Mostrar mensagens com a etiqueta Cadi. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Cadi. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18295: (In)citações (116): A 'mindjer grandi' Anabela Pires, de visita a Iemberém, até 2ª feira... Vai ser confrontada com uma série de memórias dolorosas: as perdas sucessivas dos nossos amigos comuns Cadi, Pepito, Alicinha... Esperemos que tenha notícias do nosso grã-tabanqueiro António Baldé, que voltou de mãos vazias, de Alfragide para Caboxanque, com o sonho desfeito de ser apicultor e dar um futuro melhor à Cadi e à Alicinha


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Farim do Cantanhez, 7 de dezembro de 2012... A última foto da Cadi...Morreria 2 meses depois...

Eu e a Alice conhecê-la-íamos em março de 2008. O nosso filho, médico e músico,João Graça, conhecê-la-ia, grávida, em Iemberém, em dezembro de 2009, a um mês de ter uma linda criança. a Alicinha do Cantanhez... Ficou com o nome da sua madrinha, a Alice de Candoz. O elo de ligação entre mãe, filha e madrinha era o Pepito, que entretanto morre em em fevereiro de 2014. Pouco tempos é a vez da Alicinha, que o pai, o nosso camarada António Baldé, a viver em Portugal, nunca chegará a conhecer!...É uma sucessão, dolorosa, de perdas...


Foto: © Pepito (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]


Guiné-Bissau > Bissau > Bairro do Quelelé > Casa do Pepito e da Isabel Levy > 2010 > A Alicinha do Cantanhez, de oito meses (à direita), que tem na Alice de Candoz (que vive em Alfragide, Portugal) uma madrinha, quase tão babada e ternurenta como a sua mãe, a Cadi (à esquerda)... O pai, da criança, vive e trabalha na Linha de Cascais como segurança de uma empresa. A Cadi é de Farim do Cantanhez. Não fala português, só um pouco de crioulo, para desespero da Alice de Candoz que de vez em quando lhe telefona... De tempos a tempos, esta manda à Cadi as roupinhas e outras coisas que fazem da Alicinha uma pequena princesa do Cantanhez... Pelo meio, vai-se rezando ao Nhinte Camatchol para que proteja a menina (e a mãe)... Da cólera, do paludismo, das desinterias, da fome e das mil e uma causas de morte infantil na Guiné-Bissau...

Foto: © Pepito (2010).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Guiné-Bissau > região do Cacheu > São Domingos > 15 de março de 2012... A Cadi, já doente, a caminho de Ziguinchor, no Senegal... E a Alicinha morrerá mais tarde, em Farim do Cantanhez. sem chegar aos cinco anos. (**)


Foto: © Pepito (2012). Todos os direitos reservados. [Eduição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mensagem, que nos acabou de chegar de Bissau,  ontem, da nossa amiga e grã-tabanqueira Anabela Pires:



[Anabela Pires, janeiro de 2012, em Catesse, no sul da Guiné-Bissau, foto à esquerda de Pepito... Nascida em Moçambique, técnica superior de serviço social no Ministério da Agricultura, reformada, amiga dos nossos grã-tabanqueiros Jero (Alcobaça), Alice Carneiro (Alfragide/Amadora), e do nosso saudoso Pepito, cidadã do mundo, "globetrotter", esteve três meses, entre janeiro e março de 2012, integrada, como voluntária, no projeto do Ecoturismo, da AD - Acção para o Desenvolvimento, e a viver em Iemberém; foi o golpe de Estado de 2012 que a obrigou a sair da Guiné-Bissau; está lá de novo, desde 18 do corrente; tem 25 referências no nosso blogue, dela publicámos o "diário de Iemberém"; pacifista e feminista, ela não gosta que a gente lhe chame uma "mulher de armas"... mas é assim que a gente a vê, aqui da Tabanca Grande]


Queridos amig@s:
Parece que é amanhã que vou para o Sul, para Iembérém, Cantanhez, onde estive há 6 anos.  E digo parece porque só quando lá chegar é que direi "Cheguei!". 

Vou apanhar um autocarro de manhã cedo até Mampatá, a meio caminho, e depois irá um carro de Iembérém lá buscar-me. Vai correr tudo bem e talvez regresse na próxima 2ª feira. 

Lá não terei Internet e como tal a única forma de contacto é o meu nº de telemóvel português, quando é possível estabelecer ligação.

A situação política está mais calma mas .... bem, em Iembérém não há problemas desse género.
Darei notícias após o regresso.

Um abraço,
Anabela (*)


2 Resposta do nosso editor LG, na volta do correio:

Olá, Anabela!..Que faças boa viagem até Iemberém... E, já agora, vê se tens notícias do pai da Alicinha, a filha da Cadi. O seu nome é António Baldé, acho que nunca o chegaste a conhecer, vivia aqui em Alfragide. Vive hoje em Caboxanque (setor de Bedanda), a norte de Iemberém. Não chegou a conhecer a filha, a não ser por foto. Voltou para a sua terra, com o sonho (desfeito) de ser apicultor, levar com ele uma pequena reforma portuguesa e dar um futuro  melhor à Cadi e à filha de ambos... Foi um sucessão de tragédias... A Alice Carneiro era a madrinha, como sabes, o Pepito o nosso elo de ligação. Os três já morreram: a Cadi, a filha e o Pepito... Inevitavelmente vais reviver estes acontecimentos, dolorosos para todos nós...Eram nossos amigos comuns,,, O pai da Cadi ainda será vivo ? Vivia em Farim do Cantanhez, antigo combatente do PAIGC... Abdul Indjai, de seu nome, ficou sem uma perna numa mina.

Olha, dá depois notícias... Amanhã ponho notícia no blogue da tua partida. Boa estadia em Iemberém.... Bons encontros. Bj meus e da Alice. Luis

PS - Ah!, é vê se tens boas notícias da tua afilhadinha, de Catesse, e do projeto do Ecoturismo em que tiveste envolvida em Iemberém... A AD, parece-me,  ficou órfão do Pepito, perdeu o elã, entrou em entropia, não temos neste momento ligações diretas com a direção da ONG... É uma pena... Encontrámos há tempos em Lisboa a Isabel Miranda e o marido. Foi bom revê-los.  Boa noite. Luis.



Amadora > Alfragide > 27/7/2012 > O António Baldé com o nosso editior Luís Graça, foram vizinhos em Alfragide. O Baldé trabalhou em tempos com o Pepito no DEPA. É naural de Contuboel, onde fez a 4ª classe. Vive em Caboxanque e tem a nacionalidade portuguesa. Pertenceu ao Pel Caç Nat 57 (São João, 1969/70) e à CART 11 (Paunca e Sinchã Queuto, 1970/71). Era 1º cabo art.

Foto: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados. [Eduição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].




Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014). 

Foto: © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


3. Recorde-se aqui o mail que a Anabela Pires nos mandou, em 20 de fevereiro de 2013,  por ocasião da morte da Alicinha:

Luís, acabei de receber o teu e-mail e estou em estado de choque. Nunca percebi de que mal padecia a Cadi mas depois de ir para o Senegal e para o hospital de Comura,  nunca pensei que o desfecho fosse este. Não imaginas como lamento esta notícia. E cuidado com a menina que pouco depois da mãe adoecer também ela andava doentita. Nunca me esqueço delas até porque no dia em que a Alicinha fez 2 anos (dia da minha chegada a Cantanhez) também eu ganhei uma "afilhada" em Catesse que tem o meu nome. As nossas "afilhadas" têm exactamente 2 anos de diferença. E não esqueço a visita que recebi da Cádi, da sua mãe (lindíssima mulher também), da Alicinha e do Ansumané (irmão mais novo da Cadi). Para sempre ficarão também no meu coração. Um grande abraço para ti e para a Alice.

Anabela Pires

___________

Notas do editor:



(**) Vd. postes de:

3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3167: Ser solidário (19): Morreu o Nuninho, da Cadi. De paludismo. De abandono (Luís Graça)


19 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7816: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (4): 10/12/2009, último dia de consultas em Iemberém e viagem de regresso (10 horas!) a Bissau


18 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12738: In Memoriam (178): Carlos Schwarz da Silva (1949-2014)... Pepito ca mori! (Luís Graça)

terça-feira, 10 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13266: Ser solidário (159): É verdade, é tristemente verdade, Isabel, por aí, por essa terra madrasta, pode bem dizer-se: "... E a morte continua"!... No dia em que foi a enterrar a Alicinha do Cantanhez (2010-2014).

