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quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20390: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte V


Foto 1 – Uma mina A/C (ao centro) e três minas A/P. Foto do P15813, de José Manuel Lopes, ex-fur mil da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74, com a devida vénia.

Na legenda desta foto pode ler-se: "Das dezenas que o Vilas Boas e o Fernandes levantaram. Ainda hoje me interrogo como só tivemos uma baixa em minas, além dos seis trabalhadores que foram vítimas de uma mina A/C ao beber água de um carro cisterna que molhava a terra da estrada acabada de terraplanar para lhe dar consistência. A picagem era mesmo um trabalho bem planeado e bem feito, onde o método, o rigor e a paciência, eram fundamentais. A pica era mesmo o sexto sentido dos soldados da CART 6250."

A propósito desta rotina, com a qual o contingente da CART 6250 teve de conviver durante a sua missão no CTIG, José Manuel Lopes (Josema) escreveu, para memória futura, o seguinte poema:





O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, 
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, 
indigitado régulo da Tabanca de Almada; 
tem 230 registos no nosso blogue.


ENSAIO SOBRE AS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA – PARTE V


1. – INTRODUÇÃO

Este quinto fragmento da temática em título continua a unir o interesse pessoal com a procura de outros (novos) elementos historiográficos emergentes na natureza da guerra. Deste modo, prosseguimos com a divulgação e análise de mais alguns resultados apurados, tendo por objecto de estudo o universo das "baixas em campanha" de militares do Exército, e como amostra específica os casos de mortes de "condutores auto rodas", ocorridas durante a guerra no CTIG (1963-1974), identificados na literatura "Oficial" publicada pelo Estado-Maior do Exército.


2. - ANÁLISE DEMOGRÁFICA DAS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE-ACIDENTE-DOENÇA (n=191)

Como temos vindo a referir, a análise demográfica incluída nesta investigação, e as variáveis com ela relacionada, foi feita a partir dos casos de mortes de militares do Exército durante a guerra no CTIG (1963-1974), da especialidade de "condutor auto rodas", identificados nos "Dados Oficiais", elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II, Guiné; Livros 1 e 2; 1.ª Edição, Lisboa (2001).



Quadro 1 – Distribuição de frequências das variáveis categóricas "em combate" ("contacto", "minas" e "ataque ao aquartelamento"), segundo a «Estação Seca», considerada entre 1 de Maio e 15 de Outubro.




Quadro 2 – Distribuição de frequências das variáveis categóricas "em combate" ("contacto", "minas" e "ataque ao aquartelamento"), segundo a «Estação das Chuvas», considerada entre 16 de Outubro e 30 de Abril.


3. – MAIS ALGUNS EPISÓDIOS E CONTEXTOS ONDE OCORRERAM MORTES DE CONDUTORES AUTO RODAS ["CAR"] POR EFEITO DE REBENTAMENTO DE "MINAS"

Neste ponto, continuamos a respeitar um dos principais objectivos deste trabalho onde, para além dos números, se recuperam algumas memórias, sempre trágicas, quando estamos em presença de perdas humanas. Serão mais quatro "casos" (de um total de trinta e três), enquadrados pelos contextos conhecidos. Como principal fonte de consulta, foi utilizado o espólio do blogue, ao qual adicionámos, ainda, outras informações obtidas em informantes considerados privilegiados.


3.13 – 25 DE AGOSTO DE 1966: A QUARTA BAIXA DE UM "CAR" POR MINA - O CASO DO SOLDADO FRANCISCO ANTÓNIO FERNANDES LOPES, DA CCAÇ 1566, ENTRE S. JOÃO E NOVA SINTRA

A quarta morte de um condutor auto rodas, do Exército, em "combate", por efeito do rebentamento de uma mina (fornilho), foi a do soldado Francisco António Fernandes Lopes, natural de Estômbar, Lagoa, ocorrida no dia 25 de Agosto de 1966, 5.ª feira, por volta das 18:00h, no regresso de uma actividade operacional na sua zona de acção, no itinerário entre S. João e Nova Sintra, a cerca de mil metros do aquartelamento.

O condutor Francisco Lopes pertencia ao 1.º Gr Comb da CCAÇ 1566 [26Abr66-23Jan68, do Cap Mil Inf António dos Santos Paula (1.º); Alf Mil Inf Vladimiro de Pinho Brandão (2.º) e Cap Inf Adolfo Melo Coelho de Moura (3.º)], unidade que, após a sua chegada a Bissau, substituiria a CART 676 [13Mai64-27Abr66, do Cap Art Álvaro Santos Carvalho Seco (Pirada, Bajocunda e Paunca)] que de imediato embarcou no N/M «UÍGE», por ter concluído a sua comissão.

Durante a sua curta permanência em Bissau, na dependência do BCAÇ 1876 [26Jan66-04Nov67; do TCor Inf Jacinto António Frade Júnior], a CCAÇ 1566 teve por missão a segurança e protecção das instalações e das populações da área, efectuando, simultaneamente, a instrução de adaptação operacional na região de Mansoa.

Em 30Abr66, cedeu, temporariamente, um Gr Comb para reforço da guarnição de Pelundo, na dependência do BCAV 790 [28Abr65-08Fev67; do TCor Cav Henrique Alves Calado (1920-2001)] e depois do BCAÇ 1877 [08Fev66-06Out67; do TCor Inf Fernando Godofredo da Costa Nogueira de Freitas] e onde se manteve até 26Jun66.

Em 30Mai66, iniciou o deslocamento dos seus efectivos para Jabadá, tendo seguidamente rendido a CCAÇ 797 [28Abr65-19Jan67; do Cap Inf Carlos Alberto Idães Soares Fabião (1930-2006) - Militar de Abril], assumindo, em 03Jun66, a responsabilidade do subsector de S. João, incluindo o destacamento de Jabadá e ficando integrada no dispositivo e Manobra do BCAÇ 1860 [23Ago65-15Abr67; do TCor Inf Francisco da Costa Almeida] e depois do BART 1914 [13Abr67-03Mar69; do TCor Art Artur Relva de Lima (1.º).

A partir de 28Nov66, a sede do subsector passou para Jabadá, ficando o 1.º Gr Comb a guarnecer um destacamento em S. João, sob o comando do Alf Mil José Inácio Leão Varela. Em 11Jan68, o Gr Comb em S. João foi substituído pela CART 1802 [02Nov67-23Ago69; do Cap Mil Art António Nunes Augusto (1.º) e em 13Jan68, dois Grs Comb da CART 1743 [30Jul67-07Jun69; do Cap Mil Inf José de Jesus Costa (1.º)] passaram a guarnecer a povoação de Jabadá, tendo a subunidade recolhido a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso. [Ceca; 7º vol. p 354]



Foto 2 - S. João (1967) - O 1.º Gr Comb da CCAÇ 1566, do Alf Mil Leão Varela - P14007
Após confirmado o óbito do soldado "CAR" Francisco António Fernandes Lopes ocorre, no aquartelamento, uma segunda baixa, a do soldado José Maria Fernandes Carvalho, natural de Aião, Felgueiras, devido a paragem cardiorrespiratória.

Os corpos dos malogrados Francisco Lopes e José Carvalho seriam, no dia seguinte, inumados no cemitério de Bolama, em campas uma ao lado da outra [poste P3421].

Na caixa de comentários ao poste P3389, Leão Varela deixou a seguinte mensagem:

"Caros amigos e camaradas: acabo de ler o relato dos falecimentos dos nossos saudosos camaradas José Maria Fernandes Carvalho e Francisco António Fernandes Lopes que, naturalmente, me deixou bastante comovido pela recordação do momento mais triste que tive na Guiné. Um daqueles momentos que jamais esquecemos mas que nos custa reviver. Ia de imediato relatar-vos [29Jan2015] como as tristes ocorrências se passaram. Mas não fui capaz… quase que as lágrimas me rompiam.

"Na verdade, trata-se dos dois camaradas que pertenciam ao 1.º Pelotão que eu comandava… que dia triste. Por isso, não consigo escrever mais… desculpem-me… mas hoje não dá para ir mais longe… deve ser por causa das muitas luas que já passaram por mim. Dentro de alguns dias voltarei aqui, ou por mail, para vos descrever como tudo se passou. Até lá aqui fica o meu abraço para todos e os meus sentimentos para os familiares destes dois saudosos amigos e camaradas. Que descansem em paz. Leão Varela (ex-Alf Mil)." [Poste P3389]


3.14 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' VÍTOR MANUEL RIBEIRO LOPES, DO PEL REC DAIMLER 2045, EM 01.NOV.1968, ENTRE CATIÓ E CUFAR

A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Vítor Manuel Ribeiro Lopes, natural de São Sebastião da Pedreira, Lisboa – a vigésima primeira de um "CAR" –, ocorreu no dia 01 de Novembro de 1968, 6.ª feira, por efeito do rebentamento de uma mina anticarro, no itinerário Catió e Cufar, durante a realização de uma coluna auto.

O condutor Vítor Lopes pertencia ao Pelotão de Reconhecimento Daimler 2045 [Pel Rec Daimler  2045], uma unidade mobilizada pelo Regimento de Cavalaria 6 [RC6], do Porto, tendo desembarcado em Bissau a 07Mai68, e o seu regresso a verificar-se a 10Mar70. Após a sua chegada a Bissau, a unidade comandada pelo Alf Mil Cav Alfredo Cardoso seguiu para Catió, a fim de substituir o PRecD 1132 [Ago66-Mai68], onde permaneceu durante os vinte e dois meses da sua comissão. Em Fev70, foi rendida pelo PRecD 2205.

Perante a não existência de referências históricas no blogue relacionadas com cada um dos três Pel Rec Daimler  acima identificados: "1132", "2045" e "2205", a concretização do principal objectivo deste trabalho ficou dependente do que, eventualmente, pudesse encontrar ao longo da pesquisa. No final, podemos dizer que tivemos algum sucesso, pouco, é certo, mas foi o possível.

