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quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20471: Tabanca Grande (489): Alexandre Margarido, ex-cap mil grad inf, op esp / ranger, último cmdt da CCAÇ 3520 (Cacine, Cameconde, Quinhamel, 1972/74)...Senta-se à sombra do nosso poilão sob o nº 801


Guiné > região de Tombali > Cacine > CCAÇ 3520 > 1973 > Uma pausa no rio Cacine, nos "turbulentos acontecimentos" de Guileje / Gadamael, em maio e junho de 1973. Alexandre Margarido CCAÇ 3520

O Alexandre Margarido, novo membro da Tabanca Grande, com o nº 801

Fotos (e legendas): © Alexandre Margarido (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Setor de Cacine > Cameconde > 1968 > Disparo noturno do obus 8.8 > Foto do álbum do António J. Pereira da Costa, que era na altura alferes QP da CART 1692/BART 1914 (Cacine, Cameconde, Sangonhá e Cacoca, 1967/69).

Foto (e legenda): © António J. Pereira da Costa (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso camarada Alexandre Margarifo, ex-cap mil op esp / ranger, último comandante da CCAÇb 3520 (Cacine, Cameconde, Guileje, Gadamael e Quinhamel, dez 1971-mai 1974).

Data - terça feira, 17/12/2019, 21h17
Assunto -  Adesão à Tabanca Grande

Caro Luis Graça,

Tenho acompanhado este Blog, com regularidade e considero do máximo interesse todo o trabalho, até aqui desenvolvido, para que não se percam, nos meandros dos interesses, que jogam com os ex-combatentes, as suas memórias e as experiências de vidas, aqui tão bem representadas.

O meu nome Alexandre Augusto Martins Margarido, fui o último Capitão Miliciano, da Companhia Independente de Caçadores nº 3520, com a Especialidade de Operações Especiais.

Estive na Guiné desde Dezembro de 1971 a Maio de 1974, tendo a minha Companhia, passado por Cacine, Cameconde, Guileje, Gadamel e finalmente Quinhamel, até ao seu regresso ao Funchal, onde se tinha formado.

Conforme as normas da Tabanca, envio duas fotos, uma actual, a outra tirada no Rio Cacine, numa pausa dos acontecimentos turbulentos de 1973, solicitando a entrada, e prometendo o envio de uma das muitas histórias, que fizeram parte dessa minha estadia, por terras da Guiné.

Forte abraço,

Alexandre Margarido
Ex-Capitão Miliciano Ranger

2. Resposta do editor Luís Graça:

Alexandre, és recebido de braços abertos, e muito provavelmente serás o último (**)  a franquear, este ano  o "hall" de entrada da Tabanca Grande (, digo "hall", porque não temos portas, nem janelas, nem porta de armas, nem  cavalos de frisa, nem fiadas de arame farpado, nem valas, nem abrigos, nem espaldões...).

Como sabes, somos uma "comunidade virtual" de antigos camaradas de armas, que passaram pelo TO da Guiné, de 1961 a 1974, fazendo a guerra e a paz...Costumamos dizer que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!... O que é verdade, temos gente, amigos e camaradas da Guiné, um pouco por toda a parte, dos Estados Unidos à Austrália, de Ponte de Lima ao Funchal, de Faro a Bissau, passando por Macau, Cabo Verde, França, Brasil, Alemanha, e por aí fora...

Da tua companhia, a CCAÇ 3520, "Estrelas do Sul" (que nome poético!), tu passarás a ser, se não me engano, o terceiro representante, depois do José Vermelho, nosso grã-tabanaqueiro nº 471, fur mil (CCAÇ 3520 - Cacine, e CCAÇ 6 - Bedanda, CIM - Bolama, 1972/74) e depois do Juvenal Candeias, alf mil at inf, que entrou para a Tabanca Grande  em 6 de maio de 2009

Mas, deixa-me lembrar-te, tu já nos tinhas feito uma "visita" em 2013 (*), comentando esse "resort" turístico que era Cameconde no teu/nosso tempo... Na altura, a Tabanca Grande "partiu mantenhas" contigo e convidou-te  para te sentares "aqui, debaixo do nosso mágico e fraterno poilão"... Não entraste em 2013, entras agora no final de 2019.  E o lugar que te calha é já o 801.. (Já podes ver o tem nome, na lista alfabética, de A a Z, que consta na coluna do lado esquerdo do nosso blogue.)