A Alicinha e a mãe, nalu, Cadi Indjai (1985-2013)
1. Mensagem da Isabel Levy Ribeiro, em Bissau, chegada hoje por volta das 11h55

Assunto - Alicinha

Olá, Alice e Luis. Acabei de receber agora a noticia da Alicinha. A vossa [menina] morreu ontem e está a decorrer agora o seu funeral  lá no sul.

Não sei o que aconteceu! Apenas que se foi.

Há pouco deram mais uma notícia da morte de um rapaz que trabalhava na TV de S. domingos. Por aqui, pode-se dizer ..."e a morte continua", ao contrário de "a vida continua".

Um abraço
Isabel

2. Resposta de Luís Graça:

Obrigado, Isabel, pela grandeza do teu gesto. Registo e não esqueço. Os amigos são também para estas ocasiões dolorosas. 

A minha Alice ficou num pranto quando, incrédula,  leu a notícia. Acabávamos de chegar da casa do Nuno Rubim, na noutra banda, onde fomos buscar uns livros. 

Telefonámos de imediato ao António  Baldé, pai da Alicinha, que mora aqui perto de nós, em Alfragide [, foto  à esquerda]. Estava triste por ter recebido, da Guiné-Bissau,  a notícia de que a menina, ontem,  estava muito doente. Demos-lhe a então a notícia do brutal desfecho.(*)

A Alicinha do Cantanhez, a filha da Cadi e do Baldé, a mana do Nuninho (**), não chegava aos 5 anos, a mítica fronteira da sobrevivência na Guiné-Bissau. A morte levou-a com ela, depois da mãe Cadi, depois do mano Nuninho. Fica um pai (e um irmão, adolescente, de 15 anos), desctroçado. Ele que tanto queria conhecer (e viver ao lado de) a sua filhota  mais nova... Tinha planos para voltar para a Guiné, para a sua casa em Caboxanque, no próximo ano, e dedicar-se à apicultura...

É uma dor de alma. A Guiné é  uma terra madrasta para as crianças... E tanto que a Alice e o Baldé sonharam em trazê-la para cá!.... De alguma maneira, a Alice também se sente culpada por não  ter conseguido vencer, em tempo útil, a burocracia e trazê-la para Portugal, para o pé do pai e do irmão... A Alicinha, que ela já tratava como a "sua menina"... 

É verdade, é tristemente verdade, Isabel, por aí, na Guiné,  pode-se dizer: "... E a morte continua!"...

Obrigado, amiga. Espero que as coisas melhorem para ti e a  tua família. Um xicoração apertado. Luis (e Alice).
__________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 26 de fevereiro de  2014 > Guiné 63/74 - P12776: Ser solidário (158): Gente amiga da ONGD Ajuda Amiga: o cor comando ref Hélder Vaz Pereira, presidente do conselho Fiscal, que viveu desde os 4 anos em Bissau... (Armando Pires)

(**) Vd. Luís Graça > Blogpoesia > 24 de setembro de 2008 > Blogantologia(s) (II) - (72) Nasceu e morreu um pretinho da Guiné

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Setor de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Uma jovem, da região, que estava grávida, e que tinha o marido em Bissau. Caíu nas boas graças das nossas senhoras, sempre muito maternais: a Júlia [, esposa do Nuno Rubim], a Alice [, esposa do Luís Graça], a Isabel [, esposa do Pepito]... 

Cadi era o seu nome. Vivia em Farim do Cantanhez. Esteve recentemente às portas da morte. E perdeu o seu primeiro e único filho, o Nuninho, de 4 meses. Por paludismo. Por abandono. Por falta de tudo (ou quase tudo). Por falta de cuidados de saúde (primários e secundários). Por falência dos serviços públicos de saúde. Por falta de médicos que vêm estudar para Portugal e não voltam.... Por ser guineense, por ter nascido num dos piores países do mundo no que diz respeito a indicadores de saúde materno-infantil... "Que raiva, que mundo, que desgraça de país" - é a primeira reacção que nos ocorre, a nós, que estamos num país que tem um dos baixos indicadores de mortalidade infantil do mundo... Sofremos, e muito, com estas notícias tristes que nos chegam da nossa querida Guiné... e que nos envergonham a todos (LG).


Nasceu e morreu um pretinho da Guiné

Cadi, de seu nome.
Amorosa.
Uma ternura.
Uma jóia de miúda.
Tinha a graça de uma gazela
apascentando na orla da bolanha.
Era nalu.
Vivia em Farim do Cantanhez.
Filha de um velho combatente da liberdade da pátria,
com direito a pensão
ao fim do mês.
Estava grávida de muitas luas.
Atrelou-se à Júlia e à Alice
em Iemberém,
no início de Março de 2008.
Com aquela candura, doçura, espanto e maravilhamento
das crianças africanas,
quando vêem uma Mulher Grande, branca.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12554: Ser solidário (157): O nosso camarada, lusoguineense, natural de Contuboel, desempregado, a residir em Alfragide, António U. Baldé, pai da Alicinha do Cantanhez, tem um sonho: ser apicultor em Caboxanque...

1. Já aqui apresentámos em tempo o António Ussumane Baldé, nascido  em Contuboel em 1944, de etnia fula (*) [Foto à esquerda, Alfragide, 27/7/2012, na casa do nosso editior Luís Graça]

Foi educado, até aos 12 anos, pelo chefe de posto local, o português José Pereira da Silva, ainda hoje vivo, com residências no concelho de Oeiras. Fez a 4ª classe e isso abriu-lhe outras portas a que outros miúdos da sua tabanca não tiveram acesso. Lembra-se bem da serração do Albano, que ainda existia no meu tempo (junho/julho de 1969, quando Contuboel foi Centro de Instrução Militar, donde saíram, de entre outras, as futuras CCAÇ 11 e 12).

Em 1966, foi chamado para a tropa. Fez a recruta e a especialidade no CIM de Bolama. Ficou lá dois anos. Promovido a 1º cabo, de artilharia, foi instrutor. Lá se formaram diversos Pel Caç Nat. Em 1969 é transferido para o Pel Caç Nat 56, sediado em S. João, frente a Bolama.  Em 1970 é transferido para a CART 11 (e mais tarde CCAÇ 11), que estava em Paúnca. O comandante do seu pelotão era o alf mil Matos, que é de Ovar, e com quem ainda hoje convive e fala ao telefone. Já foi uma ou mais vezes aos convívios da companhia.

Em 1969 casou-se. Será o primeiro de quatro  casamentos. Teve ou tem 15 filhos,  o último dos quais a Alicinha do Cantanhez, filha da saudosa  Cadi Indjai (1985-2013), nalu de Farim do Cantanhez [, foto à direita]. Mais recentemente perdeu um neto.

Saiu da tropa em finais de 1970 ou princípios de 1971. A mulher tinha ficado em Bolama. Assistiu depois à independência. Não tem boas memórias de Bambadinca desse tempo, mas  não teve quaisquer problemas com os novos senhores da Guiné-Bissau. 

Ainda antes da independência tinha começado a trabalhar nos serviços agrícolas da província. Fez formação em floricultura, se não me engano. Foi ele e outros estagiários quem fez o jardim do Bairro da Ajuda, em Bissau, no tempo do administrador Guerra Ribeiro. Depois da independência começou a trabalhar com o engº agr Carlos Scwharz, no DEPA, na região de Tombali. Tem uma grande admiração pelo Pepito e pelo trabalho dele em prol do desenvolvimento da sua terra, através da sua ONG AD.

No princípio deste século, veio a Portugal fazer um curso de apicultura, que é hoje a sua grande paixão. Acabou por ficar. Trabalhou, até há pouco tempo, como segurança numa empresa de construção, no concelho de Cascais. Entretanto, obteve a nacionalidade portuguesa. Tem um filho, de 13 ou 14 anos, o Umaro Baldé, que vive com ele deswde os 6 anos e que está a frequentar o 7º ano de escolaridade obrigatória, em Alfragide, e que ser informático.

