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sexta-feira, 15 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10035: In memoriam (119): 11 militares (10 da CCAÇ 16 e 1 da 3ª C/BCAÇ 4615) e um número indeterminado de civis, mortos na emboscada de 22/4/1974, na estrada Bachile-Cacheu (José Joaquim Rodrigues / Bernardino Parreira)




Página de rosto do blogue Gotas d' Água... O autor, J.J. Rodrigues,  assina-se com o pseudónimo o Gota d' Água, e tem perfil no Blogger desde novembro de 2006... Possui diversos blogues ligados às coisas e às gentes da sua terra (Conceição,  Faro)... Diz-se um contador de histórias, "algumas rimadas, outras apenas prosadas, mas todas imaginadas", e onde "qualquer semelhança com situações reais é (im)pura coincidência", pelo menos "até ver"... 


Sabemos que se trata de um camarada, ex-fur mil,  que pertenceu à 3ª C/BCAÇ 4615/73 (, batalão sediado em Teixeira Pinto),tendo deixado  um comentário no poste P4267, de 29 de abril de 2009: 


"Olá, amigos. Há algum tempo que sigo o blogue e a página sobre a Guiné, uma vez que também sou um antigo combatente na Guiné. Tentei encontrar notícias do meu Batalhão 4615, que em 73/74 esteve na zona de Teixeira Pinto. Se por acaso algum camarada, desse batalhão, ler este comentário agradeço que me mande uma mensagem para o e-mail: jlrodrigues.22@gmail.com. Um abraço, J.J. Rodrigues". 


Depois de diversos mails trocados com o nosso camarada Bernardino Parreira, que vive em Faro e que foi fur mil na CCAÇ 16 (1972/73), descobrimos que se trata do José Joaquim Rodrigues a quem saudamos e convidamos a integrar a Tabanca Grande. 


Desta companhia, a 3ª C/BCAÇ 4615, já temos entre nós o António Tavares Oliveira, também  ex-fur mil, e que vive em Vila Nova de Gaia. Diz-nos que esteve no TO da Guiné entre Out de 1973 e Set de 1974. O batalhão era conhecido como o Pifas.




1. Comentário de Bernardino Parreira, com data de 24 de setembro de 2010, ao poste P7024:

Caro amigo [António] Branco

Esta tua crónica demonstra bem a forma como a Guerra evoluiu na zona de Bachile/Teixeira Pinto, entre 1972/73/74. Pelo que se sabe, o poderio militar do PAIGC passou a estar muito acima do que dispúnhamos. O que até ao fim de 1972 parecia ser uma zona "calma", com o perigo à espreita, visto o aquartelamento de Bachile se situar a pouca distância da residência do IN (Caboiana), passou a ser, nos fins de 1972 princípio de 1973, mais um ponto nevrálgico da guerra. 


Após o meu regresso [à metrópole], em Março de 1973, tive conhecimento da morte de muitos camaradas da CCAÇ 16, bem como de elementos da população civil, na sequência de ataques do PAIGC. Seria pertinente, para ajudar a escrever a História desta Guerra, que os ex-combatentes que testemunharam, de alguma forma, estes episódios os divulgassem. (*)

Por acaso, encontrei na Internet o testemunho de um meu conterrâneo, de Faro, autor e editor do Blogue "Gotas d' Água", que se refere, precisamente, a um episódio de guerra na zona de Bachile, que vem confirmar, em parte, a justeza desta tua crónica. Dada a falta de espaço, irei transcrever a seguir o relato que encontrei no Blogue "Gotas d'Água".

Um grande abraço
 Bernardino Parreira
CCAÇ 16
Bachile, 1972/1973 




2. Histórias de guerra VII > Bachile


Reprodução.  com a devida vénia, do Blogue  Gotas d'Água > 29 de setembro de 2007 > Histórias de guerra VII [,José Joaquim Rodrigues, ex-fur mil, 3ª C/BCAÇ 4615/73, Bachile e Bassarel, 1973/74] 

O Bachile ...

Zona muito perigosa, situada a meio caminho entre Teixeira Pinto e Cacheu, no Bachile estava sedeada uma Companhia de guerreiros operacionais guineenses que operava os Obuses. Nesta Companhia estavam também alguns guerreiros graduados,  naturais da metrópole. [Referência à CCAÇ 16].


Mesmo encostada ao Bachile ficava a misteriosa Caboiana, mata onde se sabia existir um quartel-general dos "turras”, nome assustador pelo qual designávamos os guerreiros inimigos; pelo seu lado, eles vingavam-se chamando-nos “tugas” mas que afinal viemos a saber apenas queria dizer “brancos”.

Na recepção, os “velhinhos” logo tentaram matar-nos de susto, exagerando no seu comportamento, mais parecendo acabados de sair do manicómio do que verdadeiros guerreiros. Relataram-nos com exagerados detalhes os sucessivos ataques sofridos ao arame, isto é, junto à vedação exterior do aquartelamento. Segundo afirmavam,  os turras não os deixavam dormir ou descansar porque os confrontos eram quase diários. Viver mais de dois anos naquela situação, tinha-os deixado em estado de semi-loucura!
Tanto ronco tinha-os deixado cacimbados! (tanta festa tinha-os deixado malucos!)

