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quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24876: Excertos dos melhores escritos de António Eduardo Ferreira (1950-2023), ex-1º cabo cond auto, CART 3493 / BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) - Parte VII: Parte VII - Estar debaixo de fogo não é coisa que se deseja a ninguém, muito menos em Cobumba, na região de Tombali


Foto nº 1 > Levámos quatro viaturas para a Cobumba, no sul da Guiné, à beira do rio Cumbijã... Foram todas destruídas por minas. A primeira Berliet era conduzida pelo condutor José da Silva, apesar de tudo, uma vez mais a “sorte esteve com ele” foi a segunda mina que viaturas por si conduzidas acionaram... Desta vez seguia acompanhado por um cozinheiro de que já não me lembro o nome, foram os dois projetados nas alturas mas ficaram” apenas” com o susto que não terá sido nada pequeno: iam levar o café ao pessoal de dois pelotões que estavam instalados a cerca de quatrocentos metros do local onde ficava a improvisada cozinha.


Foto nº 2 > A segunda Berliet era conduzida pelo furriel mecânico, tinha acabado de chegar de férias naquela tarde vindo da Metrópole: também “apenas” sofreu o susto. Talvez aí, tenha percebido porque em Mansambo queríamos tanto colocar sacos de terra, ou de areia, debaixo do assento e ele não nunca deixou.


Foto nº 3 > A terceira viatura era um Unimog 404, não me recordo quem era o condutor, sei que saiu ileso do meio dos destroços, mas as consequências aqui foram terríveis, houve feridos um dos quais muito grave o popular "periquito". Ao fundo, podem ver-se algumas das casas que a nossa companhia andava a construir para a população (reordenamento).

A quarta viatura que acionou uma mina.   não aparece aqui: era também um Unimog 404, mas ainda foi possível ser recuperada e voltar ao serviço.

Guiné > Região de Tombali > Sector S4 (Cadique) > Cobumba > CART 3493 (1972/74)

Fotos (e legendas): © António Eduardo Ferreira (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

1. A história da unidade (BART 3873, Bambadinca, 1972/74), a que pertencia a CART 3493,  dá-nos uma pálida ideia dos que foram os oito meses desta subunidade em Cobumba, sector S4 (Cadique)... Daí a importància de testemunhos pessoais como estes, do António Eduardo Ferreira(*).

A ocupação de Chugué e Cobumba foi defimida pelo Directva nº  13/73 de 30 de março.A situação nas NT, em 1 de julho de 1973, no subsector de Cobumba / sector S4 (BCAÇ 451472, Cadique: abrangia os subsectores de  Bedanda, Caboxanque, Cadique, Cafal, Cabedú, Chugué, Cobumba. Jemberém) era a seguinte:

  • CART 3493
  • 2 Pel/2ª /BAC 4610/72
  • 1 Sec Pel Can S/R 3079


A CART 3493  será rendida em Cobumba em 25nov73 pela CCaç 4945/73 (mobilizada pelo BII 19, Funchal)


2. Série com pequenos excertos dos melhores postes do António Eduardo Jerónimo Ferreira (1950-2023) (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493 / BART 3873, Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) (*).

O nosso camarada era natural de Moleanos, Alcobaça. Na tropa e na guerra era mais conhecido por Jerónimo. Lutou quase 20 anos, desde 2004, contra um cancro. Criou o blogue Molianos, viajando no tempo, em data difícil de precisar (c. 2013/2014).


Parte VII - Estar debaixo de fogo não é coisa que se deseja a ninguém, muito menos em Cobumba


(...) Ao chegar (a Cobumba, vindo de férias), ainda no ar, tive oportunidade de ver que muito havia mudado durante o tempo que eu estivera fora, as muitas árvores que ali existiam tinham sido quase todas derrubadas, muita terra mexida, abrigos subterrâneos que começavam a ser feitos, tudo estava diferente. (**)

Ao chegar a terra era grande a curiosidade que tinha em saber o que teria por ali acontecido durante a minha ausência, e não era menor a vontade que os meus camaradas tinham de me pôr ao corrente de tudo que tinha mudado, e que não tinha sido pouco.

E o que tinha acontecido durante a minha ausência, é que a acalmia dos primeiros dias tinha sido quebrada com enorme violência, quando certo dia pela madrugada o inimigo se infiltrou dentro do triângulo que era formado pela disposição das nossas forças no terreno, onde existiam muitas árvores que lhe serviram de abrigo, e estando eles no meio das nossas tropas e muito perto, a poucos metros, foi necessário ter muito cuidado em particular das nossas armas pesadas para não sermos nós a bombardear as nossas próprias forças. 

Terá durado esse ataque cerca de duas horas junto ao “arame” que nessa altura ainda não havia. 

Mas como em tudo na vida,  também na guerra havia momentos de sorte, e apesar da violência do ataque, dos nossos apenas um militar que estava na nossa Companhia, acidentalmente ficou ligeiramente ferido (pertencia à Engenharia, sediada em Bissau e tinha ido acompanhar material); do lado do inimigo segundo informações posteriores, terão tido várias baixas. 

Isto de estar tanto tempo debaixo de fogo não é coisa que se deseje a ninguém, só quem por lá passou pode fazer ideia do que isso era.

Durante as primeiras semanas foram levantadas várias minas próximo do sitio onde passámos a primeira noite, para sorte nossa estavam uns metros mais ao lado, talvez o sitio onde o inimigo pensasse que íamos acampar. O furriel que levantou essas minas assim como outras que entretanto vieram a ser colocadas, viria a ser uma das baixas da nossa Companhia, vitima dum acidente estúpido como são quase todos os acidentes.

Nessa altura ainda as valas eram de certo modo improvisadas, e abrigos só os destinados às comunicações, era pouca a luz eléctrica que havia, fornecida por um pequeno gerador que quase não iluminava a zona circundante de um dos três sítios em que estávamos sediados. 

Foi a partir desse ataque quase corpo a corpo que tudo se alterou, as árvores que tinham servido de abrigo ao inimigo foram quase todas deitadas abaixo, valas mais organizadas foram feitas, todos passámos a dormir em abrigos que tivemos de ser nós a fazer.

Para que o buraco a abrir tivesse mais segurança tinha de ser pequeno, assim juntaram-se dois ou três e cavavam até que coubessem de pé, depois era coberto com troncos de palmeiras e com cerca de um metro de terra por cima. 

Eu e outro condutor, o meu amigo Cruz, abrimos o nosso abrigo, se não tem sido o incidente do primeiro dia certamente também o Cabral faria parte do nosso grupo de abrigo. 

Durante a abertura sofri um ataque, não de fogo inimigo mas sim de abelhas, presumo que estivessem na terra entretanto remexida, pois apenas as vi quando começaram a espalhar sobre mim ferrões sem dó nem piedade. A minha primeira reacção foi meter-me debaixo de um chuveiro improvisado que nós tínhamos, três barris em cima de um cajueiro, mas elas não me deixavam, foi então que comecei a correr pelo meio do capim e só assim me vi livre delas.

Mas a tormenta não terminou ai, é que a tenda que servia de enfermaria ficou cheia de abelhas, e o enfermeiro que estava por perto enquanto viu por ali uma abelha, não me quis ir tratar, com muita sorte minha não sou alérgico às ferroadas

Quando as abelhas abalaram, lá veio o enfermeiro que me retirou cerca de trinta ferrões do rosto, dos quais sete estavam numa orelha, para além das dores que senti que foram muitas, não provocaram qualquer inflamação, mesmo a esta distância no tempo, ainda não esqueci a actuação menos própria do enfermeiro, coisa rara entre camaradas, mas mesmo em situações de guerra há sempre alguém que...