Localizámos uma notícia publicada no «Mafra Hoje» online, do dia 20 de Setembro de 2011, a propósito da inauguração de um Monumento aos Combatentes da Freguesia de Azueira (Mafra) que tombaram na Guerra do Ultramar. Trata-se de uma revista com 4 páginas, onde em cada uma delas se dá conta dos conteúdos expressos nas diferentes intervenções previstas para esta cerimónia pública.



Na terceira e quarta página, O Alf Mil Cav Alfredo Cardoso, Cmdt do Pel Rec Daimler 2045, faz uma alusão à morte em combate do soldado "CAR" Vítor Manuel Lopes, referindo:

"Embarcámos em Abril de 1968 [chegada a 7 de Maio de 1968 e regresso a 10 de Março de 1970] no navio «Niassa», rumo à Guiné onde o pelotão [PRecD 2045] permaneceu cerca de dois anos. Infelizmente o Vítor Manuel não teve a sorte de estar connosco até ao fim da Comissão de Serviço porque uma mina traiçoeira, rebentando debaixo da viatura Daimler que conduzia, pôs fim à sua vida promissora passados apenas seis meses após a nossa chagada à Guiné. O Vítor Manuel como homem e como militar foi sempre, em todos os momentos, um exemplo de colega respeitador, voluntarioso, dedicado e sempre amigo de todos os colegas e seus superiores, tendo sempre desempenhado as suas funções com empenho e dedicação. Por tais motivos acho de toda a justiça esta homenagem que a Associação de Ex-Combatentes do Ultramar, os seus amigos, familiares e conterrâneos resolveram prestar-lhes." 

Fonte:
https://www.yumpu.com/pt/document/read/12731083/monumento-aos-combatentes-freguesia-de-azueira-ultramar


3.15 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' MANUEL DA COSTA SOARES, DA CCAÇ 12, EM 13.JAN.1971, EM NHABIJÕES (BAMBADINCA)

A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Manuel da Costa Soares, natural de Palmaz, Oliveira de Azeméis – a vigésima sétima de um "CAR" –, ocorreu no dia 13 de Janeiro de 1971, 4.ª feira, por volta das 11:25h, por efeito do rebentamento de uma mina anticarro, à saída do reordenamento de Nhabijões, um aglomerado populacional de maioria balanta, situado nos arredores de Bambadinca [Sector L1].

O condutor Manuel da Costa Soares pertencia à CCAÇ 2590 [CCAÇ 12, desde 18Jan70], uma subunidade constituída por quadros e especialistas metropolitanos a que se juntaram outros elementos de recrutamento local, da etnia Fula.

Este colectivo efectuou a 2.ª fase da instrução de formação em Contuboel, entre 02Jun69 e 12Jul69. Em 18Jul69, foi dada como operacional, sendo colocada em Bambadinca, como força de intervenção de reserva do Agr 2957 [15Nov68-19Ago70; do Cor Inf Hélio Augusto Esteves Felgas (1920-2008)], na zona Leste [com sede em Bafatá, e abrangendo os sectores de Bambadinca, Bafatá e Nova Lamego], ficando adida ao BCAÇ 2852 [30Jul68-16Jun70; do TCor Inf Manuel Maria Pimentel Bastos (1.º) e TCor Cav Álvaro Nuno Lemos de Fontoura (2.º)]. Em 07Jun70, foi rendido no sector [L1] pelo BART 2917 [25Mai70-24Mar72; do TCor Art Domingos Magalhães Filipe (1.º) e TCor Inf João Polidoro Monteiro]. 

A CCAÇ 2590/CCAÇ 12, por períodos variáveis, destacou forças para guarnecerem diversos destacamentos em Sinchã Mamajã, Sare Gana, Sare Banda e Ponte do Rio Udunduma, colaborando ainda, de Nov69 a Jul70, na construção do reordenamento de Nhabijões. Em 18Jan70, a subunidade passou a designar-se CCAÇ 12, sendo considerada subunidade da guarnição normal, desde aquela data. (Ceca; 7º vol. p 380).

Quanto à descrição da ocorrência é de relevar o testemunho singular de quem nela esteve envolvido, neste caso, o Alf Mil Sap da CCS/BCAÇ 2917, Luís Rodrigues Moreira.

No poste  poste P10936, o camarada Luís Moreira, em narrativa enviada para publicação titulada «Efemérides: Nhabijões, 13 de Janeiro de 1971, morte na picada» refere:

"Passam hoje quarenta e dois anos [1971-2013] sobre aquele fatídico dia em que, no destacamento de Nhabijões bem no centro da Guiné-Bissau e cerca das 11:25 horas, faleceu um jovem pai de seu nome [Manuel da Costa] Soares, condutor auto rodas da CCAÇ 12, destacado naquele reordenamento juntamente com outros camaradas da mesma companhia e ainda alguns camaradas sapadores da CCS do BART 2917 e eu Alf Mil Sapador do mesmo Batalhão que comandava aquela força há pouco menos de um mês, vítima de uma mina anticarro quando nos conduzia, a mim, ao furriel Fernandes da CCAÇ 12 e ainda a um jovem africano com menos de 10 anos de idade e não me recordo se mais alguém; à sede do Batalhão em Bambadinca onde eu iria almoçar e presumo que o mesmo iria fazer o Fernandes, regressando depois o Soares com o Unimog 411 que lhe estava distribuído e o almoço para os restantes camaradas que aguardavam no destacamento.

"Não tenho nenhuma memória dos factos que se sucederam excepto daqueles que me contaram os camaradas que nos socorreram e, saiba-se lá porquê, das últimas palavras que o Soares proferir: "vamos fazer gincana, meu alferes".

E explico a razão das suas palavras:

"A estrada por onde circulámos era de terra batida como a maioria das estradas da Guiné naquele tempo. No lado esquerdo da estrada e no sentido em que seguíamos, portanto em contramão para nós, havia um enorme buraco, em diâmetro, não muito fundo mas que todas as viaturas que por ali passavam evitavam até porque a maioria delas passava carregada de bidões de água que iam buscar à Ponte do Rio Udunduma, a alguns quilómetros de distância, e não convinha partir alguma peça da viatura ou perder alguma água com os solavancos. - Ao dizer estas palavras, o Soares desviou a viatura do trajecto normal para descer e subir aquele obstáculo. Foram as suas últimas palavras já que dentro do buraco estava dissimulada uma mina anticarro que rebentou sob o rodado do lado do condutor, deixando o Unimog 411 reduzido a um monte de escombros como se pode ver na foto 3 abaixo." [ver, também, P5717, P11508 e P12139].

Quanto ao camarada Alf Luís Moreira, que ficara gravemente ferido, foi evacuado para o HM 241, em Bissau, onde permaneceu até ser considerado apto. Após reavaliação clínica, foi reclassificado para "serviços auxiliares", tendo passado o restante tempo da sua comissão no CTIG, cerca de dezasseis meses, agora no Batalhão de Engenharia (BENG 447) - poste P10936.


Foto 3 – Estado em que ficou o Unimog 411, depois de accionar uma mina anticarro à saída do reordenamento de Nhabijões, em 13 de Janeiro de 1971, onde tombou o condutor auto rodas Manuel da Costa Soares, da CCAÇ 12. Foto de Humberto Reis, com a devida vénia.



3.16 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' ANTÓNIO LUÍS DO COUTO TOSTE PARREIRA, DA CCAÇ 3414, EM 29.MAI.1973, ENTRE BINTA E GUIDAGE


A última referência que elegemos para incluir nesta quinta narrativa, de um quadro de trinta e três casos onde se verificaram mortes em "combate" de "condutores auto rodas" provocadas por engenhos explosivos (minas), tem por contexto as movimentações militares realizadas pelas NT em Maio de 1973, na região de Guidage (Sector Oeste), cujos episódios ficarão gravados, para sempre, na historiografia da Guerra, como «O Cerco de Guidage».

Estão nesta circunstância as ocorrências que determinaram a morte em combate do soldado "CAR" António Luís do Couto Toste Parreira, da CCAÇ 3414 [02Jul71-23Set73; do Cap Inf Manuel José Marques Ribeiro de Faria], natural de Ribeirinha, Angra do Heroísmo, Ilha Terceira (Açores).
Para a elaboração deste ponto foram utilizadas as seguintes fontes históricas:

«P9972: … A coluna do dia 29 de maio de 1973: a participação da 38.ª CCmds (Pinto Ferreira / Amílcar Mendes / João Ogando»;

«Os Marados de Gadamael e os dias da Batalha de Guidage, do Fur Mil Daniel Rosa de Matos (1950-2011), da CCAÇ 3518 [Gadamael, 24Dez71-28Mar74, do Cap Mil Inf Manuel Nunes de Sousa]»;

«https://pt.slideshare.net/ Cantacunda/cercados-em-guidage» e «P6201» e

«https://www.cmjornal.pt/mais-cm/ domingo/detalhe/mata_me_acaba_com_esta_agonia».

Das análises realizadas, retivemos as seguintes:


[…] "À hora aprazada do dia 29/05/1973 [3.ª feira], a coluna saiu de Binta pela seguinte ordem: à frente um grupo/secção de Picadores, depois a 38.ª CCmds a 3 grupos, com uma viatura de Engenharia e outras duas viaturas, uma delas com o Morteiro 81. A seguir, ia a Companhia de Cavalaria do Cap Cav Fernando José Salgueiro Maia (1944-1992), [CCAV 3420; 09Jul71-03Out73] e na rectaguarda a do Cap Inf Manuel José Marques Ribeiro de Faria [CCAÇ 3414; 02Jul71-23Set73], que fechava a coluna.

