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terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25219: As nossos geografias emocionais (23): O Hospital Militar Principal (HMP), à Estrela, e o Anexo, a Campolide, que eu conheci (Carlos Rios / Rogério Cardoso / Jorge Picado / Antóno Tavares / Armando Pires)

Guiné > Bissau > Hospital Militar 241 > O saudoso Carlos Filipe (Porto, 1950-Lisboa, 2017), radiomontador, CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74): esteve internado 32 dias em Bissau, no HM 241, antes de ser evacuado, com hepatite, para o Hospital Militar da Estrela em Lisboa, onde iria permanecer 173 dias...

Foto (e legenda);  © Juvenal Amado (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Eis alguns comentários (que republicamos) de camaradas nossos que conheceram o Hospital Militar Principal (HMP), à Estrela, e o seu anexo, em Campolide, na Rua da Artilharia Um, vulgo "Texas".

Antes, porém, convém lembrar que o HMP era constituído nos anos 60/70 por várias áreas fisicamente separadas (*), incluindo o Anexo, a Campolide, na rua  Artilharia 1.



Figura 1 – Esquema do HMP, evidenciando as três áreas geograficamente separadas:  a área 1 (o "núcleo histórico"), na Calçada da Estrela, contíguo ao Jardim da Estrela; a área 2 (nas traseiras da Basília da Estrela); e a área 3, delimitada pelo início da Av Infante Santo (no sentido descendente) e a Rua de Santo António à Estrela (que inclui o edifício de 12 pisos, a Casa de Saúde da Família Militar, construído já 8 em 1973).  O Anexo, a Campolide, não consta aqui desta figura.

(Com a devida vénia... Fonte: Anuário do HMP de 2004, citado por major Rui Manuel Pereira Fialho, "Alterações na estrtutura do Hospital Militar Principal", Revista Militar n.º 2566 - Novembro de 2015, pp 909 - 918. (Disponível aqui em pdf: https://www.revistamilitar.pt/artigopdf/1064).


Carlos Rios, ex-furriel mil, CCAÇ 1420 (Fulacunda, 1965/67)

(…) Fui dos que passou pelas instalações e sofri as piores atribulações [n]aquelas miseráveis e desumanas instalações, principalmente o anexo (Texas), do Hospital Militar Principal (HMP).

Ali passei seis anos com imensas operações, vindo a ficar estropiado, de 1966 a 72. 

O director era um déspota bem como a maioria do pessoal ligado àquilo que deveria ser o lenitivo para as misérias que nos atingiam mas que afinal se vinha a transformar como que um castigo por termos sido feridos. De tal maneira que já no Depósito de Indisponíveis, onde se encontrava o pessoal em tratamentos ambulatórios, termos sido metidos nas escalas de serviço, como se os doentes em tratamento estivessem numa Unidade.

Imagina um Oficial de dia,  quase maneta,  e eu próprio, já coxo, a fazer o içar da bandeira na porta de armas, vindo ao exterior a comandar a guarda e dar ordens militares para o caso. Fui um espectáculo macabro, eu só consigo andar com uma bengala. Calcula o ridículo.

No decrépito anexo não havia um espaço onde pudessemos ter um bocadinho de lazer, havendo apenas uma horrorosa cantina pequena para largas centenas de todo o tipo de doentes, cegos, amputados, loucos, etc...tudo á mistura. 

Não podiamos estar nas camas depois das nove horas nem sair para o exterior antes das catorze, exceptuando os acamados. Era-nos sugerido, quase obrigado, que não andássemos fardados. 

Enfim atribulações e peripécias dos pobres que eram arrancados às familias para servir alguém. (...) (**)

Rogério Cardoso, ex-fur mil, Cart 643, Águias Negras (Bissorã, 1964/66)

(…) Também eu passei as passas do Algarve no chamado Texas [na Rua da Artilharia 1]. Estive lá de fevereiro de 1966 a meados de 1967.

De facto o Director era uma pessoa intragável, assim como muito do pessoal lá destacado. Voltando ao director, assisti uma vez, ele dar uma bofetada num 2º sarg enf por ele não ter chamado á atenção de um fur mil que estava deitado em cima da cama, pelo meio da manhã. O homem até chorou, pela humilhação sofrida. (…)

 (…) Estou lembrado de mais uma cena humilhante. Nós, sargentos, instalados no anexo Texas,  frequentemente tínhamos consultas no HMP, à Estrela, estou a falar no ano 1966. A deslocação era feita numa carrinha Mercedes, salvo erro de 18 lugares. 

Até aqui tudo bem, mas a nossa vestimenta era pior do que a de um recluso. Calças de cotim com dezenas de carimbos com uma estrela, com os dizeres HMP, camisa branca sem colarinho tipo moço de estrebaria, também com carimbos, casaco cinzento de golas largas (capote cortado a 3/4) e barrete branco de algodão, igual aos que os velhotes usavam para dormir no século XIX, além de sapatilhas brancas.

A nossa vestimenta era mais do que ridícula, os reclusos eram uns "pipis" comparando. Era o tratamento a que os combatentes que tiveram azar, eram sujeitos. (…)  (**)


Jorge Picado, ex-cap mil, CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72


(...) No Hospital, Anexo (ou "Texas"),  existente na Rua de Artilharia 1, tive as primeiras visões horríveis, do que me poderia esperar, qualquer que fosse o TO que me saísse na rifa. 

Isto aconteceu talvez nos finais de setembro de 1969, quando estava a frequentar o CPC em Mafra. Aí funcionavam, não sei se outras, as consultas de Ortopedia, para onde fui encaminhado pelo Oficial Médico mil da EPI, face aos problemas da coluna lombar de que já padecia.

Para chegar à zona das consultas tinha de percorrer vários corredores (ou seria só um muito comprido, mas dividido por várias portas?), atulhados com macas ocupadas por estropiados brancos e negros, meio ao "Deus dará". 

Da primeira vez fiquei meio "zonzo" com aquelas cenas e nas seguintes procurava chegar rapidamente ao local olhando par o ar...

Quanto ao Cap Med do QP, chefe da Ortopedia, fiquei com as piores recordações, respondendo-lhe "torto" e chamando-lhe a atenção que não estava a falar para um analfabeto, mas sim para um licenciado como ele, mas isso são outros contos. (...)(**)


António Tavares, ex-fur mil, CCS/BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72)


 (...) Em Janeiro de 1969 estive internado no anexo do Hospital Militar Principal, Rua Artilharia 1, onde vi e assisti a episódios sem classificação...

