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sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P25014: Natal 71, documentário de Margarida Cardoso (1999, 52 min)


NATAL 71 de Margarida Cardoso (1999) – excerto

(Reproduzido com a devida vénia...)

Ficha técnica:

Documentário : Natal 71 (1999) | 52 min

Realização: · Margarida Cardoso

Argumento: · Margarida Cardoso

Editado em DVD pelo jornal Público e pela Midas Filmes

Sinopse: 

(...) "Natal 71 é o nome de um disco oferecido aos militares em guerra no Ultramar português nesse mesmo ano.

Cancioneiro do Niassa é o nome que foi dado a uma cassete áudio, gravada clandestinamente por militares ao longo dos anos de guerra, em Moçambique.

Era o tempo em que Portugal era um grande império colonial pelo menos era o que eu lia nos livros da escola - e para que assim continuasse, o meu pai e grande parte da sua geração combateu nessa guerra, que durou treze anos.

Hoje transportamos, em silêncio, essas memórias. Olho para trás e tento ver.

Em casa do meu pai encontrei algumas fotografias, a cassete e o disco.

A cassete é uma voz de revolta, o disco é uma peça de propaganda nacionalista. São memórias de uma ditadura fascista. Memórias de um país fechado do resto do mundo, pobre e ignorante, adormecido por uma propaganda melosa e primária que nos tentava esconder todos os conflitos, e que nos impedia de pensar e de reconhecer a natureza repressiva do regime em que vivíamos. (...)

Fonte: Margarida Cardoso] (-) Fonte: CINEPT - Cinema Português (com a devida vénia...)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10757: (Ex)citações (203): O "fado das comparações"... ou o humor sarcástico do Cancioneiro do Niassa (Luís Graça)

1. Comentário de L.G. ao poste P10754:

Camarada Rosinha, já que se evocou aqui (mal, segundo as regras deste blogue...) os "chicos", que são igualmente filhos de Deus e nossos camaradas (e todas generalizações serão sempre abusivas, nesta como noutras matérias...), e já que tu próprio, sempre oportuno, foste buscar (ou reforçar) a questão das similitudes e das diferenças entre "tugas" de Angola e de Moçambique (ainda há dias estive com o Mia Couto, no aeroporto de Lisboa...), toma lá mais esta... Neste caso, esta "canção do Niassa":

Fado das Comparações

Que estranha forma de vida!
Que estranha comparação!
Vive-se em Lourenço Marques, (Bis)
Cá arrisca-se o coirão!

Vida boa, vida airada!
Boites, é só festança!
Lá não se fala em matança, (Bis)
Nem turras; há só borgadas.

Niassa, pura olvidança!
Guerra, como és ignorada!
Conversa que é evitada, (Bis)
P'los que vivem n'abastança!

Falar na nossa desdita
Fica mal e aborrece!
E como lembrar irrita, (Bis)
Toda a gente a desconhece!

Ao passar pela cidade,
Com tanta tranquilidade,
Deu-me para] comparar, (Bis)


Meninas com mini-saias!
Mandai-as p'ras nossas praias
P'ra manobra de atacar! (Bis)

Pipis com carros GT's, [Ou: Hippies com carros GT's]
Mandai-os para as Berliets,
Tirai-lhes as modas finas; (Bis)


Melenudos efeminados
Eram bem utilizados
P'ra fazer rebentar minas! (Bis)

Bem como essas tais meninas
Que, apesar de enfezadinhas,
Mas com ar da sua graça, (Bis)


Serviriam muito a jeito
Para acalmar a dor do peito [Ou: Para aliviar a dor do peito]
Cá da malta do Niassa. (Bis)

Mas não, só por pirraça,
Hão-de lá continuar!
E nós temos de lerpar, (Bis)


Invertem-se as posições,
E trocam-se as situações,
Continuamos a aguentar! (Bis)

Nós, sem sermos desejados,
Ficamos cá apanhados,
Aos urros, num desvario! (Bis)


Eles, os daqui naturais,
Gastando dinheiro aos pais,
Vão para o Matola Rio! 

[Ou: Vão p'ra a puta que os pariu!]