Depois de feito o abrigo era tempo de nos organizarmos: aproveitando alguma madeira que por lá havia,  fizemos cada um a sua cama onde colocamos o colchão de campanha que tinha sido distribuído a todos os elementos da Companhia, só que o meu durante o tempo em que dormi no chão rompeu dois dos cinco canos de ar que o compunham. A almofada era independente, como não podia dormir assim, foi necessário vazar os três que ainda tinham ar e ficar só com a almofada. 

No sitio do colchão estava uma manta dobrada, e assim tive de dormir durante os quase nove meses que lá estivemos, dentro do abrigo tínhamos como companhia a G3,  os cinco carregadores, e mais um cunhete com mil munições.

O trabalho dos condutores era quase nada, tínhamos pouco mais de um quilómetro de picada para percorrer desde as nossas instalações até ao rio, à medida que o tempo ia passando também as viaturas que tínhamos eram cada vez menos, a primeira a ficar inutilizada definitivamente foi uma Berliet. 

A comida era feita para toda a Companhia no mesmo local e depois transportada para o sitio onde estavam os outros elementos. Certo dia seguiam na viatura o condutor e um cozinheiro levar o café, era madrugada, porque estava previsto uma saída das nossas tropas, o que não viria a acontecer, porque uma mina rebentou fazendo ir pelos ares a viatura e os dois ocupantes, e claro o pequeno almoço que eles iam levar.

Mas uma vez mais a sorte esteve connosco, perdeu-se a viatura mas os ocupantes sofreram apenas o susto e já não foi pouco, o condutor foi o mesmo que em Mansambo conduzia a viatura que accionou a primeira mina das várias com que fomos contemplados, onde o furriel Ferreira perdeu um pé, - de seu nome José de Sousa

A viatura que tinha accionado a primeira mina em Cobumba, se da primeira vez foi possível ser recuperada, à segunda já não; ficou completamente destruída, ao accionar mais uma mina dentro do arame junto a casas que andávamos a construir para a população. Por essa altura já o PAIGC possuía os mísseis Strela com que tinha abatido várias aeronaves, era a terceira mina a ser accionada em Cobumba e também a que fez mais estragos, para além da perda da viatura houve três feridos graves. 

Como de costume foi pedida uma evacuação urgente via rádio, ficando nós à espera que não demorasse muito tempo, como normalmente acontecia, mas com a introdução dos Strela na guerra tudo se alterou; os nossos camaradas feridos estiveram no local onde supostamente o helicóptero os ia buscar, cerca de três horas

A mina rebentou por volta das duas horas da tarde, já passava das cinco quando de Bissau informaram que a evacuação tinha que ser feita em Cufar, depois de toda aquela espera foi necessário organizar uma coluna via rio Cumbijã com os nossos três barcos, e com o apoio dos fuzileiros que estavam próximo de nós, no Chugué

Era já noite quando a evacuação se efectuou, não de helicóptero como era costume, mas sim de outra aeronave que suponho ter sido um Nordatlas.

Era já tarde quando o pessoal e barcos utilizados na evacuação regressaram, se o nosso moral era já muito baixo, a partir dai ficou de rastos, todos pensávamos que um de nós poderia ser a próxima vitima do novo rumo que a guerra tinha tomado, necessitar de ser evacuado e não ser possível em tempo útil.

Das quatro viaturas que tínhamos, duas já estavam inutilizadas, mais ou menos de oito em oito dias estávamos de serviço de condução, o resto dos dias era esperar que o tempo passasse, quase sempre por perto dos abrigos. 

Todas as noites tínhamos de fazer reforço, o primeiro turno era apenas feito por um militar, os outros eram feitos a dois, a zona era tão má que não podíamos facilitar em nada, como éramos poucos, até os furriéis tinham de fazer reforços, e, contrariamente ao que estavam habituados, ir como nós à cozinha buscar a comida, pois ali tudo era diferente.

A razão que nos levava a estar sempre perto dos abrigos é que as flagelações à distância de quando em vez aconteciam, e a qualquer hora, mas mais grave ainda é que eram muitos os aquartelamentos ou acampamentos na zona, e no inicio dos bombardeamentos não sabíamos a quem se destinavam, só depois de começarem os rebentamentos, e de informações via rádio ficávamos a saber quem eram os destinatários.

Em Cobumba quase todos usávamos chinelos de plástico, quando começava um ataque e tínhamos de fugir para os abrigos, perdíamos logo os chinelos. A correr sem ser a medo nunca os perdíamos. Era mais um passatempo que tínhamos, depois da “festa” acabar havia que procurar onde estariam os chinelos.

Os ataques do IN por vezes tinham também como objectivo desmoralizar as nossas tropas, pois chegavam a disparar duas ou três vezes o RPG, uma ou duas morteiradas e depois paravam. De realçar que a zona onde nos encontrávamos era terra do PAIGC. Algumas vezes nem sequer respondíamos às provocações ou respondíamos na mesma medida.

Certo dia apareceu uma mulher com uma galinha para vender, coisa rara naquelas paragens, pois por ali o povo não estava connosco. Passado este tempo chego a pensar se a galinha não terá sido um pretexto para fazer algum reconhecimento atendendo ao que a seguir se passou.

Alguns de nós condutores compramos a galinha, e claro, fomos logo tratar de a pôr a jeito de ir para a frigideira. Ainda que funcionasse poucas vezes, tínhamos uma máquina a petróleo que o condutor Cruz logo se prontificou para pôr a trabalhar para fritar a galinha. 

Estava a começar a aquecer o azeite, começam a cair algumas morteiradas, há que deixar a galinha e fugir para o abrigo, mas o fogo foi pouco e sem consequências. O Cruz volta ao trabalho, estava a pôr os primeiros pedaços na frigideira volta a haver mais fogo, uma vez mais tudo para os abrigos. O Cruz começava a ficar impaciente, o fogo inimigo voltou a ser pouco, as nossas armas pesadas respondiam de igual forma, esperamos mais algum tempo tudo se calou e nós pensamos que para aquele dia já chegava,mas bem nos enganamos. 

O cozinheiro voltou ao serviço convencido que desta é que era, mal começa a pôr a máquina a trabalhar nova flagelação, desta vez com um míssil à mistura e mais umas poucas morteiradas, e como sempre todos a fugir para os abrigos, daquela vez as nossa artilharia creio que nem respondeu ao fogo do IN. 

O Cruz bastante aborrecido com a situação decidiu, agora ataquem mais ou não, eu é que não saio daqui enquanto não fritar a galinha! E desta vez pararam mesmo, mas só naquele dia, que a festa haveria de continuar quando eles entendessem.

Por essa altura ainda tínhamos duas viaturas operacionais. Certo dia à tardinha o furriel mecânico, acabado de chegar de férias da Metrópole, foi dar uma voltinha com uma Berliet. Andou cerca de quinhentos metros, estava uma mina na picada que o fez ir pelos ares, mas também desta vez com sorte, a viatura ficou destruída mas ele apanhou apenas um grande susto, o que não foi nada que ele não merecesse. 

Em Mansambo, quando tínhamos muitas viaturas e percorríamos muitos quilómetros, víamos condutores de outras Companhias que debaixo e em volta dos bancos traziam vários sacos com areia, tendo em vista proteger um pouco o possível impacto do rebentamento das minas a que estávamos sempre sujeitos, mais que não fosse do ponto de vista psicológico protegia-nos. Pois o nosso furriel mecânico não autorizava que puséssemos esses sacos!...

A partir dessa altura ficamos apenas com uma viatura operacional, o serviço dos condutores era cada vez menos, em boa verdade também não podíamos ser sujeitos a grandes esforços físicos, pois a alimentação a que estávamos sujeitos não permitia que tal acontecesse. 

À medida que o tempo passava mais difícil se tornava o abastecimento de géneros alimentares. Até parece mentira mas não é, houve um dia em que o almoço foi arroz cozido acompanhado com marmelada, e no local que servia de cantina, não havia nada que pudéssemos comprar.