"Verificando-se que alguns Picadores tinham dificuldades em avançar, passámos a deslocarmo-nos ao lado deles no sentindo de lhes levantar o moral. Por esse facto, os elementos da 1.ª Equipa do Gr Comb da 38.ª CCmds, que seguia na frente, acabaram por se juntar a nós. Entre eles encontrava-se o Furriel Ludgero Sequeira e o 1.º Cabo "Barbeiro" ["Bombeiro" (?), alcunha de Luís Alberto Costa, CAR da CCS/BCAÇ 4512, in: https://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/mata_me_acaba_com_esta_agonia.

"Depois de nos deslocarmos durante algum tempo nestas circunstâncias, fomos surpreendidos por uma forte explosão. Inicialmente pensou-se que seria mais um ataque, mas olhando para trás, verificou-se que um dos Picadores fora projectado pelos ares. Também o Furriel Sequeira estava gravemente ferido no rosto.

"A evacuação não poderia ser feita por via aérea, pois aquela explosão seria o sinal para o inimigo aparecer. Passado algum tempo acercou-se de nós o Cap. Salgueiro Maia, ao qual foi pedido que, com as suas forças se deslocasse para Binta, para a execução de uma evacuação, através de meios navais, pelo Rio Cacheu.

"Resolvido o problema da evacuação, os elementos da 38.ª CCmds passaram para a frente abrindo uma nova picada. Reiniciou-se o deslocamento da coluna, de modo a afastarmo-nos da zona de minas ao mesmo tempo que se salvaguardava uma maior capacidade de reacção ao provável ataque dos grupos do PAIGC.

"Mal se tinha reiniciado a marcha, fomos fortemente atacados sobre o flanco direito. As forças que aí estavam (um Gr Comb da 38.ª CCmds e os restantes elementos da coluna dessa zona) responderam com serenidade ao fogo inimigo. (…)

"A partir da posição Pára, a progressão tornou-se muito difícil, pois o terreno estava cheio de espinheiros muito cerrados, que impediam a passagem das viaturas. Decidimos pois voltar à picada, assumindo o risco de haver mais minas. Contudo, já não estávamos longe do Quartel…
Infelizmente o primeiro Unimog da Cª. do Cap. Ribeiro da Fonseca acabou por rebentar uma mina. Por simpatia, explodiu uma granada de lança roquetes o que veio somar à morte do condutor, vários feridos com estilhaços entre os homens da 38.ª CCmds. Logo de seguida um Milícia pisou uma mina antipessoal, ficando sem o pé e parte da perna. Como estávamos já perto de Guidage, a evacuação teria de ser feita por lá."

Ainda sobre esta missão, o Fur Mil Daniel de Matos (1950-2011), no seu livro: «Os Marados de Gadamael e os dias da Batalha de Guidage", pp 59-60, refere:




Foto 4 – «Operação Ametista Real»; o "Levantar do Cerco". In: Nuno Mira Vaz. Guiné - 1968 e 1973 - Soldados uma vez, sempre Soldados! Tribuna da História. Lisboa, 2003, pp 75-91; de autor desconhecido, com a devida vénia.



Foto 5 - Berliet destruída numa das colunas entre Binta e Guidage em Maio de 1973, com a devida vénia, publicada em 07Set2014 no Correiro da Manhã.

Outras viaturas destruídas deste contexto em P11516: «Álbum fotográfico de Carlos Fraga (ex-alf mil 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1973».

(Continua)

Fontes Consultadas:

- Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.

- Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.

-  Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

03Nov2019
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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de outubro de  2019 > Guiné 61/74 - P20283: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte IV

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19243: Notas de leitura (1125): 38.ª COMPANHIA DE COMANDOS "Os Leopardos" - A História, coordenação de João Lucas (Belarmino Sardinha)



1. Mensagem do nosso camarada  Belarmino Sardinha  (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74), com data de 20 de Novembro de 2018:

A Razão do Meu Comentário

Dado o meu empenhamento em ter este livro, pediu-me o amigo Amílcar Mendes para comentar ou fazer uma apreciação ao mesmo. Aceitei, como amigo e leitor e por ter estado presente no mesmo espaço físico nos meses iniciais das nossas comissões, em Mansoa.

Depois de ter lido o que foi escrito, penso não ter a acrescentar nada de importante que não esteja referido nas suas páginas, a não ser que conheci e conheço alguns dos intervenientes e tornei-me seu amigo, uns por serem Alentejanos, como eu, outros por serem apresentados por estes e outros ainda por residirem na zona onde morava.

Permitam que me desvie um pouco do livro e fale do meu relacionamento com esta gente, camaradas inesquecíveis com quem era fácil fazer amizade a 3000 Km de distância de casa e metidos num quadrado que apenas permitia conhecermo-nos uns aos outros um pouco melhor.

Lembro o Jorge Brito, que figura na parte de trás da capa e como foi aprofundada a nossa amizade. A recuperar de uns estilhaços com que foi brindado logo no início da comissão, possibilitou confraternizarmos no bar da 38.ª de Comandos bebendo uns copos. Essa amizade, forçada por um interregno involuntário após regressarmos, viria a ser retomada com a ajuda do Amílcar Mendes, que me facultou o seu contacto e assim nos reencontrámos e convivemos até que nos deixou em 2017.

Do Alentejano e grande amigo Luís Barreiras, que cedo nos deixou, situação referida nas páginas deste livro, tenho imensa saudade, tive o privilégio de com ele privar algumas vezes e ser por ele convidado a almoçar no refeitório criado e destinado exclusivamente para a 38.ª Companhia de Comandos em Mansoa. Diga-se que a ementa destes militares, em quartel, nada tinha que ver com a praticada no refeitório do Batalhão 3832.

Mas recordo igualmente outros camaradas e amigos Alentejanos como o Pateiro, companheiro inseparável do Barreiras, tinham sido companheiros no curso de Regentes Agrícolas que ambos tiraram quando juntos decidiram alistarem-se nos Comandos. Quem sabe não ajuda isto a explicar muita coisa, mas isso fugia ao livro e não interessa aqui para o caso, outros houve como o Carreira ou o Silva, este infelizmente também nos deixou logo no início da comissão, facto também assinalado nesta obra, ou o Simão, que me foi apresentado pelo Barreiras e que fatidicamente teve o seu fim no mesmo dia que este. Outros houve de quem não estava tão próximo, mas de qualquer forma, foram demasiados amigos que vi partir apanhados pela figura negra com a gadanha.

Julgo terem sido estas algumas das razões que levaram o Amílcar Mendes a pedir-me para comentar este livro sobre a actividade da 38.ª de Comandos, livro de que já ouvia falar há muito tempo, sempre que com eles me juntava, mas nada via escrito de concreto.

Por tudo que já referi e pelo que obriga a reviver, confesso que o fiz em alguns momentos com os olhos rasos de água e com a interrogação, valeu a pena? Justificou-se tanto esforço, quando a situação podia ter sido resolvida de forma diferente se o político assim quisesse, por um País onde os medíocres e incompetentes, os desonestos e inúteis, utilizando artes e manhas vão singrando contrariando o que por direito devia pertencer aos empenhados e competentes?

Se com a idade vamos ficando sem visão, não é menos verdade que vamos vendo melhor, com maior nitidez e objectividade tudo que vai acontecendo à nossa volta.

Gostava de dar uma aqui uma achega e uma ajuda para esclarecer os que não percebem ou não querem perceber o que se passa com os antigos combatentes. É que, por muito distantes que estejamos, que as convicções sejam outras e mesmo sem contacto uns dos outros, temos muitos pontos que nos unem, de tal forma fortes, que pouca importância têm as diferenças que nos separam, essa é a verdadeira razão para gostarmos de estar uns com os outros e de convivermos.

Entrando um pouco mais no aspecto do livro, não considero tratar-se de uma obra literária propriamente dita, mas também não me parece ter sido essa a razão e a vontade de quem participou na sua escrita, foi sim a procura de resguardar a memória dos acontecimentos, onde os nomes e os factos são lembrados e/ou recordados por quem os viveu na primeira pessoa, e assim os escrevem fazendo história.

Tratando-se de uma narrativa de acontecimentos, merecia uma melhor revisão de texto para correcção de gralhas desnecessárias, embora essas em nada retirem o mérito que o livro tem.

Diz o provérbio que "quem não se sente não é filho de boa gente" não se espera por isso desta gente se não a crítica directa e frontal, como se lê na narrativa do desfile inicial onde a primazia foi dada ao Batalhão de Cavalaria, arma do então Governador da Guiné General António de Spínola em detrimento da 38.ª Companhia de Comandos.

Quando no livro é referido que foram bem aceites pelo comandante do Batalhão em Mansoa e que passaram a ocupar o serviço à porta de armas, é bom lembrar que também o foram pelos militares, quer os do Batalhão 3832 quer os de rendição individual, porém a sua recusa em aceitarem que lhes chamassem "periquitos" levou a situações de alguma hostilidade. Lembro uma outra situação que se prendeu com as saídas para o exterior da unidade, que até então se faziam com algum rigor mas sem nenhuma obrigação especial[1], e que a partir daí impunham que se saísse fardado como se estivéssemos em Bissau[2]. Claro está que um dia foi feita uma formatura com farda n.º 1[3] e pedido de revista pelo oficial de dia antes da saída para o exterior. Com o clima quente a ficar escaldante, demasiado tenso entre todos, foi desanuviado por quem de direito voltando tudo à normalidade.

Outro acontecimento ocorrido antes contribuía para a degradação do ambiente entre uns e outros, um deles, nunca esquecido, foi a morte, nas instalações do quartel, do militar Ilídio Moreira logo após a chegada. Tudo isto era o que levava a um mal estar entre os militares de elite e os já cansados com mais de dezoito meses de comissão.