De momento o António Baldé está desempregado. O seu sonho é voltar a Caboxanque onde tem casa, junto ao rio Cumbijã, e desenvolver o seu projeto de apicultura no Cantanhez. Está a preparar o seu regresso.  Bom muçulmano, vai todas as sextas feiras à mesquita de Lisboa. É uma homem afável, conhece meio mundo, fala e escreve bem o português, e pediu-me para ingressar na Tabanca Grande em março do ano passado (*). 

2. O António Baldé está interessado sobretudo em partilhar conhecimentos e experiências na área da apicultura, em que fez formação profissional. Está a preparar-se para regressar à sua terra natal e montar o seu negócio em Caboxanque.

Lembrei-me que o podia ajudar, publicando uma lista de materiais apícolas que ele precisar de comprar, uns novos, outros podendo ser em segunda mão. O Natal já passou mas pode ser que haja, entre os nossos leitores, algum Pai Natal, que seja ou tenha sido apicultor, que o queira e possa ajudar.... 

Às vezes ser solidário (**)  não custa muito. E podemos mudar a vida de outro humano, dar-lhe uma grande alegria, pô-lo de novo a sorrir e a ter esperança,  ajudar a construir o seu negócio ... Neste caso, ser apicultor em Caboxanque!

Aqui vai a lista de materiais apícolas que o António Baldé anda à procura. Podem contactá-lo pelo telemóvel 969 262 831 (de preferência) / telef  216 054 667 (noite)

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11678: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (4): Visita ao Cantanhez e ás tabancas de Iemberém e Farim do Cantanhez... O poilão de Amílcar Cabral... Recordações do tempo de guerra: Contabane e Mampatá (eu e Abdu Indjai, avô da Alicinha); e Jumbembem (o Francisco Silva e o Galissá)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez  > 3 de maio de 2013 > O majestoso poilão Amílcar Cabral (1)



 Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez  > 3 de maio de 2013 > O majestoso poilão Amílcar Cabral (2)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez  > 3 de maio de 2013 > O poilão Amílcar Cabral (3)... Na foto, a Armanda, esposa do Zé Teixeira.

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]

2. Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau  (30 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte IV

por José Teixeira 

[, Membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário da Tabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013; companheiros de viagem: a esposa Armanda; o Francisco Silva, e esposa, Elisabete; no dia seguinte, 1 de maio, o grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira; na 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo; no dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez] (*)


No dia seguinte ], 3 de maio, 6ª feira,] bastante cedo, depois de um pequeno-almoço bem recheado de compotas, fruta e mel das famosas lassas [, abelhas], visitamos a Tabanca de Iemberém no que ela tem de melhor, os seus habitantes. Cumprimentos e sorrisos, desde as crianças que nos disputavam os dedos das mãos, às mulheres grandes,  passando pelos homens e jovens que nos sorriam e acenavam com um bom dia.

Aqui em Iemberém ou em qualquer lugar onde parássemos,  tínhamos sempre um sorridente bom dia, Em português, crioulo ou na sua língua nativa, e logo entabulavam conversa, para saber quem éramos e de onde vínhamos. Ao saber que éramos portugueses, o sorriso abria-se e havia uma pergunta sacramental, sobretudo quando se tratava de um homem:
– Estiveste cá na guerra, onde?

Uns identificavam-se alegremente como antigos soldados portugueses como nós e havia,  logo ali, histórias sem fim para contar, como o motorista que nos acompanhou em todo o nosso deambular pela Guiné. O simpático,  e sempre disponível, motorista fez parte de uma Companhia de caçadores nativos e gostava de reencontrar os amigos com quem conviveu.

Outros identificavam-se como antigos combatentes do PAIGC. Localizavam-se as terras por onde andamos, nós e eles. Rapidamente, descobríamos que nos cruzamos algures no mato uma vez, duas, três…Logo começava um rosário de histórias,  seguidas com pormenores de ataques ou emboscadas.

Por exemplo, vim a descobrir que o avô da Alicinha, a menina que a Alice, esposa do Luís Graça, apadrinhou e cuja jovem mãe [, a Cadi,]  faleceu recentemente, foi um dos que em 22 de Junho de 1968 participou, como comandante, no ataque a Contabane, onde estava estacionada a CCaç 2382, destruindo e queimando a Tabanca, não ficando uma morança para recordação. Felizmente,  sem vítimas a registar. Posteriormente e depois me ter ido visitar em Mampatá Forreá, voltou ao local, talvez para saborear os estragos que provocou e caiu numa minas A/P,  que lhe roubou uma perna acabando por ter de se deslocar à Holanda para colocar uma prótese, terminando assim a sua guerra ativa.

Parece que o objetivo era demonstrar ao Régulo de Contabane, o Sambel, o poderio do PAIGC e sobretudo informar Bissau que aquele caminho para a mata do Boé não podia ser usado pelas forças portuguesas. Hoje sabe-se que o Régulo Sambel,  ao ter conhecimento que algumas tabancas do seu regulado, existentes na Guiné Conacri,  davam apoio ao PAIGC fez uma deslocação a essas tabancas para dissuadir os seus habitantes a não colaborarem com o partido, e o resultado foi a destruição da Tabanca pelo fogo em ataque cerrado debaixo de uma tremenda tempestade.

Um homem sorridente e bem-disposto com aspeto jovem apresenta-se ao grupo, pergunta-nos se somos ex-combatentes. Ao respondermos afirmativamente os seus olhos tomaram um brilho especial, que me impulsionaram para lhe fazer uma pergunta:
–  Bó bi. Abó bandido da mato?
– Eu mesmo, em Jumbembém.

O Francisco Silva,  ao ouvir falar em Jumbembém [, na região de Farim], pergunta-lhe em que ano esteve por lá. E não é que tinham estado do lado oposto da barreira no mesmo período de tempo, ou seja durante o tempo em que o Silva comandou o Pelotão Caçadores de Nativos 51!?

É fácil imaginar o diálogo que se seguiu, depois de selarem o feliz encontro com um apertado abraço. Um a dizer quando e como atacou a tabanca, o outro a dizer como se defendeu e contra atacou. Aninhados no chão alinharam as posições das suas armas. Nas suas mentes bailava de forma nítida a fotografia do terreno calcorreado há quarenta anos. Com o dedo traçaram as coordenadas do terreno no chão de Iemberém, para melhor justificarem as ações que desenvolveram. Para mim, foi um prazer imenso acompanhar este diálogo entre dois antigos inimigos, agora libertos do fantasma da guerra, a conversarem de forma desapaixonada sobre as técnicas e ardis usados para atacar ou defender posições.



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém >  3 de maio de 2013 >  O segundo encontro do Francisco Silva com o PAIGC. O Abraço do Galissa e a discussão dos planos de defesa e ataque a Jumbembém, na altura em que o Francisco era o comandante do Pel Caç Nat 51.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém >  3 de maio de 2013 >  Esta velhinha também me pediu um abraço...


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém >  3 de maio de 2013 > Aspeto da sala de jantar do restaurante da Satu, em Iemberém.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém >  3 de maio de 2013 > Um das várias hortinhas que existem junto às moranças

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

Nesta deslocação por Iemberém apreciamos a forma artesanal como fabricam o óleo de palma em que os homens apenas sobem às palmeiras para recolher o coconote, sendo reservado às mulheres o seu transporte e tratamento para produzir o saboroso e alimentar óleo de palma, desde a cozedura, a trituração no conhecido pilão, a separação e purificação do produto. A propósito de todo este trabalho, a AD tem em S. Domingos uma escola oficina de metalurgia onde fabrica máquinas para simplificar e reduzir o esforço humano, mas ainda não chegaram a Iemberém.







Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém >  3 de maio de 2013 > Destilação de óleo de palma em que todos ajudam até as criançinhas. O Francisco Silva ainda deu uma ajuda no pilão e até tentou subir à palmeira.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém >  3 de maio de 2013 > Uma bajudinha com a cesta de coconote que trouxe da bolanha.

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


Tivemos a oportunidade de conhecer as gentes da etnia tanda, com menos de dois mil indivíduos radicados na Guiné-Bissau, muito bem acolhida pelos membros da etnia fula de Iemberém, onde se fixou um grupo tanda e criou a sua Tabanca.