Acabe-se com a tradição,
Entre-se em mobilização,
Utilize-se a manada!  (Bis)


Dentro de poucas semanas,
Como quem come bananas,
Estará a Guerra acabada. (Bis)



Gentileza da página na Net do Joraga [José Rabaça Gaspar], que inseriu a gravação áudio, com a  voz do João Paneque, na Rádio Metangula, em 1970 [Clicar aqui para ouvir]... Essa  versão tinha a seguinte introdução:

"Este é um fado que compara algumas coisas que se passavam. Não é um fado para ofender, e era cantado em ambientes muito particulares e com público esclarecido! De resto, como todo o cancioneiro, sobressai sempre o aspecto humorístico com que todos os  temas são abordados". 
  
Fonte: Reproduzido de Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, I Série > 11 de maio de 2004 > 11 Maio 2004 > Blogantologia(s) - XI: Guerra Colonial: Cancioneiro do Niassa (1) 

2. Comentário de L.G.: 

A música deste fado, do Cancioneiro do Niassa,   é a do clássico  fado Estranha forma de vida (Letra e música: Alfredo Duarte e Amália Rodrigues). No entantato, a segunda parte parece-me ser a do Embuçado , precisarei de tempo para confirmar.

Mas o que importa agora é a  letra: sarcástica, parodia a privilegiada condição dos colonos moçambicanos e dos seus filhos e filhas, condição que, vista de Metangula, no lago Niassa,   deveria   uma das  contradições daquela guerra, difíceis de (di)gerir:  de facto,  dificilmente se poderia convencer um soldado metropolitano que estava a defender o chão sagrado da Pátria, quando do inferno do Niassa se olhava para  o bem-bom de Lourenço Marques...Em todo o caso, é bom não esquecer que houve moçambicanos, filhos de colonos brancos, que morreram em combate no TO da Guiné: caso do nosso camarada Mário Sasso, por exemplo.

Noutro registo, era o mesmo tipo de crítica que nós fazíamos na Guiné - nós, os operacionais, a carne para canhão - aos mais privilegiados, não os colons que praticamente não os havia, mas sim a rapaziada da guerra do ar condicionado, instalada no relativo conforto e na precária segurança de Bissau... 

Recorde-se que na Guiné não havia colonos brancos, a única empresa que se podia chamar colonialista era a Casa Gouveia, ligada à CUF - Companhia União Fabril, mas que ficou praticamente inactiva com o início da guerra, reduzida a muitos poucos entrepostos no mato (em Bambadinca, ainda havia um, no meu tempo, 1969/71).

Acrescente-se que o léxico do combatente de Moçambique e da Guiné tinha muitas coisas em comum: por ex., a palavra lerpar que era utilizada pelas nossas tropas, nos dois TO, com o mesmo sentido de perda: morrer, ser ferido, perder qualquer coisa (por ex., ao jogo da lerpa), apanhar uma 'porrada' (castigo), ser escalado, etc. 


[Imagens acima: Cortesia da Wikipédia. A distância da capital, hoje Maputo, ao Niassa, é de 2800 km... Matola é hoje cidade e município,  capital da província de Maputo. É também nome de rio que desagua na baía do Maputo.]
_______________

Nota do editor:

domingo, 27 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9104: Agenda cultural (172): Fado, Património Cultural Imaterial da Humanidade





III Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine > Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 >    Fado da Guiné > Vídeo: 2 m e 19 s > Alojado no You Tube > Nhabijoes > Letra do Joaquim Mexias Alves. Música: Pedro Rodrigues (Fado Primavera) (com a devida vénia). Acompanhamento: J. L. Vacas de Carvalho e David Guimarães (violas). Julgo que foi a estreia absoluta mundial deste fado... As condições de execução e gravação não foram seguramente as melhores, mas o que conta(va) é(era) a atitude dos nossos artistas... (LG)

Vídeo: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.





1. No dia em que foi aprovada a candidatura portuguesa do Fado à Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade, a nossa Tabanca Grande (onde há muita gente, amigos e camaradas da Guiné,  que gosta do Fado, que o escreve, que o sente, que o canta, que o toca e até que o estuda), associamo-nos, com regozijo, a essa grande honra mas também grande responsabilidade que nos é conferida pela UNESCO... E a melhor maneira é relembrar (e divulgar, mais uma vez) aqui o Fado da Guiné, criado e interpretado pelo nosso camarigo Joaquim Mexia Alves (*)... Mas também apelar à preservação e divulgação de letras de fado e outras canções que, de Bissau a Bajocunda, de Varela a Madina do Boé, se cantavam nos nossos aquartelamentos e destacamentos...


