. E toca de desgalhar paulada ou estadulhada nos inimigos do nosso vizinho. 

Há aldeias que não se ligam bem, apesar de serem da mesma freguesia ou muito próximas, que não se gramam por uma pequena questão particular. O Jogo do Pau era espectáculos nestas marés. (Salto).

Até no estrangeiro, o emigrante barrosão  vive e pratica o mesmo modo de vida comunitária. Mal tem trabalho, logo chamam a família e amigos que podem para ali fazer uma segunda aldeia familiar comunal. 

Que o digam todos as comunidades de  Barrosões em várias cidades do mundo. Ludlow, Milford, New Bedford, Mass e  Bridgeport Conn, New Jersey, N.W, nos Estados Unidos da América do Norte. Em Montreal, Ontário,  no Canadá. Em São Paulo, Rio,  no Brasil. Em Paris, Londres, S. Sebastião, Orense, África, Angola ou Moçambique, eram notadas as comunidades de Transmontanos, especialmente os Barrosões, pelo seu sentido de união e colaboração como sendo de uma família só. 

Na manutenção do padre e da conservação de monumentos de interesse público, todos contribuem, por derrama com a sua quota parte,  ou com dias de trabalho. ao padre Todos pagam em alqueires de pão ou milho, vinho, segundo tabela antiga,  e segunda as posses das famílias. 

Ao padre dão além disso,  a lenha para todo o ano, na matança, dão-lhe o melhor do porco, a assadura,  a rodela do pescoço e a língua,  para que fale bem na igreja; vão.lhe fazer os trabalhos agrícolas,  dão-lhe feno para o cavalo etc. 

Os altares das capelas têm zeladoras,  à roda do povo ou por promessa. As capelas são conservadas por comissões,  nomeadas autonomamente,  pelos vizinhos.

In: Etnografia transmontana: II - O comunitarismo do Barroso. Montalegre(pp. 55/57)


© António Lourenço Fontes (1977).


(Continua)


[ Seleção / fixação e revisão de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste; LG. (Com a devida vénia ao autor... ]

______________

Notas doo editor;

(*) Ver aqui um resumo biobliográfico;:

António Lourenço Fontes, mais conhecido por Padre Fontes, nasceu em Cambezes do Rio, Montalegre, Barroso, em 1940. É um padre católico português "com ampla ação cívica, social, cultural e literária", diz a Wipédia.

É o principal impulsionador do Congresso de Medicina Popular, em Vilar de Perdizes, Montalegre, e das "Sextas-Feiras 13", em Montalegre.  O Congresso de Medicina Popular realiza-se desde 1983 atrai curandeiros, bruxos, videntes,  cartomantes, etc,. além de psiquiatras, antropólogos e... turistas de todo o lado (Em 2023, foi a 37ª edição). Outro evento, que se realiza desde 2002, sob a organizaçáo da Câmara de Montalegre,  é a "Noites das Bruxas"  que decorrem em todas as "Sextas-feiras 13").
 
 Oriundo de um família pobre, de 12 irmãos (o pai esteve emigrado na Américva, em 1927), Lourenço Fontes fomou-se no seminário em Vila Real (1950-1962). Em 1980, concluiu a licenciatura em História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Já desde o seminário era uma figura rebelde e contestatária ("com um terço na mão e o diabo no coração", escreveu ele no seu diário secreto da adolescència). Como jpvem padre, desterrado em Tourém e depois colocado em Vilar de Perdizes, lutou contra a situação política em vigor até ao 25 de Abril de 1974 bem como contra a guerra colonial. No Barroso morreram 41 jovens na guerra de ÁfriCA: 12 em Boticas 12 ( sendo 3 no TO da Guiné); e 29 em Montalegre (9 no TO da TO da Guiné).

Um dos mortos foi o Manuel Lourenço Fontes, que pode ser irmão ou parente do Padre Fontes: tem o mesmo apelido, é natural da mesma terra, Cambezes do Rio, Montalegre, era sold at inf, CCAÇ 2321 / BCAÇ 2837, morreu em combate em 5 de janeiro de 1969, na serra do Mapé, no TO de Moçambique, juntamente com mais 6 camaradas.

 O António Lourenço Fontes editou e colaborou em várias obras: Etnografia Transmontana (2 volumes), Usos e Costumes de Barroso, Milenário de S. Rosendo, Antropologia da Medicina Popular Barrosã, Chegas de bois, Raça Barrosã, Las fronteiras invisibles, Contos da raia, Crenzas e mitos da raia seca ourensana, Ponte da Mizarela, ponte do diabo, Roteiro dos castros de Montalegre, Roteiro dolménico de Montalegre.

Tem ampla colaboração em vários jornais e revistas regionais. Colaborador permanente da RTP, TVE, TVG. Participou em filmes da região: Terra de Abril, Terra Fria, 5 dias e 5 noites, Não cortes o cabelo que meu pai me penteou, Os demónios, documentários para a BBC, TV da Holanda e França, UNESCO, Odisseia...

Fez centenas de conferências por todo o país e no estrangeiro, em universidades, grupos culturais, escolas, autarquias, etc. Organizou diversos congressos, nacionais e internacionais. 

Fundou e dirigiu o mensário Notícias de Barroso (d1971 a 2006). Exerceu as funções de empregado, chefe de pessoal nos Serviços Médico Sociais de Vila Real (Montalegre), de 1973 até 1990. Exerceu as funções de secretário do gabinete da Presidência na Câmara Municipal de Montalegre desde 1990 a 2000 e reformou-se.

É considerado o maior etnógrafo de Trás-os-Montes depois do Abade de Baçal. O Ecomuseu de Barroso tem o seu nome. Em 2012, por iniciativa dos deputados eleitos pelo distrito de Vila Real foi solicitado ao Presidente da República Portuguesa que o Padre Fontes fosse distinguido com a Ordem do Mérito.

Apesar dos seus 83 anos e da doença de Parkinsom, ele continua a ser um trabalhador incansável e um Barrosáo apaixonado pela sua terra.

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24603: Em bom português nos entendemos (26): Poste, post, postagem, mensagem ou publicação? Qual a maneira mais correcta para designarmos as nossas publicações diárias? (Abílio Magro / Luís Graça / Carlos Vinhal)

1. Mensagem do nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), com data de hoje, 31 de Agosto de 2023, levantando a dúvida quanto à utilização da palavra "poste" para designar as publicações diárias no nosso Blogue:

Bom dia camarada do capim!
Kumu bai corpo di bó?
Manga de ronco?

Estou a escrever-te por causa de um assunto que me causa alguma urticária e tem a ver com o uso do termo “poste” em lugar do termo inglês post (leia-se pouste).

Embora também me irrite o uso constante de termos ingleses, entendo que usar, em sua substituição, termos inexistentes em português é “pior a emenda que o soneto”.

Com efeito, o advento da internet (não escrevam internete p.f.) veio trazer novos termos ingleses que depressa se enraizaram no léxico português, um dos quais é o post que deu origem ao verbo português POSTAR que no seu presente do conjuntivo apresenta: que eu poste, que tu postes, que ele poste, etc. Contudo, consultando alguns dos dicionários mais conceituados como: Infopédia, Houaiss, etc., verifica-se que o termo “poste” como substantivo nada tem a ver com “postagens internáuticas”.