E vais concerteza ajudar-nos a manter viva e sempre fresca esta "fonte de memórias" onde vem beber a rapaziada que esteve na Guiné, em "comissão de serviço", uns no "back office", outros no "front office"... Partilhamos memórias (e afetos), contamos as nossas histórias... sem censura, sem juízos de valor, sem picardias, sem ressentimentos, procurando contar a verdade e só a verdade.

Senta-te, desfruta a nossa companhia, vai dando notícias, vai participando (com textos, comentários, fotos...) e, entretanto, faz o favor de ser feliz e tem um bom e santo Natal.


Guiné > Mapa geral da província ( 1961) > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Cameconde, a guarnição militar portuguesa mais a sul, na região de Quitafine, na estrada fronteiriça Quebo-Cacine... Em 1968 era o batalhão que estava em Buba (BART 1896, 1966/68) quem defendia esta importante linha de fronteira...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013)


3. Sobre a CCAÇ 3520, eis aqui a  ficha da unidade, segundo a Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 7º vol - Fichas das Unidades, Tomo II (Guiné), Lisboa, EME/CECA, 2002:

 (i) Mobilizada pelo BII 19 (Funchal);

(ii) Parte para o TO da Guiné em 20/12/1971 e regressa a 37/3/1974;

(iii) Passou por Cacine (mas também Cameconde) e Quinhamel;

(iv) teve quatro comandantes: cap inf Herberto Amaro Vieira Nascimento; cap mil Jaime Cipriano da Costa Rocha Quaresma; cap mil inf Armando Pimenta Cristóvão; e cap mil grad inf Alexandre Augusto Martins Margarido.
___________

Notas do editor_

(*) Vd. poste de 21 de fevereiro de  2013 > Guiné 63/74 - P11129: (Ex)citações (213): Cameconde, hoje seria um lugar de absurdo, de pesadelo e de loucura... (Alexandre Margarido, ex-cap mil, CCAÇ 3520, Cacine e Cameconde, 1972/74)

(...) Cameconde era um daqueles locais onde apenas os combatentes portugueses conseguiam manter-se durante anos, sem enlouquecerem, face à falta de condições mínimas de subsistência. Inclusive a água e os mantimentos tinham que ser transportados, numa coluna diária por um trilho rasgado na selva.

As altas temperaturas dentro dos abrigos, os insectos, as cobras que deslizavam da selva durante a noite, procurando o calor dessas fortificações, autênticos fornos, a exposição a atiradores e às flagelações por RPG, tudo isso, recuando 40 anos nas minhas memórias, era impensável ser suportado nos dias de hoje.

Obrigado por manterem vivas essas memórias.(...)


(**)  Último poste da série > 21 de novembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20369: Tabanca Grande (488): Miguel José Ribeiro da Rocha, ex-Alf Mil Inf.ª da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845 (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70), tertuliano com o número 800 da nossa Tabanca

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17279: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (7): a última carta de Amílcar Cabral, enviada em 19/1/1973, a Pedro Pires, com diretivas para o reforço da luta na região de Quitafine



Guiné > Região do Tombali > Quitafine, assinalada com elipse, na zona a cor laranja. Quitafine faz fronteira com a Guiné-Conacri (área 3.736 km²)

Fonte: https://peccaviconsulting.files.wordpress.com/2017/01/political-map-of-guinea-bis.gif (com a devida vénia...)


Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral > s/d > s/l> O comandante Pedro Pires com dois combatentes do PAIGC

Citação:
(1963-1973), "Comandante Pedro Pires com dois combatentes do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43495 (2017-3-31)



Colaborador permanente do nosso blogue, Jorge Araújo (ex-fur mil op especiais da CART 3494. Xime e Mansambo, 1971/74) é professor universitário, doutorado em ciências do desporto. Este texto foi nos enviado a 7 de abril último, com a seguinte nota:  "Conforme ontem te dei conta, anexo mais um pequeno trabalho a incluir na série 'D(o) outro lado do combate', tendo este por tema de partida a 'última carta de Amílcar' enviada a Pedro Pires,  a poucas horas de ser assassinado. Recordo que a sua publicação só deve acontecer depois do texto relacionado com "Pedro Pires e a Mina..." (*)

A ÚLTIMA CARTA DE AMÍLCAR CABRAL [1924-1973] A PEDRO PIRES ESCRITA MOMENTOS ANTES DO SEU ASSASSINATO (19 de janeiro de 1973)



1. INTRODUÇÃO

Ao projectar este pequeno texto historiográfico, utilizando como fonte privilegiada, uma vez mais, «o outro lado do combate», título destes meus escritos temáticos, fi-lo procurando valorar o que é percebido do objecto em análise (factos narrados), por um lado, colocando-o à disposição do universo dos ex-combatentes que sobre ele lhe possam adicionar algo mais, por outro, organizando-o a partir da triangulação da informação produzida pelos seus diversos actores, e por eles publicitada em diferentes momentos e contextos.

Considero-o, por isso, um modesto contributo, quiçá reforço, ao que foi sendo referido, comentado, discutido, esclarecido, analisado, durante as duas últimas semanas neste espaço de partilha, com destaque para os temas inseridos nos P17138 e P17162, da autoria do nosso camarada António Martins Matos (ten gen pilav ref).

Daí que, como questão de partida, o objecto em análise está relacionado com as novas diretrizes idealizadas por Amílcar Cabral (1924-1973), enviadas em carta datada de 19 de janeiro de 1973, ao seu camarada do Conselho de Guerra, cmdt Pedro Pires (que viria a ser a última), naquela ocasião a supervisionar as actividades da guerrilha nos territórios da Frente Sul [mapa acima], uma vez que passadas poucas horas de as ter escrito, o seu autor seria assassinado por membros do seu próprio partido, em Conacri, tema amplamente dissecado no blogue [exs. P15683 e P16510, entre outros].

Estas novas orientações propostas por Amílcar Cabral, que não teria a oportunidade de conhecer os resultados, acabariam, porém, por influenciar os tempos que se seguiram, transformando os cenários da guerra-de-guerrilha ao longo do ano de 1973 e os palcos das três frentes (Norte, Sul e Leste) onde cada um dos actores se movimentava. 

Esse ano, todos nós o sabemos, foi um ano farto de ocorrências de grande significado individual e colectivo, sendo que uma grande parte delas acabariam por ficar gravadas, para sempre, como efemérides no âmbito da historiografia da guerra no CTIGuiné.


2. A ÚLTIMA CARTA DE AMÍLCAR CABRAL A PEDRO PIRES

- Diretrizes para o prosseguimento da luta armada (1973) 

A poucas horas de ser assassinado, em Conacri, por elementos do seu próprio partido ligados à sua segurança pessoal, como foi referido na introdução, Amílcar Cabral escrevia uma missiva ao Cmdt Pedro Pires, dando-lhe novas diretrizes quanto ao que deveria ser feito a partir de então na zona da fronteira sul do território, identificando ao detalhe as acções a executar por cada grupo, o seu número de elementos e respectivo armamento a utilizar, bem como a competente cronologia.

De referir que o seu assassinato já havia sido por si vaticinado como uma forte probabilidade para o fim da sua vida (morte), ficando célebre a frase que lhe é atribuída - “se alguém me há-de fazer mal, é quem está aqui entre nós. Ninguém mais pode estragar o PAIGC, só nós próprios”.