Sobre Fado e Fado da Guiné, temos já cerca de duas dezenas referências no nosso blogue, referentes nomeadamente a recolhas de letras de fados que eram  cantados no nosso tempo, no TO da Guiné (**)... Um dos primeiro postes do nosso blogue, I Série (em 11 de Maio de 2004), foi de resto dedicado ao famoso Cancioneiro do Niassa onde há diversas adaptações de fados conhecidos...

Como então escrevi, vários poetas e versejadores, de maior ou menor talento, pertencentes aos três ramos das forças armadas, contribuiram anonimamente, na região do Niassa, no TO de Moçambique,  para aquilo a que depois se veio a chamar o Cancioneiro do Niassa, e que passaram na então Rádio Metangula (em 1968/69).  As letras eram acompanhadas por melodias em voga na época, incluindo tangos, baladas e fados, tradicionais ou não, ainda hoje facilmente reconhecíveis (por ex., A Casa da Marquinhas, de Alfredo Marceneiro, ou a Júlia Florista, da Amália).

O seu interesse não é apenas literário mas também  documental, socioantropológico... Temos procurado também, no nosso blogue, (re)construir o Cancioneiro da Guiné, de que este fado do Joaquim Mexias é já uma peça emblemática. (LG)
Fado da Guiné


Letra (original): © Joaquim Mexia Alves (2007)
Música: Pedro Rodrigues (Fado Primavera)

Lembras-te bem daquele dia
Enquanto o barco partia
E tu morrias no cais.

Braço dado com a morte,
Enfrentavas tua sorte,
Abafando os teus ais.
(bis)

Dobrado o Bojador,
Ficou para trás o amor
Que então em ti vivia.

Da vida tens outra margem
Onde o medo é coragem
E a noite se quer dia.
(bis)

Aqui estás mais uma vez,
Forte, leal, português,
Sempre de cabeça erguida.

Não te deixas esquecer,
Nem aos que viste morrer
Nessa guerra em tempos ida.
(bis)

Que o suor do teu valor
Que vai abafando a dor
Que te faz manter de pé,

Seja massa e fermento
Desse nobre sentimento
Que nutres pela Guiné.
(bis)

Joaquim Mexia Alves
Monte Real,

18 de Agosto de 2007
 ________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de de 15 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2179: Fado da Guiné (letra original de Joaquim Mexia Alves) 



(**) Último poste da série > 26 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9098: Agenda Cultural (171): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - 1961-1974: história e memória(s) (Carlos Cordeiro) (9): Rescaldo da sessão do dia 23 de Novembro de 2011 (Carlos Cordeiro)

domingo, 9 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2337: Humor de caserna (4): Cancioneiro do Niassa: O Turra das Minas (Luís Graça)


Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 ( 1970/72) > Estrada (asfaltada) Mansabá-Farim > O Carlos Vinhal e o Sousa à sua esquerda, segurando uma mina anticarro detectada a tempo e levantada.



Foto: © Carlos Vinhal (2006). Direitos reservados.




Texto do editor L.G., a pretexto do post P2327, de 4 de Dezembro, sobre a guerrilha e as suas minas (1):

No final dos anos sessenta, no norte de Moçambique, na região do Niassa, os soldados portuguesas entoavam fados, baladas e outras canções que relatavam as alegrias e as tristezas do seu quotidiano de guerra.

O registo era, umas vezes, de bravata, de brincadeira e de paródia, e outras vezes mais triste, saudosista e intimista... Era uma forma de exorcizar os fantasmas do medo, da morte, da solidão, de lidar com a angústia dos ataques aos aquartelamentos, das emboscadas no mato e nas picadas, e das minas nos trilhos, de lidar com o stresse, de manter viva a ligação com a sua terra natal (que ficava, física e simbolicamente, a muitos milhares de quilómetros de distância), de reforçar o seu espírito de corpo como combatentes e até, de certo modo, de humanizar uma guerra, desgastante e cruel, que não parecia ter uma solução militar à vista.