Haverá com toda a certeza razões plausíveis para que os editores do blogue dos camaradas da Guiné utilizem o termo “poste” como substantivo em substituição do inglês post, o que me leva solicitar que este texto seja entendido, não como um reparo, mas talvez como uma camuflada assunção de alguma ignorância.

Grande abraço
Abílio Magro


********************

2. Caro Abílio

Já te respondi por mensagem privada que estou bem, só não referi algumas dificuldades ao nível das suspensões, mas sem grandes cuidados, afinal já não vou (vamos?) para muito longe.

Quanto à tua dúvida, com também te disse, é também minha.

Consultando o nosso Editor Luís Graça, ele mandou-me este link (será sítio?) do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa:

acompanhado do seguinte texto:

Quanto à dúvida do Abílio Magro, faz um "poste", a responder-lhe, citando também o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa... Foi uma opção discutível que tomámos (eu, pelo menos), há uns largos anos...
Ab, Luís


Abílio, vê aqui o essencial do que podes ler no Ciberdúvidas:

'A melhor tradução de post'

'Na resposta em causa, segue-se um critério desejável: perante um estrangeirismo, deve procurar-se um termo equivalente ou criar uma palavra que se enquadre nas formas vocabulares típicas portuguesas, isto é, com características fónicas e morfológicas características do português. Não é que o aportuguesamento de post, poste, esteja totalmente incorrecto, visto a sua configuração ser possível em português, pelo menos do ponto de vista fonético. Acontece, porém, que se confunde com poste, «coluna, pilar», engrossando o conjunto das palavras homónimas do português. Não sendo isto em si um mal, porque os falantes sabem distingui-las pelo contexto, as palavras homónimas são, mesmo assim, susceptíveis de diminuir a clareza na comunicação.

Quanto ao verbo postar e ao seu particípio postado, o mesmo se verifica: já existem dois verbos homónimos, postar, «colocar» e «estar de pé», e postar, regionalismo brasileiro que significa «pôr no correio». A introdução de postar, «publicar no blogue», vem certamente aumentar a ambiguidade do vocabulário português.

Enfim, não posso dizer que poste e postar sejam aportuguesamentos ilegítimos. Devo, no entanto, advertir que, neste momento, poste e postar são ainda opções discutíveis no que se refere à criação de termos relacionados com a actividade dos blogues. Seja como for, a própria consulente diz, com pertinência, que blog já foi adaptado como blogue ao português. Sendo assim, dada a especificidade deste tipo de escrita, porque não aceitar também outros aportuguesamentos fónicos como poste, que parecem mais capazes de dar conta dessa realidade?

N.E. – (20/02/2015) Postar, no sentido de «colocar (mensagem) num grupo de discussão  ou num bloge», já tem abonação no Grande Dicionário da Lingua Portuguesa, da Porto Editora (2010) e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras.

Carlos Rocha 25 de novembro de 2009'

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Já agora, fica aberta a discussão, pois gostaríamos de conhecer a opinião dos nossos leitores quanto à possível utilização de outra palavra começada por P, já que a numeração das nossas publicações diárias começam por esta letra.

CV

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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE SETEMBRO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21352: Em bom português nos entendemos (25): Quínara, Quinara ou Quinará?... Uma 'ciberdúvida'... (Luís Graça / Cherno Baldé)

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23039: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (12): Murcus (aquele que cortava o dedo polegar para se isentar do serviço militar) poderá estar na origem da palavra morcão


Capa do livro de Teófilo Braga (Ponta Delgada, 1843- Lisboa, 1924), "O Povo Português nos seus Costumes, Crença e Tradiçºoes", Vol I (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1994, Colecção "Portugal de Perto", 10) ( a edição original é de 1885) (Obra esgotada)


1. Já tínhamos (e ainda temos) a pandemia provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2. Vai fazer dois anos, no princípio de março, que apareceram os primeiros casos em Portugal... Provocou até há data 3,25 milhões de casos (infecções) e mais de 21 mil mortos, apesar de tudo dez vezes menos que a pandemia da "pneumónica" que matou 2% da população portuguesa em 1918/19. (Éramos então 6 milhões.)

Quase 8,9 milhões de portugueses receberam até agora a vacinção primária completa... No mundo morreram já cerca de 6 mlhões de pessoas e o número de casos aproxima-se dos 435 milhões... A Covid-19, doença respiratória cujos primeiros casos apareceram no final de 2019 na cidade chinesa de Wuhan, ainda estará longe de se tornar endémica (localizada)....

Já tínhamos a pandemia, faltava-nos agora a maldita guerra na velha Europa... e o pesadelo do terror nuclear. Portanto, o ano de 2022 vai continuar a ser um "annus horribilis"... E daí mantermos em aberto esta série dos "Usados & Achados" (*)...

2. Há dias, ao relermos o Teófilo Braga (Ponta Delgada, 1843-Lisboa, 1924), "O Povo Português nos seus Costumes, Crença e Tradições", Vol I (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1994, Colecção "Portugal de Perto", 10) (a edição original é de 1885), demos com um apontamento interessante sobre guerra e guerrilha, no capítulo II (Rudimentos da actividade espontânea), que inclui ainda temas como a caça, a pesca, bm como as hostiliades nacionais, locais e individuais...

Aqui vai, expurgada das referências bibliográficas, sempre pesadas, uma primeira parte do texto, sobre a "guerra defensiva" (pp. 84/85). Não fica mal em segunda feira de Carnaval, sempre de má memória para mim e os meus camaradas da CCAÇ  12.

(...) A guerra defensiva. – Um capitão do nosso exército, falando do recrutamento num jornal, confessou que a ninguém repugnava tanto o serviço militar como aos Portugueses. De facto, para não ser soldado o aldeão ainda corta os dedos da mão com o machado, para não poder puxar o gatilho da espingarda; este costume acha-se entre os Gauleses, que davam o nome de Murcus àquele que cortava o dedo polegar para se isentar do serviço militar. (...)

No Minho temos ouvido a palavra Murcão empregada como injúria à pessoa desajeitada; de facto, o murcus não podia sustentar a besta. 

Com este carácter os povos antigos da Lusitânia recorriam à guerra como defesa, dando-lhe a forma de emboscadas; a nacionalidade portuguesa, acabado o período das guerras defensivas da sua independência, acentuou-se na História pela actividade das grandes navegações.

Nenhum povo se soube defender com mais bravura do que o português, repelindo a ocupação espanhola e a invasão francesa. Diz Estrabão: «Os Lusitanos, segundo contam, são excelentes para armar emboscadas e descobrir pistas; são ágeis, rápidos, dextros. Armam-se de punhal ou grande faca; alguns servem-se de lanças com pontas de bronze ...» Eram assim os chuços na época da invasão francesa. A guerra defensiva apresenta uma forma peculiar.

