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sábado, 16 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25279: Os 50 anos do 25 de Abril (2): O meu primo Luís Sacadura, furriel miliciano, natural de Alcobaça, hoje a viver nos EUA, estava lá, no RI 5, Caldas da Rainha, no 16 de marco de 1974, e mandou-me fotos dos acontecimentos (Juvenal Amado)


Foto nº 1 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Posto com Reforço.


Foto nº 2 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Capitão Virgílio Varela,  um dos comandantes da revolta


Foto nº 3 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Preparados para defender o quartel


Foto nº 4 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Oficiais revoltosos


Foto nº 5 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Junto à porta de armas: tempo de incerteza (i)


Foto nº 6 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Junto à porta de armas: tempo de incerteza (ii)


Foto nº 7 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > 
Junto à porta de armas: tempo de incerteza (iii)


Foto nº 8 >  Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > O quartel já cercado pelas forças governamentais


Foto nº 9 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Jipe com parlamentar governamental, o brigadeiro Pedro Serrano


Foto nº 10 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Pelo aspecto do brigadeiro,  já se estava no capitulo das ameaças. (A imagem original tem um defeito de revelação ou de exposição, que procurámos corrigir.)


Foto nº 11 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Serviço audiovisuais


Foto nº 12 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Furriel mil Luís Sacadura, meu primo  que me enviou as fotos dos EUA.

Fotos (e legendas): © Luís Sacadura / Juvenal Amado (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Reproduzimos aqui a mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º cabo cond auto-rodas, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 28 de maio de 2011, publicada no poste P8359, de 1 de junho de 2011 (*):
 
O 16 DE MARÇO DE 1974 EM FOTOS

O meu Batalhão estava no Cumeré já a aguardar embarque quando se deu o levantamento das Caldas da Rainha.

Foi com natural apreensão que essas notícias chegaram até nós, pois, já com 27 meses de comissão, os nossos receios viram eventuais atrasos no nosso embarque resultante da situação que se vivia na Metrópole.

Ainda foi alvitrado no gozo, por alguém, que quando desembarcássemos nos seria distribuída novamente as G3 e ainda acabávamos na Serra da Estrela.

Quanto a mim juntava a essas preocupações o facto de o meu primo direito Luís Sacadura, que era furriel miliciano, e o Caetano, que era alferes miliciano, os dois de Alcobaça, estarem nessa altura a cumprir serviço militar no referido quartel e que decerto se teriam envolvido nos acontecimentos, de que resultaram à volta de 200 prisioneiros.

O meu primo já estava em liberdade quando desembarquei em 4 de Abril de 1974, mas o Caetano só o vi depois do 25 de Abril quando foi solto.

Hoje quem lê sobre os acontecimentos os nomes de militares ligados à Guiné, são prova de que o facto terem sido lá combatentes, assumiu um peso muito grande tanto neste levantamento como no 25 de Abril, que levaria por diante o derrube do regime.

Por último, as fotos foram-me enviadas dos EUA pelo o meu primo com a devida autorização para as publicar (...)

2. Comentário do editor LG (*):

(i) Recebemos do Juvenal Amado a seguinte mensagem, com data de 27 de maio de 2011:

"Carlos: Recebi fotos do 16 de Março 1974 a quando do levantamento das Caldas da Rainha. As mesmas foram-me enviadas por um primo meu a morar nos USA que participou na referida tentativa.

"Não sendo assunto directamente associado com a Guiné, venho então saber se ao blogue interessa o assunto. Fico a aguardar a tua opinião e se ela for um sim escreverei alguma coisa para acompanhar as fotos." (...)


(ii) A nossa resposta dos editores só podia ser sim, sem quaisquer reservas... Independentemente da "leitura" dos acontecimentos, e da contextualização do 16 de Março de 1974, seria no mínimo uma "pena" que estas fotos, tiradas pelo Luís Sacadura, de grande interesse documental, e até de boa qualidade estética (traduzindo o momento de grande tensão dramática que foi esse dia), fossem um dia parar a um "caixote do lixo" americano...

Obrigado, Luís ("God Save You!"), obrigado, Juvenal... Tudo o que diz respeito à nossa Pátria e à nossa História, nos interessa, embora com particular enfoque na guerra da Guiné (1961/74)... Mas onde começa e acaba a "guerra da Guiné"? Para nós, que ainda estamos vivos, e cultivamos a arte e o prazer da memória, ela ainda não acabou de todo... 
 
(iii) Cinquenta anos depois do 16 de março de 1974, e do 25 de Abril, todas estas fotos são preciosas (**). O 16 de Março não teve um grande fotógrafo à altura como o Alfredo Cunha (que fez na madrugado do 25 de Abril fez a reportagem da sua vida)... 

São fotos, amadoras, que merecem ser republicadas. Aliás, temos escassas referências no blogue ao "16 de Março" e a imprensa da época, devido à censura, não pôde dar informação detalhada sobre o ocorrido...

Três dias depois os leitores do "Diário de Lisboa", como eu (na época), ficaram a saber, por uma pequena notícia da SEIT (antigo SNI) que tinham  sido presos 33 oficiais (e não 200, como dizia alguma imprensa estrangeira) "implicados na insubordinação verificada no Regimento de Infantaria nº 5"... (Repare-se que nem a RTP Arquivos tem imagens do cerco ao RI 5)...

3. O historiador e biógrafo de Spínola, Luís Nuno Rodrigues, escreveu: 

"No rescaldo do episódio, cerca de duas centenas de militares são presas, entre ele os membros do MFA mais próximos do general António de Spínoala, como Almeida Bruno, Manuel Monge, Casanova Ferreira, Armando Ramos e Virgílio Varela" (...). 