Facto idêntico é relatado também aqui pelo ex-Alferes Comando Mendes da Silva, vivido num outro aquartelamento e igualmente por causa do termo "periquito" chamado pelos mais velhos a todos aqueles que chegavam de novo.

Tratando-se de uma obra que faz história, julgo importante assinalar alguns destes factos que, embora referidos no livro, são vistos com outros olhos que não os dos seus autores. Contudo, em nada tiram o mérito a esta valorosa companhia que, tal como é referido pelo Coronel Paraquedista Calheiros no seu livro A Última Missão "foi pau para toda a obra".

É igualmente assumido pelos intervenientes na escrita do livro, em especial o seu comandante Ferreira da Silva, não só as boas intervenções operacionais, como as menos conseguidas e explicadas as razões por que aconteceram. É pois um livro escrito com verdade e que evita que se escrevam ou contem sobre estes operacionais coisas menos verdadeiras quando não mesmo inventadas.

Não só aos meus amigos vivos mas a todos os elementos da 38.ª de Comandos o meu abraço e agradecimento pela vossa amizade bem como pelo convite para me pronunciar sobre a vossa companhia e o vossa história de vida na Guiné, onde só partilhei alguns meses, os iniciais passados em Mansoa.

Não competindo aos que escreveram este livro, história da 38.ª Companhia de Comandos outros relatos que não os seus, permito-me deixar aqui outro ponto de vista que corrobora, em muito, o descrito no livro e acrescenta mais alguma coisa sobre a realidade ou o inferno de Guidaje.

Uma outra visão dos acontecimentos em Guidaje, sobre o que é descrito pelo Amílcar Mendes, quando diz terem encontrado militares escondidos ou a chorar sem nada fazerem é o que a seguir escrevo, retirado da cópia de um livro que possuo, escrito, mas ainda não publicado, por um ex-furriel miliciano da Companhia de Caçadores 3518, que faleceu, salvo erro, durante o ano de 2015, Daniel Matos e que integrou a escolta da coluna para Guidaje em 14 de Maio de 1973.

Os Marados de Gadamael, com 13 meses foram para Brá (Combis) e foram fazendo diferentes serviços, entre eles escoltas às colunas de transportes. Numa dessas colunas, inicialmente prevista para ir, apenas e só, até Farim, chegados ai foram mandados seguir como reforço até Guidage, onde a progressão da coluna sofreu tudo o que é relatado no livro da 38.ª de Comandos e onde foram obrigados a permanecerem mais de uma semana. Nesse período tiveram 4 mortos (no abrigo do Obus) e vários feridos. Esta escolta era formada com vários soldados que nunca tinham sido operacionais, devido às suas especialidades, cozinheiros, padeiros etc, mas como, em princípio, era só até Farim e não oferecia grande perigo tiveram que alinhar.

Podemos fazer um juízo de como e do porquê de muitas coisas acontecerem ao enviarem militares para missões que lhes eram destinadas e para as quais não estavam preparados nem física nem psicologicamente e onde apenas a boa vontade e a destreza não chegavam.

Tenho o privilégio de ter uma cópia deste livro ainda não publicado, espero que possa ver a luz do dia para igualmente poder ser alvo de análise e comentário e mais do que isso, do conhecimento de todos e fazer parte da história que uns parece pretenderem fazer esquecer, outros que contam vaidades, feitos inexistentes ou, ainda, heróis do desconhecido.

É importante para a verdade do que se passou em Portugal, especialmente no período de 1961 a 1974, que estes relatos sejam feitos por quem os viveu e na primeira pessoa, mesmo que existam alguns pormenores que se contradigam, por razões do tempo passado e da memória, essas contradições só ajudam a corroborar e/ou a esclarecer a verdade dos factos.

Notas:
[1] - Normalmente composta por Camisa aberta no colarinho, Calções, Meias curtas, Botas de lona e Boina ou Boné.
[2] - Camisa e Gravata presa no espaço da camisa antes do cinto, Calções, Meias altas, Sapatos e Boina.
[3] - Utilizado apenas na Metrópole - Camisa, Calças compridas, Botas de cabedal, Blusão e Boina.

Belarmino Sardinha
Ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM
___________

Ficha técnica do livro:

Título: "38ª Companhia de Comandos 'Os Leopardos' - A História"
Coord: João Lucas
Editor: Fronteira do Caos
Local: Porto
Ano: 2018
Nº pp. 348 (ilustrado)
Dimensões: 23,5 cm x 16cm
Pvp: 16 €
ISBN: 989-54148-1-9

terça-feira, 21 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14909: Memória dos lugares (308): Rios ? Subi o Geba até Bambadinca, naveguei no Bichaque e no Cumbijã, fui atacado no Cacheu, andei no Cacine e no Sapo... (António Dâmaso, srgt PQ, BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1972/74)... O rio da minha tabanca, o Olossato (Paulo Salgado,ex-alf mil cav, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)



Guiné-Bissau > Região do Oio > Olossato > Rio Olossato > 2006 

Foto: © Paulo Salgado (2006). Todos os direitos reservados [Edição: LG]




Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 3518 (1970/74) > Album fotográfico do nosso saudoso camarada  Daniel Matos (1951-2011) >  Foto 44 > "Cais de Gadamael, num momento de descarga do batelão (BM3), que nos abastecia e que ali deixava os produtos que transportaríamos nas colunas para Guileje... O rio que banhava Gadamael Porto era o Sapo, afluente do Rio Cacine, "

Foto (e legenda): © Daniel Matos (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados [Edição: LG]
  


1. Mensagem de António Dâmaso, srg mor PQ ref [BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1972/74]

Data: 2 de julho de 2015 às 14:12

Assunto: Sondagem sobre ss nossos rios da Guiné

Ilustres camaradas!


Obrigado pelo convite para participar, mas o inquérito  (*) não me permite dizer "o que me vai na alma".

Das várias vezes que estive no Ultramar, fui um privilegiado por ter sido sempre transportado de avião.

Quanto a deslocações na Guiné, até certo ponto também usufruí desse privilégio.

Em 9 ou 10 de julho de 1969, subi o rio Geba até Bambadinca, neste trajeto lembro-me de ter passado por um estreito e de ter esperado que a maré enchesse, pelo menos isto é o que eu retenho em todos os meus sonhos de guerras travadas.

Mais tarde, em dezembro de 1972, naveguei no Bichaque e no Cumbijã.

Em Maio de !973, no Cacheu, por duas vezes onde fui envolvido no ataque do Patrulha.

Em Junho e Julho de 1973, naveguei no Cacine e no afluente [, Rio Sapo que banha] Gadamael Porto por quatro vezes.

Isto foi a minha passagem por rios da Guiné.

Um abraço

A. Dâmaso


2. Mensagem de Paulo Salgado, com data de 3 jul 2015 06:20


[ foto à esquerda: Paulo Salgado, ex-Alf Mil, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72. administrador hospitalar reformado; cooperante na Guiné-Bissau e em Angola]


Caros bloguistas, caro Luís,

Como podeis pensar apenas na grandeza, na extensão (quase todos os que indicais...)?

Há um pequeno rio que serpenteia entre arvoredo frondoso, que recebe as crianças, jovens brincando na água, que devolve tranquilidade a quem, por certo, se aventurou a navegar numa canoa...é o rio Olossato, que corre na povoação com o mesmo nome.

Registai: Olossato. (**)

Saudações bloguistas


Paulo Salgado
______________

Notas do editor;

(*) Último poste da série > 20 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14903: Memória dos lugares (305): O meu rio próximo, e de estimação, era o Rio Grande de Buba (António Murta)

(*) Vd, poste de 19 de fevereiro de  2006 > Guiné 63/74 - P548: Do Larinho ao Olossato ( Blogue de Paulo Salgado)

sábado, 1 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13832: Postos escolares militares (1): Alunos, mestres e manuais... (Jorge Araújo / Hélder Sousa / J. C. Mussá Biai / Cherno Baldé / José Câmara)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CSS/BCAÇ 3872 (1972/74) > "O mestre-escola [, o Joaquim Guimarães, ] mais o burro [, o Augusto, ] e o Mamadu Djaló, em 1972, em Galomaro, sede do batalhão. (*)...Burro, asno, jumento, jerico, cujo berço foi a nossa África Mãe, Equus africanus asinus, segundo a nomencolatura trinomial de Lineu (1758)... Mas também "besta de carga", desde há pelo menos 5 mil anos a.C. quando o seu ancestral selvagem foi domesticado, tal como o cavalo... Mas na escolinha do nosso tempo punham-se "orelhas de burro" aos mais atrasados  da classe... Pobre bicho, hoje em perigo de extinção...



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 (Galomaro) > Saltinho > CCAÇ 3490 (1972/74) > "Os professores dos Postos Escolares do Saltinho". [O Joaquim Guimarães é o terceiro a contar da esquerda; de seu nome completo, Joaquim Fernando da Silva Guimarães. ex-soldado nº 108261-7, pertenceu ao BCAÇ 3872 e vive hoje nos EUA; já há muito que não temos notícias dele].

Fotos (e legendas): © Joaquim Guimarães (2007). Todos os direitos reservados.