A forma das batalhas por meio de guerrilhas, que tanto tem distinguido o povo espanhol e português nas lutas pela sua independência, é um costume das primitivas tribos germânicas. César nos seus Comentários diz destas escaramuças: «Género de combate no qual os Germanos alcançaram uma grande habilidade.» (...)

Por outro lado, o costume das almenaras, ou fogos de aviso, já se encontrava também nos costumes da milícia romana; diz César, nos seus Comentários: «Do nosso lado, tendo-se dado o alarme por grandes fogueiras, que era o sinal prescrito e acostumado". (...)

Por estes dois factos se conhecem os caracteres do romano-gótico nos costumes peninsulares. Mas nos usos consuetudinários, o fogo é sinal de paz, tal como se acha no provérbio jurídico Fogo e logo; também nos monumentos egípcios, nas esculturas das batalhas, o fogo é o sinal da fortaleza sitiada quando pede paz; é portanto o mais antigo, e de origem turaniana." (...) (Teófilo Braga, op cit., pp. 84/85).


3. Chamou-me a atenção a palavra Murcão. Que não vem grafada nos dicionários como tal, mas sim como Morcão, de resto muito utilizada no Norte (, a começar por Candoz...). Fomos ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, e encontrámos esta consulta, que reproduzimos para os nossos leitores, com a devida vénia:

Pergunta: 

Sei que a palavra ‘murcus’, em latim, significa «palerma» ou «estúpido» (Santo Agostinho usa o termo na Cidade de Deus, no quarto livro, capítulo 16). Já li aqui no Ciberdúvidas que a única etimologia registada do regionalismo morcão, com o significado de indivíduo estúpido ou mandrião, é "morcón", do castelhano, referente a «morcela». No entanto, parece-me uma coincidência demasiado grande para ser ignorada. Seria possível contactar algum etimologista que verificasse esta conjectura?

Manuel Anastácio  Professor do ensino básico  Guimarães, 

Resposta:

Morcão parece, de facto, assentar directamente no espanhol “morcón”, baseado num latim mǔrcōne. Isto não é impedido, na realidade, por existir em latim murcus, no sentido de «cobarde» e de «preguiçoso», cuja terminação em -cus ocorre em certos adjectivos que marcam defeitos físicos. Os dois vocábulos latinos parecem, sim, intimamente relacionados.

F. V. Peixoto da Fonseca  31 mar. 2006

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-origem-da-palavra-morcao/17410 [consultado em 27-02-2022]
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 14 de fevereiro de  2022 > Guiné 61/74 - P22999: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (11): em dia de namorados, relembrando uma peça do falar alentejano que é uma obra-prima de marotice e de saudável bom humor... (Manuel Gonçalves, ex-alf mil manut, CCS/ BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73)

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22648: Humor de caserna (42): "Então, Jau, o que é que aconteceu ao teu belo cabelo?" (pergunta a esposa do Capitão, na messe do Quartel de Baixo, Nova Lamego)..." Sinora, Jau cá sabe, mas agora tá manga de furido!" (respondeu o Arfan Jau, no seu melhor português tripeiro) (Valdemar Queiróz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, 1969/70)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > CIM de Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno Baldé , Sori (Jau ou Baldé) e Umaru Baldé (que, feita a recruta, irão depois para a CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12, a partir de 18 de junho de 1970). Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade (!). Eram do recrutamento local e, originalmente, não falavam português.-

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A (des)propósito de se levar as nossas senhoras (, quem era casado, de papel passado...) para o "mato" (e nem todos os "resorts turísticos" do CTIG aceitavam senhoras, casadas, e muito menos grávidas), o Valdemar Queirós conta-nos esta história simplesmente deliciosa (*):

Sobre o Capitão  Miliciano Analido Aniceto Pinto,  da nossa CART 2479/ CART 11 (1969/70) ter a sua esposa a viver com ele, em Contuboel,  não tenho dúvidas nenhumas, eles viveram juntos em Nova Lamego. 

Já quanto ao estar grávida em Contuboel,  não tenho a certeza absoluta, mas de facto o que se passou com o soldado básico, tinha a sua lógica, digamos básica: "Prá mulher do capitão que está prenha,  houve evacuação para a metrópole,  e pra mim não, já vamos ver..." - disse ele antes de dar um tiro no pé.

É uma pérola rara o diálogo entre a esposa do capitão e o Arfan Jau,  soldado fula da nossa CART 11.

O Arfan Jau, do meu Pelotão, um dos recrutados em Contubel, era um mancebo corpulento e bom lutador, levou uma carecada por ser refilão com o alf mil Pina Cabral que o deixou desprestigiado para lutar. 

O Arfan veio duma pequena tabanca e não falava português nem sequer crioulo, mas lá foi aprendendo com os soldados metropolitanos algumas elementares palavras de português, na maioria palavras do léxio do Norte do país.

Em Nova Lamego, oficiais, sargentos e a esposa do capitão almoçávamos todos juntos na messe, numa bela varanda do edifício do nosso Quartel de Baixo. Certo dia, durante o almoço, apareceu o Arfan Jau para falar com o fur mil  Macias e educadamente tirou o quico, ficando de careca à mostra.

− Então,  Jau, o que é que aconteceu ao teu belo cabelo ? . perguntou a esposa do Capitão.
Sinora,  cá sabe, mas agora tá manga de furido  respondeu humildemente o Arfan,  com as mãos agarrando o quico.

Foi um silêncio geral por uns segundos e, a seguir,  uma explosão de gargalhadas.

− Manga do furido!  repetiu  o Arfan Jau (, o que será feito dele ?) ...

De facto, ele ainda não tinha aprendido bem a falar à moda do Porto. (**)

A esposa do Capitão, com problemas nas pernas devido aos mosquitos, ainda por lá ficou uns tempos, mas com as nossas constantes saídas em intervenção,  ela já nem foi connosco para Paúnca,  regressando à metrópole. 

2. Comentário de LG (*)

A nossa memória é altamente seletiva (e, por isso, traiçoeira...), não é sinóptica, é sequencial mas errante... Estive em Contuboel, de 2 de junho a 18 de julho de 1969, na altura do Valdemar (que já lá estava há 3 ou 4 meses), mas não me lembro do capitão dele nem da esposa, grávida... Lembro-me, isso sim,  do rio Geba, da praia fluvial, da rua principal de Contuboel, das malditas tendas de campanha onde destilávamos litros e litros de suor... Lembro-me das "mais belas tabancas da Guiné", mandingas, cheias de poilões e de "gente feliz sem lágrimas"... Falei no meu diário do "oásis de paz de Contuboel"... E quando a deixei, escrevi: "Capri, cést fini", as "férias", a "dolce vita",  acabaram...