E mais adianta: 

"O '16 de Março'  tinha sido, por conseguinte, uma tentativa algo atabalhoada da 'ala spinolista' do MFA de fazer despoletar um movimento para o derrube do regime e para a entrega do poder ao general. 

"A acção fora em grande parte motivada pela tomada de posição de algins oficiais do CIOE de Lamego (que acabariam por não sair do quartel), pelas atitudes de dois antigos oficiais de Spínola na Guiné (Leuschner Fernandes e Carlos Azeredo) e pelo impeto dos oficiais oriundos de milicianos do RI5  das Caldas da Rainha". (Fonte: Excertos de "Spínola: biografia",  Lisboa: A Esfera dos Livros, 2010, pág. 236).




Diário  de Lisboa, edição de terça feira, 19 de março de 1974, pág, 1
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Notas do editor:

sexta-feira, 1 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25228: Tabanca da Diáspora Lusófona (22): Vilma Crisóstomo está de parabéns pelo seu aniversário natalício e porque a partir de hoje é cidadã americana (João Crisóstomo)


1. Está hoje de parabéns a nossa amiga Vilma Crisóstomo, esposa do nosso amigo e camarada de armas João Crisóstomo.

Vilma, eslovena de nascimento, passa a partir de hoje, dia 1 de Março de 2024, a usufruir da cidadania norte-americana, uma prenda muito valiosa, chegada no seu dia de aniversário.
Sendo o João, cidadão luso-americano, uma pessoa muito activa culturalmente e solidário, com provas dadas nos EUA e não só, merece que a sua esposa seja reconhecida com esta distinção. São um casal muito activo, cujas intervenções vão muito para além da comunidade lusitana, e se estende a toda a sociedade americana.
Nova Iorque, 24 de Abril de 2013 > Casamento de João Crisóstomo com Vilma Kracun

2. Vamos transcrever a mensagem que o João, com todo o contentamento de um marido feliz, nos enviou no dia 28 de Fevereiro de 2024:

Caro Luís Graca e Carlos Vinhal,
O que segue não será razão para um “post", mas talvez um tal “cartãozito”, como o Luís Graça costuma dizer, não seja despropositado.
O nosso passado e experiências comuns levaram à criação deste blogue que tanto nos une e aqui partilhamos por vezes coisas que nada têm a ver com a Guiné. Mas esta Guiné fez de todos nós irmãos… e os irmãos partilham as suas vidas. Partilhamos e choramos os momentos tristes e difíceis, mas também celebramos e nos regozijamos uns com os outros nos nossos aniversários e quando surgem momentos em que sentimos que temos mesmo de fazer os nossos amigos saberem o que se passa para celebrarem connosco. Incluindo felizes coincidências.

Vocês lembram-se eu contar ter reencontrado uma amiga de longa data, depois de 40 anos à sua procura. Não era motivado por nada mais do que a saudade de uma amizade. Não havia nada de romance nessa procura. Algumas pessoas suspeitaram e sugeriram ser esse o motivo da minha longa busca. Não era. Os que me conhecem sabem o quanto eu prezo amizades. A perca de um amigo é sempre traumático para mim. E isso sucede porque tanto quanto possível eu procuro alimentar as minhas amizades. Daí as festas familiares que frequentemente tenho organizado quando vou a Portugal, para as quais convido sempre os meus amigos que fiz ao longo da vida, incluindo os meus camaradas/irmãos da Guiné.

Mas, desculpem… pois saí do que estava a contar e tenho de voltar ao que dizia: Num dia 14 de Fevereiro de 2011, recebi uma chamada; que tinham encontrado a Vilma, um dos amigos/as de cujo paradeiro eu não sabia há muito tempo, desde que tinha ido para o Brasil. E já sabem o que sucedeu: o imprevisto aconteceu e ao fim de duas horas, contente por tê-la reencontrado e verificando que tínhamos tanto em comum, eu não estive com mais medidas e sem hesitações convidei-a, pedi-lhe que viesse viver comigo para Nova Iorque.

Sei que estou a ser longo, mas também sei que a nossa amizade me permite estes devaneios. Há três anos ela resolveu pedir a cidadania americana. Mas as coisas complicaram-se porque não pudemos comparecer a uma entrevista. Na altura tranquilizaram-nos, que dentro de algum tempo haveria uma segunda entrevista. Mas entretanto a pandemia e a chegada imprevista de muitas centenas de milhares de refugiados, e outros migrantes em busca de melhor vida, causaram uma longa espera: nem podíamos sair fora dos Estados Unidos ao mesmo tempo, receosos de que uma segunda carta aparecesse com uma data próxima para a entrevista.

Era difícil, mas nada havia a fazer senão ter paciência e esperar. Mas de repente veio a carta: que nos apresentássemos no dia 14 de Fevereiro para a segunda entrevista. Contentes e felizes, ainda por cima era num dia "14 de Fevereiro" como quando a reencontrei, lá fomos e viemos para casa com um documento que dizia: "Passou o teste". ”Parabéns”. Espere uma carta com a data para se apresentar para a cerimónia de juramento…
Entretanto apresentou-se uma razão para eu ir a Portugal. Enquanto esperávamos, a Vilma tinha de ficar, pelo sim e pelo não… não fosse essa carta aparecer quando estávamos os dois fora.

E a carta apareceu assim de repente: que se apresentasse para a cerimónia de juramento para a nacionalidade americana no primeiro dia de Março… É que o dia "1 de Março" é também o dia de aniversário da minha querida…

Que hei-de dizer mais? Que choro, canto e rezo? É tudo isso e muito mais… Andava a dar voltas à cabeça de como festejar o seu aniversário. Parei de pensar mais e aceitei irmos a um encontro da "Academia de Bacalhau”. Como no caso de “encontros" da nossa Tabanca, vamos estar com amigos. Ela ainda não sabe, mas eu já providenciei um bolo de aniversário, e com ou sem boa voz, vou pôr toda a minha gente a cantar.