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CART 3494 (1972/74) Posto Escolar Militar (PEM) nº 14  (***) > 1972 > Alunos da Escola Primária. (**)


Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados [Edição de LG]




Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Candamã, aldeia (tabamca) em autodefesa do regulado de Corubal que a guerra despovoou > Um improvisado Posto Escolar Militar ?. Do lado esquerdo, ao alto, numa árvore, está afixado um cartaz de propaganda das NT: "Juntos venceremos". Sob a bandeira das quinas, duas mãos (uma branca e outra preta) apertam-se... Foto do álbum do ex-alf mil Torcato Mendonça > Fotos Falantes IV. (***)

Foto: © Torcato Mendonça (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem; LG]



Guiné > Zona leste > região de Bafatá > Fajonquito > "O meu irmão Carlos (2 anos mais velho, hoje farmacêutico, formado pela Faculdade de Farmácia da Universidade Técnica de Lisboa), durante a alocução por ocasião do dia 10 de Junho de 1971, Dia de Portugal e de Camões, na escola primária de Fajonquito. Na imagem estão dois oficiais da companhia do Cap Figueiredo (CART 2742), um dos quais, o Alferes Félix encontrou a morte no mesmo dia que o seu Capitão". Foto do álbum do Cherno Baldé.(****)

[Meu caro Cherno: durante o Estado Novo, e até ao 25 de abril, era o feriado nacional do 10 de junho, o "Dia de Portugal, de Camões e da Raça"... Depois substituímos o politica e cientificamente incorreto termo "Raça" por "Comunidades Portuguesas"...Hoje é o "Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas"... LG]

Foto: © Cherno Baldé  (2012). Todos os direitos reservados [Edição; LG]



Guiné > Região de Tombali > Gadamael >  Posto Escolar Militar n.º 23 (PEM nº 23, Gadamael)  > Frequentaram as aulas da instrução primária algumas dezenas de jovens alunos (também alguns adultos da população). Não era fácil dar aulas a muitos que não falavam português (nem em crioulo se exprimiam), mas registaram-se muitos casos de bom aproveitamento, com conclusão da 4.ª classe . Foto do álbum do nosso saudoso camarada Daniel Matos (1950-2011) que foi fur mil,  CCaç 3518, Gadamael, 1971/74). (*****)

Foto (e legenda):  © Daniel Matos (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados [Edição ; LG]


1. Vamos iniciar uma  nova série ("Postos Escolares Militares"), com a publicação de cinco comentários ao poste P13812, subscrito pelo Jorge Araújo (*). Esperamos os contributos de todos os camaradas que foram professores ou monitores nas PEM... Afinal, mais do que a espada e a cruz, preocupamo-nos com a transmissão da língua portuguesa, veículo de identidade nacional da Guiné-Bissau... 

A língua do Padre António Vieira, de Fernando Pessoa, de Amílcar Cabral, de Carlos Lopes, de Siza Vieira, de Paula Rego, de Mia Couto, de Paulina Chiziane, de Ondjaki, de Ana Paula Tavares, de António Houaiss, de Cecília Meireles, de Xanana Gusmão, de Cesária Évora e de mais 255 milhões de homens e mulheres lusófonos espalhados pelo mundo, incluindo a malta da Tabanca Grande, o Hélder, o Jorge, o Cherno, o Zé Carlos, o Luís, o José Câmara, o Torcato, o Daniel, o Guimarães... Temos em comum um "poilão" sob o qual nos abrigamos, e à volta do qual comunicamos, e que é a língua... portuguesa. (LG)


 
Helder Sousa
(i) Hélder Sousa
 

Caro Jorge Araújo

Já estou habituado ao rigor e seriedade com que costumas pautar os teus trabalhos. Sejam eles os mais dramáticos como os que relataste das emboscadas sofridas, sejam alguns aspectos mais ligeiros.

Desta vez a 'pancada' deu-te forte ao descobrires uma ponta de ligação ao teu passado. Sim, porque isso é história, faz parte de ti, do todo que és e foste.

Esta dupla homenagem que fazes, ao José Carlos [Mussá Biai] e ao Carvalhido da Ponte, é fruto dessa tua sensibilidade para perceberes o que é verdadeiramente importante, a amizade, o reconhecimento, a vitória daquilo que dizes que te aconteceu quando percebeste que mais do que o "EU" o que era realmente duradouro seria a partilha com o "OUTRO".

Está aqui um bom trabalho. Oxalá, e acredito que sim, que se atinja o objectivo.

Abraço, Hélder S.

 (ii) Luís Graça
Luís Graça, em Candoz, 2011


 Aqueles de nós que foram professores primários, nos postos militares escolares, como o Carvalhido da Ponte (Xime), o Manuel Amaro (Aldeia Formosa) ou o Manuel Joaquim (Bissorã), podem falar, com propriedade e autoridade, sobre as dificuldades, perplexidades mas também sobre o prazer de ensinar, com o eventual apoio dos nossos velhos manuais escolares ou de outros textos (que eu desconheço se havia outros manuais na Guiné), a língua, a cultura e a história portuguesa aos putos das tabancas guineenses... É que nos nossos manuais bem sequer havia uma simples imagem com a cara do "pretinho da Guiné"...

Imagino que não fosse fácil ao Carvalhido da Ponte explicar ao José Carlos Mussá Biai, mandinga e muçulmano, do Xime, que nunca tinha sido da sua tabanca, o que era a pátria, ou significado da bandeira nacional, ou letra do nosso hino, ou a diferença entre um minhoto e um algarvio...

Ou ainda explicar as lendas das mouras encantadas do nosso romanceiro popular. Ou a conquista de Lisboa aos mouros. Ou ainda a lenda do Infante Santo... Muito menos as guerras de religião, no passado, entre cristãos e mouros...

Em todo o caso, o mais importante é que o José Carlos Mussá tenha aprendido a ler escrever, graças ao posta escolar militar do Xime, e a tenha chegado à universidade, sendo engenheiro florestal, se não erro. E trabalhando e vivendo em Portugal, como português e sem nunca esquecer as sua raízes guineenses.


Xime, PEM 14, 1972
(iii) José Carlos Mussá Biai

Olá. Luís,

Ao contrário que possa imaginar, quando andava na primária, sabiamos mais da metrópole, Angola e Moçambique do que da Guiné.

Os nomes dos rios, linhas de caminho de ferro, regiões e conquistas portuguesas, não havia nada que não era ensinado. O hino e a bandeira que era hasteada todos os dias não podiam faltar.

Quanto aos manuais, não me recordo bem, mas acho que nos de 1973 já vinham, como disse com o "pretinho da Guiné" (risos...).

Tenho uma vaga ideia de ter visto o Capitão João Bacar Djaló bem fardado. Mas o curioso é que nunca esqueci as letras do hino da metrópole sem nunca ter aprendido o hino da Guiné "independente".

Mas, são coisas de mininos. Quando acabou a guerra,  eu já tinha a 4ª classe feita e no preparatório não se ensinava o hino...

Um abraço, José C. Mussá Biai



Portugal. Ministério da Educação Nacional. Ensino Primário Elementar  - Livro de Leitura Segunda Classe. 5ª edição. Porto:  Editora Educação Nacional, de Adolfo Machado, 1958, 140 pp, capa dura. Dimensões: 17 x 22 x 1,5 cm. [Cortesia de Loja A Vida Portuguesa].... [Adorei este livrinho: foi ele que me ensinou a ler, escrever e contar... LG]. 


Guiné > PAIGC > Manual escolar, O Nosso Livro - 2ª Classe, editado em 1970 (Upsala, Suécia). Exemplar cedido pelo Paulo Santiago, Águeda (ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53,
Saltinho , 1970/72)... [Afinal, em português nos entende(re)mos,,, LG].



Cherno Baldé, estudante

Kichinev, Moldavia, 
dezembro de 1985
(iv) Cherno Baldé:

Caro Luís Graça e amigos,

O Carlos Mussa diz "...Hino da Metropole...", errado.

O Hino a que se refere não era da metrópole, mas sim de Portugal e, na altura, éramos todos portugueses, de facto ou de jure.

Ainda em 1972 o meu irmão mais velho que veio a Bissau para prosseguir os seus estudos, já tinha o seu Bilhete de Identidade de cidadão português.

Acho que os manuais do ensino primário, na altura, eram iguais para as Provincias ultramarinas e não me recordo de ter visto a cara de nenhum "pretinho da Guiné".

Tal como o Carlos Mussá refere, tambem sabia entoar o Hino de Portugal da mesma forma que a partir de Setembro 1974 já entoava o novo Hino da Guiné-Bissau, cada qual o mais aguerrido e heróico que o outro, umas tretas.

Com abraço, amigos, Cherno Baldé

José Câmara
(,hoje, nos EUA)

(v) José Câmara:

Meus amigos,

Nós, os meninos açorianos e madeirenses, aprendemos por cartilhas iguais aqui referenciadas pelo Luís Graça. Até deu para não nos perdermos durante a nossa descoberta do caminho marítimo para a Guiné. Bem bom!

O que importa é que o José Carlos aprendeu connosco e depois, por si, conseguiu ir mais longe nos seus estudos. Hoje põe o que aprendeu ao serviço das populações em que está inserido. E nós fazemos parte dessa comunidade.

Cumprimentos, José Câmara,
_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2019: Álbum das Glórias (23): O mestre-escola do Saltinho (Joaquim Guimarães, CCAÇ 3490, 1972/74)

domingo, 12 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12576: Os nossos camaradas guineenses (36): Abdulai, meu irmão!... Recordando quatro valorosos milícias de Guileje: Sátala Colubali, Camisa Conté, Abdulai Silá e Sargento Samba Coiaté (Manuel Reis, ex-Alf Mil Cav, CCAV 8350, Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã, Colibuia, 25/10/72 - 27/8/1974]


1. Mensagem de Manuel Reis [, ex-Alf Mil Cav, CCAV 8350, Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã, Colibuia, 25/10/72 - 27/8/1974], com data de 13 de dezembro último:


Caros amigos Carlos e Luís:

Trata-se de um pequeno texto de agradecimento a todos os africanos que, na guerra da Guiné, muitas vezes nos serviram de escudo protector. Fica ao vosso critério a publicação, ou não, deste texto.