E lembro-me, bem, de ouvir um tiro à noite, quando um desgraçado (creio que um soldado básico) se automutilou, dando um tiro no pé, só para ser evacuado para a metrópole. O Valdemar faz referência a esta cena, que a mim me marcou, mas não outras... Porquê? (***)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste d e20 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22646: "Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar" (texto cedido pelo escritor ao José Martins para publicação no blogue) - Parte VIII: Contuboel , Fajonquito e Sonaco. Gravidez da Otília (Jan - ago 1966)

(**) Último poste da série > 14 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18318: Humor de caserna (41): Em dia de namorados: a história do Pequenitaites e outros camaradas avantajados... Ou quando os homens (e as mulheres...) não se medem aos palmos... (Virgílio Teixeira / Luis Graça)


(***) Vd. também poste de 24 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16633: (De)caras (49). O 'embarazo' das esposas... O campeão de luta fula, Arfan Jau, do 4º pelotão, respondendo à moda do Porto à senhora do capitão, intrigada com a carecada que ele havia apanhado: 'Senhora, Arfan Jau cá tem cabelo, manga de fodido'... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)


domingo, 13 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21352: Em bom português nos entendemos (25): Quínara, Quinara ou Quinará?... Uma 'ciberdúvida'... (Luís Graça / Cherno Baldé)



Mapa da Guiné-Bissau: destaque, a vermelho, para a região de Quínara (, adotamos a grafia que era usada pela cartografia militar portuguesa). Fonte: adapt de Wikipedia, com a devida vénia...


Guiné > Região de Quínara > Carta de São João (1955) > Escala 1/50 mil > O topónimo QUÍNARA (GUÍNALA), tal como foi grafado perlos Serviços Cartográficos do Exército

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


1. Comentário do editor Luís Graça (*)

Um "ciberdúvida" para o nosso especialista em questões etnolinguísticas, o nosso irmãozinho Cherno Baldé, que mora em Bissau:

A palavra "Quinara":

(i) é esdrúxula (QUÍ-NA-RA) ?

(ii) é grave (QUI-NA-RA) ?

(iii) ou é aguda (QUI-NA-RÁ) ? 

Eu pronuncio-a sempre como se tivesse o acento tónico na antepenúltima sílaba... QUÍ-NA-RA. (Se  for erro,  é um erro sistemático que tenho aqui cometido, no blogue.)

O Gonçalo Inocentes escreve QUI-NHA-RÁ que, suponho, não existe... Ele devia  querer dizer QUI-NA-RÁ... (*)

Na nossa cartografia militar, parece ter sido  grafado o vocábulo QUÍ-NA-RA (palavra esdrúxula, acento tónico na antepenúltima sílaba): vd. por exemplo mapa de São João, de que se publica um excerto).

Mantenhas. Luís Graça

PS - Na Wikipedia pode ler-se; (...) " Quinara (também Quinará) é uma região da Guiné-Bissau, cuja capital é a cidade de Buba. Possui 60.777 habitantes (2009), correspondente a 4,19% da população do país" (...). [Compreende quatro setores: Buba, Empada, Fulacunda, Tite.]

2. Resposta do Cherno Balde_

Data: quinta, 10/09, 13:40 (há 2 dias)


Caro amigo Luis,

Ao que tudo indica, e confirmando uma regra geral no caso dos topónimos guineenses, a palavra (e a grafia) "Quínara" é portuguesa e resultou da corruptela da palavra "Guínala" que designava uma parte dos três principais reinos biafadas do séc. XIX, criados em consequência do deslocamento destes que, empurrados pelas guerras de conquista dos fulas em revolta contra o jugo mandinga/soninqué na segunda metade do séc. XIX, depois de mais de 6 séculos de submissão e escravidão na região oeste africana da Senegâmbia.

Assim, Quínara em português seria uma palavra esdrúxula como referes e corresponde mais a pronúncia fula do que os outros grupos étnicos, mas para a maioria dos outros grupos do mosaico guineense, na sua forma verbal, as três formas são aplicáveis sem que subsistam quaisquer contradições ou mal entendidos.

Aliás, devo dizer que no meio biafada a forma mais corrente é a forma aguda com acento na última sílaba [Quinará], que combina com a pronúncia da palavra de origem "Guínala" que na historiografia portuguesa não tem acento, mas deve-se pronunciar daquela forma. [Mas tem na carta de São João.]

Juntamente envio um extracto de um interessante texto de uma dissertação de mestrado de um portugués apresentado no nosso instituto (ISCTE-IUL) em 1991, para dar um cheirinho pitoresco da epopeia biafada e fula no surgimento do chão que passou a ser conhecido por Quinara ou Quinara [. Esse excerto será publicado oportunamento: o autor,   Manuel Portugal Almeida de Bivar Abrantes,a grafia Quinara, palavra grave.] (**)

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

3. Resposta de LG, em 10 set 2020, 21h10:

Obrigado, Cherno, és uma referência inestimável e insubstituível. O teu saber sobre a tua terra é uma prova de amor pátrio. Fico sempre muito sensibilizado pelo teu carinho pelos teus e por nós. Fica bem, meu irmãozinho. Luís

4. Nova nensagem do Cherno Baldé:

Caro Luís: esqueci-me de te dizer que, também, no extracto do texto do jovem investigador português escrito a partir de uma narrativa oral dos biafadas, podes encontrar a origem do nome do rio Geba e do regulado de Badora, descrito nos seguintes termos:

"(...) Andando, andando, andando, e a sede a apertar, os meninos e as mulheres a chorar. Mas lá em baixo, um rio. Levaram a água à boca - – “esta é doce! Bádjéba, a Geba dos brancos. Seguiram para Badora - cano de arma antiga e comprida dada pelo irã (cr.) aos biafadas para que os fulas não ousassem fazer a guerra".

Abraço,
Cherno Baldé 
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Notas do editor:

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20668: Em bom português nos entendemos (25): Bicha de pirilau... Expressão da gíria militar do nosso tempo, ainda não grafada nos dicionários... Será que continua a incomodar o senhor general?



Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > S/l > s/d > Progressão em coluna apeada, ou em fila indiana  (no mato, no CTIG, dizia-se: "bicha de pirilau")

Foto (e legenda): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. No Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, que é o que está mais à mão, não consta a expressão, "bicha de pirilau"... Só vêm os vocábulos "bicha" e "pirilau".  No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, onde há tudo como na farmácia, desta vez não encontrei o que pretendia...

No Dicionário aberto de calão e expressões idiomáticas, de  José João Almeida (Projeto Natura, Universidade do Minho),  idem, aspas... Também no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa ninguém teve, até agora, a  curiosidade em saber o seu significado e a sua origem... Há, no entanto, uma entrada sobre "bicha" e "fila"...

Resta o nosso blogue... A locução ou expressão "bicha de pirilau" aparece amiudadas vezes nos nossos postes... Cite-se, por  exemplo, o nosso saudoso Luís Faria (1948-2103), ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791 (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72):

(...) "O amanhecer não tardaria muito quando deixámos a estrada e entrámos no desmatado, avançando em longa bicha de prilau para a mata e continuando numa progressão atenta, ziguezagueante e tanto quanto possível silenciosa, atendendo ao número de elementos, com o objectivo de detectar e interceptar um grupo IN presumivelmente numeroso, que por lá se movimentaria". (...) (*)

O vocábulo feminino "bicha de pirilau" já fazia parte do léxico militar, em 1964, aquando da Op Tridente, a avaliar pela descrição das peripécias na ilha do Como, aqui feita pelo nosso querido camarada  Mário Dias, 2º sargento comando (Brá, 1963/66):

(...) "Atravessado sem percalços este obstáculo natural, eis – nos na extensa bolanha que se estende até Cauane e à mata de Cachil mais a Norte. Aí, só era possível andar sobre os estreitos ouriques pelo que lá vamos nós em coluna por um (a célebre "bicha de pirilau", na gíria militar)" nada aconselhável em terrenos descobertos. (...) (**)

No Pequeno Dicionário da Tabanca Grande (***), há esta entrada:

"Bicha de pirilau - Progressão, em fila, no mato, mantendo cada homem uma distância regulamentar de segurança (gíria); o mesmo que fila indiana." 