Não havia bicho que chegasse ao arame que escapasse. Certo dia, um que os nativos diziam ser gato foi atraído à luz durante a noite tendo sido abatido, mais parecia ser um cão na fisionomia, mas pouco importou se era cão ou gato, o destino foi ser assado com batatas no forno dos padeiros. 

De outra vez foram os nativos que mataram uma cobra muito grande para lhe tirarem a pele, mas logo houve alguém que achou por bem não desperdiçar tal manjar, e também a cobra foi parar ao forno. Eu não consegui comer mas lá que o petisco parecia estar bom isso parecia. 

Outro dia foi a vez de esquilo guisado com batatas, dessa vez também eu quis provar, ainda pus um bocado na boca mas não o consegui comer.

A pouco mais de um mês de abandonarmos Cobumba, num dia em que eu estava de condutor de serviço com a única viatura que tínhamos operacional, os picadores como era costume fizeram a picagem do trajecto que eu depois teria de percorrer onde detectaram uma potente mina anti-carro, que foi levantada pelo Furriel Trindade o homem encarregado de fazer esse trabalho.

 Ao contrário de outras que foram accionadas no local, essa foi levada para a nossa arrecadação onde estava muito material relacionado com a construção, enxadas, picaretas, pregos e outro material, parte dessa arrecadação servia também de depósito de géneros alimentares, onde se encontravam umas dezenas de sacos de farinha para cozer pão. No que à alimentação diz respeito o pão foi a única coisa sempre boa.

Uma tarde, passados três dias após o levantamento da mina, estavam três militares junto do local onde ela se encontrava. Nunca ninguém soube o que se terá passado, o certo é que ouvimos um estrondo enorme, nos primeiros instantes chegámos a pensar que teria caído por ali algum foguetão, mas não, depressa encontramos a causa, a mina que tinha sido levantada dias antes, tinha explodido e feito desaparecer as instalações, ferindo gravemente os três homens que lá se encontravam, que viriam a ser evacuados para o Hospital Militar em Bissau.

Na manhã do dia seguinte recebemos a noticia que dois tinham falecido, o Furriel Galeano e um soldado do 2.º Pelotão cujo nome já não me recordo, o outro esteve cerca de um mês no hospital, vindo ainda a tempo de regressar à Companhia que passados poucos dias regressava a Bissau. 

Foi terrível o que aconteceu, mas podia ter sido ainda pior, do lado que servia de depósito de géneros, separados apenas por umas chapas, estavam mais quatro homens a jogar as cartas, tiveram a sorte de estar encostados a uma pilha de sacos cheios de farinha, que amorteceu o impacto e só por isso a tragédia não foi maior.

Faltavam poucos dias para sairmos de Cobumba sofremos mais um violento ataque que durou cerca de trinta minutos, que pareceram horas, em que o inimigo utilizou várias armas: o morteiro 82, o canhão sem-recuo, o RPG 7 entre outras, mas uma vez mais a sorte esteve connosco, apesar da precisão do bombardeamento pois caíram várias granadas dentro do aquartelamento, e junto há picada que só por sorte ainda não estávamos a percorrer. 

Apenas tivemos dois feridos ligeiros, vitimas do rebentamento de uma granada de RPG7, eram os apontadores do nosso canhão sem-recuo que ao introduzirem a primeira granada ficaram logo inoperacionais. Houve uma vitima mortal, uma mulher da população.

Nesse dia também eu estava de serviço de condução, já tinha tomado banho, tomava banho normalmente três vezes ao dia , havia pessoal nosso que tinha ido a Cufar, como de costume via rio Cumbijã, e nós tínhamos de os ir levar e buscar ao rio assim como aos barcos. Era fim da tarde, estávamos no cais à espera que eles chegassem, ao mesmo tempo que a aviação bombardeava não muito longe de nós, ainda os Fiat iam a caminho de Bissau, já estávamos a ser bombardeados, o que levou alguns a pensar que seria ainda a nossa aviação a bombardear, mas não, era mesmo Cobumba que estava a ser atacada, o rio naquela altura estava com a maré baixa cerca de três ou quatro metros, muitos de nós tentamos abrir buracos no lodo deixado pelo baixar da maré para nos protegermos, se é que isso ajudava alguma coisa, mas era o que nos restava fazer, mas as granadas mais próximas caíram a cerca de cem metros de nós.

Passados alguns dias chegou a Companhia que nos foi render a Cobumba. Durante o tempo em que estivemos com os “piras”, cerca de dez dias, fomos atacados uma vez, para eles era o baptismo de fogo, mas também desta vez apesar de nos mandarem alguns foguetões à mistura não nos causaram qualquer dano, a não ser algumas pisadelas pois os abrigos onde nos abrigávamos, durante este ataque ficaram com o dobro da lotação. 

(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos: LG)
___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 22 de novembro de  2023 > Guiné 61/74 - P24871: Excertos dos melhores escritos de António Eduardo Ferreira (1950-2023), ex-1º cabo cond auto, CART 3493 / BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) - Parte VI: Cobumba... onde é que isso fica?

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23594: Historiografia da presença portuguesa em África (332): Região de Tombali, "chão balanta"? [Cherno Baldé, n. circa 1960 / Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014)]


Distribuição das povoações do Cantanhez, segundo J. P. Garcia de Carvalho (1949) (Desenho de A. Teixeira da Mota) (*)


I. Os militares portugueses que estiveram na Guiné, no período da guerra colonial / guerra do ultramar (1961 / 74), a começar pelos oficiais (quer do QP quer milicianos),  tinham muito poucos conhecimentos etnográficos e historiográficos sobre o território (a não ser alguns estudiosos como o oficial da Marinha, A. Teixeira da Mota e, claro, os agentes da administração colonial... e os missionários). 

Não admira, por isso, que haja por vezes, nos nossos escritos, informações erróneas ou menos precisas como, por exemplo, dizer que a região de Tombali é (ou era, naquele tempo)  "chão balanta". (**)

(...) "A população de Bedanda é hoje predominantemente fula, quando a região foi sempre,
ao longo dos anos, chão balanta.(...) (In:"Panteras à Solta", de Manuel Andrezo, ed. autor, s/l, 2010, pág. 76)

É verdade que os balantas, nos anos 60, estavam em maioria, demograficammete falando e constituíam, só por si, o grosso da guerrilha.  Mas a sua presença na região não tinha mais do que 40 e tal anos... Vários grupos étnicos foram passando por aqui ao longo dos séculos, a começar pelos nalus... 

A este respeito, vamos reproduzir dois pontos de vista, guineenses, o do Cherno Baldé (assessor do nosso blogue para as questões etno-linguísticas) e o do nosso saudoso amigo engº agrónomo Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014), cofundador e líder histórico da ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau.


(i) Cherno Baldé (n. circa 1960, em Fajonquito, economista, vivendo em Bissau), comentário ao poste P23590 (**):

(...) Alguns esclarecimentos que se impõem sobre a situação da área de Bedanda, conforme descrita no presente Poste:

1. (...) "Sabe-se que populações balantas emigraram, nos anos 20/30, para a região de Tombali e ali desenvolveram a cultura do arroz. No sul, os balantas (mas também biafadas, mandingas, nalus, sossos...) são aliciados pelo PAIGC. A economia da região fica totalmente desarticulada. Bedanda, em pleno chão balanta, é agora ocupada maioritariamente por fulas fugidos do Cantanhez e doutras partes."

Efectivamente, como descrito no incio deste parágrafo, os Balantas no sul não estão no seu práprio "chao", são imigrantes que vieram do Norte onde está situado o seu chão, mais ou menos na região situado entre os rios Geba e Cacheu ou Farim. 

Bedanda, assim como toda a Peninsula de Cubucaré (maior parte da região de Tombali, que vai de Guileje até Cabedu na foz do rio Cumbijã), é chão Nalu, mas que estava sob domínio Fula desde a segunda metade do Século XIX. 