Não sei se a Vilma é considerada ou não “membro" da nossa tabanca. Mas… mesmo que apenas a título de “esposa dum membro” podem providenciar um “cartãozito” de aniversário para ela? Ela sempre adorou o que apareceu a seu respeito em ocasiões passadas… E vai gostar mesmo dum “cartãozito" também…

Um abraço "parte-mantenhas" mesmo grande.
João

Monte Real > Palace Hotel > 25 de Maio de 2019 > XIV Encontro da Tabanca Grande > Três instantâneos do casal Vilma e João, captados por Manuel Resende

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3. Comentário do "editor de serviço":

Caro João,
Calhou neste dia o teu editor habitual, o Luís Graça, estar de "baixa" por ter sido submetido ontem a uma intervenção para remoção de cataratas. Coisa de velhotes. Assim, estando eu de piquete, fiz o melhor que pude e soube para assinalar este dia de felicidade para a Vilma e para ti. Se ela acrescenta mais um ano à sua existência, também a partir de hoje é cidadã de pleno direito desse grande país, os EUA para nós, USA para os que aí vivem. 

Ciente de que estou a partilhar o sentimento da tertúlia, deixo aqui um beijinho de parabéns e as nossas felicitações para a Vilma e para ti o nosso abraço de amizade. 

Os nossos votos de que sejam muito felizes e tenham saúde para manter o vosso casamento por muitos e bons anos.

Carlos Vinhal

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Nota do editor

Último post da série de 21 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24983: Tabanca da Diáspora Lusófona (21): Visitando velhos amigos e camaradas... em Portugal (João Crisóstomo, Nova Iorque)

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Guiné 6/74 - P25217: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte V: Angola 'versus' Guiné


Gen Bettencourt Rodrigues (Funchal, 1918 - Lisboa, 2011)


1. Há documentos que devem merecer a nossa atenção e ser divulgados neste blogue de antigos combatentes da Guiné... É o caso do depoimento do gen Bettencourt Rodrigues (Funchal, 1918 - Lisboa, 2011), o último governador-geral e com-chefe da Guiné, antes do 25 de Abril, prestado em 1997, no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida. 

O sítio original na Net foi descontinuado. Só há pouco tempo o conseguimos recuperar através do Arquivo.pt.  Devido à sua entensão,  será reproduzido,  com negritos nossos (e itálicos), em duas parte (com a devida vénia, ao ICS - Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa). 

A primeira parte é dedicada a Angola, onde o general Bettencourt Rodrigues foi o "herói da região militar leste" (1971-1973). A segunda, à Guiné.

Os entrevistadores, já falecidos, Manuel Lucena, cientista político (1938-2015)  e Luís Salgado de Matos, sociólogo (1946-2021), foram dois brilhantes investigadores do ICS - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Este documento também está disponível no Arquivo de História Social do ICS. Faz parte do espólio de Manuel Lucena.

Estudos Gerais da Arrábida > 
A DESCOLONIZAÇÃO PORTUGUESA

Painel dedicado à Guiné (29 de Julho de 1997) 


Manuel de Lucena

Antes da eclosão da guerra Angola - e baseando-me no depoimento que concedeu a José Freire Antunes  (2) - sei que estagiou em unidades norte-americanas e esteve integrado na Divisão SHAPE. Quer falar-nos um pouco dessa experiência? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Em 1952, depois de ter feito o curso de Estado Maior no Instituto de Altos Estudos Militares, o então Chefe de Estado Maior, general Barros Rodrigues, destacou-me para tirar o curso de Comando e de Estado Maior nos EUA (Kansas). Seguidamente, estagiei na 1ª Divisão de Infantaria norte-americana instalada no campo de Graffenworhr, na Alemanha Ocidental. 

Passado algum tempo, constituiu-se a Divisão SHAPE, que actuou em numerosos exercícios e manobras, dentro e fora do país, Nessa unidade, fui adjunto da 3* Repartição do Quartel General durante o período de manobras de 1953 e anos seguintes. 

Quando regressei a Portugal, estive durante algum tempo colocado em Santa Margarida, onde se começaram a aplicar os modelos e técnicas americanas ao Exército português: foi em Santa Margarida que nasceu o moderno Exército portuguesa. 

Foi talvez em 1958 que começámos a ter a percepção de que algo iria acontecer em África, fundamentalmente devido ao exemplo da guerra da Argélia e às primeiras independências na África negra. 

Por essa  altura tomaram-se certas providências tendo em vista a adaptação do Exército ao tipo de inimigo que poderia ter de vir a enfrentar. 

Enviaram-se alguns oficiais para a Argélia (Hernes de Oliveira, Almiro Canelhas, Franco Pinheiro, entre outros), a fim de se familiarizarem com os métodos de luta anti-guerrilha; mudaram-se os planos de instrução; no Instituto de Altos Estudos Militares, na Academia Militar e nas Escolas Práticas começou leccionar-se a teoria da «guerra subversiva»; em Lamego, foi criado o Centro de Instrução de Operações Especiais, especialmente vocacionado para a luta antissubversiva 

Em 1960 - o ano da independência do Congo belga -, o coronel Almeida Fernandes, então ministro do Exército, mandou uma missão do curso de Estado-Maior a Angola. Fiz parte dessa missão - era então professor no curso Estado Maior - tendo levado comigo os alunos da parte complementar do curso, Percorremos toda a fronteira Norte de Angola em duas station wagons sem que tivéssemos dado conta de algo de anormal. Angola parecia estar perfeitamente pacificada. 