Carlos Silvério, grã-tabanqueiro nº 783
2. Tudo isto vem a (des)propósito de um comentado inserido no poste P20655 (****), em o nosso cap inf ref José Belo anuncia, à Tabanca Grande, a reabertura da sua Tabanca da Lapónia:

Comentário de Luís Graça, com data de 16 do corrente:

Meu caro José:

Ando há tempos com um pedido do meu/nosso camarada Carlos Silvério, de Ribamar da Lourinhã, terra de lobos do mar... Para mais é meu primo, porque casou com a Zita, que pertence ao clã Maçarico, tal como eu... Além disso, o Carlos é também primo do tenente general Luís Silvério, filho ilustre da terra... Enfim, somos um país em que somos todos (ou quase todos) primos uns dos outros...

Mas adiante... O Carlos Silvério, nosso grã-tabanqueiro nº 783, ex-fur mil at cav, CCAV 3378 (Olossato e Brá, 1971/73) (...) tem uma pequena questão a pôr-te:

Quando ele passou pelo RI 5, Caldas da Rainha, como monitor de recruta do CSM (Curso de Sargentos Milicianos), entre setembro e dezembro 1970, ele ficou com a ideia de que tu estavas lá, como instrutor, eras alferes miliciano, acabado de regressar da Guiné...

Bate certo ? Um belo dia apareceu lá um senhor general que quis certificar-se da excelência da formação dada aos futuros sargentos milicianos... E terá supervisionado uma das tuas aulas práticas... Às tantas, falavas tu da tua experiência operacional no TO da Guiné, em 1968/70, quando usaste a expressão "bicha de pirilau"...

Parece que o general ficou "piurso", saltou-lhe a mola e deu-te uma valente reprimenda ("piçada"):

- Senhor alferes, no exército português não há bichas de pirilau!... Os nossos militares, no mato, na Guiné, em Angola, em Moçambique, andam em fila!... Ponha isso no seu léxico!...

O Carlos não sabe porque é que o senhor general afinou com a expressão "bicha de pirilau"... Seria uma reacção... homofóbica"?...

Bem, para o caso não interessa, o Carlos só me pediu para confirmar se o instrutor eras... tu. Se sim, a história é divertida... Se foi com outro instrutor, a história continua a ser divertida na mesma. (...)



José (ou Joseph ou Joe) Belo, um capitão de infantaria
que a Pátria / Mátria / Fátria tramou...
3. Resposta  do José Belo, que também se assina Joseph (na Suécia) e Joe (nos States):

Caro Luís

Näo recordo a história referida. "Correcöes" por parte de Senhores Oficiais Generais... tive a honra de receber algumas durante a minha vida militar, principalmente no período indicado do... pós regresso da Guiné.Daí ser muito possível que fosse eu.

Era um termo muito usado pelos instrutores "Infantes", mesmo na casa mãe em Mafra. O feliz termo "pirilau" não tinha neste contexto quaisquer associações com homossexuais. Creio ser um termo que era vulgarmente usado pelos vindimeiros no Norte, obrigados pelo terreno a caminhar em fila (!) por sinuosos carreiros.

A única correção que poderei fazer é o facto de que na data indicada já näo era Alferes Miliciano.
Parabéns ao camarada Carlos Silvério pela sua memória, muito melhor que a minha,felizmente cada vez mais "gasta" quanto a tudo (o muito!) que foi militar na minha vida. (...)


4. Comentário do nosso editor Luís Graça:

Desculpa, José, ou Joseph, ou Joe, conforme onde tu estejas (, e nunca ninguém sabes onde estás "just in time"...), mas o senhor general tinha razão... No Exército Português não há (ou não havia...) "bichas", mas "filas"... Muito menos "bichas de pirilau"...

Esta última expressão vê-se mesmo que era de gente "apanhada do clima"... "Fila" é que era linguisticamente correto: os mancebos, nuinhos, de pilau murcho ao frio, quando iam às "sortes, esperavam em "fila", não em "bicha", a vez de serem chamados, observados, apalpados, pela junta médica que depois os considerava aptos ou inaptos para a "função", que era... "morrer em fila, organizados"... na frente da batalha!...

Se calhar o senhor general nunca esteve na Guiné e não sabia o que era a "guerra de guerrilha", ou "guerra subversiva". Estudou, pois,  por outros canhenhos... Mas tu estiveste lá, no coração do mato, em Empada, em Bula, em Mampatá,  na região do Forré, sabias do que falavas aos instruendos do CSM, nas Caldas da Rainha...

E portanto eu reconheço-te autoridade para "grafar" a expressão... Só não entendo a reação (, algo destemperada, a crer na versão do Carlos Silvério...) do general que te deu a "piçada"... Mas, enfim, devia ser um daqueles generais da brigada do reumático que nunca foi à guerra e, como tal, era incapaz de imaginar uma fila de trânsito no mato, de gente apeada, 250 homens / 8 grupos de combate, de G3 em punho, a progredir em direção ao Poindom ou à Ponta do Inglês, e ao banho de sangue que os esperava... (Vd. o que eu aqui já escrevi sobre a Op Abencerragem Candente, subsetor do Xime, Setor L1, Bambadinca, 25-26 de novembro de 1970, estavas tu a dar instrução aos instruendos do CSM, nas Caldas da Rainha...).

Era, vista de cima, do PCV, da DO 27, uma "bicha" de todo o tamanho, entre mil a mil e quinhentos metros... partindo-se do princípio que entre cada combatente havia um espaço de 4/5 metros... ou às vezes mais...


5. O mais surpreendente é que os lexicógrafos desconhece-se a expressão "bicha de pirilau" !...E mesmo na Net, e à exceção do nosso blogue, é difícil apanhá-la... Ele há bicha-de-rabear, ele há bicha-de-sete-cabeças... mas "bicha de pirilau",... cá tem.

Em todo o caso, encontrei este "delicioso apontamento" sobre a expressão "bicha de pirilau", num blogue com um título deveras original (e muito "feminista"), de Maria Brojo:   "Sem Pénis Nem Inveja":

Domingo,  5 de novembro de 2006 > Bicha-pirilau

(...) Fomos assaltados. Roubados. Espoliados do significado de termos que eram nossos até o português exportado do Brasil os ter censurado cá, por serem pejorativos lá. Bicha foi um deles. Fila passámos a dizer, não fossem os «bichas» - homossexuais, paneleiros, abafadores da palhinha na gíria portuguesa - ficarem numa espera confundidos.