Impossível a sua descrição. (...) (**)

Armando Pires, ex-fur mil enf, CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70

(...) Conheci o Hospital Militar Principal, à Estrela, e o Anexo, na Rua de Artilharia Um, a Campolide, em dois momentos diferentes da minha carreira militar: primeiro como internado (Março a Maio de 67) e a seguir como enfermeiro (Junho/67 a Outubro/68).

 Em Outubro iniciei a formação do Batalhão  [BCAÇ 2861] e em Fevereiro parti para a Guiné. 

Vamos ao Hospital. 

(i) A Estrela [HMP], após o início da guerra, foi equipada  com o que de melhor havia e nela trabalhava obrigatoriamente a nata da classe médica portuguesa. 

(ii) O Anexo de Campolide [na Rua Artilharia Um] funcionava como centro de recuperação para os mutilados, para os necessitados de apoio psiquiátrico e psicológico, também como linha de apoio a várias especialidades médicas da chamada "medicina geral", e ainda como "depósito de feridos ou doentes de guerra" em regime ambulatório... porque era preciso criar vagas para os casos mais graces no Hospital Principal.  

Sim, têm razão quase todos os comentários que aqui foram produzidos sobre o Anexo. Decrépito, sem dignididade hospitalar, refeitório de miserável qualidade alimentar e roupas militares próximo da indigência humana. 

Mas, atenção, o chamado serviço 6, no topo norte do Anexo, onde eram recebidos para convalescênça os mutilados, era um lugar à parte. Digno! 

E já agora o pessoal. Por favor, não confundir os militares que ali eram colocados em serviço de linha com o pessoal médico e enfermeiros.

Sim, de acordo, o Director era uma besta! 

E já agora, nada de exageros. Ali não eram despejados cadávares e feridos. Os mortos tinham uma capela enorme para os manter em ambiente de dignidade antes dos funerais. 

Os feridos iam sempre, em primeiro lugar, ao Hospital Principal. 

Muito, mas muito, haveria para dizer. Mas este é apenas o espaço de comentário e pareceu-me haver aqui algum exagero e alguma injustiça. Só isso. As minhas desculpas e o meu abraço,  camarada. (...) (***)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 26 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25215: As nossas geografias emocionais (22): O antigo Hospital Militar Principal (HMP), Lisboa, Estrela

(**) 1 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8455: Memória dos lugares (156): Texas, o anexo do Hospital Militar Principal, na Rua da Artilharia Um, em Lisboa (Carlos Rios / Rogério Cardoso / Jorge Picado / António Tavares)

(***) Vd. poste de 22 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8459: (Ex)citações (142): Em defesa do Hospital Militar Principal (Armando Pires, ex-Fur Mil Enf, CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70)

segunda-feira, 13 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17132: In Memoriam (278): Carlos Filipe Coelho (Porto, 1950 - Lisboa, 2017), ex-Sold Radiomontador, CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74), sepultado no dia 9 de Março, praticamente um mês depois do seu falecimento (Juvenal Amado)

CARLOS FILIPE COELHO


1. Mensagem de hoje de madrugada do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), para nos falar, mais uma vez, do Carlos Filipe Coelho, por ventura um inadaptado enquanto vivo e um incómodo depois de morto.

Caros camaradas
Quando somos jovens dizemos "eu vou fazer isto, vou fazer aquilo, farei da vida o que quiser".
Quando enfim chegamos à idade em que temos mais passado do que futuro, dizemos simplesmente "É a Vida".

Como prometi fazer um levantamento de alguma coisa que o Carlos Filipe escreveu, aproveitei aqui uma recordação maravilhosa da vida simples mas feliz que também o Carlos teve. Qual será a dose de felicidade que temos direito? Será que terá sempre um preço, qual será o preço que cada um terá de pagar pelos momentos de felicidade que gozou ao longo da vida? Do blogue Recortes Para o Meu Neto retirei esta recordação que fala do Natal. E Porquê do Natal? Porque foi um Natal feliz ao contrário de muitos outros infelizes, solitários e doridos. Chama-se o conto Natal Imprevisível.

NÃO ADIANTA UM HOMEM MANTER O LIVRO DA SUA VIDA FECHADO. HAVERÁ SEMPRE ALGUÉM QUE O VAI ABRIR MESMO QUE PARA LER UMA SÓ PÁGINA. 

Desconheço se é do Carlos esta citação, mas parece-me apropriada à sua personalidade, por vezes ambígua.

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2 . O nosso camarada teve sempre amigos, e do Blogue "Uivemos Juntos", retirei este texto em sua homenagem.

Com a devida vénia ao Blogue Uivemos Juntos

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3. NATAL IMPREVISÍVEL

Carlos Filipe Coelho

Trabalhava eu por turnos na Rádio, e nessa noite a minha saída era às 02:00h da manhã, apanhava o último comboio às 02:30 e chegaria a casa às 03 horas. Tu tinhas ido trabalhar, embora tivesses saído mais cedo. Foste buscar a menina ao colégio e deves ter começado a tratar dos preparativos para uma noite de Natal a três.
Ora o previsto era que próximo das duas começarias a cozinhar o bacalhau, batatas, couves, o habitual desta noite... A menina estaria a dormir e acordaria, conforme a sua vontade para confraternizar e abrir as suas prendas. Respeitávamos muito os horários da criança, mesmo abdicando de alguns prazeres para nós.

Não havia telemóveis neste tempo. Algum frio da época e uma viagem de comboio com muito poucos passageiros algo "tristes", mas eu ansioso de chegar, porque sabia que ia ter como sempre uma maravilhosa companheira à minha espera para uma noite de carinho, como tantas outras mesmo quando não era natal; ia pensando nas cores dos embrulhos para haver uma distribuição equitativa com a nossa filha pequenina.