Instalámo-nos como pudemos, iniciando de imediato este inevitável esforço de guerra. Agora, em pleno teatro de guerra, todas as operações eram feitas com grande cuidado, devido ao enorme risco que as envolvia.

Felizmente enquanto permanecemos no Bachile não houve qualquer confronto com os guerreiros inimigos, embora por vezes pressentíssemos a sua presença espiando os nossos movimentos.

Finalmente para nosso alívio, chegou o dia de abandonarmos o Bachile. Deixaríamos um grupo em Churobrique e outro em Chulame,  indo o resto da Companhia [3ª C /BCAÇ 4615], incluindo o guerreiro do sul [, José Joaquim Rodrigues, o autor do relato], instalar-se em Bassarel, zona teoricamente um pouco mais calma.

No Bachile, mais um pequeno incidente com o guerreiro do sul que aqui "apanhou o paludismo" tendo levado a famosa "injecção de cavalo” o que lhe valeu um enorme inchaço na anca e a perna direita toda apanhada. Pudera,  as injecções eram doses para as referidas cavalgaduras, não para humanos, mesmo que guerreiros. Mas o fim justifica o meio e o paludismo foi gradualmente desaparecendo, para alívio do guerreiro do sul.

Nesta breve referência ao Bachile, cabe aqui o relato de um grave incidente de guerra, ocorrido poucos meses após a nossa saída, no qual foram intervenientes o nosso grupo de Churobrique, um grupo do Bachile, um grupo de combate da 2ª.Companhia e os Fiats da Força Aérea, para além dos guerrilheiros inimigos.

Pelo meio cerca de cinquenta civis que,  não tendo directamente a ver com a guerra, só porque naquele momento estavam a trabalhar para as nossas tropas, foram dura e barbaramente castigados.

Uma manhã, o grupo de combate do Bachile [, CCAÇ 16,] fazia,  como habitualmente, a escolta a uma Berliet com cerca de cinquenta trabalhadores civis que,  havia uma semana,  efectuavam trabalhos de “capinagem”, isto é, cortavam o mato que envolvia a estrada para o Cacheu. Atrás, com o objectivo de durante o decorrer dos trabalhos diários, fazer a segurança dos mesmos trabalhadores, seguia um Unimog, com o grupo de combate de Churobrique [3ª C/BCAÇ 4615].

Precisamente ao chegar ao local, onde iriam reiniciar os trabalhos, a pouco mais de quinhentos metros do Bachile, foram surpreendidos pelos guerrilheiros inimigos que,  emboscados na mata, dispararam e lançaram uma grande quantidade de granadas.

De todas as mortes a lamentar, houve uma em particular que a todos causou ainda maior consternação e desespero. O furriel que chefiava a escolta, tinha recebido a notícia, há tanto tempo esperada, do fim da sua comissão de mais de vinte e oito meses de guerra. [Referência provável a Arnaldo do Nascimento Carneiro Carvalho].  Naquela manhã,  que seria a última no Bachile,  ofereceu-se (sem ter de o fazer) para chefiar a escolta, segundo as suas palavras, para fazer a despedida.


E fez, de forma dramática e definitiva! Na emboscada foi atingido em pleno abdómen por uma granada RPG que o destruiu, tendo morte imediata. Nem um único guerreiro daquela escolta sobreviveu nesta emboscada, assim como, todos os trabalhadores civis.

Os guerreiros de Churobrique, um pouco mais atrás, com vários feridos, quase não conseguiram reagir a este inesperado ataque. No entanto, de imediato recebem apoio da 2ª. Companhia que estava sedeada no Cacheu e dos Fiats da Força Aérea, o que fez com que os guerrilheiros inimigos retirassem rapidamente. Para trás não deixaram uma única baixa.

Na perseguição, o grupo de combate da 2ª. Companhia avança pela mata sem qualquer meio de comunicação que pudesse indicar correctamente a sua posição aos Fiats da nossa Força Aérea e quase acaba sendo atingido pelo fogo amigo. Felizmente os pilotos não efectuaram quaisquer disparos, evitando assim agravar aquela situação que teve momentos de invulgar tensão, raiva e desespero!

Na retirada, os “turras” desapareceram,  utilizando uma técnica de dispersão em pequenos grupos, sendo difícil saber exactamente para onde se dirigiam, uma vez que se ouviam disparos de zonas completamente diferentes e até opostas.

Ao fim de algum tempo, tudo termina num enorme silêncio de dor e de morte!

Na manhã seguinte quando o guerreiro do sul, integrando a coluna de Teixeira Pinto para Bissau, se preparava para iniciar a viagem, foi-lhe pedido que transportasse na sua Berliet alguns daqueles mortos, de entre os quais, o nosso infortunado furriel.

E assim se fez mais uma história de guerra, diferente e ao mesmo tempo tão igual a tantas outras que muitos camaradas guerreiros viveram. 
Nós estamos cá para as contar, mas infelizmente outros não tiveram tanta sorte!