Por isso os régulos assim como os Chefes de Tabancas são da etnia Fula sem surpresas porque estão em terras conquistadas a ferro e fogo quando a presença portuguesa na zona se limitava a alguns presidios e feitoras, nomeadamente Bolama e, mais tarde, Buba, para contrariar ao avanço do exército do estado fula de Futa-Djalon. 

Foram os portugueses que promoveram e encorajaram o regresso de Nalus e Biafadas às suas terras de origem donde tinham sido expulsos pelos novos conquistadores vindos das montanhas de Boé e de Futa-Djalon, estando praticamente acantonados em algumas ilhas e zonas de tarrafo nos rios e na costa maritima. E, ironia do destino, serão estes (Biafadas e Nalus) os primeiros a se levantar contra a presença militar portuguesa no ataque ao quartel de Tite em 23 de janeiro de 1963.

2. (...) "O capitão não aceitava que a população sob o controlo das suas tropas vivesse pior do que a população controlada pelos guerrilheiros. Do lado deles não havia falta de arroz, mancarra, mandioca e óleo. Do lado da tropa tinham apenas cana, tabaco e panos que os comerciantes traziam de Bissau, e o arroz que compravam às mulheres dos guerrilheiros." (...)

Evidentemente que sim, era o estado normal das coisas antes do eclodir da guerra em 1963. Para aquelas populações, o mais importante era a sua subsistência social e económica dentro dos limites e condições materiais que lhes permitiam sobreviver e não a guerra, num circuito comercial multissecular de trabalho e de troca de produtos que consideravam normalissimo, não fora as alterações repentinas, surgidas do conflito em presença e da vinda, cada vez mais numerosa de forças expedicionarias destinadas a impulsionar a contraguerrilha. 

E, na opinião de muitos analistas, teria sido esta a fase em que, de facto, os portugueses perderam a guerra, ao perderem a possibilidade do controlo da população, designadamente Balanta que, incompreendidos e maltratados acabaram por vacilar para o lado dos "terroristas" com os quais, à partida, não partilhavam os seus ideais politícos e nem tinham quase nada em comum, sendo a maioria de origem urbana e pertencentes a outras etnias do país e dos países vizinhos.

Estes relatos e bravatas de "heróis de Ponta Cabral" são muito tipicos dos primeiros anos do conflito quando a guerra ainda parecia quase "uma brincadeira de mau gosto de um punhado de pretinhos do Ultramar". (...)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Iemberem > Simpósio Internacional de Guileje  (1-7 de março de 2008)> Visita ao sul > Dois homens grandes da Guiné, o Engº Agrónomo Carlos Schwarz (Pepito, para os amigos), fundador e director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, e o Aladje Salifo Camará, régulo de Cadique Nalu e Lautchandé, antigo Combatente da Liberdade da Pátria, o rei dos nalus, na altura com 87 anos e entretanto já falecido em 21 de janeiro de 2011, em Cadique, capital do seu reino. O rei dos nalus considerava o Pepito como "filho adoptivo". (***)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservad
os. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


(ii) Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (Bissau, 1949 - Lisboa, 2014), engº agrónomo, cofundador e director da AD - Acção para o Desenvolvimento. Excertos do poste P3070 (**)

(...) O reduzido número de fontes escritas torna muito difícil conhecer com detalhe a história do povoamento humano de toda a zona de Cantanhez. (...)

Recorremos a alguns documentos a que tivemos acesso (...). Na ausência de outras fontes, recorremos a entrevistas aos mais velhos, Homens Grandes, portadores e transmissores da História oral de geração em geração (...).

(...) Parece (...) indiscutível que os Nalus eram o povo que habitava esta zona, em especial os sectores de Cubucaré e Quitafine, e em alguns pontos isolados do Cubisseco, quando aportaram os primeiros portugueses a esta costa de África.

(...) Com a Convenção Franco-Portuguesa de 1886, procede-se a uma nova delimitação das possessões  do rei dos  Nalus: a França cedia a Portugal a zona de Cacine por troca com a Casamança.(...)

(...) Por volta de 1860 dá-se a invasão Fula que vêm de Boké na Guiné-Conakry e do Boé no Futa Djalon que apertam os Nalus contra o mar e os obrigam a refugiarem-se nas ilhas de Melo e de Como, certos da dificuldade dos Fulas em se confrontarem com a água.

De forma inesperadamente rápida os Nalus começam voluntariamente a converter-se ao islamismo e consequentemente a abandonarem a escultura, muito semelhante à dos Bagas da Guiné-Conakry, de rara beleza e simbologia.

Trinta anos depois (1890) dá-se a chegada dos Sossos, vindos de Boffa na actual Guiné-Conakry, os quais se aliam aos Nalus para se oporem ao expansionismo Fula.

É por volta de 1896 que grande parte dos Nalus que habitavam as ilhas passam ao continente e, chefiados por Cube, antigo escravo e depois batulai do régulo Fula do Forreá, fundam inicialmente a tabanca de Cabedú e sucessivamente as de Calaque, Cafal, Cauntchinque e por último, em 1926, Cadique.

Mais recentemente, por volta dos anos 1920, verifica-se a chegada massiva dos Balantas, vindos da zona de Mansoa, os quais, numa fase inicial, não são recebidos muito cordialmente pelos Nalus.

Segundo Garcia de Carvalho, na altura Chefe de Posto Administrativo de Bedanda, em 1946, os Nalús, em número de 910 almas estavam repartidos por três territórios englobando 19 tabancas:
  • Regulado de Guiledje: tabanca de Cafunaque (8 pessoas)
  • Território de Cantanhez: tabancas de Catomboi (5), Camecote (15), Camarempo (15), Sogoboli (25), Catchmaba Nalú (30) e Caiquene (25)
  • Território de Cabedu: tabancas de Cafine (60), Calaque (50), Cafal (100), Fonte Iamusa (20), Cai (10), Cassintcha (40), Catombakri (40), Cabedú (200), Catesse (50), Catifine (50), Cabante (20) e Ilhéu de Melo (40).

Por outro lado, Artur Agusto Silva, recorrendo ao Censo de 1960 que apresenta números credores de confiança, assinala a existência em toda a zona, e não exclusivamente na antiga Bedanda, 3009 Nalus.

Com o início da luta de libertação nacional desencadeada em 1963, os Nalús acabam por aderir na sua quase totalidade ao movimento pela independência da Guiné-Bissau, vivendo e sendo protagonistas exemplares na construção das primeiras zonas libertadas, em Cantanhez. (...)

Em 1946 havia 1295 Futa-Fulas em todo o sector de Cubucaré, o que representava 0 segundo grupo com maior número de habitantes. (...) 

Nos anos 1920, os Balantas, fruto dos massacres perpetrados em Nhacra e Mansoa por Teixeira Pinto, na chamada guerra de pacificação, e pelos trabalhos forçados a que eram sujeitos na construção de estradas, decidem imigrar para o sul, primeiramente para o Cubisseco e depois para Tombali.

Inicialmente o seu relacionamento não foi bom com os Nalus que não os receberam bem. Mais tarde a situação modificou-se, tendo estes aprendido as técnicas de orizicultura de bolanha salgada e passado a praticá-las. Instalaram-se nas zonas ribeirinhas, ao longo do rio Cumbijã, praticando um sistema de produção de bolanha, em que o arroz de bolanha salgada era o elemento quase exclusivo do sistema. 

Rapidamente passaram a ser a etnia mais numerosa, tendo sido registados 7165 habitantes em 1946, em 29 tabancas do sector de Cubucaré.

(...) Chefiados por Lourenço Davy, um número muito reduzido de Sossos terão chegado a Cantanhez vindos de Boké, por volta de 1891, criando a tabanca de Camecote, muito perto da de Iemberém.