2. Abdulai, meu irmão

por Manuel Reis


Por vezes, dou comigo a pensar no destino triste e por vezes dramático dos nossos amigos guinéus, os que partilharam connosco a tortura da guerra e a população anónima, que se acolhia sob a nossa protecção. Muitos já não estão no reino dos vivos, ou porque foram mortos após a nossa retirada, como represália, ou porque a erosão provocada pela guerra insensata causou danos irreversíveis, ou porque as deficientes condições de saúde e/ou alimentação apressaram a sua partida.

Quase todos os ex-combatentes sentem uma dívida de gratidão, por todos os que, estando do nosso lado, se expuseram de modo a salvaguardar a nossa integridade física.

Recordo aqui alguns nomes, desta gente anónima, com quem partilhei alguns momentos e que a memória se recusou a enviar para o caixote do lixo. Não passa de um gesto simbólico de agradecimento a camaradas e amigos que já partiram.

Sátala Colubali, Camisa Conté, Abdulai Silá e Sargento Samba Coiaté eram milícias em Guileje, tendo cada um destes ex-combatentes uma missão diferente a desempenhar dentro do grupo.




Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 3518 (1972/74), "Os Marados de Gadamael" >  "Dois dos melhores soldados milícias que nos acompanharam em Gadamael. O da direita, Camisa Conté, viria a falecer em 1973 quando das batralhas de Guileje e Gadamael". Foto do nosso saudoso  camarada  Daniel Matos [1950-2011, ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74].


Comentário (postetior de Manuel Reis: "É feliz a foto do camarada Daniel Matos. Do lado esquerdo está Camisa Conté e do lado direito o Sátala Colubali, duas referências do meu texto."... E eu (LG) acrescento: "São tão raras as fotos dos nossos camaradas guineenses!"... 

Foto (e legenda): © Daniel Matos (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


Sátala Colubali assumia o Comando de Grupo, na ausência de Samba, e distinguia-se pelo empenho e cuidado que colocava em cada missão, que lhe era destinada. A presença dele, em qualquer missão, era sinónimo de segurança e tranquilidade para todos os combatentes. Sabia o terreno que pisava, fruto da experiência dos muitos anos de guerrilha.

Camisa Conté actuava clandestinamente, entre o cair da tarde e o amanhecer do dia seguinte. A sua actuação residia na colocação de minas e armadilhas junto da fronteira ou dentro do próprio território da Guiné-Conacky. Saía só, pelo cair da tarde, com uma sacola aos ombros e a G3 a tiracolo. Estas surtidas obrigavam a um certo cuidado na desactivação das armadilhas do trilho, que ele utilizava e aos responsáveis pela vigilância do aquartelamento, quando do seu regresso ao romper do dia. Esta tarefa tinha, por vezes, algum êxito, a dar crédito nas informações que nos chegavam. Não era do meu gosto este tipo de actuação, mas o reconhecimento por todo este trabalho está fora de causa.

Estes dois amigos e camaradas vieram a falecer no mesmo dia, finais de Abril de 73, nas imediações do aquartelamento, quando Camisa Conté procedia ao levantamento de um engenho anti-carro, colocado no troço de estrada que ligava ao Mejo, recém-aberto. O Sátala que sempre se recusara a trabalhar com tal material, nesse dia fatídico, resolveu acompanhá-lo. Eram homens estimados e admirados por todos, combatentes e população. Um grito de dor, em uníssono, ecoou pela mata cálida de Abril, quando os restos mortais dos dois nos aparecem embrulhados numa camisa de um dos milícias. Permanecem na memória de todos como símbolos vivos de uma amizade, feita de convívio, luta e sofrimento .

Abdulai Silá, era um dos Homens-Grandes, tinha atravessado todo o período da guerra. Já com idade avançada, acima dos 40 anos, era o nosso guia. Detectava a presença do IN a uma distância considerável, pelo seu olfacto apurado e pela sua experiência de 10 anos de guerrilha. Muitos episódios partilhei com ele, em missões de maior risco, pois só nessas participava, dada a sua idade não se coadunar com um grande desgaste físico.

Vou citar apenas duas dessas acções:

Um dia foi-me atribuído um patrulhamento nas imediações da fronteira, onde o contacto com o PAIGC tinha um grau de probabilidade elevado, por ser um trilho de reabastecimento do PAIGC, que se dirigia a Gandembel e aí inflectia para dentro da Guiné, seguindo o mítico corredor de Guileje. A 100 metros do trilho Abdulai chama-me e comunica-me a presença de grupos de combate do PAIGC. Alerta-me para as possíveis consequências negativas de um confronto, pelo facto de as nossas tropas se mostrarem um pouco inquietas. Conjuntamente com ele e com o comandante do outro grupo de combate decidimos não arriscar. Nunca esqueci as palavras amigas e sábias de Abdulai, nesse momento: “Nós, se morremos, morremos na nossa terra, junto da nossa família, enquanto vós estais longe da família”.

Uma das missões mais complicadas que me foi atribuída, foi a montagem de uma emboscada no Corredor de Guileje. Exigia-se a presença do Abdulai para com ele e com o Alferes Lourenço, o melhor amigo [, de seu nome completo, Vitor Paulo Vasconcelos Lourenço, e  que viria a morrer, por acidente em 5/3/73],  delinearmos o trajecto, dada a densidade da mata e a dificuldade de progressão. O trajecto foi dividido em duas partes, pelo facto de ser necessário abrir um novo trilho, por questões de segurança.

No 1º dia fizemos metade do percurso e no final armadilhámo-lo com uma granada defensiva, o que desagradou a um chimpanzé que resolveu accioná-la. A conclusão do percurso fez-se passados três dias. Chegados ao local, previamente determinado, a detecção da nossa presença foi de imediato assinalada por um tiro de kalachnikov. A situação era delicada, o local era muito bem controlado pelo PAIGC. Abdulai aconselhou-me a retirar do local, dada a previsível violência do embate, fazendo fé nos embates anteriores com as nossas forças especiais, noutros momentos, e sempre ao nível de Companhia ou Batalhão. Era urgente abandonar o local. A emboscada abortou, após prévio reconhecimento do local e uma breve conferência com o Abdulai e o Lourenço. O conhecimento da actuação do inimigo, nesta zona, foi valioso para uma tomada de decisão.

De quando em vez Abdulai vinha a Bissau gozar uns dias férias e, sempre que o fazia, solicitava ao Comandante de Companhia a não atribuição de missões muito arriscadas na sua ausência.

Abdulai morreu em Gadamael, atingido por um estilhaço, no final do dia, com perfuração pulmonar. Foram imensos os apelos para que o helicóptero, que ainda se encontrava em Cacine, o transportasse para Bissau, mas tornou-se impossível, dada a proximidade da noite e o risco do voo.

Do Sargento Samba [Coiaté], lembro o seu espírito de sacrifício, quando no ar já se sentia o cheiro da guerra, que se aproximava com toda a violência. Comandava o seu grupo, já muito reduzido, no dia 18 de Maio de 1973, com a missão de detectar a existência de minas na picada, que ligava Guileje a Gadamael. De repente gerou-se entre eles uma enorme discussão, cuja razão de ser não consegui entender. Falavam em crioulo e a sua conversa até chegou a ser escutada pelo grupo do PAIGC que se encontrava emboscado a 30/40 metros.

Alertei-os para a gravidade de tal atitude e Samba, num gesto repentino de revolta, assume a dianteira dos seus homens e 30/40 metros à frente detecta um fio eléctrico, que as gotas de água, caídas durante a noite, puseram a descoberto. Atingido, com um tiro no pescoço, teve morte imediata. Este sacrifício impediu que os restantes combatentes caíssem na zona de morte, que se estendia ao longo de 100 metros, com os guerrilheiros do PAIGC bem protegidos em valas construídas para o efeito e com a picada bem armadilhada com 20 minas, electricamente comandadas.

A todos o meu Bem-haja. Aos que partiram o meus desejo que Repousem em Paz.

Com as cordiais saudações natalícias.

Um abraço. Manuel Reis

P.S. Segue uma foto mais actualizada.      

_____________

Nota do editor:

Úlotimo poste da série > 8 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10501: Os nossos camaradas guineenses (35): O Dandi, manjaco, natural de Jol, que eu conheci... (Manuel Resende / Augusto Silva Santos)

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12220: Em busca de... (232): Ex-alf mil cav Alexandre Costa Gomes e ex-fur mil cav Manuel Vitoriano, José Soares, Joaquim Manso, José António Barreiros e António Rio, do Pel Rec Fox 2260, Gadamael, 1970/72 (Manuel Vaz, ex-alf mil, CCAÇ 798, Gadamael, 1965/67)




Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2796 (1970/72) > Ao fundo o saudoso cap inf op espe Fernando Assunção Silva, tendo:  (i)  à sua direita,  alf  Campinho e  alf Manso, ambos da CCAÇ 2796, e alf Costa Gomes, do Pel Rec Fox 2260 (um "benemérito" de Guileje, pois fazia a segurança das colunas de reabastecimento) (aqui assinalado com um retãngulo a vermelho); e  (ii) à sua esquerda alf Vasco Pires (camiseta branca) e alf Rodrigues, da  CCAÇ 2796: os restantes são furriéis da CCAÇ 2796 e Pel Rec Fox 2260, que por estarem parcialmente retratados não dá para identificar.  Me perdoem os camaradas, se quarenta anos depois errei algum nome." (*)

Foto (e legenda): © Vasco Pires  (2013). Todos os direitos reservados [Edição: L.G.] 



Guiné > Região de Tombali > Mapa de Cacoca / Gadamael (1960) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bricama, Tambambofa e Caur.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013)


1. Mensagem do Manuel Vaz (ex-alf mil, CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67) [, foto à esquerda]

Data: 29 de Outubro de 2013 às 00:24
Assunto: Localização de Tambambofa


Caro Luís:

Boa noite. Estava eu desesperadamente à procura de qualquer referência que me permitisse chegar ao ex-alf mil Alexandre Costa Gomes ou seus subordinados no Pel Rec Fox 2260, quando dou com o poste P11223 (*). 