Quando a grande bronca rebenta, - os massacres da UPA de 14 de Março -, eu estava lá em missão, juntamente com os generais Beleza Ferraz e Câmara, respectivamente CEMGFA e CEME. Em Buco-Zau (Cabinda), onde nos encontrávamos, chamaram-nos de urgência para a Luanda. Depois daqueles dois responsáveis terem regressado a Lisboa, na companhia do ministro do Ultramar, Vasco Lopes Alves, ainda lá fiquei uns dias. 

Manuel de Lucena: 

Qual era o propósito dessa última missão? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Tratava-se de uma simples missão de rotina, tanto quanto me recordo. Simplesmente, calhou estarmos lá aquando da eclosão da guerrilha. Depois dessa ocasião, voltei repetidas vezes a Angola, uma delas com o então major Pedro Cardoso, adjunto do Secretário-Geral da Defesa Nacional, por ocasião do cerco a Carmona. 

Em Novembro de 1961 teve lugar um acontecimento dramático: o desastre do Chitado, onde pereceu o general Silva Freire, então comandante da região militar de Angola. Pouco tempo depois, o general Holbeche Fino, designado para suceder a Silva Freire, telefona-me dizendo que gostaria de me levar para Angola como seu chefe de gabinete. 

À minha maneira, respondi-lhe que tinha dois patrões; o general Gomes de Araújo e o general Câmara Pina; se ele se entendesse com eles, muito bem, iria para Angola, Comigo foi sempre assim: basta apresentarem-me a guia de marcha e eu vou para qualquer lado. 

Luís Salgado de Matos: 

Quando em Março de 1961 rebenta a «bernarda» em Angola, o dr. Salazar não quis falar com as pessoas que lá estavam?

 General Bettencourt Rodrigues: 

Não sei. Pela minha parte, só falei com o Costa Gomes e o Almeida Fernandes. 

Luís Salgado de Matos: 

Não é no regresso daquela visita que os generais Beleza Ferraz e Câmara Pina classificam os incidentes em Angola como um simples caso de polícia e depois são muito criticados? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Sim, admitia-se que o general Beleza Ferraz talvez não tivesse medido bem a gravidade da situação; e daí essas declarações menos felizes. 

Luís Salgado de Matos: 

Ainda em relação a esse ano de 1961, como viu o golpe do general Botelho Moniz? 

General Bettencourt Rodrigues: 

O general Botelho Moniz era um homem muito complicado, muito fechado sobre si mesmo. Quem não segue as regras no Exército, acaba sempre por «dar gato»

Ainda hoje não sei bem o que foi a «Abrilada». Que eles queriam derrubar o dr. Salazar e o almirante Américo Tomás é um facto - e o Craveiro Lopes até já tinha a mala feita para se instalar em Belém. Agora o que sucederia depois do golpe, isso permaneceu sempre um mistério para mim. 

Manuel de Lucena: 

Como é que o sr. general sentiu o ambiente das Forças Armadas em Angola, em 1961? Nos escalões que contavam, é evidente. 

General Bettencourt Rodrigues: 

Apesar de uma certa surpresa perante a proporção que as coisas assumiram em Março de 1961, já havia um certo planeamento por parte dos responsáveis militares. O general Silva Freire, um estratega brilhante, tinha alinhavado algumas ideias para enfrentar um possível foco de subversão. 

Infelizmente, no desastre do Chitado faleceram também dois chefes de Repartição do Quartel General. Escaparam, valha-nos isso, o hoje coronel Moreira Rebelo, da 1ª Repartição, e o hoje general Salazar Braga, da 2ª Repartição. 

Em finais de 1961 tínhamos para resolver: a reconstituição Quartel General, as comunicações, a logística e a montagem do sistema de quadrícula. Ou seja, praticamente o essencial. 

O sistema de quadrícula, de inspiração francesa, surgiu-nos como o mais adequado, até porque os massacres tinham eclodido em regiões onde não existiam guarnições militares, deixando os fazendeiros num grande isolamento. 

Luís Salgado de Matos: 

O general Silva Freire era um oficial da escola francesa? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Sim, mas era sem dúvida o nosso melhor general, um dos mais brilhantes estrategas da sua geração. Ele teve a inteligência de perceber que era através da quadrícula que poderíamos contactar com as populações, trazê-las para o nosso lado. 

Repare: a guerra dita subversiva é um conflito assimétrico; uma disputa entre dois adversários desiguais em termos de organização, recursos e implantação no terreno. 

O sistema da quadrícula adaptou-sese bem às características da guerra subversiva. Era a quadrícula que integrava o médico que fornecia os cuidados de saúde básicos, o cabo que dava a instrução primária aos indígenas, o soldado que conhecia bem os musseques, a sanzala, enfim, a tropa que ia fazendo o  «trabalhinho». 

Quando se queria bater com força, então chamavam-se as forças de intervenção. Foram ambas indispensáveis e complementares uma da outra. 

Luís Salgado de Matos: 

Diz-se que a quadrícula deixou de combater em 1965. 

General Bettencourt Rodrigues: 

Não tenho essa ideia. Sinceramente. Quando voltei a Angola em 1971 (a minha missão com o general Holbeche Fino terminou em 1964), para chefiar a Zona Militar Leste, combatia-se com determinação. Tanto assim que ainda nesse ano voltou a ser possível circular à vontade nessa região.

 Manuel de Lucena: 

Entre 1961 e 1964, a ideia era cooperar e pacificar, por um lado, e bater quando necessário, por outro? 