As bajudas solicitaram à AD [, a ONG do Pepito,] apoio para a criação de uma escola de costura. Organizaram-se em associação e avançaram. A Tabanca Pequena [, de Matosinhos,] deu a mão e colocou em Iemberém três máquinas de costura. O projeto avançou e proliferou até Cabedú e Catesse. Dele falaremos em poste próprio.

Ainda nesta manhã que começou muito cedo, embrenhamo-nos na Mata do Cantanhez para saborear toda a sua beleza. Espetacular monumento à natureza que está a ser criminosamente destruído por indivíduos sem escrúpulos. Abatem as árvores de grande porte para venderam aos chineses e desbastam o que fica para adaptarem o terreno à produção de caju. Por exemplo a salacunda é uma árvore enorme em extinção que só existe em três matas da Guiné. No Cantanhez apenas se conhece uma, a que nós pudemos apreciar.

Mas o grande desafio estava no poilão a que batizaram “poilão Amilcar Cabral”. Deve ser uma das maiores árvores de África, bem escondida no coração da Mata do Cantanhez. É um monumento digno de ser ver e apreciar, pelas dimensões do seu tronco e pelo tamanho e beleza da sua copa. Sobretudo pelo que representa. A Natureza com todo o seu esplendor.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Farim do Cantanhez >  3 de maio de 2013 > O avô da Alicinha, Abdu Indjai, antigo combatente do PAIGC, amputado de um perna na sequência de uma mina A/C, acionada em Mampatá, em finais de 1968, ma altura em que lá estava o Zé Teixeira.

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


Galinha com molho de mancarra, preparado com todo o carinho pela Satu, foi o pitéu que nos levou de novo até Iemberém para o podermos saborear. Um merecido descanso e nova partida até Farim do Cantanhez à procura da Alicinha.

Fomos recebidos por ex-combatentes do PAIGC, entre os quais o avô da menina. Foi a minha vez de falar do tempo da guerra e dos desencontros que tive com ele próprio, quando estava em Mampatá. Parece que foi um dos que em Novembro de 1968, juntamente com o Braima Cassamá que conheci em 2008, tentou ocupar a tabanca, pelas duas horas da tarde. Eles sabiam que nessa noite uma sentinela abateu uma vaca junto ao arame farpado. Eles sabiam que iriamos ter almoço melhorado e pacientemente esperaram nas redondezas pela hora do almoço. Quando se aperceberam que o almoço ia ser servido,  avançaram envolvendo a tabanca e penetrando pelo lado da estrada que ligava a Buba.

Tinham as armas com balas incendiárias apontadas às moranças e logo onze delas começaram a arder. Tão depressa entraram (alguns) como logo tiveram de sair.  para não sacrificarem as suas vidas, como testemunhou o Braima, um dos que ainda entrou dentro do arame.

A minha homenagem póstuma ao grande Aliu Baldé, o régulo, que com o morteiro 60, escutava para localizar a origem do fogo e… lá vai uma, duas, até se calarem. Logo mudava de posição sempre seguido por dois milícias com um cunhete de granadas e recomeçava a cena. Eu que,  desorientado com tanto “sakalata” (ou chocolate, como nós os europeus dizíamos, o que significa barulho/festa/ronco), deslocava-me pelo interior da tabanca à procura de supostos feridos, o que felizmente não aconteceu. Nem uma beliscadura.

Zé Teixeira

segunda-feira, 25 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11312: Tabanca Grande (391): António Baldé, fula, natural de Contuboel, português, apicultor, pai do Umaro e da Alicinha, ex-1º cabo, CIM, Bolama (1966/69), Pel Caç Nat 57 (São João, 1969/70) e CART 11 (Paunca e Sinchã Queuto, 1970/71), grã-tabanqueiro nº 610

1. António Baldé, fula, nasceu em Contuboel em 1944.  [Foto à esquerda, Alfragide, 27/7/2012]

Foi educado, até aos 12 anos, pelo chefe de posto local, o português José Pereira da Silva, ainda hoje vivo (.Mora em Oeiras, é vizinho da decana do nosso blogue, a dra. Clara Schwarz, mãe do nosso amigo Pepito). 

Fez a 4ª classe e isso abriu-lhe outras portas que outros miúdos da sua tabanca não puderam abrir. Lembra-se bem da serração do Albano, que ainda existia no meu tempo (junho/julho de 1969, quando Contuboel foi Centro de Instrução Militar, donde saíram, de entre outras, as futuras CCAÇ 11 e 12).

Em 1966, foi chamado para a tropa. Fez a recruta e a especialidade no CIM de Bolama. Ficou lá dois anos. Promovido a 1º cabo, de artilharia, foi instrutor. Lá se formaram diversos Pel Caç Nat. Em 1969 é transferido para o Pel Caç Nat 56, sediado em S. João, frente a Bolama.

Em 1969 casou-se. Será o primeiro de quatro casamentos. Teve ou tem 15 filhos, o último dos quais a Alicinha do Cantanhez, filha da nalu Cadi Indjai (1985-2013).

Desse tempo, e do tempo do Pel Caç Nat 56 e 67, lembra-se com saudade dos furriéis Gil e Nuno, que gostaria de voltar a encontrar. Não faz ideia do seu paradeiro. Em São João esteve em 1969/70. Será depois transferido para a CART 11, que estava em Paunca. Esteve por lá em 1970/71. O comandante do seu pelotão era o alf mil Matos, que é de Ovar, e com quem ainda hoje convive e fala ao telefone. Já foi a um (ou mais) dos convívios da companhia. Esteve no destacamento de Sinchã Queuto ], que eu só localizo a norte de Bafatá, ea sul de Contuboel, no mapa de Bafatá].

Saiu da tropa em finais de 1970 ou princípios de 1971. A mulher tinha ficado em Bolama. Assistiu depois à independência. Não tem boas memórias de Bambadinca desse tempo. Também não teve quaisquer problemas com os novos senhores da Guiné-Bissau. Ainda antes da independência tinha começado a trabalhar nos serviços agrícolas da província. Fez formação em floricultura, se não me engano. Foi ele e outros estagiários quem fez o jardim do Bairro da Ajuda, em Bissau, no tempo do administrador Guerra Ribeiro. Depois da independência começou a trabalhar com o engº agr Carlos Scwharz, no DEPA, na região de Tombali. Tem uma grande admiração pelo Pepito e pelo trabalho dele em prol do desenvolvimento da sua terra.

No princípio deste século, veio a Portugal fazer um curso de apicultura, que é hoje a sua grande paixão. Acabou por ficar. Trabalhou como segurança numa empresa de construção, no concelho de Cascais. Entretanto, obteve a nacionalidade portuguesa. Tem um filho, de 13 anos, o Umaro Baldé, que vive com ele e que está a frequentar o 7º ano de escolaridade obrigatória, em Alfragide, e que ser informático.

De momento está desempregado. O seu sonho é voltar a Caboxanque onde tem casa, junto ao rio Cumbijã,  e desenvolver o seu projeto de apicultura no Cantanhez. Mas tem dois filhos pequenos para criar. Muçulmano, vai todas as sextas feiras à mesquita de Lisboa. É um bom crente. É uma homem afável, conhece meio mundo, e pediu-me para ingressar na Tabanca Grande. Está interessado sobretudo em partilhar os seus conhecimentos e a sua paixão como apicultor.


2. Comentário de L.G.:

[Foto à direita: Luís Graça e António Baldé, Alfragide, 27/7/2012]

Conheci o António Baldé, o verão passado, através da Alice Carneiro, minha mulher e nossa grã-tabanqueiro. Na altura escrevi o seguinte, em comentário ao poste P10213:

"A Alice, minha mulher, e nossa grã-tabanqueira, tem uma "afilhada" nalu, a Alicinha do Cantanhez. Aliás, temos. Assumo o meu papel de "padrinho". É amorosa, a filha da Cadi, que ela conheceu no sul da Guiné, em março de 2008. A Cadi é uma rapariga linda, um torrão de açúcar. Já teve um filho que lhe morreu, de paludismo, aos 4 meses. O Nuninho. Escrevi-lhe um poema. Era afilhado da Júlio e do Nunio Rubim.