Abro a porta, e vens ao meu encontro com o ar mais triste deste mundo, afogada num desânimo que parecia que não teres força para estar em pé. Mais tarde compreendi que este desânimo deveu-se ao facto de saberes que o Natal para mim era a festa do ano mais importante, não por eu ser ou não ser católico, mas porque tinha sido o meu ninho de sonhos em criança esperando pelas prendas que nunca vieram. Céus... com uma quantidade suficiente de guloseimas, as frutas secas, bolo-rei, havia pão, marmelada, nozes, pinhões ou seja de tudo um bocadinho, nem que fosse só para desougar... porque havíamos de ficar assim tristes? O que aconteceu ?!...

Estava combinado que próximo das duas começarias a cozinhar, para quando eu chegasse estar quase pronto, mas fatalidade das fatalidades o gás de garrafa acabou-se... Se calhar tinha mesmo que ser assim, porque ficou a ser um Natal com "sabor" diferente e durante anos foi acontecimento de referência nas nossas conversas natalícias. Creio que consideravas que me ia sentir talvez muito afectado.

Então acordamos que tinham que ser quebrados todos os nossos rituais, senão a coisa não ficava bem. Primeira decisão; vamos comer no chão. Segunda como o bacalhau estava quase cozido (o gás podia durar mais um bocadinho..) vamos fazer esfiado com azeite e cebola. E o resto prossegue normalmente.

Claro que no meio disto a menina já tinha acordado, teve manifestações de espanto por ver comida no chão em cima da toalha que anteriormente tinha visto na mesa; e a situação ia ficando complicada porque a criança não se apercebia de que não podia andar em linha recta, devido à falta de um "generoso" espaço porque estávamos num apartamento J. Pimenta.

Acesas as velas, nós aconchegando o estômago com o singular bacalhau, a criança "petiscando" as doçarias lá fomos criando a nossa noite de Natal, a mulherzinha recuperando do seu desgosto, culminando num rir de felicidade pela forma como as coisas decorriam. Alegria que aumentou com a distribuição das prendas entre os três, que se prolongava sempre, porque havia necessidade de dar oportunidade aos afectos e à apreciação das coisas neste caso principalmente dos brinquedos. Até que que a criança foi viajar nos seu sonhos e nós... nós fumamos mais alguns cigarros, mais um copo de qualquer coisa e mais um copo de sumo, talvez mais uns pinhões, o volume do som da televisão muito baixinho.

Concluímos que tudo tinha sido bom e diferente porque nos amávamos. E neste Natal, cada um de nós foi tudo o que o outro quisesse que fosse.
Até breve amor.

PS. A menina é a tua mãe... Guilherme

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4. Diz- nos ainda o camarada Juvenal Amado

Também sou de opinião utilizar este espaço para denunciar, e agradeço a quem me ajude a fazer chegar o nosso desgosto e denuncia à Associação dos Deficientes das Forças Armadas, à Liga dos Combatentes, ao Governo, etc.

É um veterano mas acima de tudo um ser humano que foi enterrado como de um cão abandonado se tratasse. De vez enquanto somos confrontados com coisas que não julgávamos possíveis dado o carácter melindroso e religioso, no que respeita a normas sociais e humanas. Se o falecido não teve em vida actividade contributiva suficiente, a Segurança Social não paga o funeral.
No caso presente, primeiro disseram que sim, que se poderia proceder ao acto de cremação, para dias depois dizerem exactamente o contrário.

O Carlos vivia de uma pensão que lhe foi atribuída (65%) pela a sua evacuação da Guiné em 1972 mais a referente à sua mulher. Não tinha outros rendimentos há muito tempo, uma vez que a saúde não lhe permitia. Francamente nunca soube de quanto era a sua pensão uma vez que o Carlos, que não escondia as suas ideias nem ideais, escondia as suas necessidades e o que se pode chamar de misérias.

Assim, a família (filha e um neto menor), que não teve posses para arcar com as despesa do funeral, recorreu à Santa Casa da Misericórdia onde ficou a aguardar "vez", possivelmente para ser enterrado como indigente.

Um mês depois de ter morrido, a 9 de Março é finalmente enterrado, sem qualquer cerimónia, sendo a família avisada uma hora antes.

Bem sei que o nosso camarada se dizia à parte deste tipo de sociedade, e pela forma como encarou a morte, escolhendo a cremação, escapava à simbologia que a grande maioria dos portugueses conferem ao ritual com que os corpos descem à terra. Mas a nós compete-nos homenagear a pessoa naquilo que ele representou enquanto vivo e pensante.

Assim, no dia 25 de Março 2017, um grupo de amigos, que na sua esmagadora maioria nunca com ele privou fisicamente, vai estar pelas 16 horas desse dia no portão do Cemitério da Amadora, para assim lhe dizer, onde ele esteja, que não passou por esta vida sem deixar marcas.

Eu ainda vou escrever um lembrete para ser publicado mais próximo, se possível, e quem estiver perto e na disposição de comparecer, será bem vindo.

Esperamos que alguma gente da comunidade guineense esteja presente

Um abraço
Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17033: In Memoriam (277): Carlos Filipe Coelho (Porto, 1950 - Lisboa, 2017), ex-Sold Radiomontador, CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74) (Juvenal Amado)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17033: In Memoriam (277): Carlos Filipe Coelho (Porto, 1950 - Lisboa, 2017), ex-Sold Radiomontador, CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74) (Juvenal Amado)


Carlos Filipe Coelho (Porto, 1950 - Lisboa, 2017)... Foi Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74). Era membro da nossa Tabanca Grande desde 2009. Tem mais de 25 referências no nosso blogue.


O Carlos Filipe e o Cripto Gomes, em Bafatá


O seu avô, Deodato Soares Azevedo, morto em 1941 a bordo de um navio inglês onde era tripulante, atingido por um submarino alemão durante a II Guerra Mundial. Nasceu na Foz do Douro, Porto, em 1881. (Fonte: Cortesia do blogue Navios à Vista, de Rui Amaro.)


Georges VI, TI [Rex Imperator]: This scroll commemorates D. S. De Avevedo, Able Seaman Merchant Navy, held in honour as one who served King and Country in the world war of 1939-1945 and gave his life to save mankind from tiranny. May his sacrifice help to bring the  peace and freedom for which he died. (Fonte: Cortesia do blogue  Navios à Vista, de Rui Amaro.)