General Bettencourt Rodrigues: 

A ideia do apaziguamento era primordial. Era a razão de ser da nossa guerra. Nunca se perseguiu uma estratégia de aniquilamento do inimigo. O nosso lema era «a conquista pelas mentes». 

Luís Salgado de Matos: 

Voltando um pouco atrás. O general Beleza Ferraz tinha ou não razão quando dizia que a situação em Angola se pacificava num ápice? Porque em 1962 as coisas estavam aparentemente controladas... 

General Bettencourt Rodrigues: 

Não é tanto assim. Aquela gente era determinada, batia-se bem, tinha armamento, apoios internacionais. 

Manuel de Lucena: 

A guerrilha era então vista como um inimigo a longo prazo?

 General Bettencourt Rodrigues: 

Era impossível liquidá-la de uma só vez. Repare: qual é a finalidade da guerra subversiva? Substituir uma autoridade por outra, naquele caso, portugueses por angolanos. 

Nesse aspecto, a subversão falhou: foi o 25 de Abril que nos derrubou. 

Como a finalidade era aquela, não podia haver soluções de compromisso. Como é que se faz um cessar-fogo no âmbito de uma guerra subversiva? Nunca ninguém mo soube explicar até hoje. 

Utilizando uma imagem conhecida: uma mulher está grávida ou não; não pode estar apenas um bocadinho grávida…

Manuel de Lucena: 

O que o sr. general pretende dizer é que na guerra subversiva o compromisso é sempre o prelúdio da derrota de um dos lados. É isso? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Eu vou mais longe: qualquer compromisso equivale sempre a uma derrota incondicional

À guerrilha nunca interessam partilhas territoriais, soluções intermédias. É a vitória total ou nada. 

Manuel de Lucena: 

E em relação ao compromisso, quando é que se percebe que um dos lados se está a precipitar no abismo? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Veja esta hipótese: o general Spínola chegava a um entendimento com o Amílcar Cabral e conseguia chamá-lo para o Governo, oferecendo-lhe o cargo de secretário-geral ou coisa que o valha. Neste caso, quem vencia era o general Spínola porque o Governo, a autoridade, mantinha-se portuguesa. 

Luís Salgado de Matos: 

A esse respeito tenho uma espécie de teoria sentimental sobre a descolonização portuguesa. Ganhámos a guerra militarmente - com a possível excepção Guiné - mas o pais decidiu que se retirava, que não valia a pena continuar em África. 

Manuel de Lucena: 

Depois do trabalho com o general Holbeche Fino, entre 1961 e 1964, e até voltar a Angola, por onde andou o sr. general? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Estive três anos em Londres como adido militar e depois fui ministro do Exército, já com o professor Marcelo Caetano. Em 1971 fui então nomeado Comandante da Zona Militar Leste.

 Manuel de Lucena: 

Como surgiu essa sua última nomeação? 

General Bettencourt Rodrigues: Creio que foi o general Costa Gomes, meu grande amigo, que me propôs. 

Luís Salgado de Matos: 

Com quem tinha grandes afinidades tácticas, segundo julgo saber… 

General Bettencourt Rodrigues: 

Direi que partilhávamos de uma certa unidade de vistas. Em 1970-71 a situação em Angola apresentava sinais de deterioração. A subversão alastrou do Norte até ao Leste, à Lunda, ao Mochico e, o que era verdadeiramente preocupante, começara a ameaçar Nova Lisboa, o centro nevrálgico de Angola. 

Nessa altura, o general Costa Gomes decidiu remodelar o dispositivo e criar a Zona Militar Leste, que abrangia os distritos do Bié, Lunda, Mochico e Cuando Cubango. Essa sua iniciativa coincidiu com uma viagem do general Sá Viana Rebelo, ministro da Defesa a Angola. 

Em conversa, o general Costa Gomes sugeriu o meu nome para a chefia do novo comando, tendo obtido a anuência do ministro. 

Manuel de Lucena: 

Entretanto, falou também com o professor Marcelo Caetano? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Exactamente. De resto, eu sempre estive muito à vontade com o professor Marcelo. Tinha sido seu ministro, conhecíamo-nos bem... Ele até dizia que eu usava uma linguagem muito pitoresca... 

Luís Salgado de Matos: 

O professor Marcelo alguma vez se confessou consigo sobre os contados secretos com o PAIGC? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Não acredite nisso... Eu não duvido que o Villas-Boas tenha ido a Londres, mas foi só ver o que é que os tipos queriam, mais nada. Havia um toque do Foreign Office e não se podia dizer que não. 

Manuel de Lucena: 

Quando falou com o professor Marcelo antes de ir para o Leste,  havia mais alguma coisa na manga, ou era apenas uma conversa normal entre o Presidente do Conselho e um antigo ministro que ia desempenhar uma importante missão militar? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Prefiro essa segunda hipótese. Para ser sincero, a conversa foi até relativamente inócua. Discutimos a delicadeza da situação militar, particularmente dramática à volta de Nova Lisboa; falámos das acções que se poderiam desenvolver junto das populações. 

Este último desiderato era, não me canso de sublinhá-lo, muito importante para nós. Nisso, o dr. Salazar e o prof. Marcelo não eram muito diferentes. 

Nas três frentes em que estivemos envolvidos, não arrasámos nada, não recorremos a bombardeamentos maciços, não seguimos uma política de terra queimada

É claro que, numa situação de conflito, há sempre uns tipos desequilibrados que podem praticar abusos. 

Luís Salgado de Matos: 

Na Argélia o uso da tortura em uma directiva explícita do Estado-Maior. O comando de pára-quedistas de Argel estava especificamente treinado para aterrorizar. 

Manuel de Lucena: 

Bem, a esse respeito há até quem fale de uma excessiva brandura por parte da tropa portuguesa. Quer comentar,  sr. general? 