Em função do acima exposto, importa dar conta de que esta narrativa só foi possível elaborar depois de consultados, com a devida vénia, os arquivos da Casa Comum, Fundação Mário Soares, em particular a vasta correspondência escrita/manuscrita por Amílcar Cabral, donde foi seleccionada a carta acima referida. Ela será transcrita na íntegra, mas intercalada com outras referências extraídas do vasto espólio disponibilizado por este blogue, com o superior objectivo de aprofundamento desta problemática.

O original será colocado no final, assim como referida a sua fonte. Eis, abaixo, o conteúdo da carta em título [revisão e fixação de texto: JA].

“Acabo de receber a mensagem [dos serviços de inteligência (secretos)?] sobre a concentração do inimigo em Cacine com o objectivo de ocupar posições no Sector”.

[Será que se refere à Directiva n.º 2/73, de 8 de janeiro de 1973, do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné (?), onde cria o Comando Operacional n.º 5 (COP 5), para o qual foi designado, como seu Cmdt, Alexandre da Costa Coutinho e Lima, à data major de art, e hoje cor art ref. (P2677)].

Recupero a missão do COP 5, constituída por 8 pontos. Neste contexto apenas irei referir os primeiros seis, a saber:

1. Intercepta o corredor de Guileje, especialmente pela implantação de minas e armadilhas e execução de fogos de interdição.

2 .Executa acções de reconhecimento na faixa fronteiriça, por forma a detectar novas linhas de infiltração IN na sua ZA [zona de acção], com vista ao oportuno desenvolvimento de acções de contra-penetração.

3. Acaba com o IN na sua zona de acção, aniquilando-o, capturando-o, ou, no mínimo, expulsando-o para o exterior do TO.

4. Procura alargar a sua área de actividade de contra-guerrilha, por acções de reconhecimento no corredor de Guileje em ordem a intensificar o esforço de contra-penetração e por acções de golpe de mão sobre a área de Quitafine.

5. Assegura a defesa eficiente dos aglomerados populacionais ocupados pelas NT e o socorro em tempo oportuno dos reordenamentos da sua ZA [zona de acção].

6. Garante as condições de segurança necessárias à execução de movimentos nos itinerários do Sector, em especial Gadamael-Guileje e Cacine-Cameconde. 

Em função dos objectivos acima, Amílcar Cabral escreve, como procedimentos de ataque: 

"Penso que devemos tomar medidas imediatas para verificar a informação dada [omite a sua origem; acaso se refira à Directiva n.º 2/73, essa informação chega-lhe dez dias após a sua aprovação/publicação] e estar prontos a enfrentar o inimigo. Pois, como sempre, a melhor defesa é o ataque. Por isso proponho:

1. Deves deslocar-te à fronteira de Quitafine, se a tua saúde o permite, para coordenar a acção dos combatentes na área. 

2. Mobilizar no Sector, para a acção, todas as forças regulares e locais.

3. Levar para lá a artilharia que está na fronteira de Kandiafara, com as suas dotações em homens, incluindo o Grad [foguetão de 122 mm]. Se possível fazer um ataque a Quebo [Aldeia Formosa] antes de retirar a artilharia pesada para Quitafine.

4. Os artilheiros de antiaérea que estão ainda na fronteira (vinte e tal homens) devem levar para Quitafine 3 peças [AA] ZGU-14, 5 mm para fazer emboscadas a helicópteros, apoiados pela infantaria.

5. Enviar a Quitafine os 15 homens da infantaria que estão em Gadamael. Vou ver a possibilidade de mandar mais alguns elementos de infantaria para lá, antes do fim do mês [de janeiro de 1973], o que é muito difícil.

6. Montar emboscadas, mesmo com poucos homens na área Cacine-Cameconde, com forças regulares. As forças locais devem estar vigilantes nas outras áreas.

7. Minar todas as vias de comunicação terrestres do inimigo, com minas anticarro e antipessoais.

Foguetão 122 mm. 
Foto de Nuno Rubim (2007)
8. Atacar o mais breve possível, inclusivo com Grad [foguetão de 122 mm] se houver condições para usar essa arma. Atacar duro com canhões, morteiros e bazucas RPG-7.