Aí aparece uma fotografia com o procurado e outros graduados do seu tempo em Gadamael, enviada para o blogue pelo nosso conhecido Vasco Pires que também a integra. Ao centro,  o malogrado cap inf op esp Assunção Silva. 

Li os "comentários",  pois poderia encontrar elementos de alguém que procurava (Pel Rec Fox 2260). Apesar do poste, de que não me apercebi na altura, ser de Março deste ano, os "comentários" apelam a dois esclarecimentos que me parecem pertinentes e atuais: (**)

(i) Tambambofa [, e não Tamabofa,] fica na estrada que parte de Bricama (estrada Ganturé-Sangonhá) para Caur,  na frontei[, e ra com a República da Guiné-Conacri. 

Quando a 15 de Agosto de 1966, fiz um reconhecimento ofensivo a Caur, o guia, ao chegarmos a Tambambofa, dizia que já estávamos na Fronteira! Continuamos e em Caur foi pisada uma mina A/P pelas NT. Ele lá sabia... que continuar era perigoso, era melhor não continuar !...

(ii) As circunstâncias da morte do cap inf op esp Fernando Assunção Silva não são conhecidas em pormenor, mas ao consultar a HU da CCAÇ 2796, encontrei que uma patrulha de reconhecimento ofensivo caiu numa emboscada com lança-rocket, RPG7 e armas ligeiras, tendo sofrido um morto e 3 feridos (milícias).

Dedicar um poste às circuntâncias da ocorrência, como homenagem ao Cap Assunção, acho uma boa ideia!

E agora,  amigo Luís Graça, uma vez que tenho de continuar à procura de alguém do Pel Rec Fox 2260, se conheceres algum contacto, diz,  para não emperrar o trabalho sobre Gadamael. 

Um abraço. Manuel Vaz

2. Comentário de L.G.:

Há mais referências ao alf mil cav Alexandre Costa Gomes e ao Pel Rec Fox 2260, que ele comandava, bem como aos seus furrieis Manuel Vitoriano, José Soares, Joaquim Manso, José António Barreiros e António Rio (**).

Por certo que conheces os postes do nosso malgrado camarada Daniel Matos (1950-2011). Ele era meu vizinho, aqui de Alfragide.  Pertenceu à madeirense CCAÇ 3518, que esteve am Gadamael (1971/72).

Vamos ver se alguém responde ao nosso apelo (***). Quanto ao poste de homenagem ao cap inf op esp Assunção Silva, vamos também ver se reunimos materiais novos. Talvez o cor António Carlos Morais Silva nos possa ajudar, mesmo não pertencendo à nossa Tabanca Grande, como sabes. Pode ser que ele tenha dados, inéditos, sobre a morte do seu antecessor, na CCAÇ 2796, e seu camarada de curso na Academia Militar. Julgo que estás em contacto com ele.

Um abraço. Boa saúde, bom trabalho. LG
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Notas do editor:


(...) “Os Marados de Gadamael” foi a divisa – não muito abonatória, é certo, – escolhida para e pelo pessoal da Companhia de Caçadores Independente nº 3518, formada no Funchal (no Batalhão Independente de Infantaria nº 19/BII19) durante o segundo semestre de 1971 (...).

Com destino à Guiné Portuguesa, a companhia embarcou na cidade do Funchal no dia 20 de Dezembro desse ano, às 3 da madrugada (!), tendo chegado a Bissau no dia 24 seguinte (embora já estivéssemos ao largo do rio Geba desde as 23 horas do dia 23, quem poderá esquecer-se de tão bela consoada?). 

No mesmo paquete, – o Angra do Heroísmo, – e com igual proveniência, viajaram a CCaç 3519 (que iria parar a Barro) e a CCaç 3520 (cujo destino foi Cacine), mais o BCaç 3872, que já embarcara em Lisboa e que viria a instalar-se em Galomaro. Pisámos terras da Guiné a partir das 15 horas.

Passámos o dia de Natal a desfazer malas e no dia 26 registou-se a cerimónia de boas-vindas, presidida pelo comandante-chefe, – General António de Spínola, figura grada entre os soldados, ou não fosse também ele um madeirense e, ainda por cima, um líder – perante quem desfilámos e que em seguida nos passou revista. 

A 22 de Janeiro de 1972 terminámos o IAO (Instrução e Aproveitamento Operacional) no CMI (Centro Militar de Instrução), situado no Cumeré. No dia seguinte, a bordo de uma LDG, às 19 horas, abalámos do porto de Bissau – ao lado do histórico cais de Pindjiguiti, – para Gadamael Porto.

Após o transbordo em Cacine para uma LDM, (aí se despedindo dos camaradas da irmã gémea CCaç 3520 – “Estrelas do Sul”), e em duas levas de dois pelotões cada, a primeira alcançou o pequeno desembarcadouro de Gadamael, no rio Sapo (afluente do Cacine), pelas 15 horas do dia 24 de Janeiro, onde a companhia ficou uma temporada em sobreposição com a unidade que foi render (a CCaç 2796, que depois marcharia para Quinhamel), integrada no dispositivo de manobra do BCaç 2930, depois do BCaç 4510/72 e, depois ainda, do COP 5 (Guileje).

Juntamente com Os Marados, estiveram em Gadamael os homens do Pelotão de Reconhecimento Fox nº 2260 “Unidos Venceremos” (comandado pelo alferes miliciano de cavalaria Alexandre Costa Gomes e pelos furriéis milicianos Manuel Vitoriano, José Soares, Joaquim Manso, José António Barreiros e António Rio). 

A 28 de Abril de 1972, após cerimónia de despedida, presidida in loco pelo governador e comandante-chefe Spínola, o pelotão marcha para Bissau, a fim de aguardar aí transporte de regresso à metrópole.

O Pel Rec Fox 2260 foi substituído oito dias antes (21 de Abril) pelo Pelotão de Reconhecimento Fox 3115/Rec 8 (comandado pelo alferes miliciano de cavalaria José Manuel da Costa Mouzinho e pelos furriéis Sérgio Luís Moinhos da Costa, Alfredo João Matias da Silva, José de Jesus Garcia e Fernando Manuel Ramos Custódio).

Também em Gadamael, estiveram adidos à companhia o 23º Pelotão de Artilharia, (comandado pelo alferes miliciano de artilharia José Augusto de Oliveira Trindade e pelos furriéis milicianos Armando Figueiredo Carvalheda, António Luís Lopes de Oliveira (este, logo substituído pelo furriel miliciano João Manuel Duarte Costa), e ainda os Pelotões de Milícias 235 e 236. 

O comandante de pelotão 235 era Mamadú Embaló e os comandantes de secção, Camisa Conté, Abdulai Baldé e Mamadú Biai; o comandante de pelotão 236 era Jam Samba Camará e os comandantes de secção, Satalá Colubali, Amadú Bari e Mussa Colubali. 

O Camisa Conté, – quanto a mim a mais bem preparada de todas as milícias, de grande inteligência, disponibilidade constante e invulgar simpatia, – morrerá na célebre “batalha” de Guileje, diz-se que num “acidente com arma de fogo”, (ouvimos em Bissau alguém contar que foi a tentar desmontar uma mina) a 12 de Maio de 1973. Por outro lado, o Jam Samba viria a morrer em combate, dias mais tarde, também em Guileje, a 18 de Maio de 1973. (...)

Enquanto em Gadamael, o território operacional e os locais de minagem, patrulhamento e montagem de emboscadas foram essencialmente os seguintes: antigas tabancas de Viana, Ganturé, Bendugo, Gadamael Fronteira, Missirá, Madina, Bricama Nova, Bricama Velha, Tambambofa, Jabicunda, Campreno Nalú, Campreno Beafada, Mejo, Tarcuré, Sangonhá, Caúr e Cacoca.

A zona fronteiriça com a Guiné-Conacry e a picada para Guileje (estrada que outrora ligava a Aldeia Formosa e ao Saltinho) foram os locais com mais frequente número de operações. 

Todo o abastecimento por via terrestre às unidades e população instaladas em Guileje se efectuava, durante a estação seca, através de colunas efectuadas a partir de Gadamael Porto, sendo o nosso pessoal responsável não só pelas viaturas que transportavam para Guileje os géneros que os batelões descarregavam em Gadamael, mas também pela segurança de metade do percurso.

 Por diversas vezes, pelotões da companhia, o pelotão Fox e os pelotões da milícia passaram temporadas em reforço das unidades locais (como, por exemplo, da CCaç 3477, “Os Gringos de Guileje”, até Dezembro de 1972, e a CCav 8530, na parte final da nossa estada no sul). (...)

(***) Último poste da série > 13 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12182: Em busca de... (231): Casimiro Silva procura camaradas do Centro de Mensagens, em Bissau, dos anos 1971/73

sábado, 4 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10228: Tabanca Grande (353): Humberto Martins Nunes, ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art.ª (Gadamael Porto e Cuntima, 1972/74)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Humberto Martins Nunes (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º PelArt,  Gadamael Porto e Cuntima, 1972/74, com data de 3 de Agosto de 2012):

Caro Luís
Finalmente, depois de muitos meses de leitura do magnífico instrumento que criaram para evocar/relembrar os tempos que passámos na Guiné, consegui escrever alguma coisa sobre a minha estadia e poder juntar-me à Tabanca.
Aqui vai, portanto, a minha “história”.