Nalgumas das letras dessas músicas (escritas por milicianos, com formação universitária, ou por alguns militares mais politizados, ou simplesmente com jeito para versejar), podia-se inclusive descortinar sinais, mais implícitos do que explícitos,  de contestação e até de resistência, sinais esses que tinham um efeito perverso, introduziam o famigerado espírito dissolvente, denunciado pelos arautos do regime político não-democrático, então dominante, acabando por, de algum modo, minar o moral das tropas e a vontade de combater.

O mesmo se passava, de resto, noutras frentes de guerra, como a Guiné, como todos nós, camaradas da Tabanca Grande, podemos testemunhar pela nossa própria experiência pessoal: as longas noites da Guiné eram passadas, muitas vezes, entre muitos copos de uísque, cerveja, intermináveis jogos de lerpa e longas sessões de fados, baladas e outras canções (com o Manuel Freire à cabeça, seguido do Zeca Afonso, do Adriano Correia de Oliveira, dos Beatles, do Bob Dylan, do Donovan e de tantos outros...):

"Eles não sabem nem sonham / Que o sonho comanda a vida...", era uma das nossas preferidas,no meu tempo de Bambadinca (1969/71), sendo cantada e acompanhada à viola com um misto de saudades da nossa terra e de rebeldia contra o aparelho político-militar (Eles eram os chefes, os oficiais superiores do batalhão, o comando-chefe, o Estado Maior do Exército, e por aí fora até ao poder político, protagonizado pela parelha Caetano e Tomás).

Vários poetas e versejadores, de maior ou menor talento, pertencentes aos três ramos das forças armadas, contribuiram anonimamente para aquilo a que depois se veio a chamar o Cancioneiro do Niassa. As letras eram acompanhadas por melodias em voga na época, incluindo tangos, fados, baladas. tradicionais ou não, ainda hoje facilmente reconhecíveis (por ex., A Casa da Marquinhas, de Alfredo Marceneiro, ou a Júlia Florista, da Amália). O seu interesse não é literário mas sim documental, socioantropológico.

Na Net, o meu primeiro contacto com as Canções do Niassa (2) foi através de duas páginas:

(i) uma, a Joraga, acrónimo de José Rabaça Gaspar, a mais antiga, a mais criativa, a mais pessoal, também a mais confusa... São uma série de páginas encavalitadas uns nas noutras, desde a página da família aos coros alentejanos... O início do sítio que é uma verdadeira rede... ilimitada, como diz o autor, um andarilho alentejano, remonta a 2002, se não me engano. Rabaça Gaspar foi Alf Mil Capelão,  da CCS do BART 2838 (Moçambique, 1968/70). Mora hoje em Corroios.

Foi ele o primeiro a divulgar, na Net, o registo fonográfico das 13 primeiras Canções do Niassa, parte de uma gravação da Rádio Metangula, da Marinha (que tinha uma base naval, no Lago Niassa, justamente em Metangula). Essa gravação data de 1969, e a interpertação é de João Peneque, que seria um guarda-marinha (equivalente ao posto de Alferes, no Exército).

O Rabaça Gaspar diz que os ficheiros áudio foram obtidos a partir de uma cassete gravada em 1969, e graças ao apoio técnico de dois amigos, Manuel Aleixo e Manuel Cruz. Este primeiro lote de canções faz parte do Cancioneiro I. O autor prometeu - até agora, em vão - um Cancioneiro II e um Cancioneiro III.

Aqui vai a lista das 13 canções do Cancioneiro I (que podem ser ouvidas no sítio original, na voz de João Peneque). Segundo o Rabaça Gaspar, o Jorge [Pereira] Ferreira, Fur Mil, da CCS do BART 2838, seria o autor de quatro ou cinco letras:

1. Fado do Checa

Adapt. de “Rosa Enjeitada” – Fado
por Jorge Ferreira - BART 2838

2. O Turra das Minas

Adapt. de “Júlia Florista” - Max
por Jorge Ferreira - BART 2838

3. Adeus Metangula – Fado da Despedida

Adapt. de “Adeus Mouraria”
por Jorge Ferreira (?)