9. Dar ordens aos políticos para preparar as populações, que devem esconder bem as colheitas e tomar medidas de defesa contra os bombardeamentos.

10. Vou pôr tudo em marcha para que mais munições cheguem aí com urgência, se ainda não foram."


Quanto ao foguetão de 122 mm, a que o PAIGC chamou de arma especial, cujo tubo se apresenta na imagem ao lado, as suas características e outras informações de interesse geral podem ser consultadas no P1828, da responsabilidade do cor art ref Nuno Rubim, onde se refere, ainda, a existência de um tubo igual no Museu Militar de Lisboa, em Santa Apolónia, que segundo se julga saber é o exemplar capturado em Cufar, precisamente em janeiro de 1973.
E continua:

"Já era de prever que o inimigo fará tentativas para reocupar Quitafine e possivelmente o Boé Oriental. Os tugas pretendem evitar a reunião da Assembleia Nacional Popular, por isso querem as áreas em que poderemos pensar fazer a reunião."

[Esta viria a realizar-se oito meses depois na região do Boé, em 23 de setembro desse ano, local onde, no dia seguinte, foi proclamada a Independência do Estado da Guiné-Bissau].

"Temos de encarar a actividade do inimigo com calma e decisão, para fazer tudo para liquidar o maior número possível das suas forças vivas. Temos grandes dificuldades de homens, mas devemos fazer a guerra com os homens que temos.

Se não podes tu mesmo ir a Quitafine (área da fronteira de Ba-Kulontó), manda para aí camaradas capazes. Penso que o Bota [Cmdt Bouta N’Batcha] deve seguir para aí, deixando alguém no seu lugar. O Bobo Keita [1939-2009] que regressou para a missão, poderá também ajudar.

Por hoje é tudo, ficando aguardando notícias tuas sobre a evolução da situação. Saúde e bom trabalho. O melhor abraço do camarada. Amílcar Cabral."



2.1. A análise dos pontos 6: o da Directiva e o de Amílcar Cabral

Procurando confrontar cada um dos pontos 6, quer o da Directiva n.º 2/73, quer a execução da proposta avançada por Amílcar Cabral, prevista para a área Cacine-Cameconde, nada foi encontrado de muito relevante na investigação, em particular no itinerário Cacine-Cameconde, quando comparado com o de Gadamael-Guileje, este sim, já amplamente dissecado neste espaço.


Como reforço da investigação, foi consultada, no blogue, a Unidade de Quadricula instalada nessa zona naquela época. Constatamos que entre os anos de 1972 [jan] e 1973 [out] foi/era a CCAÇ 3520 [Estrelas do Sul], uma Companhia de Madeirenses, mobilizada pelo BII 19 (Funchal), que garantia a actividade operacional entre Cacine e Cameconde. Como as referências no blogue são escassas (uma dezena) e os factos relevantes terem uma relação directa com essa variável, esta narrativa ficará amputada, certamente, de outros elementos mais significativos, em particular na dicotomia causas/efeitos da sua missão, enquanto actividade operacional.


O que se sabe é que ela se iniciou em 24 janeiro de 1972, por efeito da sua chegada ao porto de Cacine após concluído o IAO no Cumeré, para render a CCAÇ 2726 [1970/72], viagem efectuada a bordo da LDG “Montante”, ainda que até 22 de fevereiro se tenha verificado o período de sobreposição.


Guiné> Região de Tombali > Cacine, 24 de janeiro de 1972 > Chegada da CCAÇ 3520 ao porto de Cacine a bordo da LDG "Montante".
(Foto do alf mil Juvenal Candeias, com a devida vénia: poste P4961).

Em Cacine ficou instalada a maioria do contingente da Unidade, com um grupo de combate destacado em Cameconde, que era substituído mensalmente, em regime de rotação. Cameconde era então o Destacamento das NT mais a sul da Guiné, local situado a cerca de sete quilómetros da sede, sem população civil, e onde existia também um pelotão de artilharia com obuses de 14 mm. Entre os dois locais era realizada uma coluna diária, de ida e volta, com recurso à competente picagem.