Um abraço
Humberto Nunes


2. APRESENTAÇÃO:

Humberto Martins Nunes
Alferes Miliciano de Artilharia
Comandante do 23.º PELART
Chegada à Guiné – 15 de Julho de 1972
Partida da Guiné e chegada à Metrópole - 9 de Junho de1974
Nascimento - 27/4/1949
Morador em Bobadela-Loures e Marinha Grande
Casado – Um filho
Engenheiro Técnico - Reformado – Trabalhei na Sorefame/Adtranz/Bombardier desde 1975 até ao seu fim na Amadora–Junho de 2004
e-mail: humbertomnunes@netcabo.pt

Locais de permanência:
Gadamael Porto – de Julho de 1972 a Abril de 1973
Cuntima – de Maio de 1973 a Junho de 1974


3. A MINHA HISTÓRIA

Cheguei a Bissau, em rendição individual, no dia 15 de Julho de 1972 como Alferes Miliciano de Artilharia.

Durante a apresentação ao comandante do GA7, com mais três camaradas que viajaram comigo num Boeing 707 dos TAM, o comandante deu-nos a prelecção habitual em relação à nossa missão e indicou-nos os quatro locais para onde iríamos. A escolha seria feita por sorteio porque havia uns considerados maus e outros piores.

Num intervalo da prelecção, um dos camaradas perguntou: "meu comandante quando é que podemos ir de férias"? Esta pergunta, aparentemente pacífica, “azedou” o ambiente e, a partir desse momento, o comandante zangou-se, a conversa acabou e o sorteio também. Um vai para Gadamael (o meu caso), outro para ??, outro para ??....... e podem sair.

Assim começou – mal – a minha estadia na Guiné. Após uns dias de curso de reciclagem/aprendizagem sobre obuses, uma avioneta DO27 levou-me de Bissau até Catió, ponto de escala e estadia de três dias. Comigo viajou o Alferes Trindade que eu ia substituir e que se encontrava em Bissau nessa altura.

Outro DO27 levou-nos ao destino final Gadamael Porto. Aqui encontrei o 23.º Pelotão de Artilharia com três obuses 10,5 , a CCAÇ 3518 e o Pelotão de Reconhecimento Fox. Em relação ao que me tinham indicado - Gadamael era um “buraco” – considero que os meses que estive em Gadamael foram relativamente calmos.

Uns batimentos de zona com os obuses e 3 ataques com morteiros do PAIGC, sem quaisquer consequências físicas para o pessoal, foram as actividades que podem ser consideradas de guerra. Uns jogos de futebol entre Artilharia, CCAÇ (vários pelotões) e o Pelotão Fox proporcionaram bons momentos de descontracção mas com cada um a querer ganhar.

Para variar de desporto organizou-se um Rali, dentro do aquartelamento, em que as viaturas concorrentes eram as ”mais indicadas” para esta modalidade: Unimog, Berliet, GMC e o jipe do capitão Manuel Nunes Sousa. Como era lógico, tudo apontava para a vitória do capitão mas, quando deixou o motor do jipe ir-se abaixo, logo apareceram alguns “ajudantes amigos inocentes” para empurrá- lo e voltar a pegar. (o empurrão era normalmente a chave de ignição do Jipe) Foi uma pena o Regulamento ( feito com malandrice) não permitir empurrões....!!!

Em Março de 1973 “assistimos” à queda do primeiro Fiat sobre a zona de Guileje: vimos chegar dois e pouco depois já só víamos um, sem imaginar o que tinha acontecido.

Em 1973 acompanhei a chegada da CCAÇ 4743 e a partida da CCAÇ 3518 que, aparentemente, ía para uma zona boa como compensação da estadia em Gadamael. Afinal, essa compensação teve o efeito contrário, já que foi então que aconteceram as perdas de vidas de alguns camaradas.

Em Abril de 1973, recebi a indicação de que o Pelotão – material e guarnição - iria ser transferido para Cuntima.

A princípio houve alguma sensação de desagrado, já que, apesar do local não ser propriamente um campo de férias, estavamos habituados, conhecíamos nos mapas os locais onde as nossas tropas faziam o reconhecimento nas matas e onde o PAIGC tinha os seus corredores de passagem e os momentos de guerra propriamente vividos estavam longe do que era previsto.

No entanto, quando passados apenas 15/20 dias da nossa partida, Gadamael se transformou, em conjunto com Guileje e Guidage, num dos mais terríficos locais da Guiné, com dezenas de mortos e feridos verificámos que tínhamos tido a sorte que, infelizmente, não tiveram muitos dos camaradas que lá ficaram.

A viagem de Gadamael para Cacine foi feita em duas LDM. Uma vez que o braço do rio que banhava Gadamael estava sujeito às marés, só havia cerca de 2 horas para efectuar o carregamento dos obuses, granadas, do pessoal e de todos os seus pertences que eram constituídos por roupa e outros objectos pessoais, patos, cabras, galinhas, coisas inimagináveis. No que respeitava ao pessoal do pelotão oriundo da Guiné – cerca de 15 pessoas – no fundo, era o transporte de todas as suas vidas já que as suas mulheres e filhos viviam ali no quartel.

No meio de uma confusão indescritível, lá se conseguiu fazer o carregamento e, com a água do rio já a fugir, as LDM iniciaram a viagem até Cacine onde estivemos cinco dias a aguardar a chegada de transporte para Bissau. Uma LDG levou-nos até Bissau, com um desvio e uma paragem de duas horas junto à Ilha de Bubaque, zona onde dezenas de golfinhos nos saudaram.

Quando saímos de Gadamael, o aquartelamento ficou sem a protecção da Artilharia, uma vez que os obuses 14 que iriam substituir os 10,5 se encontravam em Cacine à espera de transporte. Além disso, as dimensões dos espaldões de protecção dos obuses 10,5 não permitiam que os mesmos servissem para os obuses 14 com uma envergadura bastante maior.

Chegados a Bissau, os obuses e granadas foram entregues no GA7.

Após alguns dias em Bissau a aguardar a formação de uma coluna para Farim, partimos com destino a Cuntima/Colina do Norte.

Em Farim, seis dias de estadia à espera de coluna para Cuntima, notavam-se já os efeitos dos ataques em Guidage.

A viagem de Farim para Cuntima, feita numa picada muito concorrida pelo PAIGC e muito minada, foi feita com alguma ansiedade já que o pessoal do pelotão não estava habituado a deslocações deste tipo. Após paragem em Jumbembem lá seguimos para Cuntima

O Pelotão de Artilharia aqui destacado tinha dois obuses 10,5 e o 3.º estava destacado em Jumbembem “à guarda” de um dos furriéis.

A calma foi alterada algumas vezes quando umas dezenas de morteiradas caíram no interior do quartel mas apenas causaram susto e danos materiais. No entanto, um ataque com foguetões deu origem a vários feridos, um deles muito grave. A noite impediu que a evacuação daquele se fizesse porque os hélis já não voavam. Nessa noite, a messe, que tinha o tecto mais ou menos reforçado, transformou-se em enfermaria. A mesa de refeições serviu de cama onde foi montado o melhor dispositivo possível para tratar o ferido. A imagem de montes de ligaduras ensanguentadas em conjunto com as emoções e ansiedade devidas aos acontecimentos daquela noite foi o momento mais marcante da “minha guerra”.

A evacuação, feita na manhã seguinte, já não deu para salvar aquela vida.

Chega o 25 de Abril de 1974. Ouvimos qualquer coisa sobre o que se estava a passar na Metrópole mas as notícias eram muito vagas.

Quando acabou o prazo previsto da minha estadia, preparei as malas e, assim que o meu substituto chegou, “saltei” para um heli que levava o correio. A viagem até Bissau, feita rente ao chão para evitar os mísseis – a guerra ainda não tinha terminado totalmente – foi bastante emocionante.

Cheguei a Bissau, era sábado de manhã, e ao saber que o transporte para a Metrópole poderia demorar muito, fui a correr à TAP, comprei um bilhete para Lisboa para o dia seguinte 9/6/74. Corri em seguida para o QG, onde todo o pessoal estava já a sair para o fim de semana, para obter os documentos de “libertação”. A última assinatura, a do 2-º Comandante – Spínola estava em Lisboa - foi o último acto militar. Ao chegar a casa provoquei uma agradável surpresa já que não tinha avisado ninguém.


4. MEMÓRIAS FOTOGRÁFICAS:


Cuntima > A minha 2.ª suite > 1.ª porta à esquerda

Cuntima > As casas dos Artilheiros

Cuntima > Obús à espera de acção

Cuntima > Alf Mil Soares (de costas), Alf Mil Martins, Alf Mil Ferreira e eu


5. COMENTÁRIO DE CV:

Caro camarada Humberto Nunes, bem-vindo e muito obrigado por acreditares no nosso projecto.
O nosso Blogue está a caminho dos 9 anos de existência, e com muito orgulho que recebemos, ainda hoje, os camaradas que se nos dirigem com a vontade de pertencer a esta já grande família de ex-combatentes da Guiné, onde também colaboram pessoas que de alguma maneira se sentem ligadas àquela terra ou a quem por lá fez a guerra.

A partir de hoje contamos com a tua colaboração em memórias ou fotos, ou ainda comentando o que por aqui se vai escrevendo.

Sobre Gadamael muito já foi escrito nesta página, basta clicares, por exemplo, nos marcadores Gadamael e Memórias da CCAÇ 798 para acederes aos diversos postes existentes.

Deves ter conhecido o nosso camarada Daniel Matos, ex-Fur Mil, recentemente falecido, que nos deixou um excelente contributo ("Os Marados de Gadamael") sobre a sua Companhia, CCAÇ 3518, a que fazes referência na tua apresentação.

As fotos que mandaste e que hoje não foram publicadas, sê-lo-ão brevemente na série "Memória dos Lugares". Se tiveres outras que gostasses de ver publicadas, manda para mim.

Antes de terminar crê-nos ao teu dispor para qualquer esclarecimento adicional.
Recebe um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10217: Tabanca Grande (352): Ricardo Marques de Almeida, ex-1.º Cabo da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Farim, K3, Cuntima e Jumbembem, 1969/71)