Bichas eles ou as gentes em carreira esperando a vez? As novelas brasileiras tiveram o (des)mérito de obrigar ao volteio do português escorreito. Banais acrescentos como lingerie, hobby, gays ou stress? Talvez, mas por pertencerem a língua comum falada em continentes diferentes, formiga dos termos a adopção.

Bichas há muitas: gatas e cadelas, fila indiana, ficar como uma bicha (fulo, danado), ver se as bichas pegam (tentar obter o desejado), bicha-pirilau.

Esta é, de longe, a mais impressiva. Usada no mundo militar, é gritada por sargentos aos recrutas temerosos se alinhar é preciso. Um "bicha-pirilau" trovejado,  com voz de comando por arregimentado façanhudo, a uma mulher, daria vontade de rir;  aos mancebos magricelas e fardados soará como clamor dos Infernos.


Mas faz sentido:  homens formando linha direita, pirilaus erectos acompanhando o desenho. Duvido, porém, do estado hirto e firme dos atributos masculinos embrulhados nas fardas e alinhados em parada. Estivessem com bravura todos erguidos em carreira, e constituiriam, sem que prante a menor das dúvidas, espectáculo digno de ser visto. (...)

Fonte: Do blogue Sem pénis nem inveja, editado por Maria Broja > Domingo,  5 de novembro de 2006.


6. E voltando ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, portal que eu muito admiro... Encontrei, em todo o caso, esta deliciosa resposta do João Carreira Bom, cofundador com José Mário Costa, do Ciberdúvidas, e infelizmente já falecido... A resposta é a uma questão sobre a diferença entre "bicha" e fila"... Aqui vai, para o nosso comum enriquecimento linguístico (*****). Porque a falar é que a gente se entende, e de preferência em bom português. Vou pôr esta questão, algo melindrosa para os nossos generais,  ao meu amigo José Mário Costa, o Senhor Ciberdúvidas, coordenador editorial do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa:

(...) No «Novo Dicionário da Língua Portuguesa», de Cândido de Figueiredo, editado em 1939 (Bertrand), bicha é associada a «qualquer objecto que, pelo seu feitio ou movimento sinuoso, dá ideia de um réptil». Entre outros sentidos, Cândido de Figueiredo atribui-lhe o de «fileira de pessoas, umas atrás das outras». Fila, na mesma obra e no significado que aqui nos interessa, é uma «série de coisas (animais ou pessoas) dispostas em linha recta. Enfiada; fileira: uma fila de cadeiras.» Nos dicionários mais recentes que consultei, seguem-se, no essencial, estas indicações.

Não pude confirmar, assim, a especialização de sentido que, quanto ao movimento, o prezado consulente fez o favor de nos referir. Mas concordo consigo no aspecto mais importante: querem matar uma palavra necessária. Bicha está a ser comida à má fila nas cabecinhas, tão piedosas quão perversas, de alguma classe média.

Contrariando opiniões que recolhi e atribuem o fenómeno às telenovelas brasileiras, não cometerei grande erro se disser que já existia em certas camadas da sociedade portuguesa um preconceito sexista em relação a esta palavra. Um preconceito muito mais ténue do que no Brasil, mas lembro-me de uma «tia» me corrigir, na minha adolescência, por haver utilizado a sonora expressão «bicha do eléctrico». As telenovelas brasileiras não criaram, pois, o preconceito. Tê-lo-ão difundido um pouco mais.

Até demonstração do contrário, continuarei a dizer «fila de automóveis», «fila de soldados», «fila de cadeiras», «bicha do IRS». E, se calhar, até digo «bicha de carros», «bicha de espera». Na bicha para a compra do passe, nunca ouvi exclamar: «Olha a espertinha, está a passar à frente da fila!» Os elementos mais pretensiosos da classe média, pelo seu número e posição, podem ser muito influentes. Mas não vão para as bichas dos transportes públicos. Afigura-se-me não terem influência directa para provocar a morte de uma palavra inocente que, afinal, os perturba. Eles lá sabem porquê.

João Carreira Bom 1 de janeiro de 1997.

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/bichas-ou-filas/219 [consultado em 18-02-2020]
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de maio de  2009 > Guiné 63/74 - P4361: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (14): Um mês complicado (3): O osso

(**) 15 de dezembro de  2005 > Guiné 63/74 - P353: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

domingo, 16 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20655: Da Suécia com saudade (63): reabrindo a Tabanca da Lapónia, agora ao povo... (José Belo)



A minha alegre casinha.. Tabanca da Lapónia: ela continua a lá estar, em Abisko, Kiruna... O endereço, na Net,  é que mudou.


"O valor das coisas näo está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.
Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis" (Fernando Pessoa)


"Sem casas näo haveria ruas / as ruas por onde passamos pelos outros / mas e principalmente onde passamos por nós". (Ruy Belo: Todos os poemas, Lisboa, Assírio e Alvim, 2000)



Os fiéis amigos...


Visitas nem sempre  bem  vindas...


Para onde é que fica Empada ?... 

"Partir! / Nunca voltarei,/ Nunca voltarei porque nunca se volta. / 
O lugar a que se volta é sempre outro, / A gare a que se volta é outra. /
Já não está a mesma gente, nem a mesma luz, nem a mesma filosofia."

Álvaro de Campos / Fernando Pessoa 




"Lourinhac" ?.....Cá tem!... Mas o meu vodka caseiro (94%,  depois de 4 passagens pelo alambique) aí vendía-se certamente na... farmácia! Para mais é medicinal com casca de limäo e pau de canela, ou casca de limäo e rosmaninho. SKÅL !!! (Leia-se: Saúde!).


Fotos (e legendas): © José Belo  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Belo: 

Data - 13/02/2020, 22:02
Assunto - Tabanca da Lapónia


Entretive-me umas horas a reconstruir a Tabanca da Lapónia numa versão evocativa de 40 anos de literais... congelamentos vários!

Algumas fotos e vídeos repescados das 4 versões anteriores a somarem-se a alguns novos.
Por faltas de paciência, várias das fotos contêm,de momento,pouco "paleio", oferecendo unicamente uma brisa fresca (!) desde bem dentro do Círculo Polar Árctico..

José Belo

A quereres dar uma saltada "nostálgica" até à última zona verdadeiramente selvagem da Europa...Sê bem vindo!

A morada é tabancalaponialusitano.blogspot.com
O título do blog é :

Lusitano...40 Anos na Lapónia

Um abraço, José Belo


2. Dois dias depois, oui seja ontem,  às 11h07, recebemos nova mensageem, com o seguinte teor:

Assunto - Convívio de... génios

Depois da "reinauguracäo" da Histórica (!) Tabanca da Lapónia,  acabei por lá colocar , a título de "apifamento", alguns pensamentos de um ramalhete de de génios do tipo Ruy Belo, Fernando Pessoa e...J. Belo!

Escrita agora em *português de lei*, vamos ver se alguns Lusitanos ciberturistas acabam por surgir neste blogue.

As antigas Tabancas da Lapónia, escritas em inglës e sueco, conseguiram estabelecer contactos com amigos da Escandinávia e dos States mas, muito poucos em Portugal. (*)

É mais uma tentativa de "vender" o ar fresco do Círculo Polar Árctico.
Bem-vindo!