Especialmente ligados ao comércio, impõem a sua língua como o crioulo de Cantanhez. Embora em 1946 apenas com 490 habitantes concentrados em 4 tabancas, acabam por determinar que a língua sossa seja falada por todas as outras etnias como instrumento financeiro de comercialização dos produtos. (...)

Se, nos primeiros 15 anos do pós-independência (1973), a situação das migrações para a região de Cantanhez não sofreu mudanças significativas, já nos últimos 15 anos se vem registando uma tendência para um acentuado crescimento demográfico. (...) (****)

[ Selecção / revisão / fixação de texto/ negritos: LG ]
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Notas do editor:



terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21871: Tabanca Grande (511): Albertino Ferreira, ex-alf mil at inf, CCAÇ 4540/72 (Bigene, Cadique, Nhacra, 1972/74), natural de Figueira de Castelo Rodrigo; senta-se à sombra do nosso sagrado poilão, no lugar nº 829



O novo membro da Tabanca Grande, nº 829, Albertino Ferreira, 
ex-alf mil at inf, CCAÇ 4540 (Bigene, Cadique, Nhacra, 1972/74), natural de Figueira de Castelo Rodrigo, distrito da Guarda.



1. Mensagem de Albertino Ferreira

 
Data - 16:48 (há 1 hora)
Assunto - Envio de fotografias

Boa tarde

Em conformidade com o teu pedido, que agradeço, junto envio as fotografias solicitadas, em anexo, e o seguinte texto:

Albertino Nunes Ferreira, ex- Alferes Miliciano, Atirador de Infantaria, CCAÇ. 4540 - R. I. nº 15 Timar / - Guiné-Bissau,  Bigene, Cadique, Nhacra., 1972/74.

Cumprimentos

Albertino Ferreira


2. Comentário do nosso editor LG:

Albertino, obrigado pro aceitares o nosso convite para integrar a Tabanca Grande, que reune os amigos e camaradas da Guiné. Somos já 828, contigo 829.(*)

Tens acompanhado o nosso blogue, lendo-nos e comentando-nos, mas gostaríamos também que partilhasses connosco c mais fotos e outras memórias do teu tempo.

Da tua companhoa,  CCAÇ 4540/72 (CumeréBigeneCadiqueCufarNhacra, 1972/74),   temos pelo menos três camaradas aqui atabancados:

Eduardo Campos (ex-1.º cabo rádio-telegráfico), Vasco Ferreira (ex-alf mil at inf) e  António Manuel da Conceição Santos (Tomanel, para os amigos). Este último vive em Faro e os outros são nortenhos (Maia e Vila Nova de Gaia, respetivamente). Já se devem ter encontrado nalgum dos vossos convívios anuais.

Foste lacónico em informação sobre a tua pessoa, mas sei que nasceste em Figueira de Castelo Rodrigo. em 1947 (és da minha colheita).  E tens un diário, que começaste a escrever depois de a tua companhia, vinda de Bigene,  ter desembarcado no Cantanhez, em 12/12/1972, a bordo da LDG Bombarda, com apoio dos Fiat G-91 e de um bigrupo da CCP 121, no âmbito da Op Grande Empresa.

Como ssbes, tratamo-nos por tu, à boa maneira romana, como  camarada de armas que fomos, e que hoje, mais velhotes, se reunem à sombra do simbólico, metafórico, poilão da Tabanca Grande. O teu lugar é, pois, o nº 829 (*) e  o teu nome passa a figurar na lista alfabética, de A a Z, dos membros da nossa comunidade virtual, Vê aqui, na coluna estática, no lado esquerdo. 

Esperamos poder-nos conhecer, "ao vivo e a cores", quando a Tabanca Grande tocar a reunir, como o temos feito, todos os anos desde 2006. Os nossos convívios anuais (, já 15 ao todo,) foram interrompidos com a pandemia de Coivi-19. Façamos votos para nos voltarmos a encontrar em 2022.

Peço-te que leias as  nossas regras do jogo,   blogue, aqui condensadas em  10 regras da política editorial do blogue.

És bem vindo e deixo-te a seguir uma nota com a ficha da tua unidade, para os nossos leitores saberem um pouco mais sobre onde andaste.

Sobre a tua CCAÇ 4540 temos já cerca de meia centena de referências.

 


2. Ficha de unidade > Companhia de Caçadores nº  4540/72

Identificação:  CCaç 4540/72
Unidade Mob: RI 15 - Tomar
Cmdt: Cap Mil Cav Manuel Varandas Lucas
Divisa: "Somos um caso sério"
Partida: Embarque em 19Set72; desembarque em 19Set72
Regresso: Embarque em 25Ag074

Síntese da Actividade Operacional

Após realização da IAO, de 20Set72 a 170ut72, no CMI, em Cumeré, seguiu em 180ut72 para Bigene, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CArt 3329. 

Em 15Nov72, assumiu a responsabilidade do subsector de Bigene, ficando integrada no dispositivo e manobra do COP 3.

Em 9Dez72, foi substituída no subsector de Bigene pela CCaç 3, a fim de seguir para Cadique e ocupar e instalar-se na zona.

Em 12Dez72, assumiu a responsabilidade do subsector de Cadique, então criado, ficando integrada no dispositivo e manobra do COP 4 e depois do BCaç 4514/72.

Em 17Ag073, após substituição no subsector de Cadique pela 1ª Com / BCaç 4514/72, seguiu para Bissau, ficando temporariamente na dependência do COMBIS, a fim de colaborar na segurança e protecção das instalações e das populações, tendo ainda efectuado escoltas a colunas de reabastecimento a Farim e Binta.

Em 8Set73, iniciou o deslocamento, por fracções, para Nhacra, a fim de substituir a CCaç 3477. Em 19Set73, assumiu a responsabilidade do subsector de Nhacra, com um destacamento em Ensalmá, ficando integrada no dispositivo e manobra do COP 8.

Em 16Ag074, foi rendida no subsector de Nhacra pela CCaç 4945/73 e seguiu para Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n.º 114 2ª Div/4ª Sec, do AHM).


Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas de unidade: Tomo II - Guiné - (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002), pág. 416.
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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21835: Tabanca Grande (510): Aniceto Rodrigues da Silva (1947-2021), natural da Anadia, ex-sold cond auto, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71); que descanse em paz, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 828

terça-feira, 19 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19600: Memória dos lugares (387): Jemberém, no Cantanhez (António Castro, ex-fur mil inf, CCAÇ 4942/72, 1972/74)



Foto nº  3 > Um “cruzeiro” numa LDM pelo rio Cacine,  entre Cacine e Jemberém



Foto nº 4 > Aqui estou eu junto do abrigo, tipo “bunker”, que foi construído a pensar em defesa do comandante e das comunicações em caso de ataque em força.


Foto nº 2 > Um quarto duplo onde morei esses 11 meses que partilhava com outro Furriel.






Foto nº 1 > Esta era a cozinha de campanha, onde se faziam maravilhas quando havia comida fresca.


Foto nº 1A > Esta era a cozinha de campanha, onde se faziam maravilhas quando havia comida fresca.




Foto nº 6 > Este era o meu grup de combate, o 3º, o Zigue-Zague, [O alferes Lima era o meu comandante de pelotão - o 3.º; o alferes Vítor Negrais o comandante do 2.º pelotão, o alferes Pires, o comandante do 4.º pelotão e o do 1.º era um "Operação Especiais" ["ranger" cujo nome já me falha. A CCAÇ 4942, os "Galos de Jemberém", foram os "pioneiros e construtores de Jemberém" [, hoje, Iemberém]

Guiné > Região de Tombali > Jemberém > CCAÇ 4942/72 (1972/74) 

Fotos (e legendas): © António Castro  (2019) . Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


Guiné-Bissau  > Região de Tombali >  Iemberém > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje > 2 de Março de 2008 > Monumento, em bom estado,  assinalando a passagem, por aqui, da CCAÇ 4942/72, de origem madeirense, conhecida por "Os Galos do Cantanhez". Estiveram em Jemberém (os guineenses hoje dizem Iemberém) entre Março de 1973 e Fevereiro de 1974.