Tradução: "Jorge VI, Rei de Inglaterra: Este pergaminho celebra a memória do Marinheiro de 1ª classe [AB Seaman], da Marinha Mercante, D. S. de  Azevedo, tendo sido mandado passar em honra de quem serviu o  Rei e o  País na guerra mundial de 1939-1945 e deu sua vida para salvar a humanidade da tirania. Que seu sacrifício ajude a trazer a paz e a liberdade àqueles por quem ele morreu." (tr. de LG)


1. O falecimento do Carlos Filipe Coelho (ex-Soldado Radiomontador, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)

por Juvenal Amado

O Carlos Filipe não era pessoa social, simpática nas suas opiniões, não fazia o favor de se calar, dizia o que tinha a dizer, quer estivesse em maioria ou não. Nem toda a gente gostava da sua forma de estar e, como se sabe, cada cabeça sua sentença e só o ouro agrada a todos.

Em Galomaro eram conhecidas as suas posições contra a guerra e um número mais restrito envolvia-se com ele em discussões politicas a que alguns tentavam por água na fervura. Depois de ser evacuado, na recolha dos seus pertences, havia vária documentação a que se teve que dar descaminho, sob pena de ela cair em mãos menos aconselháveis e criar-lhe mais problemas.

Foi evacuado de Galomaro com 10 meses. Hospitalizado em Bissau com hepatite [, hoje C], viu chegar o seu comandante de pelotão, o Alferes Mota, gravemente doente, que veio a falecer três dias depois.

Evacuado para o Hospital Militar de Lisboa, vem aí a fazer a  sua recuperação, passando à vida civil. 

Natural da Foz do Douro, Porto, acaba por ficar em Lisboa como técnico de rádio na emissora da Rádio Renascença, funda família e não custa acreditar que facilmente se ligou aos meios mais conspiratórios contra o regime de então.  É aí que se encontra quando finalmente o seu batalhão desembarca 20 dias antes do 25 de Abril de 1974.

Como militante de esquerda radical, toma parte dos acontecimentos da Rádio Renascença, que acabam com a explosão dos emissores e o despedimento de todos os implicados no processo de autogestão da referida emissora, que entretanto tinham surripiado ao controlo da igreja católica. A emissora volta para as mãos da igreja e ele e outros ficam desempregados.

No desemprego, monta uma oficina de técnico de rádio e corre o país na montagem de emissoras das rádios livres ainda clandestinas. Com a sua legalização são terreno fértil para a sua capacidade como técnico.

Findo esse período, mantém a oficina onde vai buscar o seu sustento.

Volto a encontrá-lo no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, em 2007, mas já não trabalha, está reformado. Trocámos correspondência online, combinamos encontrarmo-nos. Conta-me que está viúvo da sua mulher e camarada, que ele próprio sofre de cancro no pulmão e que se ofereceu para cobaia de novos tratamentos experimentais. 

Dou-me conta do isolamento, e sua  solidão, mas não consigo que ele passe a fronteira e que vá aos almoços do batalhão, muito menos conviver com a minha família.  Entretanto perco o seu contacto. Não atende o telefone, não responde aos e-mails. Como não tenho conhecimento com familiares dele, fiquei quase um ano sem saber onde parava.

Finalmente o telefone toca e é o Carlos Filipe. Conta-me que ficou com o esófago todo queimado da radioterapia e só agora consegue falar.

Expande-se então pela Net em páginas de discussão politica. Cria um blogue chamado  Recortes Para o Meu Neto, no facebook o Galomaro Destino e Passagem e, a seguir ao golpe de estado na Guiné-Bissau que derruba o Carlos Gomes, funda o Bissau-Resiste como blogue [, o último poste é de 8/1/2017] e como página do facebook, onde explana as suas ideias sobre a sociedade guineense, através de contactos denuncia corrupção, golpismo, ligações aos narcotráfico dos militares etc. 

Isto granjeou-lhe muitos amigos da Guiné na diáspora e, se calhar, muitos mais inimigos. 
Passa a viver para aquilo, fica chateado por eu não ser participativo na sua actividade e não comungar abertamente das suas opiniões. Mas na verdade eu não sabia em que me estava a meter, eu não conhecia a realidade fundamentada da situação política na Guiné-Bissau e em que águas turvas ela se movia. Deixou de me atender o telefone, de responder aos meus emails.

Um dia telefonou-me como se nada se tivesse passado. Fala-me da sua mãe e avó e do seu avô Deodato, morto a bordo de um navio inglês onde era tripulante, atingido por um submarino alemão   durante a II Guerra Mundial. (Vd. Blogue Navios à Vista, de Rui Amaro, cuja visita recomendo).

Até hoje não deixei de o apoiar, para tomar um café, para o ir buscar ao hospital, para  lhe fazer companhia e no domingo, pela a última vez, falei com ele no Hospital Pulido Valente. Hoje fui vê-lo pela última vez e, nem uma hora depois de estar em casa, recebo a notícia da sua morte. 

O nossa camarada Carlos Filipe foi uma personalidade complexa, esquiva, solitária, solidária, qual cavaleiro andante de causas e ideais muitos deles perdidos. Nunca esqueceu a Guiné, amava aquela terra de uma forma arrebatada. Não teria tido bom fim se lá tem ficado e envolvido na politica pós-independência, como facilmente se pode prever, mas todos nós, e até os detractores, ficamos mais pobres com a sua partida. Lamento que a sua voz, discordante tantas vezes, se tenha calado para sempre.

Descansa em paz camarada Carlos Filipe e que a terra te seja leve.
Os meus sentidos pêsames à filha, neto e genro, pois penso serem os únicos familiares. 

Camaradas, penso ter aqui retratado o Carlos Filipe como ele gostava de ser retratado e recordado . Como um lutador, nunca se rendeu, nunca se dobrou, nunca rastejou para obter o que quer que fosse e homens assim não precisam de palavras bonitas, não querem compaixão, porque são o que são, engrandecem-nos e tornam-nos imensos.

Um abraço, como ele diria, a todos e cada um.


2. Comentário do editor:

Já em novembro de 2016, o Juvenal Amado nos tinha alertado para a situação do Carlos Filipe Coelho (ex-Soldado Radiomontador, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74); enfrentava graves problemas de saúde, e estava internado no Hospital Pulido Valente (*)...