A propósito desse contexto e da coluna diária que se fazia entre Cacine-Cameconde, o ex-cap mil op esp Alexandre A. M. Margarido, que foi o 4.º Cmdt da CCAÇ 3520, refere que Cameconde “era um daqueles locais onde apenas os combatentes portugueses conseguiam manter-se durante anos, sem enlouquecerem, face à falta de condições mínimas de subsistência. Inclusive a água e os mantimentos tinham que ser transportados, numa coluna diária por um trilho rasgado na selva. As altas temperaturas dentro dos abrigos, os insectos, as cobras que deslizavam da selva durante a noite, procurando o calor dessas fortificações, autênticos fornos, a exposição a atiradores e às flagelações por RPG, tudo isso, recuando 40 anos [hoje, 45] nas minhas memórias, era impensável ser suportado nos dias de hoje” [P11129].

Quanto à Região de Quitafine, a sul de Cacine, cuja base era considerada o “santuário do PAIGC” na opinião do camarada Juvenal Candeias, alf mil da mesma Unidade [P4961 e P11127], este acrescenta que aí o PAIGC “estava fortemente instalado, numa mata que era densa e intransponível e provido de dispositivos de segurança, que tornavam os nossos movimentos impossíveis, salvo com utilização de meios excepcionais. Com trilhos minados e sentinelas avançadas [algumas em cima de árvores] permitiam-lhes uma tranquilidade apenas quebrada pelos obuses de 14 mm, disparados do nosso destacamento de Cameconde."

Dispunham, como efectivos [forças regulares], “um grupo especial de 20 lança-granadas, responsável pelas constantes flagelações a Cameconde, que era apoiado por um bigrupo disperso pela zona de Cassacá e Banir (onde se supunha estar o comando). Estes efectivos eram reforçados por uma vasta população armada em autodefesa [forças locais], distribuídas pelas tabancas de Ponta Nova, Bijine, Dameol, Cassacá, Banir, Campo, Cassebexe e Caboxanque, entre outras. O respectivo reabastecimento era regular e seguro [como se depreende na carta de Amílcar Cabral], feito a partir da fronteira com a Guiné-Conacri, através de vários rios, em especial o Caraxe e o Camexibó."
Como prática operacional, “as forças na região furtavam-se sistematicamente ao contacto [aliás, como em todas as frentes], optando por uma estratégia defensiva de protecção às populações que controlava, privilegiando as flagelações e a colocação de engenhos explosivos”. [Vd. postes P4961 e P11127].


2.2.  A carta de Amílcar Cabral enviada a Pedro Pires em 19 de janeiro de 1973, na véspera de ser assassinado





Fonte: Portal Casa Comum

Instituição: Fundação Mário Soares

Pasta: 07166.001

Assunto: Comunica que recebeu a mensagem sobre a concentração do inimigo em Cacine. Propõe que se averigue a veracidade da informação e apresenta as instruções para o ataque na mesma área, mobilizar homens e armamento para a região e zonas circundantes, montar emboscadas, minar as vias terrestres, preparar as populações para a defesa contra os bombardeamentos.

Remetente: Amílcar Cabral.

Destinatário: Pedro Pires

Data: Sexta, 19 de Janeiro de 1973

Observações: Anexa cópia.

Fundo: Pedro Verona Pires

Tipo Documental: Correspondência

Citação:

(1973), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34467 (2017-4-24)


3. Conclusão

Pelo exposto se conclui que na época em análise as NT e a guerrilha organizavam-se em função das informações que circulavam entre os dois lados da fronteira, obtidas em “fontes privilegiadas” (ou “secretas”), influenciando depois todas as acções no terreno, bem como o sentido de cada uma delas, definidas nas políticas, finalidades e objectivos, e nas formas que as acções práticas deveriam tomar: as individuais e as colectivas.

Jorge Araújo, 3/4/2017
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Nota do editor