Foto (e legenda): © Luís Graça  (2008) . Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


1. Mensagem do António [Clodomiro Silva] Castro, ex-fur mil inf,  CCAÇ 4942/72  (Jemberém e Barro 1973/74. É membro nº 753.º da nossa Tabanca Grande (*)

Data: sábado, 16/03, 23:02
Assunto: CCAÇ 4942/72

Olá Luís,

Peço desculpa porque já passou muito tempo (*)  e parece que estou “desaparecido em combate” mas este é o combate da vida.

Depois das vossas boas vindas,  é de facto tempo de relembrar um pouco da “história” pelo que vou fazer um pequeno texto que segue abaixo e anexar 5 fotos, para publicação, se entenderam que tem interesse neste contexto.

Formamos uma Companhia Independente na Madeira, nos fins do ano de 1972. Foi denominada CCAÇ 4942. A nossa mobilização indicou - Guiné. (**)

A Companhia já completa foi para Lisboa aguardar embarque. No dia 26 de Dezembro do mesmo ano embarcamos no Uige rumo à nossa aventura.

 As notícias davam conta que o nosso destino era Bafatá. Sendo a segunda cidade da Guiné até
parecia que estávamos a caminhar para umas “férias”. Mas a apenas dois dias da nossa chegada, a notícia foi a morte de Amilcar Cabral [, em 20 de Janeirode 1973], o que nos fez logo esperar o pior. 

Depois do IAO no Cuméré, fomos para Mansoa,  a norte de Bissau,  aguardar transporte para Cadique no sul de onde passado pouco tempo fomos abrir destacamento no meio do mato, numa localidade já sem população que se chamava Jemberém e que distanciava cerca de 10 km de Cadique. (***)

Juntos com outra Companhia Independente e com o reforço de alguns fuzileiros, montamos um destacamento em círculo onde a alguns metros do “arame” escavamos valas para defesa em todo o perímetro e valas mais largas onde montamos camas de campanha para dormir, onde ficaram todos os praças e furriéis, para maior operacionalidade. Apenas os oficiais e especialistas não atiradores ficaram no centro. 

Pouco tempo depois os fuzileiros foram substituídos por um grupo de Artilharia com 3 obuses 10,5. E nestas condições ficamos durante 11 longos meses com saídas para o mato quase dia sim, dia não, em bigrupo ou com saídas de 2 dias quando era a Companhia com os seus 4 grupos operacionais a sair. Dos ataques ficaram certamente muitas recordações, mas não vou falar delas agora. Ficam algumas imagens que mostram um pouco do ambiente.

Final da história: depois deste período fomos para Barro, onde nunca mais tivemos ataques, passamos o 25 de Abril, fizemos, salvo erro, o “30 de Maio” que foi a expulsão do comandante e acabamos por regressar a Lisboa em Setembro por antecipação do nosso tempo de mobilização, em que TODOS os que integraram a nossa Companhia regressaram a casa. Sim, a nossa Companhia não teve nenhuma baixa, e teve apenas um ferido que ficou a mancar, mas mesmo assim ficou até ao fim.

Com os melhores cumprimentos,
António Castro
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Notas do editor:


sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19414: Notas de leitura (1142): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (69) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Maio de 2018:

Queridos amigos,

Se há imagens que valem por mil palavras há também palavras que ganham eloquência e permitem refletir uma dada situação histórica, com um grau apreciável de fidedignidade. Será o caso deste documento em que o responsável em Bissau pela Sociedade Comercial Ultramarina descreve o que está a acontecer no Sul, um quase desmantelamento geral de postos de abastecimento.

O gerente do BNU em Bissau irá enviar para Lisboa até ao primeiro trimestre de 1964 informações preciosas, como ele próprio observa o Comando Militar é lacónico, não dá informação sobre o evoluir da situação, o gerente tem fontes que o habilitam a enviar informações preciosas, de tal modo que percebemos que para março/abril de 1964, mesmo com um número crescente de unidades militares a chegar à Guiné, a subversão foi bem sucedida no Sul, estendeu-se para o Corubal e começa a inquietar o chamado setor de Bafatá e posicionou-se de pedra e cal no Oio, cortando estradas e desinquietando toda a região circundante.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (69)

Beja Santos

Em julho de 1963, está instalado o alarme. O “Diário Popular”, na sua edição de dia 17 dera relevo a uma entrevista com o Ministro da Defesa, a Administração do BNU entendeu pôr-se imediatamente em contacto com o gerente de Bissau, agradecendo tudo quanto tinha vindo a ser exposto sobre a escalada da luta armada. O que viera no “Diário Popular” fora silenciado pela maior parte da imprensa nacional, e como escreve a Administração do BNU, o ministro dissera textualmente que no Sul da Província “grupos numerosos e bem armados de terroristas penetraram em território nacional numa zona correspondente a 15% da superfície da Província” e a Administração em Lisboa previne a gerência de Bissau:

“Achamos prudente que estejamos atentos ao desenvolvimento da situação, para o caso de ela vir a agravar-se. E assim devem V. Sas. ter bem presente o que dispõe a circular reservada n.º 760, de 7/5/1931, para o que confiamos plenamente em V. Sas., no sentido de, se necessário, dar-lhe execução.

Agirão, em primeiro lugar, sem nervosismos nem precipitações, pois mesmo com a violação verificada das fronteiras, as nossas tropas cumprirão o seu dever, como o estão fazendo.
Só se procederá à inutilização das nossas notas em última extremidade, quando as autoridades militares o julguem conveniente.

A inutilização poderá ser por perfuração ou por queima, conforme a rapidez que a gravidade dos acontecimentos posteriores porventura imponha.

Como medida de providência, é conveniente mandar relacionar as notas existentes na Casa Forte ou Cofres, reduzindo ao mínimo indispensável as existências na Tesouraria.

O relacionamento será feito por maços, correspondendo a cada maço uma relação, a fim de que, quando os maços transitem para a Tesouraria, as respectivas relações individuais possam ser inutilizadas.” 

Em 20 de agosto, Luiz Vianna, da Sociedade Comercial Ultramarina em Lisboa envia ao administrador do BNU, Castro Fernandes, uma fotocópia da carta confidencial, datada de 6 desse mês remetida pela gerência de Bissau à sede da Sociedade Comercial Ultramarina, cujo teor é o seguinte:

“Situação política:

1 – No dia 4 do corrente veio a Bissau de avião o nosso empregado Manuel da C. Cunha Viana para nos avisar de que o Pelotão que estava no Xugué ia ser retirado para Bedanda, o aviso partiu de um capitão amigo do nosso empregado que o fez em atenção a favores recebidos, mas debaixo de grande sigilo.

2 – Como devem calcular, ficámos indignados com tal procedimento, pois a nossa Sociedade tem sido para o Comando Militar um manancial de facilidades e não está certo uma atitude destas, pois a economia da Província, a manter-se tal disposição, sofreria um prejuízo na ordem dos 1.500 contos, sem contar os imóveis.

3 – No que diz respeito à nossa Sociedade e pelas informações agora chegadas, temos naquela localidade os seguintes valores: 200 toneladas de arroz em casca, 70 contos de mercadorias, imóveis e utensílios diversos. Deslocámo-nos imediatamente ao Comando Militar para ver das possibilidades de suster, pelo menos por 10/15 dias, esta medida que prejudicava não só a nossa Sociedade como a economia da Província. 