Nessa altura falei com ele ao telefone. Ficou sensibilizado por ter notícias da nossa Tabanca Grande. Mais recentemente voltou a  ser reinternado, segundo mensagem que me mandou, em 10/1/2017, o seu fiel e dedicado amigo e grande camarada  Juvenal Amado. Há muito que o seu estado de saúde nos causava preocupações. Acabei de chegar do Norte, e recebo esta notícia triste. É mais um dos nossos que parte para a última viagem. Ficam aqui as palavras, singelas, mas de grande ternura, que o seu neto, Guilherme Filipe, escreveu na página do Facebook do avô, ontem, às 14 horas:

(...) "Bem, nem sei por onde começar, não estava nada à espera que isto fosse acontecer, porque é que tinha de ser logo a ti,  avô?... Agora sem ti já não vou ter com quem desabafar dos meus problemas, não vou poder dar-te a saber as minhas notas da escola, não nada...  Sei que estavas a sofrer devido à tua doença, mas eu precisava de ti... Nem sabes o quanto eu gostava quando era pequeno e íamos dar os nossos passeios a Trafaria, queria-os repetir mas sei que não foi possível, gostava que tudo fosse diferente, queria ter-te dito um último adeus mas não consegui... Vou ter saudades do teu "Olá, meu neto, como estás?" e do "Obrigado por teres telefonado" ... Gosto muito de ti, meu grande amigo e avô, descansa em paz".

À filha, ao genro, ao neto, demais família, amigos e camaradas, a Tabanca Grande deixa aqui expressa a sua solidariedade no luto e na dor. O Carlos Filipe ficará connosco, agora do alto do poilão da nossa Tabanca Grande,  no "cantinho" daqueles que da lei da morte já se foram  libertando. (**)

PS - O Juvenal Amado ficou de nos informar sobre a data, a hora e o local da cerimónia fúnebre.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16698: Banco do Afecto contra a Solidão (19): Carlos Filipe Coelho (ex-soldado radiomontador, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74): está hospitalizado, com graves problemas de saúde... Vamos mandar-lhe uma palavrinha solidária (Juvenal Amado)

(**) Último poste da série > 20 de janeiro de  2017> Guiné 61/74 - P16971: In Memoriam (276): o 1.º cabo sapador Glória, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74, um tripeiro de gema: até sempre, camarada ! (Juvenal Amado)

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16698: Banco do Afecto contra a Solidão (19): Carlos Filipe Coelho (ex-soldado radiomontador, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74): está hospitalizado, com graves problemas de saúde... Vamos mandar-lhe uma palavrinha solidária (Juvenal Amado)




Hoje e ontem... Mais de quatro décadas passadas... O Carlos Filipe Coelho (ex-soldado radiomontador, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74) enfrenta graves problemas de saúde, está internado no Hospital Pulido Valente (*)...Vai gostar de receber uma mensagem  solidária dos seus amigos e antigos camaradas da Guiné que o conhecem. Vamos mostrar-lhe que a palavra "camarada" não é uma palavra vã e que a Tabanca Grande é também de gente com o coração grande, ontem com o hoje (**).

Fotos:  © Juvenal Amado (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagemdo Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74; autor de "A Tropa Vai Fazer De Ti Um Homem - Guiné, 1971 - 1974" (Lisboa: Chiado Editora, 2015, 308 pp.)

Data: 3 de novembro de 2016 às 22:52
Assunto: Carlos Filipe

Caros camaradas

Hoje, como tinha adiantado ao Luís, fui visitar o Carlos Filipe ao Hospital Pulido Valente.

Fiquei agradavelmente surpreendido pela boa disposição, força anímica e retórica durante o bom pedaço de tempo, que passei com ele.

Não pára de me surpreender e, embora muito fraco, estava todo satisfeito por ter sido capaz de fazer o corredor a caminhar nos exercícios de terapia, que executou de manhã.

Também estava todo satisfeito por o Luís lhe ter telefonado.

Assim faço um apelo a todos que se relacionaram de alguma forma com o Carlos, que lhe telefonem, ou mandem uma mensagem no telemóvel, uma vez que ele lá não tem internet.O nº dele é o

934 981 819   (Peço desculpa, na 1ª versão estava errado)

Um abraço para todos

Juvenal Amado

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Notas do editor


(*) 19 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16615: O que é feito de ti, camarada ? (6): Carlos Filipe Coelho (ex-Soldado Radiomontador, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)... Um resistente, duplamente resistente... Faz hoje anos... Parabéns, amigo, e até sempre! (Juvenal Amado)


(**) Último poste da s+erie > 11 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16588: Banco do Afecto contra a Solidão (18): Regressei de Runa.. e velhos são os trapos !... (Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16615: O que é feito de ti, camarada ? (6): Carlos Filipe Coelho (ex-Soldado Radiomontador, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)... Um resistente, duplamente resistente... Faz hoje anos... Parabéns, amigo, e até sempre! (Juvenal Amado)



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ (Galomaro, 1972/74) > Carlos Filipe, radiomontador, à civil... Um homem gentil que aqui aprendeu a amar aquela terra e aquela gente...




A caminho da Guiné, num dos navios da nossa marinha mercante, o "Angra do Heroísmo", que largou do Tejo em 18/12/1971, cheio que nem um ovo...

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ (Galomaro, 1972/74) > Carlos Filipe, radiomontador, uma especialidade pouco usual...



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ (Galomaro, 1972/74) > Carlos Filipe, radiomontador 




Guiné > Bissau > Hospital Militar 241 > O Carlos Filipe, radiomontador, da CCS/BCAÇ (Galomaro, 1972/74) esteve internado 32 dias em Bissau, antes de ser evacuado, com hepatite,  para o Hospital Militar da Estrela em Lisboa, onde esteve 173 dias.


Fotos © Juvenal Amado (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Mensagem, com data de 9 do corrente, do  Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas,  CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74; autor de "A Tropa Vai Fazer De Ti Um Homem - Guiné, 1971 - 1974"  (Lisboa: Chiado Editora, 2015, 308 pp.)


Carlos,  mando aqui alguma coisa escrita para o poste do Carlos Filipe. Também envio fotos que tenho dele e junto a talhe de foice,  porque falo do Jamba,  uma foto em que o Catroga trata do filho dele.

Um abraço, Juvenal
Encontramo-nos a miúde na Amadora [,onde vive, sozinho, viúvo, com uma filha a viver no Cacém, e doente, doente de longa duração, mas resistente...]