4. Fado das Partituras

5. Fado do Render da Guarda

6. Fado do Turra

Adapt. de “Fado Corrido”
por Jorge Ferreira

7.Hino do Lunho

Adapt. de “Vampiros” – Zeca Afonso
por Alferes Herculano de Carvalho (o Carvalho 100, da 1ª Companhia de Engenharia)

8 .Fado do Destacamento Veterano

9. Fado das Comparações

Adapt. de “Estranha Forma de Vida”
por Jorge Ferreira

10. Fado do Estado Maior
Adapt. de “São Caracóis” - Amália

11. Fado do Buldozer

12. A Júlia Golpista

Adapt. de “Júlia Florista” - Max

13. Fado a Metangula

(ii) outra fonte, por mim consultada em 2004, foi a excelente página do Jorge Santos, hoje membro da nossa tertúlia.

O Jorge fez também um trabalho excelente, notável, pioneiro, de recolha, preservação e divulgação desta documentação tão efémera mas tão importante para a sociologia histórica da guerra colonial, e onde se devem incluir o estudo das representações sociais do turra, o invisível e obíquo inimigo que combatíamos em Moçambique, Angola e Guiné. No total a recolha de Jorge Santos ultrapassa as 40 canções, disponíveis no seu site:

Página de Jorge Santos > Guerra Colonial > Canções do Niassa

Convirá lembrar que Jorge Santos faz parte dos primórdios da nossa Tabanca Grande: foi 1º Grumete Fuzileiro, pertencente à 4ª Companhia de Fuzileiros e esteve em Moçambique, na região do Niassa (Metangula e Cobué), entre Abril de 1968 e Janeiro de 1970.

Há ainda a referir a existência de uma edição discográfica das Canções do Niassa, que resultaram da colaboração do actor João Maria Pinto (que no início da década de 1970 fez, com um grupo de amigos, as primeiras gravações do Cancioneiro do Niassa, vendendo depois as cassetes piratas aos soldados recém chegados) e ao produtor Laurent Filipe: Canções proibidas: O Cancioneiro do Niassa. Lisboa: EMI - Valentim de Carvalho, Música, Lda. 1999. CD. 7243 5 20797 2 8.

Foram seleccionadas e gravadas 13 canções, cantadas pelo João Maria Pinto e seus convidados (entre outros, Carlos do Carmo, Rui Veloso, Paulo Carvalho, Janita Salomé, João Afonso). Aqui vai o alinhamento:


1. Ventos de Guerra - João Maria Pinto/Rui Veloso;

2. Taberna do Diabo - João Maria Pinto/Gouveia Ferreira;

3. Fado do Checa - Paulo de Carvalho;

4. O Turra das Minas - João Maria Pinto/Rui Veloso;

5. Erva Lá Na Picada - João Maria Pinto/Janita Salomé;

6. Luta p'la Vida - João Maria Pinto;

7. Neutel d'Abreu - João Maria Pinto/Mariana Abrunheiro;

8. Bocas Bocas - Lura, João Maria Pinto/Mingo Rangel;

9. Fado do Miliciano - Janita Salomé;

10. O Fado do desertor - Carlos do Carmo;

11. O fado do Antoninho - Teresa Tapadas;

12. Hino de Vila Cabral - Carlos Macedo/João Maria Pinto;

13. O Hino do Lunho - João Maria Pinto e outros (João Afonso, Ana Picoito, Tetvocal...).

Destas 13 canções, apenas se conheciam, em 1979 - segundo a informação do produtor do disco - os autores de duas: Gouveia Ferreira (Taberna do Diabo) e Carlos Macedo (Hino de Vila Cabral).

Como ilustração do post de 4 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2327: PAIGC - Instrução, táctica e logística (6): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VI Parte): Minas I (A. Marques Lopes), reproduzimos aqui a letra do Turra das Minas:

O Turra das Minas

O turra das minas,
Pequeno e traquinas,
Lá vai na picada
E a malta escondida,
Na mata batida
Monta a emboscada.
O turra passou,
A malta esperou,
Já toda estafada,
E a Berliet
Sempre foi estoirada.