[[Foto à esquerda: António Baldé e Alice Carneiro, Alfragide, 27/7/2012]

"A Alicinha tem sobrevivido. Conheci há dias o pai, António Baldé, fula, e nosso antigo camarada. Fez a tropa na CCAÇ 11, em Paunca. É natural de Contuboel. Tem 67 anos. Só conhece a filha de fotografia e vídeo. É um pai babado. Vive em Portugal há cerca de 10 anos. Somos nós que lhe damos notícias da mãe e da filha. Tem casa em Caboxanque na margem esquerda do Rio Cumbijã. Um dia prometo ir lá passar umas férias. É apicultor, e quer votar à sua terra. Espantoso, como o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Ele vivia na zona de Cascais, onde era segurança. A empresa fechou, o Baldé está no desemprego. Um advogado, seu amigo, arranjou-lhe casa em Alfragide. Somos, pois, vizinhos de 'tabanca'. Vou vê-lo mais vezes. Só há dias é que o conhecemos. Um homem tranquilo e sábio, que trabalhou com o Pepito muitos anos em projetos agrícolas. Foi assim que esse foi parar ao sul.

"Ajudou-nos agora a fazer sumos com os frutos secos que a Cadi nos mandou, através do nosso amigo Pepito: veludo, cabaceira, alfarroba... Os sumos são uma delícia... Mãe e filha estiveram muito doentes, no princípio do ano. Valeu-lhes a ajuda dos nossos amigos Pepito, Zé Teixeira e Tiago Teixeira a quem deixamos aqui a manifestação pública do nosso agradecimento. Muito em particular, ao Dr. Tiago Teixeira, que tem uma relação especial com o hospital de Cumura, gerido pelos franciscanos. (...)"

Este fim de semana o António Baldé veio cá casa, com o filho,  almoçar. (O Umaro está com o pai desde os 6 anos.) Conversámos longamente. O seu sonho é poder legalizar os papéis do seu casamento (tradicional) com a Cadi e trazer para Portugal a sua filhota, a Alicinha, de 3 anos, agora órfã de mãe.  Não é fácil,  quando se está longe e é preciso vencer uma dupla barreira burocrática, a do seu  país de origem (a Guiné-Bissau) e a do seu país de adoção (Portugal).

Pois, bem, António, passas a ser o grã-tabanqueiro (quer dizer,  membro da nossa Tabanca Grande) nº 610. Vais ter oportunidade de me contar mais histórias o teu tempo de Guiné e de tropa. Espero que Alá te ajude a concretizar os teus sonhos, de pai e de apicultor. Da nossa parte, já sabes, tens aqui uma Tabanca Grande, cheia de amigos e camaradas... Sê bem vindo!
_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 14 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11249: Tabanca Grande (390): Ismael Augusto (ex-alf mil manut, CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), novo grã-tabanqueiro, nº 609

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11121: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (7): Fogo!!!.... O forno do meu vizinho padeiro, o Mumini, completamente em chamas!

1. Notícias da nossa Anabela Pires, com data de 17 do corrente:

[Foto à direita: Anabela Pires, em Catesse, Cantanhez, Região de Tombali, Guiné-Bissau, 20012. Créditos fotográficos: AD - Acção para o Desenvolvimento]


Car@s amig@s, família, ex-vizinhos e ex-colegas

Há 1 mês que estou em Auroville. Para aqueles que não sabem estou há 2 semanas a trabalhar numa quinta que está a fazer a reconversão para agricultura biológica. E já sei andar de lambreta!

Continuo bem e satisfeita por aqui estar. Há 2 dias começou a fazer aquele calor húmido que nos faz ter sempre a sensação de estarmos sujos. Felizmente esta tarde a trovoada chegou e com ela a chuva! Já o ar está mais aliviado!

Esta semana não vou enviar o habitual diário para aqueles que o pediram - não escrevi nada! Não me apeteceu, não tive oportunidade.

Os meus votos para que todos se encontrem o melhor possível. Ficarei feliz de também receber notícias vossas.Um enorme abraço, Anabela Pires.

2. Resposta imediata de L.G.:

Querida, não vistes o blogue, com a triste notícia da morte da Cadi... Esta semana que passou... [, Foto à direita, 2010, crédito fotográfico: Pepito].

 Obrigado pelas tuas notícias com os teus progressos em Auroville. Um beijinho. Luis

PS - Continuo a publicar o teu diário, que já tem fãs...

3. Continuação da publicação do Diário de Iemberém


Diário de Iemberém, por Anabela Pires [, que escreve de acordo com a antiga ortografia] (Parte VII) (*)

10 de Fevereiro de 2012

Ontem à tarde estava combinado que ia fazer com a Satu uma sopa e experimentarmos fritar bananas como a minha mãe fazia em Moçambique e às quais eu não resistia. Não fizemos nada pois apanhámos um susto!

Recebi ontem, finalmente, as encomendas que tinha metido no correio antes de sair de Portugal (já estavam em Bissau há uns 15 dias mas só ontem veio um carro da associação que as trouxe até aqui! Ai meu rico cafezinho que já andava a beber nescafé há quase uma semana!) e as coisas que tinha pedido à Isabel e à Binto para me comprarem em Bissau.


Estava toda contente, como uma criança pequena quando recebe um presente, a tirar as coisas dos caixotes, ouvi uma gritaria no terreiro. Não liguei, é frequente e ouvia a Jóia muito zangada e pensei que o pequeno Mamadu já tinha feito algum disparate. Entretanto sai da cozinha para ir à varanda procurar um saco com um pacote de manteiga e queijo de bola e o que vejo? O forno do meu vizinho padeiro, o Mumini, completamente em chamas! Quer dizer, ardia tudo menos o forno que é de barro. O telheiro é de colmo, como na grande maioria das moranças, os suportes de paus, a caixa de amassar o pão, a mesa, enfim, tudo de material muito bom para arder!

O forno fica a 1 metro de distância da parede lateral da minha casa. À minha porta estava já o jardineiro que me disse para eu tirar a roupa que estava estendida na varanda mas eu não era capaz pois o calor era imenso. Saí, apanhei umas roupas que não eram minhas e que estavam a secar na minha vedação de bambu (que, nem sei como, não ardeu!) e fui ao terreiro das mulheres. Nessa altura já elas vinham com bacias e baldes de água e alguns homens também para apagarem o fogo. Vi-os encostarem o grande escadote em metal à parede da minha casa e começarem a atirar água para o meu telhado que é de zinco. Um dos barrotes exteriores já estava a arder.

Tivemos muita sorte pois o vento puxava as chamas para cima e as árvores são muito altas. Lá andámos todos a transportar água e fiquei a saber que só não podíamos deitar água em cima do forno sob pena de se partir todo. Enfim, além do forno ainda se salvou a pá do padeiro, a mesa e a caixa de amassar o pão, bastante chamuscadas. Tudo o resto foi à vida!

Vi o rosto da Jóia transfigurado e imaginei que tinha sido “habilidade” do Mamadu, que entretanto já tinha levado umas valentes palmadas e tinha fugido para o mato. O Mamadu tem pouco mais de 4 anos e, pelo que, descobrimos mais tarde, foi com um outro menino, o Talibe, experimentar o isqueiro da Cadi [, esposa do padeiro] . Já me tinha apercebido do fascínio do Mamadu pelos isqueiros pois sempre que está ao pé de mim tenta acender o meu mas não consegue pois ainda não tem força suficiente.

Tudo acabou em bem, o Mumini nem se alterou, a Satu vai pagar o prejuízo, hoje começam a reconstrução do telheiro. A Jóia é empregada da Satu há 5 anos, mãe solteira de 2 crianças, mas a Satu já gosta dela como de uma filha. Fui buscar o Mamadu ao mato, trouxe-o aqui para casa de onde, literalmente, não queria sair! Dei-lhe banho, lanche, e pu-lo a desenhar no chão do quarto que está quase vazio. Mas primeiro levei-o a ver os estragos e creio que se a memória dele já funcionar não voltará a brincar com o fogo.