General Bettencourt Rodrigues: 

É claro que quando era preciso bater, nós batíamos. No entanto, é sempre muito difícil dosear essas coisas... 

Mas fomos sempre formados para não cometer excessos. 

Manuel de Lucena: 

Sobre a sua acção no Leste, pode dizer-nos alguma coisa sobre os seus acordos com Jonas Savimbi? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Relativamente a esse assunto, entendo que não devo falar, uma vez que a pessoa em questão ainda está viva e politicamente activa. 

No entanto, esclareço que após o 25 de Abril nunca tive nada a ver nem com a UNITA, nem com o MPLA. 

Manuel de Lucena: 

O brigadeiro Passos Ramos, que nos prestou dois depoimentos em 1995 e 1996, levantou um pouco a ponta do véu sobre esses acordos. Disse-nos, nomeadamente, que houve um entendimento entre o Exército português e a UNITA com vista à formação de um santuário, que, naturalmente, funcionava contra o MPLA. 

Disse-nos também que a UNITA não era um movimento fantoche: estava bem implantada, cobrava impostos aos madeireiros, controlava áreas muito vastas - em suma, dava-nos trabalho. 

General Bettencourt Rodrigues: 

A única coisa que posso dizer é que o general Costa Gomes estava dentro desse entendimento, tal como o professor Marcelo Caetano. O que não equivale a atribuir-lhes a paternidade da ideia. 

Luís Salgado de Matos: 

O fim do 'modus vivendi' com Savimbi ficou a dever-se à inabilidade do seu sucessor? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Em certa medida. A guerra subversiva é uma guerra - como direi? - suja, pouco ortodoxa. 

Se sigo com demasiada intransigência os meus princípios - e essa foi a opção meu sucessor - não estou a jogar pelas regras do jogo. 

Luís Salgado de Matos: 

Mas essa inflexão face à UNITA terá tido o assentimento do ministro, não?

 General Bettencourt Rodrigues: 

Não sei. Mas note que o Leste de Angola é um sítio remoto. Naquele conflito gozávamos de uma grande margem de autonomia. 

Manuel de Lucena: 

Quando estive exilado, falei uma vez com um homem do MPLA, um mestiço, Castro Lopo, que se confessou muito impressionado com as dificuldades que o movimento então experimentava na Frente Leste. Dificuldades sobretudo ao nível dos abastecimentos - vinha tudo de muito longe, da Zâmbia, por exemplo, forçando-os a longas caminhadas…

 General Bettencourt Rodrigues: 

Precisamente. Por outro lado, eram essas as vantagens dos terroristas na Guiné. Mas o Governo Zâmbia não regateava apoios à subversão. À semelhança, aliás, de alguns lobbys norte-americanos, como o American Comitte for Africa

Quem tocava no Caminho de Ferro de Benguela era a UNITA, o que não convinha nada à Zâmbia, um país de hinterland com acesso ao mar bloqueado. Isso dava-nos um grande trunfo sobre o Kaunda. É por isso que chamei à guerra subversiva uma guerra suja: cada um dos lados combatia com manhas e artimanhas. 

Manuel de Lucena: 

Nesse sentido, o acordo com a UNITA revestía-se de um carácter eminentemente prático; quanto muito implicaria uma integração de quadros dirigentes daquele movimento na administração portuguesa. É isso? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Sim, é mais ou menos isso. 

Luís Salgado de Matos: 

Passando agora para a Guiné (...)

(Continua em próximo poste)

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Notas dos entrevistadores:

1 José Manuel Bettencourt Rodrigues (n. 1918): Oficial de Infantaria. Ministro do Exército (1968-70). Comandante da Zona Militar Leste de Angola (1971-73). Sucedeu a Spínola como governador-geral da Guiné (1973-74). 

(2) José Freire Antunes, A Guerra de África, 1° vo1. Lisboa; Círculo de Leitores, 1996. 

(Revisão / fixação de texto, negritos, itálicos, para efeitos de publicação neste blogue: LG)

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Nota do editor:

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24947: João Crisóstomo, Prémio Tágides 2023 (Categoria "Portugal no Mundo"): uma vida, muitas causas - II (e última) Parte

 

O "Senhor Timor"...  João Crisóstomo, ativista social, cofundador e líder do LAMETA (Luso-American Movement for East- Timor Autodetermination)... Acaba de receber, em Lisboa, no passado dia 11, o Prémio Tágides 2023... Afinal, quem disse que ninguém é profeta na sua terra ? Ele trocou o rincão natal, Paradas, A-dos-Cunhados, Torres Vedras pela megalópole de Nova Iorque, em 1975...

Foto: João Crisóstomo, Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã, 1 de julho de 2017. Fotografado por Luís Graça.

Prémio Tágides (2023)


Num total de 171 candidatos, João Crisóstomo foi nomeado para a categoria "Portugal no Mundo" (inaugurada nesta 3ª edição, teve 3 fases de seleção, 14 candidatos, três finalistas, 
e o júri foi presidido por Isabel Mota). 

O prémio Tágides, criado em 2021, “pretende identificar, reconhecer, celebrar e premiar projetos, iniciativas ou trabalhos de pessoas que se destaquem na luta contra a corrupção e na promoção da integridade em Portugal”.