Até outro dia, camaradas!

Fonte: Blog Gotas d'Água > 29 de setembro de 2007 > Histórias de guerra VII 


[Há doze histórias de guerra neste blogue, relatando as (des)venturas do José Joaquim Rodrigues, ex-fur mil da 3ª C/BCAÇ 4615, por terras da Guiné: ver aqui o link]




3. Comentário(s) do Bernardino Parreira:


(i) O meu Bem Haja ao camarada que escreveu e publicou este texto na Internet, que, a dezenas de anos de distância, nos veio ajudar a perceber por que consta na listagem dos mortos na Guerra do Ultramar, na Guiné, o nome de 10 militares da CCAÇ 16, que perderam a vida em 22/04/1974.


 Resta-me mencionar o nome dos 10 camaradas que perderam a vida no fatídico dia 22/04/1974, na sequência de um ataque do PAIGC, 3 dias antes da revolução do 25 de Abril que conduziria ao cessar fogo entre as duas partes envolvidas nesta guerra.


Albino Gomes da Costa,  Fur Mil
Ambrósio Capambu Injai,  Sold At 
Arnaldo do Nascimento Carneiro Carvalho, Fur Mil
Carlos Gomes,  Sold At 
Luís da Costa, Sold At
Nulasso Albino Gomes, Sold At
Paulo Caiesta Tué Mendes,  Sold At 
Policarpo Augusto Gomes, Sold At
Samper Mendes, Sold At
Vicente Rodrigues, Sold At



(ii) Confrontado com a existência de um 11º morto, nesse dia e provavelmente no mesmo local, o Manuel Martins Lopes da 3ª C/BCAÇ 4615 (#), o Bernardino Parreiro respondeu-me o seguinte, em mail recente, de 14 do corrente:



(...) "É verdade, o meu amigo Policarpo [Gomes, o tal que fui visitar à prisão antes de regressar a São Domigos, e que pertencia ao seu pelotão] , juntamente com outros camaradas e amigos da CCaç 16, vieram a falecer tragicamente numa emboscada, 3 dias antes do 25 de Abril. Fiquei muito consternado ao ter conhecimento da sua morte, mas pormenores só os fiquei a saber, por acaso, quando vi o blogue do José Joaquim Rodrigues. Também aí faleceu outro grande amigo meu, o furriel Carvalho, que me dizia, quando eu parti de Bachile, ter o 'pressentimento que não regressaria vivo' e , ao que sei, morreu na véspera do regresso à Metrópole. São memórias muitos tristes, para os meus 63 anos.

"Quanto ao falecimento do Manuel Martins Lopes, da 3ª C/BCAÇ 4615 (**), nada sei, nem conheci, pois essa companhia passou por Bachile em data muito posterior à minha saida de lá. Mas se encontrar por aqui o José Joaquim, vou 'convidá-lo' a colaborar com esta Tabanca porque ele até tem jeito para escrever" (...).


(#) Lista dos mortos em combate no dia 22/4/1973 (Fonte: Liga dos Combatentes > Mortos no Ultramar > Guiné)

Apelido  Nome  Posto  Ramo  Teatro de operações  Data  Motivo  
CARVALHO ARNALDO NASCIMENTO CARNEIRO CARVALHO FurExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
COSTA ALBINO GOMES DA COSTA FurExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
COSTA LUÍS DA COSTA SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
GOMES CARLOS GOMES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
GOMES NULASSO ALBINO GOMES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
GOMES POLICARPO AUGUSTO GOMES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
INJAI AMBRÓSIO CAPAMBU INJAI SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
LOPES MANUEL MARTINS LOPES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
MENDES PAULO CAIESTA TUÉ MENDES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
MENDES SAMPER MENDES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
RODRIGUES VICENTE RODRIGUES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
ApelidoNomePostoRamoTeatro de operaçõesDataMotivo

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Notas do editor

(*) Último poste da série > 10 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9880: In Memoriam (118): A sã camaradagem e a vil emboscada, morreu o camarada Vasco Almeida (Vasco da Gama)




(**) BCAÇ 4615/73: Mobilizado pelo RI 16. Partida: 22/9/1973; regresso: 8/9/1974; sede: Teixeira Pinto, comandante: ten cor inf Nuno Cordeiro Simões. 


A 1ª C/BCAÇ 4615/73 esteve no Cacheu; comandantes: cap mil cav Germano de Amaral Andrade;  cap mil inf  António Miguel Seabra Nunes da Silva; e cap mil inf cap mil inf Carlos José da Conceição Nascimento.


A 2ª C/BCAÇ 4615/73 esteve em Teixeira Pinto.Comandantes:  cap mil inf cap mil inf  António Miguel Seabra Nunes da Silva; alf mil inf José Carlos de Barros Moura; cap mil inf cap mil inf  António Miguel Seabra Nunes da Silva.


E, por fim, a 3ª C/BCAÇ 4615/73 esteve em Bassarel.  Comandante: cap mil inf  Fernando Moura de Castro Felga.