À noite, no terreiro, acabámos todas a rir pois a Satu, passado o susto, reconta a história com imensa graça e com muita mímica. Então a grande aflição foi a minha casa, o facto de eu ter uma botija de gás numa divisão que dá para o lado do forno, o facto de eu estar em casa! Mas em vez de me chamar e me dizer o que se estava a passar, não, diz que desatou a tremer e a gritar em fula (eu não percebo crioulo quanto mais fula!) “ajudem-me, ajudem-me!”! Alguém teve a imediata preocupação de apanhar a minha roupa que estava a secar numa outra corda ao lado do forno mas não me chamaram!

Enfim, nunca tinha presenciado uma cena destas. Certamente por causa do calor no meu telhado esta manhã tinha 2 morcegos a voar na minha cozinha! Devem ter saído pelo respiradouro do telhado que fica na casa de banho e que pedi desde o 1º dia para ser vedado mas ainda não foi! Tudo se vai fazendo ….. lentamente, muito lentamente. Um dos morcegos já saiu para a rua mas o outro não sei onde está! E assim foi a tarde de ontem!

Tentei telefonar à minha Mila duas vezes mas não consegui falar com ela! São horas de me ir despachar para ir trabalhar.

(Continuação)

[Foto acima: Farim do Cantanhez, 10 de dezembro de 2009. Crianças.  Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados]

_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 11 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11088: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (6): O mundo das mulheres é sempre muito especial e aqui ainda mais, onde mulheres e homens não se misturam muito no dia-a-dia, por razões da cultura muçulmana

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11098: In Memoriam (138): Cadi Baldé (c. 1984-2013), mãe da pequena Alicinha do Cantanhez (Luís Graça / Alice Carneiro)


Iemberém, 5 de março de 2010... A Cadi, com a Alicinha, que tinha nascido há mês e meio, a 17 de janeiro


Iemberém, 15 de maio de 2011... A cadi e a Alicinha



Farim do Cantanhez, novembro de 2011



São Domingos, 15 de março de 2012... Já doente, a caminho de Ziguinchor, no Senegal


Bissau,  A Cadi, depois de sair do hospital de Cumura... Debilitada, doente... Aqui com a filhota.


Farim do Cantanhez, 7 de dezembro de 2012... A última foto da Cadi (*)

Fotos: © Pepito (2011/2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: L.G.]


Morreu a Cadi


Morreu a Cadi, 
a mãe da Alicinha do Cantanhez... 
Morreu na sua tabanca, 
Farim do Cantanhez,
e vai ser enterrada no quintal do seu pai, Abdu Injai.

A notícia chegou-nos através do António Baldé,

pai da Alicinha,
com a voz embargada pela comoção...
Ele tencionava regressar à Guiné,
dentro em breve, 
à sua casa em Caboxanque,
na margem esquerda do  Rio Cumbijã.
E tinha um sonho,
tornar-se o maior apicultor do Cantanhez.
Ele queria reconstruir a sua vida 
com a Cadi, a sua quarta esposa,
e a Alicinha, a seu lado,
mais o seu filho, rapaz, 
que estuda em Portugal.

Esse sonho desfez-se

pela força do macaréu da morte.
A vida vale pouco, 
e muito menos na Guiné,
mesmo para quem é crente e temente a Deus.

A Cadi apareceu nas nossas vidas,
há cerca de 5 anos,
em Iemberém, em março de 2008.
Era filha de um ex-guerrilheiro nalu, Adbu Indjai, 
inválido de guerra,
que perdeu uma perna lá para os lados do Xitole.
Cadi, de seu nome.
Amorosa.
Uma ternura.
Uma jóia de miúda, a Cadi.
Tinha a graça de uma gazela
apascentando na orla da bolanha.
Era nalu.
Vivia em Farim do Cantanhez.
Filha de um velho combatente da liberdade da pátria.


Estava grávida, em março de 2008. 
Soubemos depois que tivera um menino,
a que pôs o nome de Nuno, Nuninho,
por homenagem ao Nuno Rubim e à  Júlia . 

Vida curta, curtíssima,
 a morte o levou aos 4 meses.
Vítima de paludismo
e de falta de cuidados médicos.

... Mais tarde virá a Alicinha.
Em dezembro de 2009, 
o João, por um feliz acaso, encontrou-a, grávida, 
na consulta médica, em Iemberém.
Não sabia que era a mesma miúda 
para quem levava umas roupinhas, 
um telemóvel 
e algum dinheiro, 
lembranças de Portugal...
-Nome do menino ou menina ? 
- Si for menino, será Luís... 
Si for minina, será Alice. 
- Estranho, são os nomes dos meus pais... - 
lá pensou o João, 
para com os botões da sua bata branca...

Mês e meio depois, 
a  17 de Janeiro de 2009
nascia a Alicinha,
robusta e saudável!..
Um hino à vida, 
à esperança!

Bissau é um mau lugar 
para uma jovem mãe e a sua menina, 
uma cidade demasiado palúdica, 
colérica e buliçosa 
para dois seres que merecem 
o direito à vida, ao amor, à felicidade.
Bissau vai matar-te, Cadi!

Depois do nascimento da Alicinha, 
ficou tacitamente assumido
que a Alice de Candoz, 
a Alice Carneiro,
seria a madrinha daquele pequeno ser, 
e que a iria ajudar pela vida fora... 
De tempos a tempos
a madrinha ia recebendo notícias, 
diretamente da mãe, 
ou através do Pepito. 
Por sua vez, ia-lhe mandando pelo correio, 
para a caixa postal da AD,
peças de vestuário, 
calçado 
e brinquedos, 
em caixas até 2 kg, 
de franquia reduzida...

Alice descobre, através do Pepito, 
o pai da Alicinha, o António Baldé, 
a trabalhar, ali para a zona de Cascais, 
como segurança numa empresa de construção civil. 
O Baldé tinha vindo para Portugal 
em 2003 para aprender apicultura.
Mostrou-nos, há tempos, orgulhoso,
o seu diploma de apicultor.
Natural de Contuboel,
serviu quase 6 anos
o exército dos tugas.

Não conhece a filha,
fala com ela,
ao telefone.
A Cadi mostrava-lhe fotos do pai.
E o Baldé, de 67 anos, feliz, 
mesmo desempregado, 
encheu a casa de fotos
da Alicinha e da Cadi.
Seriam o seu amparo na velhice.

A tímida gazela nalu já não salta 
pela orla da bolanha de Caboxanque.
Nem alegra, com a sua graciosidade,
as ruas de Iemberém,
com a Alicinha às costas.
Um manto de silêncio cobre Farim do Cantanhez
e as suas matas em redor.
Morreu a Cadi, 
morreu a Cadi,
sussurra o dari.

Alfragide
Luis Graça  & Alice Carneiro, 15 de fevereiro de 2013
______________

Nota do editor:

(*) Postes relacionados com a Cadi e a Alicinha do Cantanhez

3 de setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3167: Ser solidário (19): Morreu o Nuninho, da Cadi. De paludismo. De abandono (Luís Graça)



5 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7727: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (3): 9 e 10/12/2009, em busca do dari (chimpanzé), em Farim e Madina do Cantanhez...

19 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7816: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (4): 10/12/2009, último dia de consultas em Iemberém e viagem de regresso (10 horas!) a Bissau

11 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8361: Notícias do nossos amigos da AD - Bissau (18): No Dia Mundial da Criança, pensando na Alicinha do Cantanhez e em todas as crianças do mundo (Alice de Lisboa) 


(...) Falando nas visitas ….. a Cadi, mãe da Alicinha,  afilhada da Alice Carneiro, veio visitar-me. É tão bonita e elegante a Cadi! Como aliás muitas das mulheres guineenses. E que bem que se vestem, muitas vezes até quando andam a trabalhar mas sobretudo quando saem da sua tabaca e em dias de festa.

A Cadi já fala razoavelmente português. O seu marido [, António Baldé, fula de Contuboel, com casa em Caboxanque, futuro apicultor,] está em Lisboa e há 2 anos que não vem cá. Ela mora em Farim de Cantanhez, uma tabanca que fica aqui a uns 10 km. É uma pena ela não viver em Iemberém, poderia ajudá-la a preparar-se para ir para Portugal ter com o seu marido. Mas o mais preocupante é que ela anda doente. Diz-me que sente calor na barriga, diz-me que é do estômago, que tem a tensão baixa mas …. não vomita, quis comer pão com queijo. Depois ouvi-a tossir e fiquei a pensar se não será algum problema pulmonar. Ela veio hoje a Iemberém, a pé, para tentar arranjar transporte para ir a Bissau ao médico. (...)