Refrão
Ó turra das minas,
A tua vida agora
É pôr as marmitas
Pela estrada fora.
Oh turra das minas,
Tua arma soa
Por léguas e léguas,
Aqui no Niassa,
Onde a Guerra entoa [ecoa].

Há mortos e feridos
E os mais comidos
Somos sempre nós,
Vamos pelos ares,
Gritando por todos,
Até pelos avós.
Ó turra, bairrista,
Mas pouco fadista,
Já é tradição
Ser pára-quedista
Sem tirar o curso,
Ai isso é que não.

Refrão:

Oh turra das minas,
A tua vida agora... (3)

______________

Notas de L.G:

(1) Vd. nota de 4 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2327: PAIGC - Instrução, táctica e logística (6): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VI Parte): Minas I (A. Marques Lopes)

(2) Vd. post de 11 de Maio de 2004 > Blogantologia(s) - XI: Guerra Colonial: Cancioneiro do Niassa

(3) Comentário:

Paródia do fado A Júlia Florista, uma das muitas criações de Amália. Segundo o sítio da Tuna Feminina do Instituto Superior Técnico, a letra é de Joaquim Pimenal e a música de Lionel Villar.

Recorde-se que a Berliet era uma das viaturas mais usadas no transporte de tropas: de origem francesa, eram montadas no Tramagal.

É interessante a analogia, óbvia, entre a mina A/C, e a marmita... Não sei se o termo fazia parte da gíria do pessoal, na época, ou se trata apenas de uma metáfora do poeta... Por outro lado, é curiosa a descrição, quase simpática, irónica, e até cúmplice, do turra, como se este fosse um velho compincha: Ó turra das minas, pequeno e traquinas (...); Ó turra, bairrista, mas pouco barrista (...). Enfim, uma cumplicidade ou uma duplicidade, própria dos combatentes, que vem introduzir na guerra brutal das minas, anticarro e antipessoais, uma nota de humanidade, de humor negro, de

Há outro sítio na Net onde se pode ouvir o Turra das Minas, uma das 13 Canções do Niassa que fazem parte da gravação, feita da Rádio Metangula, da Marinha, em 1969.

Letra e Música:

Fado do Checa

Fado do Turra das Minas

Fado da Despedida

Fado das Partituras

Fado do Render da Guarda

Fado do Turra

Hino do Lunho

Fado do Destacamento Veterano

Fado das Comparações

Fado do Estado Maior

Fado do Buldózer

Fado da Júlia Golpista

Fado a Metangula

terça-feira, 28 de fevereiro de 2006

Guiné 63/74 - P576: Cancioneiro de Canjadude (CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1973/74) (João Carvalho)


Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 (Gatos Pretos, 1973/74) - Guião

Foto: ©João Carvalho (2006)

O João Carvalho, que foi furriel miliciano enfermeiro dos Gatos Pretos, diz-nos que começou a rebuscar o seu "baú de recordações". E nessas voltas ao passado, "enontrei uma pequena bandeira dos Gatos Pretos. Digitalizei só uma face"...

A par desta preciosidade, também foi desencantar letras de canções com que os Gatos Pretos exorcizavam os seus fantasmas, os seus medos, as suas angústias nas noites longas de Canjadude (1)...

Fica aqui uma amostra desse Cancioneiro que eu tomei a liberdade de chamar o Cancioneiro de Canjadude, por analogia com o da Niassa (Moçambique) (3), tal como já tinha feito com os cadernos do Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-furriel miliciano de operações especiais, da CCS do BCAÇ 4612, que teve o seu momento de glória em Mansoa, em 9 de Setembro de 1974, ao arrear a última bandeira verde-rubra, e que eu rebaptizei com o título Cancioneiro de Mansoa (3) .

Também já aqui publicámos, no nosso blogue, a famosa letra do hino de Gandembel (4). No meu tempo (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) era provavelmente a canção de caserna mais popular, passando de boca em boca. Guileje, Gadamael e Gandembel eram três nomes de aquartelamentos do sul que os periquitos, em Bissau ou na Zona Leste, pronunciavam com temor e respeito... Infelizmente já não me lembro da música...