Bebemos um café numa esplanada muito agradável perto da casa dele. Falamos de tudo mas em especial da Guiné, da sua situação interna, da sua classe politica, do seu injustiçado e sofrido povo.

Não consegue esconder desgosto por ver o partido de Amilcar Cabral não ser melhor que os demais, depois de tantas lutas, também ele se afunda na corrupção, no lodo dos interesses instalados e dos que se querem instalar.

Soubemos há tempos que o quartel de Galomaro foi transformado em armazém serração, que faz parte da praga que abate as suas florestas e que por isso não se pode filmar nem fotografar. As provas do crime, aguardam por embarque para Bissau em Bambadinca, ou no Xime. No Geba,  rio que cruzamos cheios de dúvidas e ansiedades das chegadas e alegrias das partidas, cumprirão mais uma etapa que levará a madeira das milhares de árvores abatidas para a China.

Para trás fica a destruição do meio ambiente, a sua fauna e flora. A Guiné que nós conhecemos, é só um resquício na nossa memória, é como vermos alguém morrer jovem e belo, vamos sempre lembrá-lo assim.

Acabamos por lembrar Galomaro mais o Regála, o Jamba [, foto à esquerda,] que era do PAIGC na clandestinidade, andava dentro do quartel por onde queria e lhe apetecia, a alegria das lavadeiras, Bafatá com os seus restaurantes e o seu comércio vibrante, a piscina, a praça, os vendedores de óculos de sol e relógios das melhores marcas “suíças” que só trabalhavam o tempo de sair da cidade....

As loucuras dos almoços às 10 da manhã, com whisky e charutos para rematar, pois a coluna tinha que sair com o correio o mais tardar às 11,30. Bebíamos mais uma para a viagem no caminho já à saída de Bafatá à esquerda,  numa tasca que,  segundo diziam.  eram de um individuo de Alfeizerão, que jogava com um pau de dois bicos e nem um copo de água dava à malta. Mandava-nos ir beber ao poço e era se queríamos.

Carlos ri-se da minha forma de falar, relembrar,  e dos rodeios que faço para lá chegar. Há dias levei-lhe um emblema do nosso batalhão. Só para ver aquele olhar iluminar-se e aquele corpo magro que resiste ao sofrimento crescer um palmo, metaforicamente falando, valeu apena.

Telefonou-me no dia 4 deste mês e eu não dei por isso. Quando reparei telefonei-lhe logo mas já não me atendeu. Tenho-lhe telefonado todos os dias sem conseguir falar com ele. Não me admiro,  pois por vezes está semanas e meses sem falar comigo, até que um dia vejo que é ele,  atendo, fico a saber, pela sua voz sumida e fraca, que esteve internado, ou que a quimio o deitou abaixo de tal maneira que nem comer nem beber consegue.

Volto-me a encontrar com ele e lá voltamos à Guiné e ao blogue dele,  Bissau Resiste, onde ele se digladia com guineenses e não só, de tendências e religiões várias. Facto que lhe grajeia amigos e possivelmente mais inimigos.

Fico a pensar onde vai buscar semelhante força.

Não sei quando vou falar com ele novamente, não sei se lhe consigo dar os parabéns pelo seu aniversário pessoalmente, mas nem por isso quero deixar esquecido e vou beber um copo à sua resistência e força, que o faz vencer todos os dias mais um dia.

Parabéns, Carlos Filipe.  recebe um abraço deste teu camarada, que o 3872 juntou e a Guiné uniu.

Até sempre, amigo.

Juvenal


Um resistente: o Carlos Filipe Coelho (ex-soldado radiomontador, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74) ... Foto atual... Vive na Amadora, sozinho, viúvo, com uma filha a viver no Cacém, e doente, doente de longa duração, mas resistente, duplamente resistente, um lutador...Tem 22 referências no nosso blogue.... Mas no seu blogue, "Bissau Resiste", tem mais de 7 mil postes publicados, em 4 anos, desde meados de 2013...




Cabeçalho do blogue do Carlos Filipe, "Bissau Resiste", criado em agosto de 2013 e atualizado até ao início de outubro de 2016. Tem mais de 70 seguidores. O nº de postes anuais é notável:  2016 (926); 2015 (3215); 2014 (2391); 2013 (790).


 2. Comentário do editor:

Caro Juvenal, és um grande ser humano. O que fazes pelo teu (e nosso)  amigo e camarada, é digno de registo, é um exemplo para todos nós, É isso a camaradagem e a solidariedade humana. É também esse espírito da Tabanca Grande.

Sim, eu sabia que Carlos Filipe estava (ou esteve) doente, há uns anos atrás.  Mas não sabia era o resto da história nem lo prognóstico da doença...  Há estoicismo e dignidade na maneira como o Carlos tem enfrentado a adversidade e fintado a morte.

Se conseguires estar com ele,  hoje, no dia do seu aniversário natalício, dá-lhe um abraço, de todos nós,  do tamanho do poilão da Tabanca Grande e bebe um copo com ele, por ele, por ti  e por todos nós, que merecemos viver mais uns aninhos cá na terra, para compensar os que perdemos na guerra... Mesmo de muletas... por que como diz o provérbio popular "mais vale andar neste mundo de muletas  do que no outro em carretas"... (LG)
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Guiné 63/74 - P16614: Parabéns a você (1150): Carlos Filipe Coelho, ex-Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872 (Guiné, 1971/74) e Joaquim Ascenção, ex-Fur Mil AO Inf da CCAÇ 3460 (Guiné, 1971/73)


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Nota do editor

Último poste da série > 18 de outubro de  2016 > Guiné 63/74 - P16612: Parabéns a você (1149): Luís Nascimento, ex-1.º Cabo Operador Cripto da CCAÇ 2533 (Guiné, 1979/71)

sábado, 24 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9653: O nosso Blogue na Antena 1 pela voz de Luís Graça, no programa Emoções de João Paulo Diniz (Carlos Filipe Coelho)

1. Ainda a propósito da entrevista que Luís Graça deu ao jornalista, e nosso camarada, João Paulo Diniz, difundida hoje no programa Emoções, da Antena 1, recebemos esta mensagem do nosso camarada Carlos Filipe Coelho (ex-Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74):

Carlos Vinhal,
Se desejarem descarregar isto que eu fiz, podem fazê-lo sem problema.
Está no meu canal YouTube:

Cumprimentos.
Carlos Filipe


Entrevista telefónica de Luís Graça dada ao nosso camarada jornalista João Paulo Diniz, difundida hoje de madrugada no programa "Emoções" da Antena 1. Vídeo editado e alojado no Youtube por Carlos Filipe Coelho.