6 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11064: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (5): Em Catesse, com o Pepito... Pela primeira vez tive medo!...Medo de não conseguir corresponder ao tanto que a população espera de todos nós!

(...) Voltemos ainda à minha chegada a Iemberém. Como referi, contávamos almoçar aqui mas houve uma mudança de planos. Depois de despejar a minha bagagem na casa que me foi atribuída, seguimos em direcção a Catesse. Passámos em Farim de Cantanhez, tabanca onde vive a Alicinha , que fazia exatamente 2 anos nesse dia. Lá deixei os presentes que a sua madrinha [, a Alice Carneiro, ] tinha enviado e cantei-lhe os parabéns. É linda a pequena Alice, aliás como muitas das mulheres daqui. E vaidosas. É um gosto vê-las arranjadas. (...)

(**) Último poste da série > 10 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11085: In Memoriam (137): Maria Henriqueta Esteves Afonso (Valença, 1922 - Leça da Palmeira, Matosinhos, 2013), mãe do nosso querido co-editor Carlos Vinhal... Corpo em câmara ardente na Capela do Corpo Santo, funeral amanhã às 15h para o cemitério nº 1 de Leça da Palmeira

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2846: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (16): Salvemos o Cantanhez (II)


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Rio Cacine > Cananima > 2 de Março de 2008 > Concentração dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje na praia e porto fluvial de Cananima, frente a Cacine, na margem direita do Rio Cacine (1).

O Cantanhez é delimitado pelos dois rios principais, o Cumbijã e o Cacine. As margens destes rios são constituídas por uma vasto e rico mangal. A bacia do Cumbijã é conhecida por ser (ainda) um dos celeiros de arroz do país (cerca de 13 mil hectares de bolanhas cultivadas em finais da décad de 1990). A actual crise alimentar no mundo está também a afectar a Guiné-Bissau, cujos dirigentes políticos e agentes económicos têm apostado na monocultura do caju, para exportação (seguindo, desgraçadamente, o mau exemplo colonial, da o da monocultura do amendoím), e na importação de arroz estrangeiro que, devido aos preços mais baixos particados pelos grandes produtores mundiais, acaba por ter uma vantagem decisiva em relação ao arroz nacional. É preciso que os guineenses aprendam as sábias lições do Cantanhez. Hoje, mais do que nunca... É preciso salvar as bolanhas. É preciso lutar contra a erosão e a salinização das melhores terras de cultura do arroz... É preciso evitar a sangria dos jovens, atraídos pela miragem da grande cidade... É preciso dar sentido ao futuro, é perciso dar esperança aos guineenses...

O Rio Cacine, por sua vez, é rico em peixe e moluscos. É muito procurado por pescadores da vizinha Guiné-Conacri, concentrados sobretudo na Ilha de Melo, na foz do Rio Cumbijã. As espécies piscícolas mais procuradas são o Djafal, o Bagre e o Tubarão (este apanhado sobretudo como juvenil, o que vem compromter o equilíbrio da fauna marinha, já que é uma espécie que está no topo da cadeia alimentar). Há uma crescente consciente ecológica entre as gentes do Cantanhez, que representa, pela sua biodiversidade, um património riquíssimo que é preciso preservar, proteger e utilizar, numa óptica de custo-benefício, de maneira a tirar partido de todas as suas potencialidades, hoje e sobretudo amanhã.

Segundo a ONG Tiniguena - Esta Terra É Nossa que lançou um belíssimo calendário para 2008 - Matas de Cantanhez: Biodiversidade ao serviço da soberania, com magníficas fotos de Augusta Henriques (sua secretária-geral), Emanuel Ramos, Pierre Campedron, André Barata e Cristina Silva - , um estudo feito junto dos Nalus mostrou que mais de 200 espécies vegetais selvagens são utilizadas regularmente pelas famílias, mais de metade das quais na farmacopeia (produtos medicinais tradicionais) e cerca de 20% na alimentação. "Estes recursos e saberes da biodiversaidade são um valioso património a proteger contra a biopirataria e a preservar para o futuro", diz a Tiniguena.

A floresta também satisfaz a quase totalidade das necessidades da população local, em matéria de energia. A recolha de lenha não é vista como um perigo. Duas das ameaças que pairam sobre o Cantanhez, levando à degradação das suas florestas (que os Nalus consideram sagradas), são a produção de carvão com fins comerciais e as queimadas para fins agrícolas. Por razões históricas e culturais, mas também económicas e sociais, logo, de sobrevivência das gerações futuras, é fundamental salvar o Cantanhez, verdadeiro ex-libris da Guiné-Bissau.


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A simpatiquíssima Cadidjatu Candé, da comissão organizadora do Simpósio Internacional de Guileje e colaborada da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, servindo um fabuloso arroz com filetes de peixe do Cacine e óleo de palma local, que tem fama de ser o mais saboroso do país, devido à qualidade da matéria-prima e às técnicas e condições de produção (artesanal). Na imagem, um diplomata português, o nº 2 da Embaixada Portuguesa, que integrou a nossa caravana (e cujo nome, por lapso, não registei, lapso de que peço desculpa).



Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Um dos pratos que foi servido no almoço de domingo, aos participantes do Simpósio Internacional de Guileje, foi peixe de chabéu, do Rio Cacine, do melhor que comi em África... Durante a guerra colonial, na zona leste, em Bambadinca, só conheci conhecíamos o desgraçado peixe da bolanha....


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > O nosso camarada Cor Art Nuno Rubim passando revista à logística do Comes & Bebes, da comissão organizadora do Simpósio, e que nos acompanhou desde Iemberém... É obra, isso dar de comer e beber a tanta gente, esfomeada e sedenta...

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Um outro aspecto da improvisada cozinha que foi montada em Canamima, logo de manhã, e onde se fez o almoço (um prato de carne e outro de peixe) para as dezenas de participantes do Simpósio.



Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A Francisca Quessangue, uma das mulheres que fez a guerrilha e esteve no ataque a Guileje, como enfermeira.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > O Luís Graça entre a Francisca , enfermeira, e a senhora Ministra dos Antigos Combatentes da Liberdade da Pátria, Isabel Buscardini.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A Catarina Silva, filha do Pepito e da Isabel, que é portuguesa. É formada em psicologia social, pelo ISCTE - Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa. Integrou a nossa caravana e foi sempre uma simpatiquíssima companhia durante este fabuloso fim-de-semana. É também, como o pai e a mãe, uma entusiástica defensora do Cantanhez, da sua fauna, da sua flora, das suas gentes.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A Catarina Santos que, juntamente com o Vitor Ramos e o Alfredo Caldeira, representaram (e muito bem!) a Fundação Mário Soares no Simpósio Internacional de Guileje.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > O famoso óleo de palma do Cantanhez. A sua cor vermelha intensa deve-se às características da variedade do chabéu (termo científico, Elaeis guineenses), que é rico em caroteno.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Um médico cubano, ortopedista, cooperante em Bissau, o Dr. Mário. Pelo pouco que conversei com ele, soube que trabalha no Hospital Nacional Simão Mendes é também professor da Faculdade de Medicina de Bissau, criada em 1977 e desactivada no início dos anos 90, tendo o projecto sido relançado mais recentemente com o apoio da cooperação cubana. Cuba é dos países mais activos na cooperação com da Guiné-Bissau, no campo da saúde e da educação.


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Em primeiro plano, da direita para a esquerda, a Isabel, a Alice e o Álvaro. De perfil o Pepito, em segundo plano, mais o Sérgio Sousa, um Gringo de Guileje.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A Diana Andringa, que registou em vídeo todas ou quase todas as actividdades destes oito dias, com destaque para as comnunicações ao Simpósio. Em segundo plano, a Júlia.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A Diana Andringa e o marido, Alfredo Caldeira; em segundo plano, a Júlia e o marido, Nuno Rubim.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > O Dr. Alfredo Caldeira, chefe da delegação da Fundação Mário Soares...