Um abraço.

(E a propósito de "portuguës de lei",  acabei de aprender depois destas muitas décadas que a maneira correcta de escrever-se Lapónia na língua de Camöes é...LAPÔNIA!...LAPÔNIA??!?!

3. Para quem chegou ontem à Tabanca Grande... recorde-se que  o José Belo:

(i) é o régulo da Tabanca da Lapónia, nas suas várias "versões";

(ii) é membro da Tabanca Grande, para onde entrou "de jure e de facto"  em 8 de março de 2009;

(iii) tem cerca de 140 referências no nosso blogue, ou seja, é um "contribuinte líquido", dá mais do que o que recebe;

(iv)  formado em direito, foi jurista na América e na Suécia;

(v) a guerra, a paz e o amor levaram-no até à Suécia onde vive há mais de 4 décadas, e onde constituiu família;

(vi) continua a ter uma pontinha de orgulho nas suas velhas raízes portuguesas: de vez em quando escreve, no nosso blogue, uma crónica para a sua série "Da Suécia com saudade"; 

(vii) no século passado,  nioutra reincarnação, foi alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, e manteve-se no ativo, no exército português, durante uma década; 

(viii) está reformado como cap inf do exército português;

(ix) não sei se, como ao Camões, lhe pagam o mísero soldo, sendo um "autoexilado" (não cinfundir com... "desertor"): os amigos queixam-se de que a Pátria lhe foi Madrasta;

(x) reparte os dias do ano entre a Suécia (Estocolomo), o círculo polar ártico, na Lapónia (Abisko, Kiruna), e  Key West, na Flórida, EUA, onde a família (os filhos)  tem negócios e onde vivem os seus netos;

(xi) as vicissitudes da vida (, as suas "partidas"...) tornaram-no um "resistente" (ou diria: "resiliente"):

"Os meus 10 anos de vida militar, muito rica em 'acontecimentos' hoje incríveis, a somar-se a toda uma "tarimba" jurídica nos States, seguida de voluntariamente ter escolhido viver com o vizinho mais próximo a 297 km da minha porta, tornaram-me no que hoje sou....extremamente resistente. Quase como escreveu o poeta :"Deixei de ser aquele que esperava...isto é...deixei de ser aquele que nunca fui".

(xii) considera-se um exemplar de uma espécie em vias de extinção (**)

PS - Ah!, e não é primo do Ruy Belo... Belos há muitos, belos, bravos e bons é que... não!


4.  Comentário do editor Luís Graça:

José: acho que te faz bem… a ti e a nós, sentir esse frio polar ártico a entrar pelos poros da pele, pelas narinas, pelos meurónios, pela "alma" (para quem ainda tem "alma")... mas não pelas frinchas das portas e janelas, que a tua Tabanca é climatizada! 

 Acho que te faz bem reabrir a Tabanca da Lapónia"… e assumir a tua “idiossincrasia” de lusitano das 7 partidas, “perdido” na Lapónia há 40 anos…

É, ademais,  um gesto de grande hospitalidade, camaradagem e lhaneza, próprias de um puro lusitano como tu, abirr a tua casa ao "povo", depois de aí  receberes  a nobreza vikiNg e a burguesia ianque.

Como prometido, e com a devida vénia,  fiz uma visita ao teu blogue e uma seleção das tuas imagens. (Os vídeos, esses, deixo-os para exploração dos mais "voyeuristas")… 

Não sei a quem atribuir os créditos fotográficos. Mas, por defeito, pertencem ao régulo...A dificuldade é escolher, dada a magia de cada uma das fotos e sobretudo das legendas poéticas!... Sei que és um leitor de longa data de poetas portugueses como o Ruy Belo, o J. Belo  (, que por acaso não são  primos) e do Fernando Pessoa (ou dos Fernandos Pessoas)... 

É uma boa terapia, a escrita, a blogoterapia, , a poesia.. E eu perguntei-te (e tu não me respondestes, estás nesse direito...)  se tu não tinhas (ou nunca tiveste) um… diário.

Enfim, imagina que me lembrei  de te lançar um desafio: fazeres um check-list das 24 horas do dia na vida de um lusitano na Lapónia… Os "lapões" da Tabanca Grande, uma vez reaberta, ao "povo" a tua Tabanca da Lapónia, vão querer saber mais coisas sobre a vida do régulo no seu dia-a-dia:

(i) a  que horas é que  te levantas ? 
(ii) a que horas é que te deitas ?  Aqui é os séniores deitam-se  com as galinhas, aí será com as renas;
(iii) como é que tu te deslocas quando vais às compras ? 
(iv) também vais à caça e à pesca ? ou és agora conservacionista ?
(v) e como é que te desenrascas quando as renas e os cães precisam de veterinário ?
(vi) enfim, o que é que se come e bebe aí na tasca da Tabanca da Lapónia  ? 
(vii) será que o régulo é mais peixeiro do que carneiro ?
(viii) o campismo é "tax free" ?

e coisas idiotas do género. O problema é que a Tabanca da Lapónia, apesar de toda esta recente publicidade, ainda não vem nos roteiros turísticos da Lusitânia. Vou pedir ao PInto Loes (agência do Porto) para te pô no mapa... Ou é melhor não ?!

Sabemos que, se o régulo quiser tomar um chá na casa da/o vizinha/o  mais próxima/o,  tem que fazer uns 300 quilómetros (, o equivalente à distância de Lisboa ao Porto)... Em trenó puxado a renas, deve demorar umas horas valentes...Aindapor cima à luz dos archotes... 

Deve acrescentar-se que o termo "lapão" (feminino: "lapoa") pode ser considerado ofensivo e até racista...À cautela, vamos de futuro procurar evitá-lo... De resto, ele há coisas que,  quem um dia for lá, à Tabanca da Lapónia, deve saber, para não fazer... "merda": Lapónia para os lapões é... Sápmi.
Lapöes é... Samer. Um Lapão é... Same.  Uma Lapoa (mulher da Lapónia) é... Samisk kvinna. (**)

Meu caro régulo: a Lapónia (, sim, os brasileiros dizem Lapônia), por causa do sol da meia noite, das auroras boreais e do Pai Natal, tende a ser vista de maneira muito redutora e estereotipada... Por isso, se calhar é muito “voyeurismo", da parte dos nossos leitores, perguntarem-te estas coisas todas... Por razões até de segurança, não deves responder a nenhum delas...Quem quiser saber mais, que vá aí e te bata à porta: será por certo bem recebido, se for por bem, e com uma credencial da Tabanca Grande...  Ah!, e não se esqueçam: levem também uma garrafinha da Aguardente Vínica DOC Lourinhã... (Na minha terra, quem a bebia, escapou à gripe espanhola, à "pneumónica", a pandemia de 1918/19, que matou mais de 60 mil portugueses...).

Zé, não leves a mal... Há camaradas da Tabanca Grande que, nem por um canudo, conseguem ver Braga, quanto mais a Lapónia… Mas Braga tinha obrigação de ter uma tabanca, e não tem. Tem uma arcebispo, tem uma sé, tem um clube de futebol... mas não tem uma tabanca!...As tabancas mais próximas são a dos Melros (Gomdomar, Fânzres), da Maia, a de Matosinhos...