4 – Depois de várias tentativas e intermediários militares, era domingo, conseguimos falar com o Sr. Major, que nos disse para esperar, pois ia pôr o assunto ao Sr. Brigadeiro Louro de Sousa, que disse textualmente o seguinte: nada podia fazer, pois havia um mês que o assunto do abandono do Xugué tinha sido posto ao Sr. Governador e por conseguinte nada tinha com tais problemas, o movimento tinha que se fazer como estava previsto. Avistámo-nos com o Chefe do Estado-Maior que nos ouviu e depois de várias hipóteses, mandou-nos regressar ali no outro dia para nos dar uma resposta definitiva. 

5 – Fomos lá à hora marcada na companhia do gerente da Casa Gou   veia que também tem no Xugué vários valores e depois de estarmos ali à espera quase duas horas, resolveram dar-nos os 15 dias pedidos para retirar todos os valores existentes no Xugué, antes de a povoação ser abandonada. 

6 – Já tomámos as providências necessárias e contamos ter tudo recolhido até ao princípio da próxima semana. 

7 – Sabemos que na realidade tem havido diversos problemas naquela área e tal situação é insustentável. 

8 – Em Catió, quase todos os dias tem havido tiroteio sem consequências de maior. 

9 – Em Salancaur soube-se que os terroristas estavam a negociar na nossa Casa Gouveia, vendendo não se sabe o quê, possivelmente coisas roubadas, a aviação foi lá e bombardeou aquilo tudo, e é de prever que as Casas tenham ficado bastante danificadas. 

10 – Sabe-se também que os terroristas estão instalados nas nossas Casas de Caboxanque, qualquer dia a aviação vai lá e dá cabo de tudo.

É esta a situação, quanto mais tropa vem, menos faz, por este andar os nossos imóveis vão desaparecendo e qualquer dia todas as Casas abandonadas estão desfeitas pela aviação.
A Casa de Cafine já quase não tem telhado e as 40 toneladas de arroz e mercadorias que lá ficaram já não existem com toda a certeza.”

Em 31 de agosto, o gerente de Bissau informa o BNU em Lisboa:

“A entrevista concedida pelo Senhor Ministro da Defesa e publicado no “Diário Popular” na tarde de 17 de Julho foi nesta Província transcrita no jornal “O Arauto” do dia 25.

As declarações do Senhor Ministro não tiveram aqui a repercussão inquietante de que se revestiram na Metrópole, de tal modo que choveram em grande número para a Guiné, quer por correspondência, telefone ou telegrama, os mais desencontrados e por vezes horripilantes boatos das lutas travadas pela posse desta cidade, com umas dezenas de mortes e de feridos à mistura.

Aliás, as palavras proferidas por aquele membro do Governo confirmam apenas as informações que há meses vimos prestando a V. Exas.

A população citadina, diga-se em abono da verdade, não isenta de preocupações, continua a fazer a sua vida normal, confia que com os reforços há semanas desembarcados, as forças militares operem o tão desejado volte-face da situação passando, finalmente, à contraofensiva nas zonas infestadas pelo terrorismo.

É convicção geral que só desta forma, lutando com as mesmas armas e no campo do inimigo, será possível senão eliminar pelo menos abrandar a violência dos últimos ataques.

Depois de previamente instaladas como as actuais condições permitem, as nossas tropas desenvolveram ultimamente grande actividade no sector compreendido entre Mansoa, Mansabá, Bissorã e Olossato, relativamente perto de Bissau.

Precedidos de intensos e arrasadores bombardeamentos aéreos nos refúgios do inimigo no mato, as tropas de terra, apertando o cerco, lançam ataques contra os terroristas em fuga, infligindo-lhes, segundo consta, severas baixas que uma emissora de um território vizinho aqui captada cifrou no número 200 só numa operação.

Não podemos confirmar estes números, visto que o Quartel-General do Exército é avaro de informações e nem sequer fornece comunicados das operações realizadas.

Assim, limitamo-nos a transmitir as informações de fontes não oficiais e que, possivelmente, nalguns casos, não correspondem inteiramente à verdade.

Contudo, não obstante as acções militares, não deixam os terroristas assinalar a sua presença e, como prova da sua actividade, na estrada Mansabá-Bissau, num troço das proximidades daquela povoação, esteve esta semana obstruída com troncos de árvores.

Anteriormente à vinda dos reforços militares, num ataque levado a cabo em 20 de Julho por um numeroso grupo constituído por argelinos distintamente identificados pelo vestuário e tez mais clara, negros e cabo-verdianos a uma coluna militar à distância de dois quilómetros de Mansabá, resultaram sete feridos do nosso lado.

No Sul, autenticamente abandonado, à excepção de alguns pontos ainda guarnecidos pela tropa, os terroristas continuam livremente senhores da maior parcela do terreno e controlam as vias de comunicação.

Nesta área, os nossos soldados limitam-se à defensiva dentro de redutos de arame farpado, visto que, segundo dizem, os efectivos de que dispõem são em número reduzido em relação ao território a cobrir.”

O gerente do BNU irá manter esta correspondência confidencial muito intensa, ao longo de todo o ano de 1963. Iremos verificar que o Leste entra em cena no final do ano, ataques a Amedalai e na região do Xime, em frente, na outra margem do Geba, resistiu-se em S. Belchior, os terroristas foram postos em fuga.

Quando se fizer o balanço de 1963, verificar-se-á que a situação no Sul vive em crescente turbulência, e daí a tentativa de sustar a subversão através de uma formidável operação, a Tridente, para reocupar a ilha do Como; a subversão chegara ao Corubal, grupos do PAIGC instalavam-se nas matas densas de Tabacutá, Galo Corubal, Mina, Poidon, Ponta Luís Dias, e muito mais, a Frente de Leste, ainda que timidamente, passara a ser uma realidade; e em território que o PAIGC classificará como Frente Norte, são constantes os ataques provenientes das matas do Oio, designadamente do Morés.

(Continua)


Mapa da Guiné constante no “Novo Atlas Escolar Português”, de João Soares, 4.ª edição, Sá da Costa, 1951. O que surpreende é a flagrante desatualização das localidades, noutro mapa que em breve publicaremos, referente a 1948, haverá muito mais rigor. Quem olhar para este mapa, ficará com a ideia que quase metade da Guiné era maioritariamente constituída por Fulas Pretos e depois por Biafadas, Balantas e Manjacos. Define-se a região do Gabu, mas não se precisam os limites, aquilo que é o Forreá e o Tombali também não tem nenhuma precisão, escreve-se que há Beafadas e Nalus. Foi por este mapa que a minha geração teve notícia do que era a Guiné…


A Imagem retirada do álbum “Guiné – Alvorada do Império”, 1953, trata-se de uma homenagem ao governador Raimundo Serrão.


Travessia do Corubal
Imagem publicado no Jornal “O Comércio da Guiné”, na sua edição de abril de 1931.
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Nota do editor

Poste anterior de11 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19395: Notas de leitura (1140): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (68) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de14 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19404: Notas de leitura (1141): “Vozes de Abril na Descolonização”, a organização é de Ana Mouta Faria e Jorge Martins e os entrevistados dos três teatros de operações foram Carlos de Matos Gomes, José Villalobos Filipe e Nuno Lousada, edição do CEHC – Centro de Estudos de História Contemporânea do Instituto Universitário de Lisboa, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19062: Memória dos lugares (381): Bigene, na fronteira com o Senegal... Foi lá que fomos render a CART 3329, em outubro de 1972, antes de ir parar ao Cantanhez (Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar, Nhacra, 1972/74)



Foto nº 1 > Guiné > Região de Cacheu > Bigene > CCAÇ 4540 > c. out / dez 1972 > Junto aos brasões das Companhias que por lá tinham passado



Foto nº 2 > Guiné > Região de Cacheu > Bigene > CCAÇ 4540 > c. out / dez 1972 >
O descanso do “guerreiro” junto ao posto de rádio

Foto nº 3 > Guiné > Regão de Cacheu > Bigene > CCAÇ 4540 > c. out / dez 1972 > Com um amigo de ocasião


Foto nº 4 > Guiné > Região de Cacheu > Bigene > CCAÇ 4540 > c. out / dez 1972 > De vez em quando dava para tomar banho.