A candidatura de João Crisóstomo  foi apresentada por amigos e admiradores luso-americanos. Dos elementos que chegaram às nossas mãos, selecionámos este material informativo com dados biográficos e um resumo das actividades que o nosso camarada tem desenvolvido nos últimos três decénios na defesa de causas nobres, relevantes para Portugal e os portugueses no mundo. Esta é a segunda e última parte (*)

O nosso amigo e camarada João Crisóstomo é membro da nossa Tabanca Grande desde 26 de julho de 2010, sentando-se à sombra do nosso poilão sob o nº 432 (somos já 881, entre vivos e mortos);  tem 212 referências no nosso blogue; é o régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona;  foi  alf mil inf, CCAÇ CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67); vive em Queens, Nova Iorque,  desde 1975, mas vem cá com frequência, ao  seu querido Portugal.  


(...) 3. TIMOR-LESTE – 1998 (vd. Doc 3, 4, 5, 6, 7)

 

 Nos anos 1990, quando nem a política externa portuguesa nem a americana incluiam na sua agenda a independência de Timor Leste, João Crisóstomo e um grupo de amigos criou em 1998, em Nova Iorque, a associação LAMETA (Luso-American Movement for East- Timorese Autodetermination), através da qual apoiou pessoalmente nacionalistas timorenses que visitavam os Estados Unidos e promoveu acções de apoio à independência timorense junto de meios de comunicação social (NY Times, CNN e outros) e de órgãos do poder politico americanos. 

Entre outras iniciativas, organizou uma manifestação pró- independência em frente ao consulado indonésio em Nova Iorque (1999) e, com o apoio de associações luso- americanas e particulares, canalizou uma sucessão de donativos – a aproximar-se dos $200.000 dólares - para associações que no terreno timorense respondiam aos problemas sociais do território que se iria (re)tornar independente em 20 de Maio de 2002.

Graças a diligências suas e de figuras políticas contactadas, o Senado americano aprovou a Resolução 237 de 22 de Maio de 1998 apoiando a realização de um referendo em Timor-Leste. A resolução foi apresentada pelos senadores Feingold, Reed, Moynihan, Kohl, Kennedy, Harkin, e Wellstone.

Descendo a pequenos pormenores, numa altura em que pouco existia em Timor-Leste, e dada a sua proximidade com a causa timorense, chamou a si a tarefa de comprar uns óculos de que urgentemente precisava Taur Matan Ruak, então ligado ao comando da guerrilha nacionalista timorenses e futuro presidente de Timor Leste independente (2012-1017) e primeiro-ministro (2018- 2023). Os óculos, no valor de algumas centenas de dólares, foram comprados numa loja propriedade de Peter Pantoliano, situada na convergência da Niagara St. com a Ferry St. em Newark, NJ.


4. DIA DA CONSCIÊNCIA – 2004, 17 DE JUNHO (Vd. Doc 10)

 

 Desde 2004, tem estado empenhado na declaração mundial do dia 17 de junho como DIA DA CONSCIENCIA

O dia 17 de Junho de 1940 foi a data em que, contrariando as ordens de Lisboa mas obedecendo à sua consciência, Aristides de Sousa Mendes começou a conceder vistos em massa a judeus e a outros refugiados da Segunda Grande Guerra.

O Dia 17 de Junho de 2004 e o “Acto de Consciência” de Aristides de Sousa Mendes de 1940 foram celebrados nesse ano com cerca de oitenta acontecimentos por todo o mundo, com destaque para 34 Missas celebradas com a maior solenidade em 21 países. 

Esta data continuou a ser celebrada nos anos seguintes, alguns deles com grande notoriedade. Em 2010 registaram-se vários acontecimentos e entre eles uma concelebração de quatro cardeais em Roma, que mereceu devida cobertura pela Agência Zenit: “Tribute paid to those who followed conscience”, Rome June 18, 2010 ( Zenit.org).

Semelhantes acontecimentos ocorreram em outros países e no Parlamento do Canadá houve uma moção introduzida pelo legislador luso-americano Mario Silva,  “encouraging all parliamentarians to recognize this devotion to conscience by supporting my notion designate June 17 each year a day of conscience, consistent with the international efforts of João Crisóstomo”.

Na Audiência Geral de 17 de Junho de 2020 o Papa Francisco lembrou o dia: 

“Today is the Day of Conscience, inspired by the witness of the Portuguese diplomat Aristides Sousa Mendes, who around 80 years ago decided to follow his conscience and saved the lives of thousands of Jews and other persecuted people. May freedom of conscience be respected and always and everywhere and may every Christian give the example of the consistency of an upright conscience enlightened by the Word of God”.

Em 2019, a Assembleia Geral da ONU declarou 5 de Abril Dia da Consciência – sem qualquer relação com as acções de Sousa Mendes - decorrendo neste momento diligências para conciliar as datas.


5. ENCERRAMENTO DE CONSULADOS PORTUGUESES -  2006

   Quando em 2006, o governo português decidiu encerrar o Consulado Geral de Portugal em Nova Iorque no âmbito de um programa de reorganização consular que queria implementar em todo o mundo, a acção foi vivamente contestada pela população luso-americana que o consulado servia. 

João Crisóstomo assumiu a liderança do movimento de contestação que, entre outras medidas, incluiu uma manifestação em Mineola, NY, em Janeiro de 2007. 

O Consulado Geral, que contava 45.000 inscritos, acabou por ser transformado num escritório consular e, mais tarde restituido ao seu estatuto anterior. Hoje é chefiado por uma diplomata do quadro a tempo inteiro.


6. LUSO-AMERICANO REFÉM DAS FARC NA COLÔMBIA  - 2008 (Vd. Doc 9)


Em Abril de 2008, as comunidades portuguesas dos Estados Unidos viviam com alguma ansiedade a sorte do luso-americano Marc Gonsalves, desde Fevereiro de 2003 refém das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). 

Aproveitando-se da visita que o primeiro-ministro português José Sócrates iria efectuar à Venezuela, João Crisóstomo lançou uma accão de mobilização das associações portuguesas, 33 das quais escreveram uma carta ao primeiro-ministro pedindo-lhe diligências a favor do refém luso-americano junto do líder venezuelano, que mantinha bom relacionamento com as FARC. 