A Lapónia, colónia sueca, que não tinha obrigação nenhuma, até tem uma tabanca!...E já "histórica", sim, senhor!... 

Há 40 anos, é obra!...Grande lusitano!... Enfim, se estivesses mais perto, a gente  até ia ter contigo um dia destes… Em abril vou aos países bálticos num daqueles  esquemas de “turista estúpido”… mas não vai dar para beber um vodca contigo!... Como eu bem gostaria!... (****)

(***) Vd. postes de:

20 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15270: Da Suécia com saudade (55): Despedida do blogue, dos editores e de todos os de mais camaradas... Afinal, também há 4 décadas saí do nosso querido Portugal sem bilhete de ida e volta... Os amigos terão sempre uma "casa portuguesa" ao dispor, na Lapónia sueca, em Estocolmo, ou em Key West, Flórida, EUA (José Belo)

(****) Último poste da série > 8 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20427: Da Suécia com saudade (62)... E agora também dos States, Florida, Key West... A catarse do Império... O lugar do Portugal de hoje, tanto na Europa como no mundo, é que deveria ser assunto de discussões acaloradas (José Belo)

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20561: E as nossas palmas vão para ... (20): O Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, que faz hoje 23 anos e já recebeu mais de 14 milhões de visitas




1. M
ensagem que recebemos hoje do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa :



O Ciberdúvidas da Língua Portuguesa completa 23 anos neste dia. Nas Notícias dá-se conta do balanço deste período de mais de duas décadas de trabalho árduo – eis os resultados:

– no Consultório, destinado a dar informação/esclarecimento, encontram-se, até ao momento, disponíveis para consulta livre, 35 644 respostas a questões colocadas sobre as mais diversas áreas da língua – da história à fonética e fonologia, bem como à dinâmica do texto, do discurso e até da literatura, passando pela formação de palavras, pela sua pertença a classes, pelo seu comportamento na frase (sintaxe) e por questões de semântica e de pragmática,

– já no campo da opinião ou da criação, as rubricas da secção Na 1.ª Pessoa –  O Nosso Idioma, Pelourinho, Controvérsias, Ensino, Lusofonias, Diversidades e  Acordo Ortográfico –, bem como as Notícias, a Montra de Livros e a  Antologia, totalizam , de de momento, 7650 artigos disponíveis em arquivo para leitura, análise e reflexão;

– acresce que, no final de 2019, o fluxo de visitas ascendia a mais de 14 milhões de visitas.

Há, pois, motivos de sobra para festejar mais um aniversário.

Na rubrica O nosso idioma, a professora e linguista Carla Marques, consultora permanente do Ciberdúvidas, dá parabéns com o texto "Vinte e três anos em vinte e três palavras". Aqui se reúnem e definem, pelas memórias e emoções que evocam certos vocábulos – são exemplos solidez, validez, sensatez...–, tantos quantos os anos que já conta este serviço, sempre ao dispor de quem quer usar bem o português, conhecendo-o e praticando-o na sua unidade ou na sua diversidade. Como diz a autora, «[...] o Ciberdúvidas são as pessoas que o visitam a cada dia, são os textos sobre a língua e para a língua que aqui se partilham».

Aos nossos consulentes, quer tenham o português como língua materna quer não, se deve, portanto, o registo do nosso reconhecimento grato, porque é na sua constante adesão aos conteúdos aqui em linha, manifestada também em contacto direto, através do envio quotidiano de questões, achegas, críticas, que o Ciberdúvidas tem encontrado justificação e alento para seguir caminho, ao encontro do interesse que lhe confiam. 

Veja os textos na íntegra, aqui: 



2.  Comentário do nosso editor:

Confesso que sou fã, de há muito,  do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, um sítio da Net criado em 15 de Janeiro de 1997, por dois jornalista portugueses, o  José Mário Costa, e o  João Carreira Bom, este já falecido.
"Este é um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa, fundado em 1997. Na diversidade de todos, o mesmo mar por onde navegamos e nos reconhecemos." 

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/atualidades/noticias/ciberduvidas-23-anos-ao-lado-da-lingua-portuguesa/3401
[consultado em 15-01-2020]

De acesso gratuito, defende e promove a língua portuguesa, e a(s) lusofonia(s). Com altos e baixos, provocados pelas "dores do crescimento", as restruturações, a volatilidade dos apoios dos mecenas, as inevitáveis dificuldades de organização e funcionamento, a começar pela escassez de recursos humanos e  financeiros, celebra os seus 23 anos de existência, o que é obra, no mundo da Net, em português... Só por isso, por estas duas razões,  merece  de imediato as nossas palmas.

Acresce que também nós, o blogue da Tabanca Grande, o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, temos na décima (e última) das nossas regras editoriais a defesa da língua portuguesa "que nos serve de traço de união, a todos nós, lusófonos", da Lourinhã a Dili,  de Leça de Matosinhos a Bissau, de Almada a Nova Iorque, de Lisboa a Maputo, de Cascais a Macau, do Porto ao Rio de Janeiro, do Funchal ao Mindelo, e por aí fora...

Embora não seja esse o nosso "core business", interessamo-nos pelas questões linguísticas,  e não deixamos cair no esquecimentos os vocábulos e as expressões que (ainda) não vêm grafados nos nossos dicionários (gíria e calão da tropa e da guerra, acrónimos, siglas, crioulos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, angolês,etc.). Estas questões têm alguma visibilidade no nosso blogue que vai fazer 16 anos em 23/4/2021.. Veja-se. por exemplo, alguns dos nossos descritores / marcadores:

angolês (3)

Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (11)

CPLP (8)

crioulo (69)

Em bom português nos entendemos (42)

língua portuguesa (19)

lusofonia (93)

Pequeno Dicionário da Tabanca Grande (9)

Aproveito esta efeméride para saudar o José Mário Costa, cofundador do Ciberdúvidas e seu coordenador editorial desde o início... E naturalmente os seus colaboradores... Em boa verdade, ele tem sido, historicamente, "o corpo e a alma" deste projeto. Conheço-o pessoalmente. da tertúlia dos caminheiros da Quinta das Conchas onde aparece, uma vez por ano, para comer...lampreia connosco!... Falamos então,  à volta do arroz de lampreia, de coisas que são do nosso interesse comum  como a "sua" Angola, o "seu" Ciberdúvidas, a nossa" língua, o jornalismo, a lusofonia... 

E uma pessoa, amável, afável, generosa, que eu aprendi a estimar, não só pela sua grande honestidade intelectual, como pela sua cultura, facilidade de criar pontes, capacidade de trabalho... De resto,  só um profissional com o seu perfil  conseguiria  manter um portal desta natureza e envergadura, donde se destaca o "consultório linguístico" que responde diária e graciosamente às mais diversas dúvidas da língua portuguesa, de todas as partes do mundo.  

O Ciberdúvidas recorre a um vasto leque de especialistas.  Está atualmente alojado no servidor do  ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa.
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