Fotos(e legendas): © Eduardo Campos (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Excerto de um texto de memórias do Eduardo Campos (ex-1.º cabo rádio-telegráfico, CCAÇ 4540, "Somos um Caso Sério", Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar. Nhacra, 1972/74) (*)


No dia 28 agosto 1972, teve início no Regimento de Infantaria 15 (RI 15), em Tomar, a concentração do pessoal que constituiria a Companhia de Caçadores 4540 ["Somos Um Caso Sério", 1972-1974]. Na sua grande maioria, os militares eram oriundos do Norte do País, sendo de realçar a presença de alguns que vieram de França, para cumprirem o Serviço Militar.

Foi-nos concedido o gozo de uma licença de 2 semanas, após a qual o pessoal da Companhia se foi apresentando novamente no RI 15, tendo-se procedido à cerimónia de Benção e Entrega do Guião à Companhia no dia 15 de setembro de 1972, seguido de um desfile das tropas, na parada do Regimento.

Às 2h00 do dia 19 desse mesmo mês, a Companhia embarcou em autocarros, em Tomar, dirigindo-se para o aeroporto de Lisboa, onde o pessoal transitou para um avião dos TAM (cerca das 09h00), após o que levantamos voo rumo aos céus da África Ocidental.

Após quatro horas de voo bastante confortável, durante as quais imperou a boa disposição, já que a quase totalidade do pessoal realizava a sua primeira viagem aérea, aterramos no Aeroporto de Bissalanca. Procedeu-se então ao desembarque, perante um calor tórrido e sufocante, próprio das regiões tropicais.

Terminadas as formalidades habituais destas rotinas, procedeu-se ao transporte dos militares e respectivas bagagens, numa coluna de viaturas com destino ao Cumeré onde ficamos instalados. No dia 22 de setembro de 1972, de manhã, fomos chamados para uma formatura geral, a que se seguiu o desfile da Companhia recém-chegada, perante o Brigadeiro Alberto Silva Banazol [, comandante do CTIG, ] que proferiu algumas palavras de boas-vindas. Nesse mesmo dia segui para Bissau, com destino ao Regimento de Transmissões, onde estive cerca de 15 dias a fazer o chamado IAO.

Terminado o IAO, houve lugar a nova formatura geral no dia 17 de outubro de 1972, desta vez frente ao General António Spínola, Governador e Comandante-Chefe das Força Armadas do CTIG. No dia seguinte, a 18 a Companhia partiu do Cumeré com destino ao porto de Bissau, onde se procedeu ao nosso embarque na LDG Bombarda, rumando à "terra prometida”, Bigene, junto à fronteira com o Senegal.

E assim, lá fomos rio acima (Cacheu), desembarcando numa localidade chamada Ganturé, onde nos esperavam os camaradas da CART 3329, que iríamos substituir. Era notável a alegria com que nos receberam, tendo-nos em seguida transportado para Bigene (cerca de 6 ou 7 km), onde deparamos com vários dísticos e cartazes alusivos à chegada da nova Companhia de periquitos, espalhados pelas paredes e pela rua principal, cheios de humor e ironia......

Bigene era bastante povoada, com gentes de várias etnias, predominando os Fulas e os Balantas, havendo ainda bastantes Mandingas. A população europeia, além dos militares e do administrador de Posto, era praticamente inexistente, havendo apenas 1 português que era proprietário de uma casa comercial. Havia mais 3 casas comerciais, propriedades de 3 libaneses.

No posto sanitário de Bigene acontecia algo que eu considerava surpreendente, que era receber e tratar populares do Senegal, que atravessavam a fronteira para receberem tratamento médico. Ao mesmo tempo, esta gente aproveitava para comercializar os seus produtos no mercado local.

No dia seguinte, começou o treino operacional em conjunto com a CART 3329, cuja finalidade era adaptar e capacitar o pessoal em situações operacionais semelhantes às que iria encontrar nas suas futuras actividades dentro do sector atribuído à Companhia. É de salientar que, ainda no período de treino operacional a 23 de outubro de 1972, se ter verificado o 1º contacto de fogo com o IN, mesmo junto ao marco fronteiriço que separava a Guiné e o Senegal.

Só me apercebi que a palavra guerra fazia aqui todo o sentido, quando saí pela primeira vez para o mato e assisti à implantação de um campo de minas, e algumas armadilhas, na zona Samoge-Sambuía [dv. mapa, abaixo].O primeiro baptismo de fogo aconteceu a 24 de outubro de 1972, próximo de Nenecó, sem consequências. O PAIGC pelas informações que tínhamos, não tinha estruturas dentro do subsector de Bigene, nem se encontrava implantado no mesmo.

Partiam de bases situadas no Senegal, principalmente em Kumbamori, crê-se que utilizando as variantes do corredor de Sambuiá, para “cambar” o rio Cacheu, transportando material e mantimentos até ás margens do rio Cacheu, que procuravam atravessar em canoas e botes de borracha, para o interior do território, sendo, por vezes, surpreendidos pelos fuzileiros que se encontravam em Ganturé.

Terminado o período de sobreposição com a CART 3329, foi transferida por esta Companhia, para a nossa, toda a responsabilidade administrativa e operacional. No dia 15 de novembro de 1972, a CART 3329 terminou a sua comissão e despediu-se de Bigene.

Foi com muita emoção que os vimos partir, após um convívio comum de quase um mês, passado naquela localidade. Passou, desde então, a nossa Companhia a dar cumprimento às missões que lhe foram atribuídas, executando as directivas do COP 3.

Uma semana depois recebemos a noticia que iríamos ser transferidos para Sul, sendo substituídos pela CCAÇ 3 e, de novo, lá fomos na LDG Bombarda...

Estávamos no dia 9 de dezembro de 1972, rio Cacheu abaixo... Destino: Cadique, Cantanhez, região de Tombali... (***)



Planta topográfica de Bigene (parte superior) > Escala aproximada 1:5000. A norte, fronteira do Senegal (Nenecó, Sindina); a nordeste, corredor de Samoge-Sambuiá); a leste da pista de aviação, Binta; a oeste,  Barro (a 13 km); a sudeste, Ganturé (e rio Cacheu) (a 6/7 km). Havia 3 obuses 14 (140 mm) e 4 ou 5 morteiros 81 (mm). (***)

Legendas:

6 - Estação dos Correios
7 - Chefe de posto
8 - 3º Gr Comb
9 - Espaldão da metralhadora Breda
10 - 1º Gr Comb
11 - Espaldão da metralhadora Breda
12 - Capela [, ao lado esquerdo, o campo de futebol]
13 - Enfermaria civil
14 - Quartos de sargentos
15 - Secretaria
16 - Arrecadação da Casa Gouveia
17 - Casa Gouveia
17A - Quarto do major e capitão do COP3
18 - Casa Issufo (?) [nome ilegível; provável aportuguesamento de Youssouf]
19 - Arrecadação de material de guerra
20 - 2º Gr Comb
21 - Escola missionária
22 - COP 3
23 - Casa Rei (?) Mané [, nome ilegível]
24 - Casa Hilário
25 - Padaria
26 - Casa Assad
27 - Quartos de oficiais
28 - Depósito de géneros, enfermaria e cozinha.




Planta topográfica de Bigene (parte inferior) > Escala aproximada 1:5000

Legendas:

1 - Central elétrica
2 - Vacaria
3 - 4º Gr Comb
4 - Arrecadação
5 - Oficinas
29 - Escola civil
30 - Mercado civil



Mapa topográfico de Bigene > Escala 1:5000.  S/d. Cópia do documento original, cortesia do nosso camarada Eduardo Campos. O original será da autoria do major Vinhas, do COP 3, na altura sob o comando do ten cor cav Correia de Campos.
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