Ao nosso camarada Carlos Filipe o nosso muito obrigado porque assim todos terão acesso à gravação, que mandada por mensagem à tertúlia, por condicionalismos técnicos teve muitas devoluções.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9637: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (9): Comentário de António J. Pereira da Costa ao documento de Carlos Filipe

1. Ainda a propósito do documento do camarada Carlos Filipe publicado no nosso Blogue (P9602*), o editor Luís Graça pediu uma análise/comentário ao outro nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel Reformado (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69 e ex-Capitão de Art.ª e CMDT da CART 3494/BART 3873, Mansabá, Xime e Mansambo, 1972/74). Publicamos agora a sua resposta:

Camaradas
Este documento parece-me o rascunho da acta da reunião.
Parece-me ser "autêntico", isto é, produzido em 29JUL74. Não estando assinado é difícil ir mais longe.

Como nele se vê, são tratados diversos temas e não apenas a questão dos BCmds.
O PAIGC parece querer assumir o controlo do Batalhão e saber, de antemão, que a FLING não é nada mas interessa-lhe que ela seja qualquer coisa...

É evidente o clima desconfiança reinante no Batalhão. Uns ainda pensavam que o PAIGC estaria disposto a integrá-los na sociedade e a esquecer o sucedido. Daí a referência aos cursos de formação profissional acelerada (impossíveis, como se sabe). Outros adivinhavam que isso não sucederia e que maus tempos estavam para chegar.

O PAICG assume realmente que alguns elementos do Batalhão eram socialmente irrecuperáveis. Para além do Marcelino não há mais nomes, talvez porque tinha havido uma reunião como os oficiais do BCmds e o Partido não se quereria referir a eles abertamente.

Contudo, como se vê, não há a menor intenção do PAIGC de que os constituintes do BCmds fossem considerados como portugueses, o que implicaria a sua expulsão imediata do país e, mais que provável, perda de nacionalidade.

Por mim, e doa a quem doer, o PAIGC agiu de má fé. Ao pretender desarmar o BCmds queria simplesmente anular uma muito possível rebelião (muito sangrenta, mas destinada ao fracasso), atitude que se pode considerar como normal numa força política que ascende ao poder, descobrindo que agora é que os seus problemas iam começar, a sério.

Numa segunda fase trataria - como o fez - de os eliminar, social ou mesmo fisicamente. Não creio que "a população" estivesse interessada em hostilizar ou maltratar o pessoal do BCmds. A generalidade da população tinha mais em que pensar do que andar à "caça ao comando". Só excepcionalmente poderiam surgir situações de violência entre elementos do BCmds e pequenos grupos ou elementos isolados da população.

Para mim, esta foi uma consequência (sempre previsível) da "guineização da guerra". Em qualquer situação semelhante, há sempre uma boa parte da população de um país que está na oposição à força vencedora, ou porque "colaborou com o inimigo" ou "recebeu apoio dele". São os vencidos das guerras civis ou os colaboracionistas. Mesmo quando há uma "reconciliação" (e tantas tem havido) há sempre "dificuldades de integração" que a historiografia normalmente esquece, por não merecer investigação e ter pouco valor como tema para a literatura...

Finalmente acho estranhíssimo que este documento tenha sido encontrado no emissor da Buraca da RR. Como terá ele ido lá parar? Com que fim? Simples curiosidade do possuidor que, depois, sentiu os dedos a queimar e largou? Foi bom que não se tenha perdido. Creio que o AHM deverá ser depositário deste e doutros documentos similares que por aí andam.

Quando penso na quantidade de arquivos das Companhias e Batalhões que hoje não conseguimos localizar, pergunto-me para onde poderão ter ido. Posso admitir que a documentação das ultimas unidades se possa ter "perdido" ou ter sido elaborada com muito menos cuidado, mas relativamente às mais antigas, não entendo. De posse dessa documentação poderíamos desenvolver estudos que nos permitiriam reconstituir coisas tão complexas como a evolução táctica no "nosso" sector. Enfim procuremos...

Um Abraço e peço desculpa por me ter alargado
António José Pereira da Costa
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9602: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (4): Documentação referente a negociações entre Portugal e o PAIGC com vista à desmobilização das tropas africanas que combateram por Portugal (Carlos Filipe)

Vd. último poste da série de 21 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9634: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (6): Os Oficiais do Corpo do Estado Maior (CEM) no TO da Guiné em 1973/74 (Luís Gonçalves Vaz)

sábado, 17 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9620: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (7): Ainda a propósito do Acordo de Cacine, de 29 de julho de 1974 (Luís Gonçalves Vaz)

1. Ainda a propósito do poste P9602 (*)... Texto do nosso tabanqueiro Luís Gonçalves Vaz, com data de ontem:

Agora poderemos perceber o interesse de relatórios, como o primeiro que dei a conhecer, o do Sr. Major Tito Capela da 2ª Rep/CCFAG.


É claro que esse relatório fala nesta reunião na sua página 56, o denominado Acordo de Cacine de 29 de Julho, que,  juntamente com o Acordo do Cantanhez de 15,16 e 17 de Julho, segundo o mesmo relatório, "foram bastantes profícuos para o bom andamento de todo o processo de descolonização da Guiné".


(Excerto da pág. 56 do relatório)


Agora gostaria de chamar a atenção que este documento, em parte estará "autenticado", de acordo com dinâmica que os nossos "comissários" conseguiram imprimir na altura. Mas este documento (, acta de reunião, )  não foi de certeza "produzido" por nenhuma Repartição do QG/CCFAG [ Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, criado mais tarde, em meados de agosto de 1974]...

Este tipo de documentos surgiram de negociações que decorreram entre o encarregado do Governo [, Carlos Fabião, aqui na foto, à esquerda, em 1973, major, comandante das novas milícias] , e a direção do PAIGC,  não entre o Comando do CTIG e do PAIGC! Entre estes últimos, houve apenas reuniões para tratar da entrega de aquartelamentos e do processo de retirada (Missões militares!!!).