“Estas associações de 6 estados norte-americanos, representando milhares de portugueses e luso-americanos, deram o seu apoio imediato a esta diligência que surgiu nos meios associativos portugueses de Newark, NJ, e que eu me limitei a coordenar em obediência a imperativos de consciência, por dever de solidariedade humana e por não desconhecer - como antigo combatente na Guiné - o que serão para um dos nossos - Marc Gonsalves - os horrores do isolamento e as tensões de um clima de guerra” – escreveu João Crisóstomo na carta que endereçou ao primeiro-ministro português.

 Marc Gonsalves e outros reféns foram libertados em 2 de Julho de 2008 na sequência de uma operação das forças militares colombianas sem que fosse necessária a pressão do primeiro-ministro português.


7. UMA ESCOLA CONSTRUÍDA NAS MONTANHAS DE TIMOR-LESTE CO-FINANCIADA E COM PROFESSOR – 2017-2018 (Vd. Doc. 11)


Em Setembro de 2016, João Crisóstomo avistou-se em Nova Iorque com o primeiro-ministro de Timor-Leste Rui Maria Araújo mostrando-lhe documentalmente o que as comunidades luso-americanas tinham feito, quase anonimamente, pela independência de Timor-Leste. 

O chefe do governo timorense confessou que também desconhecia esse esforço, mas encorajou o activista a colocar em livro essa longa jornada que ele dirigira ou encorajara nos anos dificeis que precederam a independência. 

O livro foi impresso em 2017 (“LAMETA, o Desconhecido Contributo das Comunidades Luso- Americanas para a independência de timor-Leste”) e o primeiro-ministro quis que João Crisóstomo o fosse lançar a Dili.

De passagem por Lisboa a caminho de Dili teve oportunidade de conhecer em Portugal o professor Rui Chamusco, natural do Sabugal e ex-professor na Lourinhã, com alguns largos meses passados em Timor-Leste. 

Foi o professor Chamusco que lhe falou dum projecto duma escola nas longínquas montanhas de Liquiçã em cuja construção estavam também dispostos a dar o seu melhor o casal timorense Gloria e Gaspar Sobral.

Conta João Crisóstomo: 

“Quando cheguei a Timor Leste procurei e encontrei o João Moniz (Eustáquio), irmão do Gaspar, que me levou às montanhas de Manati-Boibau, província de Liquiça, onde me aventurei para conhecer o local onde encontrei centenas de "crianças esquecidas" e deparei nesse local com as necessidades e o muito interesse das gentes nas montanhas de Boebau pela construção duma escola. No mesmo momento eu e minha esposa Vilma que tinha vindo connosco a estas montanhas, resolvemos dar um contributo para este projecto para que ele começasse imediatamente e dei conta desta decisão ao Rui Chamusco.”

O resultado foi que passadas duas semanas o local, sob a supervisão do Eustáquio, era já um fervilhar de actividades. A construção da escola tinha começado a todo o vapor.

Em princípios de 2018 a escola era uma realidade. Foi inaugurada no dia 19 de Março com a presença do Embaixador José Pedro Machado Vieira ; Mons Mario Codamo representante do Vaticano em Dili; Dr. Rui Acácio, director da escola portuguesa de Dili e outros que demostrando vontade e inspiradora coragem enfrentaram os difíceis acessos ao local para aí estarem presentes nesse dia.

Apesar de solicitadas, as autoridades portuguesas não dedicaram interesse a este projecto concretizado e os promotores da escola são também os responsáveis financeiros pelo salário do professor, para o qual construiram também uma residência.

A escola é um edifício simples que consta de 3 salas possibilitando o atendimento a 60 crianças, em dois turnos, 30 de manhã e 30 de tarde. A escola mais próxima fica de duas a três horas a pé, para cada lado, e o acesso é por trilhos. Mesmo assim, esta já não pode receber mais crianças do que as que já tem, por falta de condições. 

Estas escolas também ajudarão a dar futuro à língua portuguesa em Timor-Leste ensinando-a aos mais jovens (45% da população timorense tem menos de 50 anos de idade), muito pressionados a trocarem-na pela língua inglesa do seu poderoso vizinho Austrália.

Como acontece tantas vezes na vida das pessoas, João Crisóstomo tem lançado e lutado por estas e por outras causas por imposição da sua consciência cívica e cristã e nunca reivindicou créditos.

Como o seu herói Sousa Mendes, basta-lhe o aplauso da sua consciência.


Anexos:


Doc 3 - Recorte do "Luso-Americano", 10 de setembro de 1999



Doc 4 - Recorte do "Luso-Americano", 23/2/2000



Doc 5 -Recorte de "Luso-Americano", 8/5/2002



Doc 6 - Recorte de "Luso-Amerciano", 12/11/1999



Doc 7 - Recorte de "Luso-Americano", 2/2/2009




Doc 9 -  Recorte do "Luso-Americano", 9 de abril de 2008: Solidariedade com Marc Gonsalves


Doc 10 - Recorte da agência "Lusa", 16/6/2021: Entrevista a João Crisóstomo sobre o Dia da Consciência


Doc 11 - Recorte de "Comunidades", 28 de fevereiro de 2018

(Adaptação, revisão, fixação de texto, links, fotos no texto, negritos: LG)

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Nota do editor LG:

(*) Poste anterior: 

12 de dezembro de 2023: Guiné 61/74 - P24945: João Crisóstomo, Prémio Tágides 2023 (Categoria "Portugal no Mundo"): uma vida, muitas causas - Parte I