O nosso camarada João Carvalho, ex-furriel miliciano enfermeiro da CCAÇ 5 (1973/74), hoje farmacêutico

©João Carvalho (2006)

Guiné> Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 (Gatos Pretos, 1973/74) - Balada de Canjadude. Música: DEsconhecida. A letra é uma paródia do conhecidíssimo poema do Augusto Gil (1873-1929), Balada da Neve (do livro Luar de Janeiro, 1909) (LG).


© João Carvalho (2006)


Voam forte, fortemente,
Provocando o alvoroço.
Metralha de outra gente
Que pretende certamente
Estragar-nos o almoço.

Será talvez um tornado,
Mas ainda há pouco tempo,
Nem as chapas do telhado,
Nem o desconjuntado,
Se moviam com o vento.

Fui ver...
As morteiradas caíam,
Do azul cinzento do céu,
Grandes, negras, explodiam,
Como elas se moviam,
Mas que barulho, Deus meu!

Olho através da seteira,
Está tudo acinzentado.
Elas caem, que poeira,
Levantam à nossa beira,
Felizmente mais ao lado.

Ficando olhando estes sinais,
Deixados pela tormenta.
E isto por entre os mais,
Buracos descomunais,
Dos impates do oitenta.

Inesperado, cortante,
Eis que ribomba o canhão
Que, apesar de estar distante,
Com a sua voz troante,
Vem espalhar a confusão.

Com potente vozear,
Estas armas falam forte,
O canhão a metralhar,
Propõe-se a enviar
Sua mensagem de morte.

Que quem já é terrorista,
Sofra tormentos, enfim.
Mas esta tropa, Senhor,
Porque lhes dai tanta dor,
Porque padecem assim ?

É uma infinita tristeza,
Constante perturbação,
No coração é inverno,
Cai chumbo na natureza,
Canjadude é um inferno.



Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 (Gatos Pretos, 1973/74) - Hino da Velhice. Música de Puppet on the String, uma canção do Reino Unido, composta por Bill Martin/Phil Coulter que ganhou o Festival da Canção da Eurovisão de 1967, interpretada por Sandi Shaw. (LG).

© João Carvalho (2006)

Refrão

Ai....
Tirem-me daqui,
Mandem-me p'ra Metrópole,
Que eu estou a ficar maluco, maluco, maluco,
Quero ir daqui embora!...

Já lá vem o meu periquito
A saltar na bolanha,
Quando for daqui para fora
Nunca mais ninguém me apanha.

Quero ir embarcar...
E à Metrópole voltar...

Refrão

Despedidas eu vou fazer
E a arma entregar.
Depois então vou receber
A guia p'ra marchar.

Quero ir embarcar...
E à Metrópole voltar...


Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 (Gatos Pretos, 1973/74) - Bibóculos de guerra. Música: Vou partir, vou voltar, vou partir... (Conhecida música da época, mas já não me lembro quem era o intérprete) (LG)

© João Carvalho (2006)

Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 (Gatos Pretos, 1973/74) - Gato Pira. Música: Negro Gato, do Roberto Carlos. ©João Carvalho (2006)


Minha triste história
Vou-lhes contar,
Por certo ao ouvi-la
Vão ter que tarrafiar!

Miau... Eu sou o gato pira (bis)

Manga de meses tenho
Para lutar,
Manga de chances tenho
Para escapar.
Mas se eu afinar,
Acabo num farrapo.

Miau... Eu sou o gato pira (bis)

Há dias, lá no mtao,
Pobre de mim,
Queriam as minhas penas
Para um ronco assim.
Apavorado eu pensei
Ai, que será de mim ?


Miau... Eu sou o gato pira (bis)


Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 (Gatos Pretos, 1973/74) - Fado da Emboscada. Música: Fado do Embuçado (Autor: João Ferreira Rosa).

©João Carvalho (2006)

A história que eu vou contar,
Já há muito aconteceu,
Gatos pretos em acção,
Na grande operação,
Lacoste em Burmeleu.

A malt' ia pela mata,
Ainda não viar nada,
Mas por mal dos meus tormentos,
Com fortes rebentamentos,
Começou a emboscada.

Logo a malta reagiu,
No meio da confusão,
Atrás deles e a correr,
A gritar e a dizer
Gato preto agarra à mão.

Perante a admiração geral,
No meio da algazarra,
Enquanto os turras fugiam,
Os nossos os perseguiam,
A gritar Agarra, agarra!.