Por coincidência, nesta província da Guiné, o Governador acumulava o cargo de Comandante Chefe... Entendem-me? Na parte de negociações políticas com o PAIGC, que foram em Argel e no Chão da Guiné também, mas aí o governador Carlos Fabião foi apenas acompanhado por oficiais do MFA (nossos "comissários políticos" na Zona).

Quanto a negociações no âmbito militar, o brigadeiro graduado Carlos Fabião, era acompanhado pelo brigadeiro Galvão de Figueiredo e pelo seu, único na altura (Comando Unificado), Chefe do Estado-Maior, coronel do Corpo do Estado-Maior, Henrique Gonçalves Vaz, nomeadamente nas reuniões para entrega dos aquartelamentos da Ilha de Bissau, com os comandantes Bobo Keita e Gazela.


Resumindo e "baralhando"... este documento que é aqui apresentado, tem todo o "aspecto" de ser verdadeiro, mas é de cariz cívil, e relativo a  acordos políticos, e não de reuniões de cariz militar. Neste aspeto, não misturamos as "águas": os dois processos foram distintos, e assim decorreram até ao final, pelo menos na Guiné Portuguesa.

Grande Abraço,

Luís Beleza Vaz (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9602: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (4): Documentação referente a negociações entre Portugal e o PAIGC com vista à desmobilização das tropas africanas que combateram por Portugal (Carlos Filipe)


(**) Último poste da série > 17 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9619: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74 (6): A propósito da autenticidade da ata da reunião de Cacine, de 29 de julho de 1974, entre uma delegação das NT e um delegação do PAIGC, onde se decidiu da sorte dos nossos camaradas guineenses (António J. Pereira da Costa)

terça-feira, 13 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9602: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (4): Documentação referente a negociações entre Portugal e o PAIGC com vista à desmobilização das tropas africanas que combateram por Portugal (Carlos Filipe)

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Filipe Coelho* (ex-Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 18 de Fevereiro de 2012:

Carlos Vinhal, Luís Graça e restantes editores.

Não querendo sobrepor-me aos excelentes e oportunos relatórios do Luís Gonçalves Vaz, que trouxe ao blogue de forma documental o que até aqui se falava entre nós, mas sem o rigor que é necessário para o aprofundar de conhecimentos sobre o que na verdade se passou, venho pôr à disposição da Tabanca Grande este documento, entre outros, que guardo desde o meu despedimento (desalojado à bomba - Emissores da Buraca) na Rádio Renascença em 1975.


Talvez ajude a fazer luz sobre as intenções e negociações entre Portugal e o PAIGC sobre a desmobilização das tropas africanas que combateram sob bandeira portuguesa.


Entre outras coisas ressalta a divisão em facções dentro dos comandos africanos e proposta de retirar para Portugal os elementos que mais dificuldade teriam em ser aceites pelas novas autoridades em virtude do seu passado.


Um abraço para todos.


PS. pessoal: 99,9 % dos sublinhados, são meus. Podem dar a introdução que entenderem conveniente.


Obrigado.
Carlos Filipe

2. Nota dos editores:

Por norma, e de acordo com a nossa deontologia, o blogue não deve publicar documentos anónimos, apócrifos, de autoria duvidosa ou desconhecida. Fazemos sempre questão de validar os documentos que aqui chegam,  começando por averiguar a sua proveniência, origem, autoria, ano, editor, local de edição ou impressão, etc.

Pedimos ao Carlos Filipe para tentar saber qual a origem ou proveniência do documento, a data em que foi emitido, etc.... Trata-se de uma cópia de um documento original, datilografado, que é uma espécie de ata da reunião havida em 29 de julho de 1974, em Cacine, entre uma delegação portuguesa, encabeçada entre o brigadeiro graduado Carlos Fabião, último governador da Guiné e com-chefe, e uma delegação do PAIGC, chefiada por Júlio Carvalho (comandante Julinho, como era mais conhecido nas fileiras do PAIGC). O original devia ter  uma capa, uma folha de rosto, com indicação da Repartição do QG/CC que elaborou o documento... Mas também pode ser um documento pessoal, ou até um rasccunho de acta, elaborado por alguns dos oficiais portugueses que participaram nesta reunião...

O conteúdo do documenrto não nos parece dever ser posto em causa.  Ainda não confirmámos a data e local desta reunião. No depoimento do Carlos Fabião, em 2002, no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida sobre o processo de descolonização,  o último governador da Guiné não faz uma referência específica a esta reunião de Cacine... Ele fala dos comandos, do Marcelino da Mata (de que era muito amigo), etc., mas não refere esta reunião, uma de entre muitas que deve ter tido com delegações do PAIGC, na sequência das negociações de paz e do plano de retração das NT.

Sobre a origem do documento, disse-nos o Carlos Filipe: "Caros, Luís Graça e Carlos Vinhal, não me dispensaria de enviar também a capa do documento se existisse. Mas, estarão a imaginar o ambiente da época e o local (rádio) onde caía lá tudo de comunicados. Entre a muita azáfama que tinha como ocupante da Emissora, só nas últimas horas é que tentei ''salvar'' o que na ocasião me interessava. Portanto não posso fazer nada. Um abração p/ ambos e um obrigado".Publica-se o documento com estas ressalvas. No Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, fom,os encontrar um documento sobre a Guuiné Bissau, com texto e fotos do Cap Duran Clemente. Publicam-se, com a devida dénia, duas fotos com dois dos protagonistas desta reuniãod e 29 de julho: netse caso, o Júlio Carvalho, caboverdiano, DO paigc,  e o comandante Patríci, da nossa Marinha, por ocasião da "transferência de poderes", em Cacine, em 12 de agosto de 1974. LG/CV.




Guiné > Região de Tombali > Cacine > 12 de agosto de 1974 (?) > Júlio Carvalho e comandante Patrício, presumivelmente por ocasião da cerimónia de "transferências de poderes", entre o PAIG e as Forças Armadas Portuguesas. Fotos do Cap Duran Clemente. Cortesia de Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra.



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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9012: Blogoterapia (191): Na varanda e a Guiné-Bissau (Carlos Filipe)

Vd último poste da série 12 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9535: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (3): A Retirada Final: os últimos militares portugueses a abandonar o TO da Guiné (Luís Gonçalves Vaz / Manuel Beleza Ferraz)