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > O nosso amigo catalão, Josep Sánchez Cervelló, professor universitário em Tarragona, especialista em história sobre o 25 de Abril e a descolonização portuguesa... Esteve encantado estes dias todos com os tugas...
Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Uma jovem, da região, que estava grávida, e que tinha o marido em Bissau (se não me engano). Caíu nas boas graças das nossas senhoras, sempre muito maternais: a Júlia, a Alice, a Isabel... Seu nome: Cadi, filha de um antigo guerrilheiro, nalu, da região...

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Um amostra de conchas do Rio Cacine, reveladoras da riqueza, em moluscos, marisco peixe, deste belíssimo rio do sul da Guiné...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.



II. O Turismo na região de Tombali (2) (Continuação)
por Brígida Rocha Brito


(...) 1.2. Os elementos culturais

A população residente na região de Tombali estava estimada em 91.930 habitantes, por referência a 2004 (…), representando 7,1% do total. Do ponto de vista étnico, os grupos principais são Nalu, Fula, Balanta, Tanda e Sosso, encontrando-se grupos secundários como Manjaco, Djakanka, Papel, Bijagó e Mandinga.

Tradicionalmente esta era uma área identificada com os Nalu, etnia caracteristicamente animista, com hábitos enraizados, desenvolvendo práticas culturais ancestrais perpetuadas ao longo do tempo através do costume e da tradição oral, entre as quais os ritos de iniciação e de passagem. Uma parte do território, identificada como as Florestas de Cantanhez, é tradicionalmente conhecida como o Tchon di Nalu (…) ou Terra dos Nalu, apesar de actualmente, e depois de se terem efectuado deslocações internas, se encontrar uma multiplicidade de comunidades com origens étnicas diversas.

Cada grupo étnico apresenta particularidades próprias no que respeita à forma e ao tipo de produção principal, à organização do espaço e materiais utilizados na construção, às práticas rituais e às formas de culto. Apesar da paisagem florestal ser dominante, a influência da diversidade étnica na forma de produzir a terra e de relacionamento com o meio confere à região uma imagem de mosaico marcado pela heterogeneidade.

Dadas as características de toda a zona costeira e fluvial, e tendo presente a importância e a dimensão dos rios e cursos de água, as áreas de mangrove, mangal ou tarrafes, adquirem grande importância, principalmente para os Balanta que aproveitam o solo salinizado para a produção de arroz M'pampam.

A fertilidade do solo, natural ou provocada através da prática de queimadas, tem permitido incrementar a produção frutícola, com destaque para os citrinos e o caju, que tem vindo a ser fortemente explorado pelas potencialidades (*) que o caracterizam. Este tipo de produção, conseguido a partir da desflorestação e das queimadas, é fortemente desenvolvido pelas comunidades de origem Fula, que eram tradicionalmente pastores.

Em maioria, os Nalu são pescadores, agrupando-se muitas vezes em acampamentos temporários e itinerantes, e dedicando-se também à extracção de óleo e vinho de palma ou à produção de culturas agrícolas para consumo directo.

Além da produção para subsistência, as comunidades locais produzem peças de artesanato e utensílios vários, que utilizam no dia-a-dia ou que vendem em mercados locais e lumus (**) . São objectos típicos e fáceis de encontrar para observação aquando das visitas às tabancas, se bem que ainda não se verifique a disponibilidade para aquisição: esculturas e máscaras de madeira produzidas pelos homens Nalu; esteiras e cestos trabalhados pelas mulheres Nalu; potes e recipientes de barro produzidos pelas mulheres Balanta; panos confeccionados pelos homens Manjaco.

Uma grande parte do artesanato produzido, nomeadamente pelos animistas Nalu, tem significado simbólico representando as forças sobrenaturais, havendo a crença de que conferem poderes a quem os usa ou detém. Estes são os caso do Banda, uma máscara que reproduz uma imagem de associação entre o Homem e os animais, como a ave, a cobra, o peixe e o crocodilo, utilizada em momentos festivos; ou do Ninte-Kamatchol [ou Nhinte-Camatchol] (3), uma cabeça de ave com rosto humano, utilizada em ritos de iniciação.

Todas as peças artesanais são susceptíveis de adquirirem interesse turístico, sendo necessária a disponibilização de originais para mostra, exposição e comercialização.

No que respeita às comunidades animistas, é possível encontrar junto de áreas residenciais elementos e locais de culto, nomeadamente pequenos recipientes contendo água para o irã, onde são realizadas práticas de veneração. Além da importância das crenças animistas, na região sul da Guiné-Bissau, o islamismo tem adquirido importância sendo hoje predominante, de tal forma que existem escolas islâmicas com professor próprio, organização e funcionamento autónomo do ensino formal.

A religião e as crenças influenciam ainda os modos de vida das comunidades, no que respeita por exemplo a horários, gastronomia e vestuário: nas tabancas muçulmanas, é habitual o dia iniciar com as orações cantadas pelos homens, que se levantam de madrugada, sendo cuscus marroquino a primeira refeição.

Qualquer uma das práticas exemplificadas reveste interesse turístico no sentido da divulgação e do aprofundamento dos conhecimentos sobre os modos de vida e de organização social das populações autóctones, por serem elementos diferenciadores e conotados com exotismo.


1.3. Os Factores Históricos e Nacionalistas

A região de Tombali, em particular os sectores de Bedanda e de Cacine, fortemente envolvidos pelas Floresta de Cantanhez, é entendida para a maioria do povo guineense como o berço da independência. Esta foi a zona de excelência da luta armada contra a colonização portuguesae o ícone da libertação, tendo albergado alguns dos principais aquartelamentos de tropas portuguesas, como Guiledje, Bedanda, Cacine e Cameconde, mas também os acampamentos da guerrilha, protegidos e apoiados pelas comunidades animistas Balanta e Nalu.

Os Matos de Cantanhez reúnem dois traços que são entendidos como fundamentais para o sucesso das tropas do PAIGC: por um lado, a riqueza dos recursos florestais e as difíceis condições físicas impostas pelo meio denso e fechado, que favoreceram as comunidades locais que detinham conhecimentos únicos propiciados pela vivência directa, adquiridos atravésda experiência ancestral. Por outro lado, a crença no apoio espiritual e na protecção das forças superiores da floresta, o irã, reforçaram a auto-estima e a identidade comunitária, resultando em catalisadores para a concretização da luta.

Os momentos chave da longa guerra colonial foram assim enquadrados pela densidade florestal, desde a fase de organização até às disputas armadas propriamente ditas. Ao longo dos sectores de Bedanda e de Cacine são vários os locais de valor histórico e que representam marcos na História nacional, onde ainda existem partes de aquartelamentos, antigos abrigos, material de guerra, como obuses que se encontram ora espalhados pelo parque florestal, ora amontoados após ter sido efectuada uma primeira recolha, e objectos vários, como pratos e materialde cozinha. Da mesma forma, nas proximidades da tabanca Cassacá, existe um marco de importância extrema para a História da República da Guiné-Bissau: o local onde foi realizado, em 1964, o 1º Congresso do PAIGC, local que Luís Cabral tinha intenção de transformar em cidade pelo simbolismo que representa.

Paralelamente, vivem na região testemunhas vivas da guerra colonial, ex-combatentes que, em maioria, demonstram receptividade para contar e descrever vivências pessoais relacionadas com os momentos mais marcantes, sejam dificuldades ou sucessos, experiências que se transformaram em histórias de vida de uma época que é definida como um dos períodos mais importantes para a Guiné-Bissau e para Portugal.

pp. 35/37
___________

Notas da autora:

(*) O caju é aproveitado como fruta fresca, secando-se a castanha para comercialização, produzido sumo, vinho e aguardente.

(**) O lumu é um mercado local de dimensão alargada e sujeito a uma determinada organização que funciona com uma periodicidade semanal, reunindo comerciantes que se deslocam a partir das diferentes localidades da região.
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. último poste desta série: 24 de Abril de 2008 >
Guiné 63/4 - P2793: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (15): Salvemos o Cantanhez (I)

(2) Vd. publicação disponível, em formato pdf, no sítio do Instituto Marquês de Valle Flôr :Estudo das Potencialidades e dos Constrangimentos do Ecoturismo na Região de Tombali

(3) Vd. poste de 31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2704: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (12): Que o Nhinte-Camatchol te proteja, Guiné-Bissau