EW então já noitinha,
Quando a tropa instalou,
P'ra nosso contentamento,
Munições e armamento,
Foi o ronco que ficou.
____________

Notas de L.G.
(1) Vd. post de 23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIV: O nosso fotógrafo em Canjadude (CCAÇ 5, 1973/74)

(2) vd post de 11 de Maio de 20054 > Blogantologia(s) - XI: Guerra Colonial: Cancioneiro do Niassa (1)

" (...) 1. No final dos anos sessenta, no norte de Moçambique, na região do Niassa, os soldados portuguesas entoavam fados e canções que relatavam as alegrias e as tristezas do seu quotidiano de guerra. O registo era, umas vezes, de bravata e paródia, e outras vezes mais triste e intimista... Era uma forma de exorcizar a angústia das emboscadas e das minas, de lidar com o stresse, de manter viva a ligação com a sua terra natal, de reforçar o seu espírito de corpo como combatentes e até de certo modo humanizar uma guerra que não parecia ter uma solução militar à vista. Nas letras dessas músicas podia-se inclusive descortinar sinais de contestação e até de resistência, sinais esses que minavam o moral das tropas e a vontade de combater.
"O mesmo se passava, de resto, noutras frentes de guerra, como a Guiné, como eu posso testemunhar pela minha própria experiência pessoal: as longas noites da Guiné eram passadas, muitas vezes, entre muitos copos de uísque, cerveja, intermináveis jogos de lerpa e longas sessões de fados, baladas e outras canções (com o Manuel Freire à cabeça, seguido do Zeca Afonso, do Adriano Correia de Oliveira, dos Beatles, do Bob Dylan, do Donovan e de tantos outros...): "Eles não sabem nem sonham/ Que o sonho comanda a vida...", era uma das nossas preferidas, sendo cantada e acompanhada à viola com um misto de saudades da nossa terra e de rebeldia contra o aparelho político-militar.
"Vários poetas e versejadores, de maior ou menor talento, pertencentes aos três ramos das forças armadas, contribuiram anonimamente para aquilo a que depois se veio a chamar o Cancioneiro do Niassa (5). As letras eram acompanhadas por melodias em voga na época, incluindo tangos e fados, tradicionais ou não, ainda hoje facilmente reconhecíveis (por ex., A Casa da Marquinhas, de Alfredo Marceneiro, ou a Júlia Florista, da Amália). O seu interesse não é literário mas sim documental, socioantropológico" (...).

(3) Vd post de 1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVI: Cancioneiro de Mansoa (1): o esplendor de Portugal

" (...) O que o Ribeiro me mandou foi um carderno, de 47 páginas, onde ele conta, em verso, as peripécias da sua atribulada vida militar. Vou chamar a estes cadernos o Cancioneiro de Mansoa, por analogia com o Cancioneiro do Niassa. Está imbuído da ideologia ou (da mística) ranger, não é uma obra colectiva, é escrito por um dos últimos guerreiros do Império e, para mais, ao longo dos anos que se sucederam ao 25 de Abril de 1974 em que o autor também participou... O Cancioneiro do Niassa tem outra origem, outro contexto, outro tom... De qualquer modo, o Magalhães Ribeiro e os seus camaradas de operações especiais não me levarão a mal se eu chamar Cancioneiro de Mansoa ao conjunto destes versos, ditados pela nostalgia do império perdido e pela afirmação do valor e do patriotismo do soldado português" (...).
(4) Vd post de 30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDII: O Hino de Gandembel

(5) Vd ainda:

(i) Página do nosso camarada Jorge Santos > A Guerra Colonial > Canções do Niassa

(ii) Página do José Rabaça Gaspar > Cancioneiro do Niassa

"(...) as CANÇÕES que fazem parte da Gravação da Rádio Metangula, da Marinha, em 1969, na voz de João Peneque (Como é evidente, pedimos desculpa das falhas na gravação, que foi recuperada a partir de uma cassete gravada em 1969, pelos bons serviços dos amigos Manuel Aleixo e Manuel Cruz, a quem deixamos os melhores agradecimentos) " (...)

Este camarada fez parte da CART 2326, Os Lobos de Maniamba (Moçambique, 1968/70).